Durante o exercício da atividade de contrainteligência no Senado Federal, a demanda se intensificou acima do rotineiro em determinados períodos devido a fatores os mais diversos.
A pouca disponibilidade para que a PF realizasse varreduras nos Estados, a publicação de reportagens sobre espionagem ou afins, ruídos provocados pela má qualidade das instalações telefônicas (isso fora do Senado, internamente as instalações eram boas e seguras) e a proximidade de eleições são exemplos de fatores que tive que enfrentar ao longo da atividade.
As CPIs, a desconfiança de servidores em relação a segurança de ambientes e telefones, os acessos suspeitos, realização de obras e denúncias são exemplos de fatores previstos e previamente incorporados ao meu planejamento.
Ao longo de década e meia de atividade, como seria de se esperar, vários outros fatores foram aparecendo. Alterações administrativas, inclusive nos cargos de Chefia e Direção, tanto no Senado como em órgãos externos, alterações na legislação, alterações na legislatura (composição do Senado) e tantos outros provocaram algum tipo de impacto na atividade.
Outra tarefa complexa foi avaliar e adequar a atividade à situação do momento, sem perder o foco e sem ter tempo disponível o suficiente para executar todas as medidas por mim planejadas. Posso dizer que, contingencialmente, eu adotava um protocolo muito mais rígido que o necessário. Dessa forma a impossibilidade de cumprir esse ou aquele passo não chegava a afetar o procedimento como um todo.
Vou discorrer um pouco sobre o último ciclo de alterações sofridas pela atividade enquanto eu estava na ativa. Foi o ciclo formado pela Diretoria da Polícia do Senado no momento em que fui retirado da atividade, não só o ciclo mais longo, mas principalmente onde a atividade atingiu seu auge e onde surgiram mais intempéries. Durou de março de 2005 até a minha aposentadoria, em novembro de 2015. Após esse período, só restou o inexorável e previsto declínio.
Quando o atual Diretor foi nomeado (contextualizando no momento em que escrevi a primeira versão deste texto, janeiro de 2017), provinha da equipe de segurança do Presidente do Congresso Nacional, e apesar de concursado, carregava uma visão bem arcaica sobre segurança institucional. É normal ocorrer esse tipo de situação, uma vez que no meio político os critérios de indicação e nomeação para a ocupação de um cargo público não são, como deveriam sempre ser, baseados na competência. Muitas vezes são de conveniência à autoridade que o indica ou o nomeia.
Não vejo conflito nisso. Suponhamos que você, leitor, seja contratado para dirigir uma boate famosa. Se você tivesse que escolher entre dois seguranças, você preferiria o cara franzino mas muito inteligente ou o muito burro mas grande e forte? É uma questão de percepção sobre a real necessidade em determinado momento. Às vezes você precisa de um segurança comedido, um estrategista, um homem que não se apresente como uma figura ameaçadora. Outras vezes você precisa de um pitbull, uma presença intimidadora, um cara que não tenha percepção do perigo a que está exposto. No Senado, o Diretor de Segurança anterior havia se caracterizado pela inteligência.
O começo de sua (do diretor em quastão) gestão foi uma época de incertezas. Não dava importância à atividade de contrainteligência, e aparentemente considerava a atividade como dispensável. Nessa ocasião, após o Diretor assumir o cargo, o mesmo me convocou e ofereceu a Chefia do Serviço de Inteligência. Recusei, alegando não ter o perfil necessário por ter atuado "em campo" (embasado em episódios anteriores). Ofereceu-me então um dos serviços de policiamento (não me recordo se o interno ou o externo, por ocasião de uma reestruturação passaram a ser dois setores distintos). Caso aceitasse, não haveria a menor possibilidade de continuar conduzindo a contrainteligência e possivelmente seria seu fim ou acabaria em mãos inaptas, então prontamente recusei, tentando ver o que aconteceria dali para a frente. Avisei que me interessaria por um serviço que recentemente havia sido criado face à reestruturação e estava vago , que era o Serviço de Treinamento e Logística, e o Diretor informou que "-Iria pensar sobre a possibilidade!".
Não sei se no período subsequente o Diretor fez alguma pesquisa, ou procurou outros nomes, mas no mesmo mês foi publicada minha nomeação.
O Diretor não deve ter tido motivos para reclamar de meu trabalho, tanto que posteriormente recebi novas designações, tais como Diretor de Logística e Controle Operacional e, após a extinção desta diretoria em uma reforma administrativa, Chefe do Serviço de Tecnologia e Projetos.
Continuando com a atividade de contrainteligência, botei o tempo todo "a mão na massa". Nas varreduras, todo o trabalho pré e pós atividade era realizado por mim. E durante a dita varredura, geralmente eu ativava o modo automático do correlacionador espectral e saía arrancando gavetas, virando sofás, abrindo caixas, forros. Ou pedia para que um colega ou subordinado gerenciasse o correlacionador, enquanto eu pegava um detector de junção, ou um vídeo-pole, etc. Na gestão dos equipamentos de segurança, abri e consertei equipamentos que não estavam mais em garantia e não tinham manutenção, tais como pórticos detectores e gravadores de CFTV, sempre que possível com a ajuda de um ou dois colegas (sempre acaba sendo trabalho demais para uma só pessoa, e mesmo que o colega não entenda de eletrônica, só a presença já ajuda). Retirei e instalei câmeras e outros equipamentos em diversas ocasiões, mesmo sendo Chefe de Serviço ou Diretor. Sempre considerei que o exemplo deve vir de cima. E isso eu pratiquei, esse exemplo eu dei aos meus subordinados e colegas, muito embora nos últimos anos eu tenha por vezes ficado ressentido da falta de um bom exemplo vindo um pouco mais de cima...
Adicionalmente e de vez em quando ainda tinha que responder por episódios que nada tinham a ver com meus projetos, mas que de alguma maneira alguém sugeria um vínculo. Coisas de uma casa política. Algumas vezes um acontecimento que nada tinha a ver com o Senado provocava um "efeito colateral" entre os políticos, notadamente naqueles sempre em busca por holofotes.
Foi o caso da morte, em março de 2012, de um jovem brasileiro em Sidney, Austrália. Em estado de euforia provocado pelo consumo de drogas, um jovem que já estava sem dormir a uns dois dias "surtou", agrediu pessoas, inclusive seus amigos, entrou em uma loja e começou a pegar coisas e a danificar outras, e finalmente começou a correr nú pelas ruas (a pessoa age assim por causa do "superaquecimento", efeito comum em consumidores de Meth, Ecstasy e flakka, embora tenha sido noticiado posteriormente que o jovem tinha consumido LSD - até acredito, mas não somente essa droga) até ser contido pela polícia. Como fui o solicitante, autor do projeto e gestor das aquisições de armamento Taser pelo Senado em dezembro de 2005, tive que elaborar um relatório ao então Presidente do Senado, Senador José Sarney. O caso teve mais repercussão pela ausência de informações confiáveis nos dias que sucederam o fato, excelente campo para "achismos". Em um primeiro momento a repercussão foi sobre a possibilidade da morte ter sido provocada pelos disparos de Taser. Foram ignoradas as informações sobre as drogas, sobre o uso de spray de pimenta, sobre a contenção que incluiu um chute nas costelas. Só falavam na Taser... Até a proibição do seu uso no Brasil chegaram a sugerir "pelo risco da Taser provocar mortes". É o mesmo que, pela possibilidade da vacina provocar mortes (e provoca mesmo), propor a sua proibição...
E de quando em quando uma reportagem, uma denúncia, um comentário. Apesar do aparente estrago, sempre consegui dar continuidade a atividade de contrainteligência gerenciando as prioridades e flexibilizando as ações, que como já comentei, tinham protocolos intencionalmente mais rígidos do que o necessário.
No mais, posso dizer que executei sempre com sucesso a atividade em todas ocasiões, e na esfera dos Três Poderes. Fora do Senado Federal, a ação somente ocorria quando o pedido de uma autoridade era encaminhado ao Presidente do Senado e, no uso de suas competências, o mesmo autorizava.
Quanto ao procedimento aplicado ao longo dos anos, fui desenvolvendo técnicas para a execução da atividade as quais, como característica, eram bastante personalizadas.
As técnicas tinham sua aplicação baseada na divisão por etapas, exceto aquelas programadas por mim no contexto preventivo, para as quais desenvolvi técnicas distintas. Dependiam de um roteiro que, simplificando, incluía:
SE a autoridade explicasse a motivação e tivesse argumentos que me fizessem classificar a ação como de risco relevante;
SE a autoridade não explicasse a motivação e/ou não fosse considerado um risco relevante:
Às autoridades sempre procurei esclarecer que a execução das varreduras não alcançava a possibilidade de escutas autorizadas pela justiça. Para evitar entrar em discussão, informava que os grampos judiciais eram indetectáveis, feitos nas operadoras de telefonia, e que um juiz jamais iria autorizar uma invasão de domicílio para instalar uma escuta. Como nunca questionaram essa minha argumentação, não tive de me desdobrar em explicações. Também, se questionassem, eu iria dar um jeito de me "desvencilhar" da conversa. Afinal, a busca por escutas autorizadas nunca foi objetivo, e a autoridade, se não soubesse disso, passava a saber.
É claro, a respeito dos recursos eletrônicos à disposição dos órgãos policiais que realizam as escutas, sabemos que não é bem assim. Tirando os sistemas de escuta telefônica, bastante avançados, o restante é bastante decepcionante. Então cabe reforçar: entendo que a importância da minha figura à frente da atividade não era só uma prevenção contra o mau uso, era uma forma de manter um determinado grau de ignorância acerca de seu real potencial, uma limitação auto-imposta tanto no que diz respeito aos equipamentos de inteligência à disposição dos órgãos de investigação quanto aos nossos equipamentos de contrainteligência.
Os procedimentos aos quais me refiro acima dizem respeito a uma etapa específica da contrainteligência: a varredura.
Embora em mais de uma oportunidade eu tenha realizado palestras a funcionários, fornecido esclarecimentos técnicos, e contribuído em Comissões ou Grupos de Trabalho acerca do tema, a falta de interesse por parte do diretor da Polícia do Senado foi uma barreira e tanto durante um longo tempo.
No Senado Federal, existiu ainda outro empecilho: ao longo do tempo toda reforma, alteração estrutural ou coisa do tipo padeceu de falta de consistência e excesso de encenação. Nas reformas mais recentes, reuniões foram feitas, o pessoal qualificado foi consultado, contribuições foram colhidas, mas no final tudo isso foi jogado numa picotadora e o resultado anunciado foi o que já estava pronto, baseado no "querismo" de alguém. O resultado buscado através de reformas administrativas me parece nunca ter sido a eficiência nem a eficácia, mas sim a inocuidade. Coisas de uma casa política...
Entendo que tal faz parte de um jogo de empurra onde, de um lado, os dirigentes políticos querem ter seus anseios administrativos atendidos sem que a imprensa note o real intento (inclusive o intento de se livrar da pressão da imprensa), e por outro lado os dirigentes não-políticos, escolhidos a dedo para atenderem aos interesses dos políticos, não querem assumir responsabilidade alguma. Somente se preocupam com as gordas gratificações e o status que o cargo proporciona.
Isso explicaria a ausência de oportunidade para avançar na regulação da atividade de contrainteligência no Senado. Mas essa lógica não é exclusividade do Senado Federal, é do serviço público.
Diante de tal realidade, eu diria que as coisas começaram a ganhar contornos mais "claramente nebulosos" para a atividade de contrainteligência em 2011. Apesar de conhecer a atividade como ninguém, eu ressentia da falta dos cursos disponibilizados pelo fabricante dos equipamentos. A instrução que recebi ao adquirirmos os primeiros equipamentos foi fraquíssima. Quase todo conhecimento utilizado nas primeiras operações foi obtido a partir dos manuais de operação e pesquisas, além de prática realizada solitariamente e após o expediente.
Solicitei e, finalmente, recebi autorização para proceder os cursos TCC-110 e DTC-210 na fábrica da REI - Research Electronics International, nos Estados Unidos. A grande decepção ocorreu quando, ao invés de enviarem a mim e a meu então único integrante fixo da equipe, escolheram outro servidor, um Diretor do Policiamento estranho à atividade mas de estrita confiança do Diretor da Polícia do Senado. O cidadão não tinha o menor conhecimento sobre o assunto, mas não pude intervir.
Em 2012, aproveitando uma reformulação mais direcionada ao novo Projeto Básico de minha autoria, requeri novos cursos (CORE level 1, TALAN DPA level 2, OSCOR RF level 2) e tive a grata surpresa de descobrir que o Diretor da Polícia conseguira três vagas. Achei que finalmente meu colaborador iria.
Ledo engano. Dessa vez comigo foram o mesmo Diretor e o próprio Diretor da Polícia do Senado. Que desperdício de oportunidade. Eu pretendia elaborar uma instrução personalizada quando voltasse, mas sozinho a tarefa se mostrou impossível.
No mesmo período ocorreram alguns atritos entre mim e o Diretor da Polícia do Senado. Em 2012, quando um fornecedor tocou no assunto "varreduras" e perguntou se alguma vez tínhamos encontrado algo, e antes que eu pudesse dar uma resposta sobre o assunto, o Diretor foi incisivo: "Não!" Já a sós, perguntei sobre o porquê se adiantara e respondera à pergunta, e com tanta contundência. No meu ponto de vista, e eu já tinha pedido isso em outras ocasiões, o Diretor teria que informar desconhecer o assunto e "passar a bola" para mim. Seria o procedimento correto. Apesar de parecer questão de menor importância, no serviço público (na verdade em qualquer esfera) deve existir um procedimento padrão para a divulgação de informações. Eu já me sentia um tanto constrangido por não ter sido ouvido em outras ocasiões, o que poderia ter evitado que a imprensa publicasse informações inverossímeis tiradas não sei de onde (ver na aba "algumas reportagens"). Mas o Diretor disse que respondera daquela forma porque, se já tivesse sido encontrado algo, saberia. Embora a questão não fosse realmente se já havia sido encontrado algum grampo, mas sim a questão da centralização das respostas, perguntei como poderia saber, se eu nunca havia comentado com ele sobre o resultado das varreduras. Encurtando, o Diretor alterou a voz e disse que eu, como seu subordinado, deveria me reportar a ele. Foi aí que tive que, novamente falando ao vento, comentar que o resultado das varredura era assunto entre mim e o solicitante, lembrar que havia uma norma, falar sobre o que estava lá escrito, etc...
E em 2013 fui "ejetado" da atividade. Uma belo dia de junho, já ao final do expediente, o Diretor do Policiamento (o cargo viria posteriormente a ser transformado em Diretor Adjunto), o mesmo que foi comigo fazer os cursos nas duas vezes, pediu para que eu entregasse uma relação dos contratos que eu e meus subordinados conduzíamos. O motivo? Fui chamado e tive de ouvir que, em virtude de uma reformulação, eu não seria mais o Chefe do Serviço de Tecnologia e Projetos, nem conduziria mais a atividade de contrainteligência, da qual eu seria afastado, e que eu e meus subordinados seríamos dali para diante agentes do policiamento na função de rondantes. Ainda mais, eu deveria entregar os equipamentos de contrainteligência aos agentes do Serviço de Inteligência. Isso surpreendeu até os agentes de lá, que ainda tiveram a sensatez de se desvencilhar da atividade.
Nessa ocasião procurei o Diretor da Polícia e pedi para que pensasse bem sobre a alteração que estava fazendo, pois a partir daquele momento eu não participaria mais de nenhuma ação, conforme os termos que eu diversas vezes deixara nas suas mãos para ler. Relatei que era um erro, e fiz algumas considerações sobre o que poderia acontecer dali para a frente. Foi nesse momento em que o Diretor confessou, para meu espanto, que "deveria ter lido" a norma tantas vezes deixadas sobre sua mesa. Mas de nada adiantou.
Incrivelmente, depois de um breve momento alijado de tudo referente a contrainteligência, comecei a ser pressionado para novamente voltar a fazer varreduras. Essa pressão perdurou até 2014. O novo Diretor Adjunto da Polícia do Senado insistiu para que eu cumprisse as novas ordens e comentou que eu poderia ser prejudicado se não conduzisse determinada varredura. Não aceitei e expliquei meus motivos. Já o Diretor da Polícia Judiciária chegou a mostrar a Ordem de Missão que me designava como Coordenador de uma ação de contrainteligência, exigindo minha assinatura de "ciente". Assinei, mas escrevi uma observação na ordem explicando o porque não a realizaria. Esse Diretor também comentou sobre as represálias a que eu estava sujeito, salientando que poderia sofrer um Inquérito Administrativo caso me recusasse. Me mantive firme e não a fiz.
A Ordem estava assinada pelo Diretor da Polícia do Senado, mas em nenhum momento aquele teve coragem de pessoalmente me entregar o documento. Com certeza lembrava da nossa última conversa, onde o cenário futuro que eu havia traçado coincidia em todas as circunstâncias ao que estava acontecendo.
Como já comentei, a varredura não passa de uma etapa da ação de contrainteligência. Fazer uma varredura sem conhecimento da situação não é nada eficaz, é coisa de amador. Para inglês ver. Imaginei que o amadorismo do Diretor se devia à falta de conhecimento na área de contrainteligência, mas depois da Operação Métis passei a ver a coisa com outros olhos.
Já estávamos no contexto da Lava-Jato. Desde a operação Miqueias qualquer profissional de inteligência já podia antever o que hoje se desenrola. Incrível mesmo foram tantos empresários e políticos não notarem nada errado. Bom, acho que notar notaram, mas creio que confiavam em algum tipo de impunidade suprema...
Até minha saída eu tinha uma especial preocupação em manter a integridade da atividade no Senado e pressionava sempre que podia para que o nosso Diretor viabilizasse a publicação da Norma que eu elaborara em 1999. Desde 2009 houveram ótimas chances de inclusão, com as reformas administrativas a que o Senado foi submetido. A partir desse momento não economizei cópias. Pedi tanto para o Chefe de Gabinete quanto para o Diretor que se empenhassem na publicação ou inclusão no Regulamento Administrativo. Eu passei a ver a publicação como uma forma de resguardar a atividade contra eventuais "achismos". E apesar de cumpri-la, até aquele momento eu ainda não a distribuía aos agentes pois eu mesmo não queria submeter ninguém ao cumprimento de uma normatização sem um respaldo maior do que a minha assinatura em um documento elaborado durante a gestão de uma aquisição em um processo há muito encerrado. Vamos recordar que em uma década de atividade muita coisa havia mudado, o Senador ACM já havia falecido e a visão sobre a atividade mudara muito. Quando entreguei os equipamentos, entreguei cópia da Norma ao Chefe do Serviço de Inteligência. Posteriormente, ao Diretor Adjunto, ao Diretor de Polícia Judiciária, e até para a nova equipe, em 2014 ou 2015, quando foram fazer uma visita à Central, local onde eu estava lotado após sair do policiamento.
A respeito da minha remoção, ninguém me esclareceu o motivo pelo qual ocorreu de forma tão abrupta. Aparentemente os que questionaram o Diretor sobre tal motivo receberam informações vagas e contraditórias. De uns ouvi que o motivo de minha saída teria sido minha falta de controle sobre os subordinados, que aqueles sairiam e chegariam a hora que bem entendiam. De outros ouvi que a justificativa teria sido minha falta de firmeza na defesa dos interesses da Polícia do Senado. E por último, já da equipe de contrainteligência que nos visitou quando eu trabalhava na Central, em 2014 ou 2015, ouvi que fora eu próprio quem teria pedido para sair, após ter brigado com todo mundo "lá embaixo" (a diretoria da Polícia fica no subsolo do Anexo II). Uma falácia atrás da outra.
Ninguém pareceu se importar com essa alteração, o que reforça minha impressão que os políticos não se interessam pelo tema Segurança Nacional. Considerei outras possibilidades, como as autoridades do Senado temerem contestar alteração promovida pelo Diretor da Polícia do Senado. Afinal, quantas pessoas conseguem ser da confiança dos Senadores Sarney e Renan ao mesmo tempo? Ou ainda, posso ter sido removido por me recusar a fazer determinados tipos de varreduras. Talvez no novo cenário que se apresentava a contrainteligência ter como objetivo a segurança nacional poderia parecer um desperdício para determinados senadores. Por mais que eu tentasse não me expôr, em certo ponto ficou evidente que eu teria motivos para não executar algumas ações de contrainteligência, ou que eu não estaria executando no contexto que esperavam.
Antes de minha remoção eu já tinha deixado claro, mesmo para o pior observador, que a execução das varreduras não mirava as ações de investigação determinadas pela justiça que começavam a se amontoar.
Um caso que me complicou foi no episódio de um pedido de varredura completa solicitado pelo Senador Delcídio do Amaral.
Eu tinha um pé atrás com aquele Senador. Poucos lembram, apesar de publicado pela imprensa, mas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso o Senador Delcídio do Amaral foi Diretor de Gás e Energia da Petrobras e trabalhou com Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa, que depois viriam a ser delatores da Operação Lava Jato. Era meio que um "topa-tudo" do poder. Não me parecia o tipo que enriqueceria com corrupção, mas que poderia viabilizar impropriedades a outros, de alguma forma. A articulação que fazia, as coisas que falava, junto com o que eu ouvia, formavam um quadro que me incomodava. Para os desavisados poderia parecer um mero falastrão, mas para o observador mais atento muitas ações coincidiam com certas informações.
Tal pedido de varredura incluía o gabinete e a residência. Eu tinha controle sobre a situação do gabinete. Naquele momento estava me faltando uma fonte de informações segura e confiável - as redes de inteligência isentas e leais às instituições foram "esfaceladas" pelo aparelhamento político. É claro que eu ainda poderia executar a ação de forma a não encontrar nada que pudesse estar autorizado, focando as tecnologias que as polícias não dispõe. O Senador Delcídio naquele momento não era detentor de informações estratégicas de interesse nacional. Até que podia ser detentor de informações valiosas, mas somente de informações políticas ou de interesse da justiça. Eu não via conflito ético em executar uma ação objetivando nada encontrar que pudesse estar relacionado com uma investigação policial. De fato, no gabinete eu executei a ação de contrainteligência nos moldes que sempre fiz. Garanto que nenhuma inteligência adversa ao Estado estava atuando no gabinete. Mas na residência isso escaparia ao meu controle. Haveria uma equipe maior, e incluiria profissionais da área de telefonia do Senado. Muita coisa a fazer, ambientes desconhecidos, muito mobiliário, coisas demais para isolar. Não porquê fosse mais difícil de encontrar uma escuta, mas justamente porquê, se houvessem escutas autorizadas pela justiça, seria mais difícil de não serem encontradas. Estava aí uma varredura que eu não queria fazer, e creio que todos profissionais de inteligência (estou excluindo os supostos especialistas que a imprensa adora) já aguardavam que grandes autoridades fossem arrastadas após a operação Miquéias. O nome do Senador Delcídio não me garantia a tranquilidade para a ação de contrainteligência que eu tinha que realizar, pois incluía um desvio na finalidade original, e nesses termos eu não a realizaria. Daí que na residência não fiz. Observem que nesse momento eu ainda não sabia que o Diretor nunca tinha lido a documentação sobre a atividade, ou seja, eu imaginava que ele compreendia todo o contexto sobre as operações.
Vou fazer uma comparação aqui: uma varredura não passa de um número em uma folha de jornal. Uma ação de contrainteligência, ou mesmo de inteligência, é a folha de jornal. Ou você lê tudo, ou vai fazer besteira. Ou vai comprometer a ação, ou vai se comprometer. Os depoimentos dos agentes presos pela Operação Métis reforçam o quanto eu estou certo a esse respeito. Solicitada em 29 de maio de 2013, a varredura foi executada parcialmente (somente gabinete). Claro que alguém não gostou muito dessa minha atitude.
Uma reflexão: a análise do contexto acima até que me permitiu um valioso aprendizado. Eu já sabia que os cargos no governo não eram escolhidos por competência, mas sim por conveniência. E era fácil observar como as autoridades estavam se enrolando em explicações, já que há algum tempo nos tornáramos uma cleptocracia baseada numa suposta impunidade superior. O crime percorrendo um percurso de cima para baixo, provocando uma reação nos círculos mais próximos do topo na forma de roubalheira desenfreada. Um incentivo às impropriedades. Então, para saber quem seriam os políticos futuramente enrolados e por consequência os primeiros a cair, bastava ficar atento aos mais solícitos, os quais geralmente são aqueles que estão sempre próximos ao poder, independente de ideologia. Os demais são mais espertos, frente à mídia agem como cordeirinhos, bastando virar as costas para os lobos aparecerem. Esses eu nem achava que um dia poderiam cair.
Curiosamente, essa varredura envolveu um dos ofícios que inadvertidamente eu trouxe para casa após minha aposentadoria. Na correria do que tinha acontecido comigo e com minha equipe, enquanto recolhia tudo das gavetas e separava em caixas e pastas (só quem já passou por isso pode ter uma ideia) coloquei alguns documentos em um envelope junto com meus exames médicos. Acabei redescobrindo-os quando procurava a data de meu último check-up. Tão logo notei o engano, elaborei uma carta aproveitando para tecer algumas considerações sobre a atividade, já que não tive oportunidade anterior, e os restituí em 03 de fevereiro de 2017 autuando o processo 00200.001653/2017-14, no protocolo do Senado Federal.
Entre os documentos está também o pedido de varredura do Senador Lobão Filho de 28 de maio de 2014, a tal varredura que me recusei a executar quando já afastado. Para esse mesmo titular eu tinha executado uma varredura solicitada em 13 de maio de 2013. Naquele momento quem estava a caminho de alguma possível investigação era seu pai, o Senador Edson Lobão, de quem era o suplente.
Curiosamente, mesmo se tratando de uma mera devolução de documentos, coisa que poucos servidores fazem (Presidentes, creio que nenhum), foi aberta uma ocorrência policial e tive de prestar Declarações em 20 de setembro, mais de 7 meses após a devolução.
No depoimento a única preocupação pareceu ser a dúvida sobre se eu tinha feito a divulgação dos documentos, ao que respondi que não. Isso me deu uma ideia: publicar os documentos.
Pesquisei e vi que o próprio Senado publicou informações sobre as varreduras, (se o link for retirado do ar, a lista publicada está aqui) mas só contendo pedidos realizados a partir do mês seguinte à minha saída. A imprensa também publicou amplamente cópia dos pedidos anexos à Operação Métis, assim como informações sobre os depoentes e depoimentos.
Assim que eu tiver certeza de que posso publicar os documentos, vou publica-los aqui.
Enquanto isso, publico a contrafé do documento que protocolei, com a lista dos documentos devolvidos.
Creio que a varredura do Senador Delcídio foi minha última varredura. Coincidentemente ou não, menos de dois meses depois a lava-jato começou a atividade de monitoramento.
Com a prisão do Diretor da Polícia do Senado e dos então integrantes da equipe, parte do contexto geral que levou ao meu afastamento pode ter sido esclarecido.
Talvez a viagem aos Estados Unidos comigo já fosse um preparativo para que os Diretores pudessem assumir a atividade, e minha saída já poderia estar sendo orquestrada há algum tempo. Se a premissa for verdadeira, esses diretores não tiveram o alcance intelectual para notar que os consultores do fabricante somente ensinam a operar os equipamentos, a fazer a mais simples etapa de uma ação de contrainteligência, que é a varredura. Não ensinam os meandros da atividade, isso é personalíssimo e não pode ser ensinado por outrem que já não esteja envolvido com todo o procedimento.
Enfim, a motivação mais provável deve ter sido a minha posição de não realizar ações que pudessem prejudicar investigações em andamento. Ou, sabedores da minha forma de trabalho, precisavam me remover para inaugurar a fase "lado negro" da contrainteligência.
Nesse caso, eu somente teria sido mantido na atividade até aquele momento por uma prática que antigamente existia no Senado: respeito às decisões dos ex-Presidentes do Congresso. Isso explicaria porquê não apareceu alguém para me substituir ao longo de uma década. Após nosso encontro, o Presidente ACM deve ter comentado em alguma reunião da Mesa Diretora ou entre líderes políticos sua disposição em me manter conduzindo a atividade e, enquanto vivo, a vontade foi respeitada. Isso acontecia e ainda acontece muito.
Nesse caso, o fator que mudou o contexto poderia ser a presença do Senador Renan Calheiros como Presidente da Casa. Sua disposição contra as ações da justiça, da polícia, do MPF, e de qualquer um que se coloque em seu caminho, demonstra o tipo de atitude a que está disposto.
Na condição de Presidente do Congresso e multiplamente processado pelo STF, não me surpreenderia que toda uma atividade de contrainteligência voltada às investigações em andamento estivesse sendo ardilosamente montada em conjunto com o diretor da Polícia do Senado.
Seja como for, ignoraram meu trabalho, meu currículo, meus cursos na área de inteligência, eletrônica, radiocomunicação, minha experiência, meu conhecimento e, finalmente, destruíram meu legado. Muito embora eu tenha sempre me preocupado em preservar todas as informações técnicas necessárias à continuidade das atividades sob minha responsabilidade, e nesse sentido eu tinha preservado 15 anos de dados digitais, sei que tão logo saí tudo que eu tivera o cuidado de preservar na rede do Senado Federal foi destruído. Isso dá uma ideia sobre os novos rumos que a atividade viria a tomar. Foi uma ruptura, uma forma de esconder a forma correta, profissional, ética, de trabalhar. Quem assumisse a partir dali teria que começar não mais a partir de um legado, mas do zero, tendo como baliza não mais do que as ordens dos Diretores. A passos largos empurraram os agentes no escuro e na direção errada, enquanto aqueles ingenuamente confiaram mais em seus superiores do que em seus próprios instintos...
Entendo que não se poderia esperar outro epílogo. A própria Lava-jato tem demonstrado que honestidade e conduta ilibada não são os pré-requisitos preferidos por alguns dirigentes. Ao contrário, nas últimas legislaturas foram os pré-requisitos preteridos.
Sem mais nada a fazer no Senado, e para não ficar exposto a mais nenhum assédio moral (que já estava se tornando insuportável), decidi não ficar mais um único dia na ativa além do necessário.
Entre meu pedido de aposentadoria e sua publicação a pressão sobre mim aumentou a ponto de ainda ser "brindado" com uma transferência de setor, e tive que enfrentar uma nova mudança de escala. Por pura sorte eu possuía um banco de horas acumulado e tal me permitiu que eu participasse de somente UM plantão nessa nova escala. Aposentei em 3 de novembro de 2015, prestes a completar os 36 anos de serviço público. Um melancólico desfecho para minha carreira de servidor público e para as atividades a que por tanto tempo e com tanto empenho me dediquei.
Dura Verum, sed Verum. Averdade é dura, mas é a verdade.
Nas fotos acima, estou treinando na fábrica da Research Electronics International, localizada em Algood, estado do Tennessee, EUA. Em ambas estou utilizando o TALAN Telephone and Line Analyzer. A estrutura que o fabricante disponibiliza em seus cursos é incomparável.