O PARADOXO DA CLOROQUINA PODE CAUSAR MAIS DANOS DO QUE AJUDAR A COMBATER O COVID-19


O artigo comentado foi publicado na forma de Letter to the editor na revista Microbes and Infection, publicação do Instituto Pasteur da França, pelo Doutor Anuj Sharma da Uniformed Services University of the Health Sciences (USUHS), uma academia federal de profissões nas áreas da saúde das Forças Armadas Americanas.

Com o surto do novo coronavírus causador da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2) atingindo proporções pandêmicas, está havendo uma busca frenética por um medicamento eficaz, entre outros, a cloroquina (CHL) e seu derivado mais seguro hidroxicloroquina (HCHL) se tornaram candidatos a medicamentos anti-SARS-CoV-2, uma vez que a CHL inibiu o vírus em culturas de células e parece reduzir a carga viral em pacientes. A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA concedeu uma autorização de uso emergencial para o uso da HCHL no tratamento de coronavírus 2019 (COVID-19).

Esses medicamentos são excelentes drogas antivirais in vitro, pois aumentam o pH endossômico e lisossômico e interferem na glicosilação das proteínas. O pH ácido dos endossomos e lisossomos ajuda na fusão do vírus às células, bem como na liberação de seu material genético para iniciar a replicação ativa do vírus in vitro. No entanto, quando avaliados os resultados in vivo, revelou-se que não existe efeito significativo na replicação viral e na gravidade da doença, como já descrito na prevenção da influenza A (H1N1, H3N2) em 2011; no tratamento e na sintomatologia da dengue (DENV) em 2010 e 2013; ele aumenta a replicação do vírus da floresta Semliki (SFV), um vírus capaz de causar encefalomiocardite letal em roedores e estudado como possível conexão entre o aumento da disseminação de AIDS em áreas endêmicas da malária com amplo uso de CHL, demonstrado em 1991; consideradas totalmente ineficazes contra as infecções dos vírus Nipah (NiV) e vírus Hendra (HeV) in vivo, dois paramixovírus zoonóticos responsáveis pela Síndrome Respiratória Equina Aguda transmitida por morcegos no sudeste asiático e na Austrália, em 2009; em relação ao vírus chikungunya (CHIKV) não afetou a viremia ou parâmetros clínicos durante o estágio agudo da doença e em pacientes com o tratamento curativo pode atrasar as respostas imunes adaptativas sem nenhum efeito supressor na carga viral periférica, em 2018; e quanto ao vírus Ebola (EBOV), um estudo de 2015 forneceu evidências para mostrar que a CHL não é uma terapia promissora para EBOV em modelos animais de infecção com resultados considerados decepcionantes pelos pesquisadores. Cabe ressaltar que em crianças tratadas com CHL após infecção por malária, a incidência do vírus Herpes zoster (HZV) foi acentuadamente aumentada, o que de outra forma não é comum em crianças.

Os estudos paradoxais sobre o efeito de CHL e HCHL na replicação de vírus são de particular importância do ponto de vista da saúde pública, porém é necessária uma revisão cuidadosa e completa da atividade antiviral antes do uso generalizado de qualquer medicamento para tratar COVID-19, a aplicação apressada e não baseada em evidências clínicas para tratamento crônico pode oferecer risco de toxicidade por overdose, exacerbando os resultados negativos da doença e aumentando a morbidade.



Artigo comentado:


Chloroquine paradox may cause more damage than help fight COVID-19

Anuj Sharma

Microbes and Infection; Available online 17 April 2020.

https://doi.org/10.1016/j.micinf.2020.04.004

https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S128645792030071X



Material de apoio à leitura da Carta ao Editor:


Chloroquine for influenza prevention: a randomised, double-blind, placebo controlled trial

N.I. Paton, L. Lee, Y. Xu, E.E. Ooi, Y.B. Cheung, S. Archuleta, et al.

The Lancet Infectious Diseases; V. 11, N. 9, p. 677-683, 2011

https://doi.org/10.1016/S1473-3099(11)70065-2


A randomized controlled trial of chloroquine for the treatment of dengue in Vietnamese adults

V. Tricou, N.N. Minh, T.P. Van, S.J. Lee, J. Farrar, B. Wills, et al.

PLoS Neglected Trop Dis, 4 (2010), p. e785

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2919376/


Chloroquine use improves dengue-related symptoms

M.C. Borges, L.A. Castro, B.A. Fonseca

Mem Inst Oswaldo Cruz, 108 (2013), pp. 596-599

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3970591/


Chloroquine enhances replication of Semliki Forest virus and encephalomyocarditis virus in mice

R.K. Maheshwari, V. Srikantan, D. Bhartiya

J Virol, 65 (1991), pp. 992-995

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC239846/


Chloroquine administration does not prevent Nipah virus infection and disease in ferrets

J. Pallister, D. Middleton, G. Crameri, M. Yamada, R. Klein, T.J. Hancock, et al.

J Virol, 83 (2009), pp. 11979-11982

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19759137


Paradoxical effect of chloroquine treatment in enhancing chikungunya virus infection

P. Roques, S.D. Thiberville, L. Dupuis-Maguiraga, F.M. Lum, K. Labadie, F. Martinon, et al.

Viruses, 10 (2018), p. 268

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5977261/


Chloroquine inhibited Ebola virus replication in vitro but failed to protect against infection and disease in the in vivo Guinea pig model

S.D. Dowall, A. Bosworth, R. Watson, K. Bewley, I. Taylor, E. Rayner, et al.

J Gen Virol, 96 (2015), pp. 3484-3492

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Herpes zoster in children following malaria

IF Cook

J Trop Med Hyg , 88 ( 1985 ) , pp. 261 - 264

https://europepmc.org/article/med/3910848



Alexandre Maslinkiewicz

Farmacêutico Bioquímico

Colaborador do Núcleo de Estudos em Microbiologia e Parasitologia

http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/7407300039135772

Centro de Ciências da Saúde - CCS

Universidade Federal do Piauí - UFPI