Antes de falarmos sobre contrainteligência, vamos esclarecer o significado do termo, de modo a uniformizarmos nosso vocabulário. A nivelação do conhecimento é importante, pois diferentes autores e profissionais utilizam os mesmos termos técnicos com significados diferentes, situação essa provocada pela existência de diferentes doutrinas.
O pessoal mais antigo fala muito em Informação e Contrainformação. O pessoal mais novo prefere Inteligência e Contrainteligência. A imprensa e a TV gostam de Espionagem e Contraespionagem. E ainda há o pejorativo Arapongagem, uma referência à ave Araponga, Procnias nudicollis, em perigo de extinção, termo que foi bastante disseminado face à novela de mesmo nome.
No Brasil, após a redemocratização, encerrado o período militar, a Inteligência ficou relegada não a um segundo, mas a um último plano. A ojeriza que os políticos sentiam pela atividade de inteligência acabou por se traduzir na redução drástica dessa estrutura tanto no governo quanto nas polícias. De fato, houve uma associação psicológica da atividade a supostos mecanismos de repressão. Ouso dizer que a decadência da inteligência na estrutura de governo propiciou a ascensão da inteligência e seu uso em prol do crime organizado.
Paradoxalmente, enquanto governos estrangeiros reforçavam seus órgãos de inteligência, em 1990 o SNI foi extinto pelo Presidente Fernando Collor de Mello. De lá para cá foi criado o Departamento de Inteligência da Secretaria de Assuntos Estratégicos (DI/SAE) da Presidência da República, depois transformado em Subsecretaria de Inteligência - SSI, e finalmente ABIN, em 1999. Abin esta que sofreu devassa em seus arquivos e teve equipamentos apreendidos pela PF para apurar o suposto vazamento de informações sigilosas ocorrido na Operação Satiagraha. A mesma Abin que estava trabalhando em conjunto com a PF na tal Operação Satiagraha. Parece piada, mas não é. É Brasil mesmo.
Durante os últimos governos a ação de inteligência contra determinados movimentos sociais foi duramente atacada por políticos, pelo próprio governo e pela imprensa. No final das contas, esses mesmos movimentos não tiveram o menor pudor em deixar cair a máscara, invadindo propriedades privadas e públicas, destruindo patrimônio alheio, ameaçando pegar em "armas" com seu "exército" caso as leis fossem aplicadas e a Constituição fosse cumprida.
Ficou patente como algumas dessas entidades, geralmente denominadas movimentos sociais, utilizavam as ferramentas de inteligência para o planejamento de suas ações ao mesmo tempo em que atacavam politicamente a capacidade de inteligência dos órgãos governamentais, principalmente os de segurança. Isso demonstra que esses movimentos atingiram um nível de sofisticação digno da maior atenção, pois a inviabilização da inteligência governamental foi uma mostra ímpar, nada menos do que uma incrivelmente articulada e bem sucedida ação de contrainteligência por parte do crime organizado.
Voltando a uniformização do vocabulário, considero o seguinte:
Serviço de Informação: o setor que coleta informações sobre determinado tema de forma a ajudar na tomada de decisões. Geralmente produz um Clipping a partir de revistas, jornais, rádio, TV, internet, outros serviços de informação, e qualquer fonte aberta disponível.
Serviço de Inteligência: está um passo além do que faz o Serviço de Informação. Realiza a busca ao dado negado. É aquela informação que não está disponível, não é publicada, ou está classificada como sigilosa. São as informações estratégicas ou com valor comercial. Além disso, o Serviço de Inteligência não se restringe a repassar um Clipping aos tomadores de decisão. Elabora um relatório sucinto e objetivo. De fato, influencia diretamente o poder decisório.
Serviço de Contrainformação: faz a contraposição à informação. É o setor responsável por oferecer respostas adequadas às ações de informação, ou às ameaças que essas informações podem representar. É o setor responsável por compilar, avaliar e fazer publicar contrainformações. Por exemplo, uma matéria depreciativa ou simplesmente errada pode trazer um estrago incalculável a uma empresa, a polícia, ao governo. Não basta escrever uma nota desmentindo, pois a primeira ação do periódico se restringe a uma errata "... na folha 15 da revista 1599 onde se lê ...15 milhões... leia-se ...15 mil..." ou ainda uma outra notinha em algum canto que ninguém lê, entre coisas do tipo que não consertam o estrago provocado. O Serviço de Contrainformação tem de criar e manter contatos com a imprensa, com outras empresas e com o público em geral, tem que conquistar a confiança do jornalista, do parceiro, dos consumidores, e fazer com que aqueles queiram confiar na instituição. Isso inclui antecipar e fazer chegar a estes determinada informação, inclusive após um bem avaliado procedimento de desclassificação, antes que ela seja "descoberta", evitando a divulgação de uma informação errônea, desencontrada ou até falsa. Geralmente tal serviço trabalha a informação a ser divulgada em conjunto com o setor de relações públicas, de imprensa e diretoria. Estas parcerias são necessárias pois, há de se convir, o destinatário da informação não aceitaria muito bem receber algo de um serviço chamado de "contrainformação". Resumindo, o Serviço de Informação busca informações, e o serviço de contrainformação divulga informações. Um alerta: não se pode confundir contrainformação com desinformação.
Serviço de Contrainteligência: está a um grande passo além do que faz o Serviço de Contrainformação. Faz a contraposição quanto a busca ao dado negado. É o serviço que fará a proteção dos dados sensíveis da instituição, sejam eles digitalizados, digitados, impressos, manuscritos ou ditados. Isso quer dizer, a proteção da informação que está no computador, no ofício, ou será comentada durante uma reunião. Além disso, deveria interferir diretamente nas políticas de segurança da instituição, ministrando palestras aos funcionários, sugerindo mudanças nos procedimentos (em órgãos públicos isso dificilmente ocorre). Inclui ações de elaboração e divulgação de dados e informações falsas, inexatas ou excessivas, objetivando impedir o acesso às informações verdadeiras e confundir aquele que as obtém, termo conhecido como desinformação. Esta última funcionalidade deve estar totalmente desvinculada dos serviços de informação, inteligência e contrainformação, sob risco da perda de credibilidade pelos parceiros internos. Exemplificando, o responsável pelo setor de relações públicas, encarregado de repassar uma informação (no contexto da contrainformação), pode não ficar nem um pouco satisfeito ao descobrir que as informações que divulgou não eram lá muito exatas. No extremo da atuação da Contrainteligência está a missão de inviabilizar a inteligência adversária, sendo esta a forma mais eficaz de proteger as informações da organização da qual se faz parte.
Qualquer dos serviços mencionados pode fazer a produção de material (áudios, vídeos ou fotos) para embasar e complementar seu trabalho. É por isso que os equipamentos mais comuns relacionados a inteligência sempre foram os gravadores e as câmeras.
O termo Inteligência engloba todos os termos anteriormente citados. E inteligência é algo que custa caro, sendo sua justificativa diretamente relacionada com o valor das informações sob a guarda da empresa, da Instituição, do País. Sua inexistência pode custar muitíssimo caro. Há algum tempo atrás eu diria que era só dar uma olhada nos livros de história, principalmente sobre a Segunda Guerra Mundial, para ter uma ideia do quanto pode custar a falta de uma inteligência bem estruturada. Mais recentemente prefiro que o leitor preste atenção em coisas como corrupção, assassinatos de inocentes, mortes em filas dos hospitais, e tente imaginar o quão caro o desmonte da inteligência a que me referi já nos custou, nos custa, e ainda vai nos custar. E que reflita sobre isso, sobre a possibilidade do desmonte da estrutura de inteligência ter sido maquinado para beneficiar os criminosos que tomaram conta da política e do governo.
Varredura, no contexto da inteligência, é o termo empregado para a ação de inspeção a que um equipamento, ambiente, setor ou sistema é submetido com o objetivo de identificar dispositivos, infiltrações (inserção ilegal de componentes ou códigos), falhas e vulnerabilidades. O campo de ação pode ir desde localizar um "grampo" em um telefone até identificar um agente infiltrado no quadro de pessoal.
A desinformação, uma das principais ferramentas da contrainteligência, além das funcionalidades já expostas anteriormente (ações de elaboração e divulgação de dados e informações falsas, inexatas ou excessivas, objetivando impedir o acesso às informações verdadeiras e confundir aquele que as obtém), é a "nata" da contrainteligência. Pode ser utilizada para alterar a compreensão de assuntos tratados em reuniões, processos ou contratos, de forma a influenciar decisivamente os signatários na tomada de uma decisão ambicionada pelo desinformante. De modo geral, a desinformação é bastante evidente quando perpetrada por amadores, precisando de um acobertamento acessório que varia da cumplicidade à conivência. Quando perpetrada por profissionais de alto gabarito pode ser impossível de identificar, caso em que o próprio signatário não tem condições de identificar a influência sofrida. Para isso, além de justificativas muito bem elaboradas, lastreadas por informações fictícias, o profissional pode, por exemplo, recorrer ao bombardeio de dados lançados em conversas, passadas em momentos casuais, ou fazer chegar informações de outras fontes incluindo matérias pagas confirmando aqueles dados, tudo com o objetivo de, além de influir na decisão, fazer o signatário ter a certeza de que sempre esteve no controle do processo decisório, constituindo assim uma ação com vieses cognitivo e estatístico capaz ainda de desencadear um irônico viés de falso consenso. Todo bom profissional de contrainteligência tem a psicologia como aliada.
Curioso é como uma coisa tão cotidiana é tão pouco abordada. Convivemos com uma desinformação tão intensa que me atrevo a dizer que há dias em que somos mais desinformados do que informados. É senso comum nos meios de comunicação de que a especulação é mais promissora e rentável do que a sobriedade. É por esse motivo que a mídia prefere ignorar a fonte e entrevistar o "especialista" que não sabe, ou aquele que não está apto a falar sobre determinado assunto.
Para exemplificar como é comum a desinformação no nosso dia-a-dia, vou apelar para o noticiário, onde é notadamente comum que, quando um jornalista aborda uma obra que nunca é concluída, a resposta é sempre a mesma: está sendo feito um projeto, a contratação ocorrerá assim que pararem as chuvas, etc. Nessas inúmeras ocasiões, o leitor já deve ter notado que os prazos se esgotam e nada acontece. Isso é desinformação, e é só uma impressão de que nada acontece. Na verdade, uma coisa aconteceu: as cobranças pararam por um tempo. O objetivo do suposto projeto não é fazer a obra, é não fazer a obra e interromper as reclamações. O período entre as reclamações é o que entra para as estatísticas, e é uma ilha de tranquilidade, sem reclamações. A desinformação é tão eficiente nas mãos erradas que um político corrupto pode cinicamente confessar um crime na cara de milhões de eleitores e não só ninguém notar, como saírem repetindo a confissão como se fosse um bordão. Lembram quando os políticos diziam "A Petrobrás é nossa!" e todos saíam dizendo "A Petrobrás é nossa!"? Pois é, eles estavam dizendo que a Petrobrás era deles, e ninguém notou. A desinformação é uma ferramenta que, garanto, funciona muito bem.
Se você conhece ou adota descrições diferentes para os termos que listei, pode continuar utilizando os significados de sua preferência. O importante é entender em que contexto os termos estão sendo utilizados neste site para evitarmos um conflito de compreensão.
No Senado Federal existe um Serviço de Inteligência ligado à estrutura de segurança da instituição, esta sob responsabilidade da Polícia do Senado Federal. Quando tomei posse, em 1995, o que existia era um setor, uma seção, que buscava principalmente informações internas. A própria estrutura de segurança não passava de um serviço subordinado à Diretoria de Serviços Gerais. Estava no mais baixo nível da estrutura administrativa do Senado Federal, e a capacitação dos servidores refletia essa situação. A instrução era questionável e voltada para a truculência e os recursos praticamente inexistiam. Lembro que o então "Chefe" comemorava ter conseguido uma Veraneio. A chefia tinha uma visão ultrapassada de segurança. Não demorou para que os concursados notassem que, além de um potencial de crescimento da área de segurança, havia um risco enorme tanto para os profissionais quanto para o próprio Senado, servidores e visitantes. Risco de atentado. Risco de morte. Desde a Constituição de 1891 existia a previsão para uma polícia interna, e o reconhecimento da importância desse órgão de segurança permitia vislumbrar um bom potencial de crescimento. Inacreditável mesmo era a falta de evolução da atividade de segurança naquele contexto, prova de que visão e inteligência não foram atributos dos nomeados para ocupar a sua chefia até então.
Não existindo horizonte de negociações para com a chefia imediata, em meados de 1997 os concursados se reuniram e começaram a reivindicar diretamente a Senadores e Diretores condições de trabalho melhores. Talvez a mobilização desse grupo tenha sido considerada uma ameaça, talvez eu esteja enganado e anteriormente a coisa já funcionasse assim, mas pudemos observar os agentes da inteligência se infiltrando para buscar informações sobre as mobilizações desse grupo, levando-as diretamente à chefia. Apesar disso, a mobilização teve resultados positivos. Nesse meio tempo, o Serviço de Segurança foi elevado a categoria de Subsecretaria diretamente subordinada à Diretoria-Geral, tendo então direito a nomeação de um Diretor, inicialmente cargo ocupado pelo antigo chefe.
O então Chefe de Serviço não resistiu muito tempo no novo cargo de Diretor, sendo substituído por um servidor com visão de segurança mais moderna. Pouco depois fui transferido para o setor de inteligência, naquele momento elevado a categoria de Serviço. Minha primeira missão foi tentar resgatar alguma informação útil dos computadores, todos formatados com a saída do antigo Chefe. Além de ficar responsável pela criação dos procedimentos administrativos deste serviço, os quais anteriormente não passavam da elaboração de relatórios, acabei, depois de um tempo, por substituir o então responsável pelo registro em foto e em vídeo de ocorrências, manifestações, visitas de autoridades, etc, sempre no contexto da inteligência, mas primordialmente sob a doutrina da investigação policial. Registros tais como o de pessoas suspeitas, do esquema de segurança funcionando (para descobrir falhas), dos infiltrados em manifestações (os baderneiros que provocam o conflito geralmente não fazem parte da manifestação, só se aproveitam da má organização).
Essa gama demasiado extensa de trabalho criava problemas, pois eu tinha que trabalhar sem chamar a atenção, evitando ser visto ou registrado, o que em demasiadas ocasiões é impossível. De certa forma consegui superar o problema, pois existem poucas fotos minhas desse período registradas pela imprensa. Com certeza existem algumas fotos comigo durante visitas oficiais de Chefes de Estado e na rampa do Congresso durante as manifestações. Inevitável, até porquê durante as manifestações eu utilizava uma objetiva de 500 mm sobre um tripé para registrar os mascarados que desciam pelo gramado do Congresso, jogavam bombas ou pedras, inclusive nos próprios manifestantes (para provocar confusão) e retornavam correndo até o início do gramado. Eu tinha que estar concentrado e pronto, pois era nesse momento em que tiravam as máscaras. Disponibilizei algumas fotos por mim tiradas por ocasião da Marcha dos Cem Mil, de 1999, em que tal situação pode ser observada.
Ainda no decorrer dessa missão (de inteligência) comecei o processo que culminou na criação da contrainteligência.
Após minha saída do setor de inteligência para assumir a chefia do Serviço de Treinamento e Logística, pude observar como a inteligência tinha altos e baixos. Imediatamente após minha saída, o serviço atuou mais como um serviço de informações do que de inteligência. Depois voltou aos trilhos, pelo que notei. No final das contas, o que um Serviço faz depende inteiramente daquele que está no comando administrativo da diretoria ao qual está vinculado. Não só a inteligência, mas toda a estrutura tende a se curvar, como se houvesse um grande peso pendurado em uma vara. Se for uma diretoria democrática, justa, comprometida com a instituição, se curva pelo peso na vara, todos estão unidos, e se quebrar caem todos juntos. Se for uma diretoria autoritária, injusta, comprometida unicamente com a manutenção do cargo, se curva ao peso da vara. Quem cai é quem leva a vergastada no lombo, geralmente aplicada pelo incompetente que deveria cair...
Sobre a contrainteligência, quando deixei a função de Assistente Técnico de Inteligência, em 2005, essa atividade me acompanhou, pois não era um setor, era uma função. E não comissionada, ou seja, não remunerada para tal fim. Quando fui removido da atividade em 2013, ela voltou para o Serviço de Inteligência. O pessoal lá lotado foi surpreendido pela decisão da diretoria. Os novos responsáveis não detinham condições operacionais nem conhecimento para tocar a atividade. E, por algum motivo que só eles mesmos poderiam esclarecer, não tentaram se capacitar comigo, não buscaram ajuda.
Talvez sem alternativa, com a atividade praticamente paralisada, o então Diretor da Polícia transferiu os equipamentos para o setor de polícia judiciária, onde foi parar nas mãos do Serviço de Investigação. Não conheço as nuances dessa decisão, embora a Operação Métis tenha dado algumas pistas.
Quando é decidida a troca do comando de uma inteligência militar, organiza-se uma cerimônia. Quando se decide a troca do comando de uma inteligência civil, acende-se uma fogueira. Pode ter sido o caso quando fui para a inteligência, mas não o foi quando a deixei.
Os registros envolvendo detalhes e precauções operacionais foram repassados ao Chefe de Serviço que me substituiu, e até onde sei os dados informatizados foram por ele deletados. O restante não sei. Posteriormente, fazendo um "limpa" nas minhas pastas pessoais, acabei encontrando no meu envelope de prontuário médico alguns pedidos de varredura, sobre os quais comentarei mais adiante.
Nunca me procuraram para complementar qualquer lacuna de conhecimento, então imagino que a contrainteligência nos moldes por mim elaborados "morreu" com a minha remoção. A contrainteligência passou a compor uma atividade simples de varredura, e toda a equipe DEVE ter passado a atuar na ignorância do contexto geral. Isso explicaria a alternância de setores após minha saída. O real objetivo poderia ser "apagar" quaisquer resquícios do objetivo inicial, que era a segurança dos dados da instituição, e criar um novo objetivo, talvez até o de sabotar o trabalho do Juiz Sérgio Moro. Esse contexto DEVE ter passado a ser de conhecimento restrito talvez aos Chefes, com certeza aos Diretores. Os depoimentos prestados no âmbito da operação Métis e divulgados pela imprensa corroboram essa minha conclusão.