PNEUMONIA POR COVID-19: DOS ANIMAIS AO HOMEM?


Nos últimos meses, a pandemia de COVID-19 tem aterrorizado milhões de pessoas no mundo todo, e deixado um rastro de morte sem precedentes em nossa história moderna. Trata-se de uma pandemia cujo sujeito é a Doença Respiratória Aguda (COVID-19), causada pelo Coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave 2 (SARS-CoV-2). O primeiro caso surgiu em Wuhan, Hubei, China, em 17 de novembro de 2019. Neste momento, o vírus e sua doença se alastraram por todo o mundo e hoje, 31 de março de 2020, o Brasil contabiliza 201 mortes e mais de 6 mil casos confirmados. Existe um grande esforço para triar a origem do vírus e seu hospedeiro primordial. No entanto, deve ser feita a pergunta: existe um hospedeiro primordial de fato na natureza, que teria infectado o ser humano somente agora e desencadeado a pandemia? A resposta parece não ser simples.

Recentemente, foram levantados dados que permitem relacionar outros membros da família de coronavírus (ao todo 22 na natureza), com o novo coronavírus causador da COVID-19 (SARS-CoV-2, gênero Betacoronavirus, subgênero Sarbecovirus). O SARS-CoV-2 possui um genoma de RNA de cadeia simples linear positiva de cerca de 30 kb. A análise evolutiva de sua sequência nucléica mostrou que o coronavírus era o mais semelhante ao isolado RaTG13 do coronavírus de morcego (GenBank No.: MN996532), com 96,2% de homologia de nucleotídeos em todo o genoma. Outros grupos sugerem que o pangolim, visons, cobras, e tartarugas podem ser potenciais hospedeiros intermediários do vírus, mas ainda precisam de mais evidências para serem confirmadas.

Em um estudo recente, foram comparadas as seqüências de isolados de coronavírus SARS-CoV-2 e de 39 outras espécies. Os isolados foram agrupados em 4 clados, incluindo o gênero Alphacoronavirus, Betacoronavirus, Gammacoronavírus e Deltacoronavírus. Entre os quais, os dois isolados de SARS-CoV-2 testados pertencem ao gênero Betacoronavírus, que possuem uma estreita relação com outros cinco isolados (GenBank: AY515512 , AY613948 , AY572038 , KY417142 e KY417150) derivados de cinco animais selvagens, incluindo Paguma larvata (civeta de palma mascarada), Paradoxurus hermaphroditus (também chamado de musang ou civeta de palmeira asiática), vison, Aselliscus stoliczkanus e Rhinolophus sinicus (espécies de morcego comuns na Ásia), formando mesmo ramo da árvore filogenética. No entanto, o genoma e a homologia com o gene ORF1a mostram que o vírus não é o mesmo coronavírus que os coronavírus derivados desses cinco animais, enquanto o vírus tem a maior homologia com o isolado RaTG13 do coronavírus de morcego.

Além disso, foi identificada uma proteína, a proteína N do SARS-CoV-2 e do coronavírus de morcego RaTG13 que tinham quatro aminoácidos diferentes. A proteína S das duas linhagens possui 33 aminoácidos diferentes (2,59%). Foram encontrados 103 sítios de aminoácidos diferentes (1,45%) em outra proteína, a ORF1ab das duas cepas. Isto é um forte indício de que apesar de ter relação estreita, o SARS-CoV-2 e o RaTG13 de morcego são diferentes. O mesmo ocorre com o genoma do vírus de pangolim quando comparado com SARS-CoV-2: apresenta semelhança, mas não deixa claro se realmente veio do pangolim e evoluiu para outra forma, necessitando de muitos outros estudos.

Também há que se levar em conta informações mais recentes: embora toda a sequência do genoma de SARS-CoV-2 seja quase idêntica, com uma taxa de similaridade de 99,9% em diferentes pacientes no mundo todo, o vírus aparentemente está começando a sofrer mutação em alguns pacientes, sugerindo que o vírus começou a se adaptar ao ambiente humano e seu genoma começou a evoluir na população. Portanto, a detecção e o rastreamento destas mutações e a evolução do vírus na população, bem como o mecanismo de transmissão entre as espécies, são tarefas urgentes a serem realizadas, pois sem estas informações será muito difícil que se consiga fazer uma vacina contra SARS-CoV-2.

Esta é uma guerra ainda muito longe de acabar.


Referências

Ceraolo C, Giorgi FM. Genomic variance of the 2019-nCoV coronavirus. J Med Virol. 2020 May;92(5):522-528. doi: 10.1002/jmv.25700. Epub 2020 Feb 19.

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Daniela Reis Joaquim de Freitas

Doutora em Ciências. Pós-doutora em Ciências Médicas. Docente do Departamento de Parasitologia e Microbiologia da Universidade Federal do Piauí. Coordenadora do Núcleo de Estudos em Microbiologia e Parasitologia. Docente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem – PPGENF-UFPI.