“A democracia viva cresce como uma árvore, de baixo para cima.” ― Vandana Shiva
Tornar-se um cidadão ativo versus consumidor para reimaginar a democracia. Colocar as experiências acima das coisas.
Há uma consciência crescente de que a crise climática ameaça os direitos fundamentais à água, alimentação, segurança e habitação, e exacerba a desigualdade. O ano de 2019 caracterizou-se por numerosas manifestações populares, desde o ativismo sobre a crise climática, até as mobilizações provocadas pela angústia econômica e pela desigualdade, passando pelas revoltas exigindo mais e melhor democracia. A Covid-19 revelou quão insustentável é o nosso modelo econômico e expôs quão frágeis e vulneráveis são as nossas sociedades. Embora países inteiros tenham passado por graus diferentes de confinamento, o aumento das restrições às liberdades fundamentais ameaçou a própria democracia, com restrições aos protestos na rua contra os tomadores de decisão para responsabilizá-los, em particular nos regimes autoritários ou populistas que surgiram na última década, como a Índia, o Brasil, os EUA e a Rússia.
Por outro lado, as pessoas em todo o mundo estão alienadas das elites políticas e empresariais egoístas, desconfiam do lobby. O populismo e o clientelismo dominam a cena política, provocando o início de uma grande transformação da democracia. Esse contexto, impulsionado pela mudança social e tecnológica subjacente, estimulou a criatividade em todos os níveis e permitiu novos e inovadores canais, movimentos sociais e formas dos cidadãos serem mais ativos e envolvidos na política e na tomada de decisões. Visões alternativas da sociedade e da verdadeira democracia estão ressurgindo por todo o lado e abrindo a possibilidade de reimaginar o papel do estado, como facilitador de iniciativas, lideradas pela comunidade e pelos cidadãos, que desbloqueiem a inclusão, representem os interesses das gerações atuais e futuras e deem poder aos cidadãos para terem igual acesso ao poder de decisão.
A democracia participativa é uma forma de democracia em que cidadãos individuais e comunidades participam na formação de políticas e leis por intermédio de um envolvimento consistente. Exemplos, com ressonância global significativa, surgiram de movimentos de base como o "Eco-swaraj" (uma antiga prática indiana agora conhecida como Democracia Ecológica Radical), que coloca coletivos e comunidades no centro da governança e da economia e procura dar poder a cada pessoa para fazer parte da tomada de decisões. O crescente movimento civil realça a necessidade de conversas globais e nacionais para responder à crise sistêmica global, com participação pública e envolvimento direto das comunidades locais, bem como a cooperação e a solidariedade global e nacional. Outros movimentos relevantes estão se moldando neste momento, tais como os que demandam a inclusão de uma visão de longo prazo nas instituições e nos sistemas jurídicos das nossas democracias, para que possamos lidar com as ameaças globais, desde a crise climática à disrupção tecnológica, que afetará as próximas gerações. Esses movimentos ainda estão fragmentados, mas ganham ímpeto como justiça intergeracional e o princípio da sétima geração.
Durante décadas, o conluio entre governos e empresas, bem como o curto prazo dos ciclos eleitorais (4 anos), foi uma das causas que têm impedido os políticos de tomar medidas corajosas para enfrentar a crise climática e agir no melhor interesse da atual e das gerações futuras. Vivemos numa época de miopia política e polarização social, com o nacionalismo e a desigualdade em ascensão e o consumismo como o motor do nosso bem-estar e felicidade. As falhas nas democracias e a diminuição dos espaços civis estão aumentando em todo o mundo. O relatório de Liberdade no Mundo de 2021 (Freedom in the World) registra pelo 15.º ano consecutivo o declínio da liberdade global, com a maior diferença registrada entre o número de países em deterioração, comparados ao número de países com melhorias desde que a tendência negativa começou em 2006. Os direitos civis e a liberdade de expressão estão sob ataque e os defensores do ambiente estão cada vez mais em risco em muitas partes do mundo.
Cultivar um sentido de pertencimento e promover visões alternativas de vida que integrem o pensamento de longo prazo e enfatizem o que temos em comum, em vez de mantermos um pensamento de curto prazo e nos focarmos no que nos separa, provavelmente é o desafio mais decisivo dos tempos atuais. O nosso futuro como civilização pode depender de como nos unimos, de como colaboraremos em grande e pequena escalas para enfrentarmos as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade, como cultivamos valores democráticos compartilhados, de como falamos e nos ouvimos, de como damos e tiramos da sociedade ou colocamos e retiramos do planeta, e de como respeitamos a diversidade e compreendemos os direitos e responsabilidades, incluindo os das gerações futuras. No cerne de tudo isso, a participação pública e algumas das práticas indígenas mais antigas podem permitir que nos tornemos cidadãos ativos e reimaginemos democracias enraizadas no pensamento de longo prazo, na tomada de decisões lideradas pela comunidade, na cooperação e na solidariedade. Tornar-se um cidadão ativo é fundamental para enfrentar muitos dos problemas econômicos, políticos, sociais e mesmo psicológicos que a humanidade enfrenta atualmente. É uma forma de vencer a apatia e o consumismo sem sentido por parte das empresas que promove a gratificação instantânea, os valores materialistas e está ligado a uma menor satisfação de vida, particularmente no mundo ocidental, mas também mais recentemente nas economias emergentes. Tornar-se um cidadão ativo implica fazer "coisas" para melhorar a vida dos outros e das gerações futuras, não só mudando o estilo de vida e sendo voluntário, mas também questionando a forma como as coisas são feitas ou tomando medidas para fazer a diferença. Trata-se também de praticar a democracia, enquanto envolvimento político, e a participação democrática em todos os níveis, local, nacional e global.
A boa notícia é que estão sendo ativadas formas radicalmente novas de fazer democracia por meio de experiências em assembleias populares, orçamentos participativos, fóruns de cidadãos, redes distribuídas, coprodução, cooperativas, bem como desobediência civil e ações diretas que chamam a atenção para as injustiças.
As cidades estão liderando a ação climática e tornando-se politicamente mais poderosas. As cidades têm a flexibilidade e a adaptabilidade para se tornarem resistentes e receptivas a problemas a longo prazo. São também o ponto de partida para a transformação contínua da democracia, onde a maior parte da exploração, testes e promoção de inovações e experiências democráticas está acontecendo e desencadeando a participação pública. O Índice de Solidariedade Intergeracional mostra que, quanto mais descentralizado for um governo na sua tomada de decisões, melhor será o seu desempenho em termos de política pública de longo prazo.
A democracia participativa parece estar presente nas cidades sob a forma de orçamentos participativos, reuniões de câmaras municipais ou assembleias de cidadãos.
Os orçamentos participativos (OP) são um processo de deliberação democrática e de tomada de decisões, em que as pessoas decidem como alocar parte de um orçamento municipal ou público. O OP começou em Porto Alegre, Brasil, em 1989, como uma medida antipobreza que ajudou a reduzir a mortalidade infantil em quase 20%. O Orçamento Participativo implica formas de governança mais inclusivas e transparentes ao redirecionar as prioridades para onde é mais necessária, melhorando a qualidade de vida dos cidadãos, criando melhores instituições e permitindo aos cidadãos tomar medidas em questões como as mudanças climáticas.
As assembleias de cidadãos são compostas por cidadãos comuns, não por políticos eleitos, que são convidados a discutir uma questão e a fazer recomendações sobre políticas. São uma forma de democracia participativa-deliberativa com enfoque na construção de consensos e são potencialmente fundamentais para encorajar a participação cívica abrangente. Promovem valores de filiação e de universalismo e são uma forma de partilhar e aprender com as experiências. Uma assembleia de cidadãos sobre justiça climática poderia capacitá-los para assumirem a liderança na emergência climática. Os políticos seguirão. O resultado poderia ser um apelo aos governos nacionais, instituições regionais e globais para que criem e sejam liderados por assembleias de cidadãos para lidarem com a emergência climática.
Essas formas de democracia podem elevar a figura ativa do cidadão que
pode transformar as cidades, colocando no centro o direito de acesso à água e ao saneamento, habitação, transportes, alimentação, espaços verdes e natureza e aumentando a ambição climática regional e nacional.
envolve-se com as necessidades da comunidade e cria soluções de base lideradas pelos cidadãos em que os comuns prosperam e "infraestruturas sociais" preenchem o vazio criado pela falta de infraestruturas físicas.
Propõe uma mudança de mentalidade de curto prazo para o pensamento de catedral, bem como adota um pensamento de longo prazo ao tomar decisões sobre investimentos, práticas e políticas que irão afetar as gerações atuais e futuras.
Defende os direitos intergeracionais que buscam um equilíbrio entre as necessidades das gerações atuais e futuras ou dos direitos planetários que conferem personalidade jurídica a entidades não humanas, tais como rios e florestas.
Procura formas de representar os interesses das gerações futuras nas nossas instituições, para que os custos e benefícios das decisões de longo prazo sejam considerados.
desafiam o modelo de neoliberalismo extrativo e explorador no local de trabalho, adotam a propriedade democrática das empresas e promovem as pequenas cooperativas sem fins lucrativos, incluindo as cooperativas de plataformas.
fortalecem a relocalização da economia para que as comunidades locais e regionais possam tornar-se "prossumidoras", por exemplo, ter controle sobre os meios de produção, distribuição, troca e mercados; e proveem todas as necessidades básicas. A dependência da propriedade privada e do comércio global é minimizada, sem cair na armadilha do fechamento xenófobico de fronteiras a "estrangeiros". Um maior comércio e intercâmbio, se/onde for necessário, é construído sobre e salvaguardado por essa autossuficiência local. A natureza, os recursos naturais e outros elementos importantes que se alimentam da economia, são governados como um bem comum. As relações não monetarizadas de cuidado e compartilhamento recuperam a sua importância central e os indicadores são predominantemente qualitativos, centrando-se nas necessidades básicas e no bem-estar.
Amplifiquem as práticas e narrativas dos povos indígenas de agência e verdadeira democracia, tais como o princípio da sétima geração que apela à justiça e equidade intergeracionais e à responsabilidade coletiva.
Aumentem o poder da comunidade dentro e através da sociedade.
Nos permitam reimaginar a nossa democracia com a centralidade da comunidade como tomadoras de decisão.
Nos mobilizem para a democratização da propriedade.
Encorajem as pessoas a se tornarem cidadãos ativos, tomando ações individuais e coletivas que se tornem o modelo para a nossa sociedade.
As pessoas compreendem o que significa se tornar um cidadão ativo versus apenas ser um consumidor apático, indo para além de alavancar o poder de consumo para se envolverem na tomada de decisões, definindo políticas e legislação e controlando coletivamente o poder empresarial e político. Comunidades, relações, conexões e experiências têm prioridade sobre as coisas e são construídos sistemas de recompensa que espelham esses comportamentos como socialmente desejáveis. Destaque-se o reconhecimento e a adoção de algumas práticas das comunidades indígenas que encorajam uma mentalidade para o legado e um pensamento a longo prazo, que estão à altura de uma democracia mais inclusiva e real, baseada nos valores da filiação, universalismo, respeito e dignidade, direitos humanos, direitos da natureza, igualdade e equidade, entre outros.
Estudos de caso:
Há comunidades em todo o mundo que já demonstraram como as práticas indígenas e a democracia participativa podem empoderar os seus cidadãos para serem autônomos e tomar medidas, tornando o governo mais receptivo às necessidades públicas e produzindo resultados mais equitativos.
Também desafiaram as hierarquias políticas inerentes à democracia liberal para atingir uma maior distribuição de poder para as pessoas e comunidades;
Abahlali base Mjondolo, um movimento de campanha pelos famosos bairros de lata na África do Sul, foi rotulado de "neuroticamente democrático" – mas o seu líder prefere chamar de "comunismo vivo".
Várias comunidades rurais na Índia afirmaram vários níveis de governança política e econômica autônoma, mesmo respeitando a Constituição Kothari das Perspectivas Ásia-Pacífico indianas. Elas querem ser as principais decisoras nas suas regiões, o que, segundo elas, é o verdadeiro significado da democracia. Aldeias na região de Gadchiroli em Maharashtra e nas áreas de Adivasi em Jharkhand fizeram essas afirmações diante das ameaças da mineração, barragens e outros projetos de "desenvolvimento".
Os curdos da região que se estende pela Síria, Turquia e Iraque estão tentando conceber uma sociedade baseada em princípios de democracia direta e ecofeminista, no meio de uma região em conflito e militarizada.
No Brasil, o governo municipal de Porto Alegre introduziu o orçamento participativo em 1989 a fim de melhorar a qualidade de vida e a saúde dos seus cidadãos, visando, ao mesmo tempo, a democratização e descentralização.
Na Espanha, Decide Madrid é uma plataforma tecnológica que tem registrados mais de 200 mil cidadãos que participam no processo de orçamento participativo, atribuindo anualmente mais de 100 milhões de euros de fundos municipais, e que leva a um novo modelo de mobilidade mais sustentável, entre outros êxitos.
As ruas abertas na Cidade do Cabo têm como objetivo enfrentar os desafios da mobilidade. O Bike Bus envolve grupos de viajantes que entram e saem da cidade juntos de bicicleta em horários predeterminados e ao longo de percursos predeterminados, como forma de navegar em segurança por estradas dominadas por carros e por bairros inseguros. Além da segurança, essa iniciativa proporciona uma alternativa econômica viável para os residentes que vivem nas franjas da cidade, ao mesmo tempo que promove um futuro justo e consciente do clima.
Caso Urgenda, uma causa ganha com base nos direitos dos cidadãos holandeses a um clima seguro no futuro.
Utilize este momento de disrupção para
De: Pensamento de curto prazo.
Para: Pensamento de catedral/ Direitos Intergeracionais/ Princípio da Sétima Geração.
De: Mentalidade apática de "a minha contribuição é irrelevante".
Para: Responsabilidade coletiva. Envolvimento social e cidadania ativa. Valores comunitários e de ajuda mútua como forma de se tornar mais resiliente.
De: Mentalidade apática de "a minha contribuição é irrelevante".
Para: Uma participação mais ativa em ser parte da solução e no que significa viver uma vida saudável, rica e feliz dentro dos limites ambientais. "Nós como vizinhos" e "Nós como cidadãos".
De: Só o mercado livre e os modelos extrativos podem desencadear a felicidade criando crescimento econômico.
Para: A economia deve funcionar dentro dos limites ambientais do planeta.
De: Ter mais coisas me faz feliz.
Para: A autoestima está ligada às nossas relações e experiências, não à compra de mais coisas.
De: Nacionalismo.
Para: Cooperação e solidariedade global e nacional, interconectividade e reciprocidade.
De: Populismo.
Para: Universalismo com aceitação dos outros de uma forma inclusiva, com engajamento democrático, respeito e dignidade, direitos humanos, direitos da natureza, igualdade e equidade, entre outros.
De: O capitalismo e a democracia não podem ser separados.
para: As alternativas impulsionadas por e para os cidadãos, que colocam as pessoas, o ambiente e as relações humanas no centro da economia tornam as nossas democracias mais fortes.
2. Unsettle power dynamics and force the political and economic elites to change to eventually redistribute power from the few to the many. By building and sustaining people and community power over decisions the balance of power can be shifted. When the community takes action, it becomes more resilient, therefore more independent and sufficient. Community power is about investing in and developing the deep relationships and trust necessary to move the work forward, listening to each other’s experiences, allowing the people closest to the issues to name what they need in order to thrive, and continually showing up for each other, because people’s lives depend on it. A good example of this is the democratisation of energy which can have deep political implications and shift power. As ownership and distribution become local, communities start to feel their sense of agency and want other issues to be decided locally.
3. Support new models of participatory democratic governance led by and for communities traditionally left out of decision-making spaces as:
Práticas, experiências e interações indígenas baseadas no pluralismo, na mentalidade de legado, sabedoria ecológica e resiliência. Modelos em que os seres humanos são um com a natureza, baseados no bem-estar social e na justiça, com democracias que distribuem uniformemente o poder de decisão e em que as pessoas possuem os meios de produção e distribuição.
A democracia participativa, a tomada de decisões e os orçamentos participativos de baixo para cima, baseados no povo, por exemplo, as assembleias de cidadãos e os orçamentos participativos são um elemento central da tomada de decisões políticas que limitam a influência do grande capital e envolvem diretamente os cidadãos na luta contra a desigualdade e a emergência climática. Assembleias de Cidadãos vinculantes, apoiadas por especialistas, representativas e transparentes sobre o clima e a justiça ecológica são uma das principais exigências do movimento Extinction Rebellion.
Política P2P, cidade dos comuns e coligações municipais que são orientadas para o bem comum, reforçam os processos participativos e democráticos, por exemplo a Assembleia dos Comuns Europeus, uma rede pan-europeia de commoners envolvidos na ação política, ou as Assembleias de Cidadãos sobre o Clima e Justiça Ecológica na Irlanda e em implementação no Reino Unido.
Promovam novos modelos empresariais semelhantes aos das cooperativas, que democratizam o local de trabalho e distribuem a propriedade, o poder e a riqueza igualmente entre aqueles que criam valor, em muitos casos ajudando a criar emprego aos desempregados e marginalizados. Em alguns casos, há o ativismo de ação direta com ocupações de moradias, terrenos, empresas e fábricas.
Exijam uma abordagem centrada na comunidade, em que os espaços públicos são utilizados para artes, cultura e atividades que nos aproximam, em vez de serem vendidos a corporações. Investimento público em infraestruturas que aproximem comunidades, tais como centros culturais e desportivos, teatros e centros comunitários.