A economia baseada no crescimento é realmente um fenômeno recente, o seu domínio é onipresente e tem assumido uma qualidade "estrutural" nas sociedades atuais, o chamado "impasse do crescimento". O crescimento é visto como imperativo para estabilizar as sociedades modernas, pois proporciona emprego, provisão do setor público através de receitas fiscais, aumento dos salários, incentivo a uma "vida melhor" e, portanto, estabilidade social. Num processo coevolucionário, uma série de instituições se desenvolveram e estão agora associadas a uma economia capitalista baseada no crescimento, incluindo o estado-nação, a democracia representativa, o estado de direito e os atuais sistemas jurídicos, financeiros, assim como o mercado de trabalho, a educação, a pesquisa e o estado social. A integração do sistema econômico capitalista, baseado no crescimento dessas instituições, e modos de pensar coevoluídos tornam difíceis a transição para um sistema de decrescimento, porque a mudança do sistema econômico envolve também uma transformação paralela dos sistemas associados. Dois exemplos que se ligam diretamente ao bem-estar das pessoas ilustram esse ponto: a relação entre o estado de bem-estar social e o crescimento e entre o crescimento e as mentalidades e identidades das pessoas.
Embora o crescimento econômico apoie o estado de bem-estar social, em muitos aspectos, isso também funciona ao contrário: o estado de bem-estar social apoia o crescimento, ao melhorar os níveis de saúde e educação da população, proporcionando uma "rede de proteção" para os desempregados e mais desfavorecidos. Isso ajuda a manter a ordem social e a aumentar a procura e produtividade dos consumidores. Por sua vez, a redução da proteção ao emprego e a criação da meritocracia levam a uma mentalidade mais individualista e materialista entre as novas classes médias, com a concorrência, o expansionismo e o consumo elevado contribuindo para o crescimento econômico contínuo e a subsequente crise sistêmica e climática que estamos vivendo hoje.
Atualmente, a era da globalização e do desenvolvimento está desmoronando. Para muitos, a vida cotidiana é frequentemente uma questão de sobrevivência, não de progresso. A "era da austeridade" tem corroído a "rede de proteção" do estado de bem-estar social em muitos países. No entanto, o progresso ainda é definido pelas lentes monoculturais ocidentais de crescimento e desenvolvimento – a acumulação permanente de bens materiais, baseada nos pressupostos de crescimento infinito, impulsionada pelo lucro e dominada por um modelo individualista de mentalidade e extrativismo.
Embora a luta contra a pobreza tenha sido bem-sucedida em alguns locais, isso foi conseguido à custa de um aumento das desigualdades e da destruição ambiental em outros locais. O progresso está se mostrando um retrocesso, uma vez que a lógica capitalista das sociedades ocidentais não consegue deixar de explorar a natureza. O extrativismo e o desperdício no consumo minam o bem-estar social. Esse é, particularmente, o caso nos lugares onde se veem impactos graves na natureza, onde as pessoas dependem diretamente dos ecossistemas locais, onde as comunidades e a sua subsistência foram destruídas e a sua cultura usurpada. Há enormes custos econômicos, resultados da destruição da natureza, mas esses não são, na sua maioria, contabilizados.
Hoje, em nome da globalização e do desenvolvimento, estamos vendo
a emergência de acordos de mercado de comércio livre que dão prioridade ao poder empresarial e se sobrepõem à legislação governamental que protege o bem-estar social e ambiental (manifestada em acordos de comércio livre como o Ceta).
a desregulamentação a fim de promover a privatização radical e a "globalização" neocolonial, com vista a maximizar a rentabilidade e a acumulação de riqueza privada.
a abolição dos sistemas de segurança social ou dos estados de bem-estar social e mudanças das leis que diminuem as liberdades civis e a proteção dos direitos humanos, levando a um aumento da repressão social, como o racismo e a discriminação de classe.9
o desmantelamento do coletivismo e a promoção do individualismo agressivo, aumentando o consumo individual e coletivo e a concorrência, o que pressiona fortemente a eficiência nas cadeias de produção, individualmente isso leva ao aumento das desigualdades.
níveis elevados e crescentes de pobreza e exclusão social e violações dos direitos humanos, combinados com publicidade agressiva para influenciar as escolhas dos consumidores – enquanto a narrativa dominante coloca a responsabilidade sobre os consumidores e as suas demandas como a força motriz por detrás do funcionamento dos mercados e do crescimento do excesso de consumo.
As classes baixa e média em todo o mundo começaram a perceber que as expectativas alimentadas pela ideia ocidental de progresso não vão ser supridas. Muitas foram alienadas das suas tradições, conscientes dos estilos de vida ocidentais por meio dos seus smartphones, mas excluídas desse mundo moderno. Embora a promessa de globalização e de progresso esteja se evaporando, ela deu início a uma era de nacionalismo populista. Entretanto, com a humanidade enfrentando a sua própria extinção diante da ameaça das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade, o medo pelo futuro tornou-se parte da nossa mentalidade coletiva, um medo de que as perspectivas de vida estejam se reduzindo e de que os nossos filhos e netos estejam menos protegidos. Estamos passando por períodos de injustiça, de turbulência cultural e de declínio ecológico generalizado. Desde os Limites do Crescimento em 1972 até ao artigo coletivo Limites do Planeta (Planet Boundaries, 2009), a análise é clara: o desenvolvimento como crescimento torna as condições no planeta Terra cada vez mais inóspitas para os seres humanos e para os ecossistemas dos quais dependemos.
Hoje, o nível de exploração e destruição da natureza está num ponto de crise, claramente ligado ao fato de que as divisões entre os mais pobres e os super-ricos nunca foram tão grandes. Essa situação provoca impactos ecológicos desastrosos, pois quanto mais rico, mais danos se causa, mas os que se beneficiam ficam isolados dos piores efeitos.
Como foi já analisado por Peter Philips no seu livro Gigantes, quantidades sem precedentes de finanças e poder são detidas por apenas algumas pessoas. As 26 pessoas mais ricas do mundo detêm a mesma riqueza que as 3,8 milhões mais pobres, enquanto o controle dessa riqueza – no valor de 50 bilhões de dólares – é determinado por apenas 17 grandes empresas de gestão de investimentos, por sua vez controladas por apenas 199 diretores. Essa é a elite do poder global – uma extensão do imperialismo americano – que toma decisões políticas e tem o controle direto sobre onde investir: em geral as grandes empresas emissoras de CO2, extração de recursos e destruição de habitats, para seu benefício mútuo. Esses investidores precisam aumentar continuamente o seu capital, mas a sua riqueza é tão volumosa que estão ficando sem locais para investir e rapidamente adquirindo empresas públicas, privatizando tudo, desde infraestrutura, recursos hídricos, saúde e educação. Estão por detrás do crescente conluio entre a política e o mundo empresarial, bem como com o aumento das despesas com defesa e das empresas de segurança privadas que protegem a classe empresarial transnacional e defendem o seu capital. São esses grandes valores que também controlam a mensagem e os meios de comunicação, com 80% das notícias televisivas preparadas ou encomendadas por empresas de relações públicas que trabalham para empresas ou governos e asseguram a ausência de críticas ao capitalismo, construindo narrativas falsas quando se veem ameaçados.
Essa aquisição da esfera pública pelas empresas é contra os interesses do povo e dos governos democraticamente eleitos – quer devido às suas interferências em mudanças de regime, quer às ameaças de cobrança de dívidas. Com pouca supervisão governamental ou escrutínio público, os bilionários não eleitos estão moldando a política pública através da "ajuda aos necessitados" ou do "filantrocapitalismo", assegurando efetivamente que o dinheiro que colocam nas suas fundações acabe por gerar mais dinheiro para si próprios, enquanto privam os cidadãos do seu próprio país dos recursos dos impostos.
Para a Fundação Gates, essa filantropia é um cavalo de Troia, por permitir que uma rede digital seja controlada centralmente, o que equivale à captura corporativa do sistema de alimentação, impondo organismos geneticamente modificados (OGM) e a ditadura digital, e isso tem levado a uma forte resistência por parte de agricultores indianos.
(Esse trecho está meio solto... Não há menção anterior de agricultores indianos nem de almentação... Falta uma conexão lógica)
Como sempre, o capitalismo neoliberal continua se reinventando, de forma a dar continuidade ao impulso da Grande Aceleração com a sua visão futurista. Os planos da mentalidade capitalista empresarial envolvem ainda mais crescimento maciço e um maior controle corporativo das nossas vidas através das "Tecnologias da Quarta Revolução Industrial", alimentado pelo investimento privado em inteligência artificial (IA) e uma nova corrida espacial para a criação de hotéis espaciais que irá permitir que as indústrias extrativas se expandam para além da própria Terra. Enquanto as empresas trabalham sem parar para tornar essa fantasia realidade, parecem não se importar com as crises sem precedentes causadas por tal mentalidade de crescimento, o que poderá levar ao colapso dos ecossistemas e da sociedade aqui na Terra. Sem dúvida, as suas enormes riquezas as protegerão dos piores efeitos.
Nunca é demais salientar os impactos psicológicos e espirituais dessa falta de equilíbrio no mundo. O excesso de riqueza conduz também a sociedades desiguais, nas quais as pessoas sofrem com a deterioração da confiança, aumento da ansiedade – incluindo ansiedade relacionada com o status social – e o adoecimento. Tudo tem impacto no bem-estar dos indivíduos. A riqueza do Norte Global tem sido construída ao longo de muitos séculos, através da extração e exploração da natureza e das pessoas no Sul, bem como pela criação de divisões dentro dos países do Norte. Assim, além de parar imediatamente os novos planos para projetos extrativistas, há uma necessidade de reparação imediata, principalmente por parte dos países europeus e dos EUA, começando pelas suas grandes corporações e elite rica, para com os países da América Latina, África e Ásia, pelos danos causados pelo colonialismo e pelo seu sistema contínuo de exploração. É também preciso chamar a atenção para a "mentalidade do grande capital" que evoluiu a partir dessas injustiças e que representa hoje em dia uma grande ameaça para a humanidade.
A confusão e as crises sistêmicas resultantes deram origem a três narrativas diferentes – "a fortaleza", "globalismo" e "solidariedade". O garoto propaganda do "pensamento do tipo fortaleza" é Donald Trump e os seus slogans nacionalistas "Make America Great Again" (Tornemos a América Grande Novamente) e "America First" (A América Primeiro). Líderes autoritários orgulham-se das identidades nacionais e raciais, o que leva ao ódio a pessoas de fora. Em contraste, o "globalismo" promoveria um mundo idealmente desregulado e de comércio livre, que traz riqueza e bem-estar a empresas e consumidores em toda a parte. O "crescimento verde e inclusivo", aliado às tecnologias inteligentes, é o caminho a seguir – no entanto, esta é uma falsa promessa porque está ligada a um crescimento destrutivo infinito.
Por último, mas não menos importante, temos a narrativa da "solidariedade" que combate a ideia de individualismo e a cultura do lucro, coloca os direitos humanos e os princípios ecológicos no centro do seu sistema de valores e promove as forças de mercado como meio para atingir um fim. "Pensar globalmente, agir localmente" redefine a prosperidade e reconhece a importância da política e da ação locais; isso implica que não existe uma varinha de condão e que existem muitos caminhos para uma transformação social em que todos os seres vivos são considerados prioritários.
O mundo está mudando e a transformação já está acontecendo. Há uma enorme expansão das energias renováveis, e os empregos no setor podem aumentar de 9,8 milhões em 2016 para mais de 24 milhões em 2030. Por outro lado, a eliminação gradual do carvão e do motor de combustão e o declínio do petróleo trazem incertezas aos trabalhadores dessas indústrias, que enfrentam a necessidade de se adaptarem a mudanças radicais.
Os mineiros do carvão, os trabalhadores de outras indústrias extrativas e os trabalhadores na produção energética não enfrentam os mesmos desafios e nem têm as mesmas oportunidades pela frente, porém partilham a mesma ansiedade e incerteza. Se não enxergarem um futuro tangível para si próprios e não sentirem que têm voz no processo, resistirão e darão apoio à "dança macabra" da indústria dos combustíveis fósseis.
A indústria das renováveis não absorverá toda a mão de obra deixada para trás pela eliminação progressiva dos combustíveis fósseis. Embora existam exemplos positivos, as competências requeridas pelas duas indústrias não são totalmente transferíveis e as localizações geográficas muitas vezes não se sobrepõem. As estratégias de transição justas e bem-sucedidas são muito locais e consistem num plano de desenvolvimento e regeneração totalmente voltado para os aspectos de cada região, incluindo incentivos para revitalizar pequenas e médias empresas, diversificação e planos sociais sob medida para os trabalhadores aposentados e as suas famílias.
O caos e a confusão do surto da Covid-19 expuseram algumas verdades inevitáveis sobre a forma como vivemos. Mostraram-nos o quão vulneráveis, interdependentes e interligados somos. Uma a uma, todas as falhas dos nossos atuais sistemas socioeconômicos estão se revelando, em particular a destruição de hábitats e o comércio de vida selvagem, combinados com as viagens transnacionais, o que permitiu que o vírus surgisse e se espalhasse. Essa crise também expõe as desigualdades em todo o mundo, uma vez que os mais desfavorecidos sofrem de forma desproporcional, agravando a pobreza e a necessidade de se deslocarem. Como resultado, os sistemas de apoio, especialmente os cuidados de saúde, estão em dificuldades. Os nossos sistemas falidos são incapazes de lidar com a emergência da Covid, quanto mais com a ameaça iminente de colapso social e ambiental.
Tal como a crise do petróleo nos anos 1970 abriu as portas ao capitalismo neoliberal, a crise da Covid revelou hoje as fraquezas críticas do status quo. Essa pode ser a oportunidade que precisamos para permitir que a narrativa alternativa de solidariedade que ressurgiu na última década finalmente desponte e domine.