SOFRIMENTO PSÍQUICO DO POVO CHINÊS NA EPIDEMIA COVID-19: IMPLICAÇÕES E RECOMENDAÇÕES POLÍTICAS


Este comentário é de uma pesquisa publicada em revista científica internacional, aborda o sofrimento psíquico da população durante a epidemia de COVID-19, na China. É a primeira pesquisa em escala nacional sobre sofrimento psíquico da população geral da China durante a pandemia de COVID-19.

O principal objetivo foi medir a prevalência e a gravidade do sofrimento psicológico, a carga atual de saúde mental na sociedade e, dessa forma fornecer base sólida para adaptar e implementar políticas de intervenção em saúde mental para lidar com esse desafio, de maneira eficiente e eficaz.

A epidemia de Coronavírus 2019 (COVID-19) surgiu em Wuhan, China, espalhou-se por todo o país e depois para meia dúzia de outros países, entre dezembro de 2019 e início de 2020. De acordo com a Comissão Nacional de Saúde houve 75 599 casos confirmados de COVID-19 em todo o mundo, 74 675 na China, e mais de 2000 mortes até 20 de fevereiro de 2020.

A epidemia do COVID-19 causou sérias ameaças à saúde e à vida das pessoas. A implementação de medidas rigorosas de quarentena sem precedentes na China manteve um grande número de pessoas em isolamento e afetou muitos aspectos da vida da população. Também desencadeou uma variedade de problemas psicológicos, tais como transtorno do pânico, ansiedade e depressão.

Como instrumento de coleta de dados foi utilizado um questionário de autorrelato, projetado para pesquisar o sofrimento psicológico peritraumático durante a epidemia. A coleta de dados iniciou no dia 31 de janeiro de 2020, dia em que a OMS anunciou a Nova pneumonia por coronavírus na China, como emergência de saúde pública, de interesse internacional (PHEIC). Os pesquisadores apresentaram códigos QR do questionário on-line, acessível ao público em geral, em todo o país. O questionário incorporou diagnósticos relevantes, diretrizes para fobias e estresse, distúrbios específicos e dados demográficos (província, sexo, idade, escolaridade e ocupação). Foram obtidas 52730 respostas válidas, de 36 províncias, regiões e municípios autônomos, bem como de Hong Kong, Macau e Taiwan, até 10 de fevereiro de 2020.

Os resultados do estudo apontaram que 18599 participantes eram do sexo masculino (35,27%) e 34131 do sexo feminino (64,73%). Em torno de 35% dos entrevistados experimentaram problemas psicológicos. Participantes do sexo feminino apresentaram sofrimento psicológico significativamente maior do que os do sexo masculino (média (DP) = 24,87 (15,03) vs 21,41 (15,97), p <0,001). Os autores afirmam que os resultados deste estudo vão ao encontro de pesquisas anteriores, que concluíram que as mulheres apresentam maior vulnerabilidade ao estresse e maior propensão a desenvolver transtorno de estresse pós-traumático.

Com relação à faixa etária, jovens menores de 18 anos apresentaram melhores resultados referente ao nível de sofrimento psíquico, quando comparados ao grupo de jovens de 18 a 30 anos e o grupo de idosos de mais de 60 anos – os quais apresentaram maior nível de sofrimento psíquico. Para os jovens menores de 18 anos, os autores elucidam dois principais fatores de proteção que podem explicar o baixo nível de sofrimento dos jovens: uma taxa de morbidade relativamente baixa nessa faixa etária e exposição limitada à epidemia devido à quarentena doméstica. Escores mais altos no grupo de jovens adultos (18 a 30 anos) coincidem com achados de pesquisas anteriores: jovens tendem a obter maior quantidade de informações das mídias sociais que podem facilmente desencadear o estresse. Outrossim, a maior taxa de mortalidade ocorreu entre idosos durante a epidemia, com maior probabilidade de sofrer impacto psicológico.

No que se refere ao grau de escolaridade, pessoas com ensino superior tendem a ter mais angústia, provavelmente devido à alta autoconsciência de sua saúde. Referente às ocupações laborais, os trabalhadores migrantes experimentaram o mais alto nível de angústia, entre todas as ocupações. A preocupação com a exposição ao vírus no transporte público ao retornar ao trabalho, a preocupação com atrasos no tempo de trabalho e a subsequente privação de sua renda antecipada podem explicar o alto nível de estresse. A pontuação do CPDI dos entrevistados na região central da China (incluindo Hubei, centro da epidemia) foi o mais alto, região mais afetada pela epidemia.

Os níveis de sofrimento psíquico também foram influenciados pela disponibilidade de recursos médicos locais, eficiência do sistema público de saúde regional, medidas de prevenção e controle tomadas contra a epidemia. Três grandes eventos durante a epidemia do COVID-19 podem ter causado pânico público: (1) confirmação oficial de transmissão humana do COVID-19 em 20 de janeiro; (2) estrita quarentena de Wuhan em 22 de janeiro e (3) anúncio da OMS do PHEIC em 31 de janeiro.

Os resultados também indicaram que, com o passar do tempo, os níveis de angústia da população diminuíram significativamente, o que pode ser parcialmente atribuído às medidas efetivas de prevenção e controle adotadas pelo governo chinês, incluindo quarentena nacional, apoio e recursos médicos de todo o país, medidas efetivas - como educação pública, fortalecimento da proteção individual, isolamento médico, controle da mobilidade da população, redução de reuniões - para impedir a propagação do vírus.

Em síntese, os resultados deste estudo sugerem as seguintes recomendações para futuras intervenções: prestar maior atenção a grupos vulneráveis, como jovens, idosos, mulheres e trabalhadores migrantes; acessibilidade aos recursos médicos e ao sistema de serviços públicos de saúde deve ser reforçada e melhorada; planejamento estratégico nacional e coordenação para primeiros socorros psicológicos durante grandes desastres, potencialmente fornecidos por telemedicina e ainda, sistema abrangente de prevenção e intervenção em crises, incluindo monitoramento epidemiológico, triagem, encaminhamento e intervenção direcionada, para reduzir sofrimento psíquico e prevenir outros problemas de saúde mental.


Artigo comentado:


QIU J., SHEN B., ZHAO M., et al. A nationwide survey of psychological distress among Chinese people in the COVID-19 epidemic: implications and policy recommendations. General Psychiatry, 2020. Disponível em: https://gpsych.bmj.com/content/gpsych/33/2/e100213.full.pdf


Kátrin Isabeli Dreschler Corrêa

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Atenção Integral à Saúde (PPGAIS - UNIJUÍ/UNICRUZ)

Prof.ª Drª. Eniva Miladi Fernandes Stumm

Departamento de Ciências da Vida (DCVida)

Programa de Pós-Graduação em Atenção Integral à Saúde (PPGAIS)

Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul