Origem da atividade no

Senado Federal

Eu diria, de forma simplificada, que a motivação inicial, o ponto de partida para a contrainteligência no Senado Federal foi o SIVAM - Sistema de Vigilância da Amazônia . Não que fizesse parte das medidas de segurança daquele projeto, mas posso afirmar que foi resultado da falta delas.

Entendo que as condições que ensejaram o início da atividade se deram após a convergência de três fatores.

O primeiro fator foi a presença, nos próprios do Senado Federal, de documentos estratégicos, informações cuja disseminação do conteúdo poderiam comprometer a segurança nacional e trazer prejuízos aos interesses da nação brasileira, desamparados de uma proteção adequada.

O segundo fator foi a presença de um servidor, um funcionário capacitado para a tarefa de identificação de vulnerabilidades e proposta de soluções.

O terceiro fator foi o incidente que levou à percepção da vulnerabilidade.

Resumindo, a convergência desses três fatores ocorreu porque tinha a pessoa certa no lugar certo e no momento certo.

Não incluo como fatores a autorização do projeto, nem a aceitação da aquisição pela diretoria, pelo Primeiro-Secretário, presença de orçamento, etc, pois essas são fases formais e obrigatórias, sem as quais eu não estaria escrevendo o presente texto.

Pouco após a minha posse no Senado, a Supercomissão (reunião conjunta da Comissão de Assuntos Econômicos, Relações Exteriores e Defesa Nacional e da Comissão de Fiscalização e Controle) já tinha levado um susto no caso de um "grampo falso", em dezembro de 1995. O susto foi provocado pela ativação de um sistema de alarme do Banco do Brasil no ramal errado. Pelo menos essa foi a explicação que deram.

Para quem não sabe ou não se lembra, o SIVAM foi um projeto de monitoramento do espaço aéreo e terrestre dos 5,2 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia Brasileira.

Foi também motivo para o primeiro grande escândalo do governo Fernando Henrique Cardoso, derrubando um ministro e dois assessores presidenciais.

Tal escândalo veio a tona em 1995, com o vazamento de gravações (feitas pela Polícia Federal) de conversas entre o embaixador Júlio César Gomes dos Santos e o empresário José Afonso Assumpção, onde ambos defendiam os interesses da empresa americana Raytheon, que arrematou, sem licitação, o contrato no valor de US$ 1,4 bilhão. Nessas conversas, os tais senhores também combinaram detalhes da viagem do embaixador aos Estados Unidos, para onde foi de carona no avião do empresário.

O Chefe do Cerimonial de FHC, Júlio César Gomes dos Santos, foi acusado de tráfico de influência em benefício da empresa, da qual José Afonso Assumpção era o representante no Brasil.

Tudo veio a luz por meio da publicação de reportagem-denúncia pela Revista Isto É nº 1.364, de 22 de novembro de 1995. Essa reportagem culminou em uma CPI no Congresso, solicitada pelo Requerimento de CPI nº 23 de 1996, do Deputado Arlindo Chinaglia e outros, finalmente instalada em 15 de agosto de 2001 e encerrada em 2002.

A reunião conjunta da tal Supercomissão produziu um Relatório Sobre o Sistema de Vigilância da Amazônia – “Projeto SIVAM”, em 07 de fevereiro de 1996. Cabe lembrar que em 1994 o próprio Senado Federal aprovara o contrato de execução do projeto. Dá para imaginar porque o Projeto SIVAM era um assunto que "melindrava".

Esmiuçando mais um pouquinho, para ajudar a recordar o contexto e confusão geral, tratava-se ainda de um projeto financiado pelo Eximbank que exigia que os equipamentos fossem adquiridos da empresa Raytheon. Até aí nada de mais, pois o Eximbank é uma agência do governo dos Estados Unidos cuja função é criar empregos naquele país através das exportações. Só que essa negociação ocorria no momento em que a CPI dos Bancos havia evidenciado relações suspeitas envolvendo a máquina governamental. Membros do governo haviam sido grampeados em conversas impróprias e, como se estivesse acometido por algum tipo de metástase prévia, no caso da privatização da TELEBRÁS o BNDS aceitou o Fundo de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil - PREVI como fiador do grupo capitaneado pelo banco Opportunity.

Um dos donos do Opportunity, beneficiário da privatização, foi Pérsio Arida, Presidente do então BNDS entre setembro de 1993 e janeiro de 1995, e Presidente do Banco Central até junho de 1995. Dez meses depois virou sócio de Daniel Dantas. Foi um dos diretores do Opportunity Fund, ao lado de Daniel Dantas e Verônica Dantas. Para piorar, Pérsio Arida foi marido da diretora responsável pelo programa de privatização no mesmo BNDS.

Isso tudo sem falar que o próprio Presidente FHC autorizou o uso de seu nome para pressionar o PREVI nesse episódio.

A respeito das informações sobre quem são os donos do banco Opportunity, é bom esclarecer que no papel, outras pessoas são donas de banco. Se quiser saber mais sobre esse assunto, clique aqui, neste link.

Foi assim que se apresentou o primeiro fator. Foi durante todo o contexto relacionado a existência da Supercomissão do SIVAM quando da instauração da CPI. Tal contexto criou a OPORTUNIDADE para que a atividade surgisse.

Quando assumi meu cargo, por concurso, no Senado federal, minha lotação inicial foi no Serviço de Policiamento, e posteriormente fui transferido para o Serviço de Inteligência. Independente da lotação, observei que havia uma oportunidade provocada pela insuficiência de servidores com capacidade técnica para elaborar e desenvolver projetos e sistemas relacionados a área de segurança.

Uma das minhas primeiras ações na direção de suprir essa lacuna e assim encontrar meu espaço na estrutura administrativa do Senado Federal foi elaborar uma rotina para levantamento de necessidades. Com isso, pretendia parametrizar a coleta de informações sobre uma possível demanda na área de segurança de modo a dotar o serviço do qual eu fazia parte dos meios para viabilizar a proposta de soluções e das justificativas necessárias ao encaminhamento de projetos para a aquisição de sistemas, equipamentos e padronização de procedimentos. Não demorou para que caísse a ficha de que as duas, justificativa e projeto, naquele momento, eram indissociáveis. Afinal, toda autorização depende mais de uma boa justificativa do que de um projeto bem elaborado. Ambos, justificativa e projeto, podem ser elaborados por pessoas ou setores distintos. Mas naquele momento de falta de pessoal técnico qualificado eu tinha que pensar em um solução personalizada. A regra vigente era que o setor que identificasse uma demanda teria de encontrar a possível solução, fazer o pedido, apresentar a justificativa e acompanhar a aquisição, a qual ficava a cargo de uma das Comissões de Licitação. Só que a justificativa era feita pela chefia, e a pesquisa e palavra final sobre a especificação era responsabilidade ainda de outro setor, fora da estrutura de segurança.

Esse outro setor fazia as especificações para todo o Senado, e a experiência mostrava que os produtos, quando adquiridos, pouco atendiam à necessidade inicial. Então propus que o demandante levasse a demanda a um técnico qualificado na própria área de segurança, o qual teria a responsabilidade de encontrar a solução mais adequada, realizar a pesquisa, elaborar a justificativa e apresentar ao setor de pesquisa o trabalho já pronto. Além disso, deveria fazer as gestões para esclarecer o objetivo dessa ação, que era o de ajudar, e não de tentar usurpar alguma atividade, evitando assim melindres e reações contrárias às pretensões. Apesar de constantemente me deparar com chefias que me olhavam como se eu falasse grego, meu objetivo foi alcançado, e todo esse trabalho veio parar nas minhas mãos. Sem saber, eu estava me tornando no segundo fator a que me referi no começo da página. Alterações administrativas posteriores deixaram essa competência oficialmente sob minha responsabilidade.

Em determinado momento fui destacado para um gabinete que estava com procedimento de segurança reforçado. O reforço nada mais era do que a presença, 24 horas por dia, de um pu mais agentes de segurança. Fora do expediente, só podiam entrar funcionários do gabinete devidamente identificados. Durante o expediente, a responsabilidade de triagem era da secretária do gabinete. Entravam funcionários, parlamentares, convidados, pessoal da limpeza, da manutenção, do cafezinho. Internamente, caixas e mais caixas, pastas de documentos em estantes, sobre as mesas, sobre cadeiras, no chão, tudo referente ao SIVAM.

Nessa ocasião, entre outras no mesmo local, me chamou a atenção como documentos e informações transitavam com facilidade, como assessores comentavam sobre informações estratégicas sem se preocuparem com o sigilo (na verdade, sem a compreensão da importância daquelas informações) e nada mais que indicasse uma proteção rigorosa além de uma porta com um agente de segurança controlando, às vezes, o acesso.

Considerando que o governo já tinha contraído o empréstimo de US$ 1,4 bilhão especificamente para o projeto, era de se esperar alguma preocupação com os valores. E os políticos exploravam bem essa parte, da impropriedade, dos custos, da falta de impessoalidade. Mas o que nesse momento me marcou foi a pequena preocupação dos políticos com o fato de que aqueles documentos continham informações estratégicas relacionadas à Soberania Nacional e à defesa do território, incluindo aí informações sobre a localização de guarnições, áreas de cobertura, etc, que, se muitas vezes não eram explícitas, continham dados suficientes para atrair o interesse externo por uma ação de inteligência. Já ali me parecia que a grande preocupação das autoridades era mesmo o embate político, o eterno confronto entre situação e oposição. Tinha se apresentado o terceiro fator.

Com o impacto da falta de segurança das informações que transitavam pelo Senado, em algum momento de 1998 me dirigi aos supervisores da segurança e perguntei se algum projeto para suprir a demanda provocada pela presença física de documentos estratégicos sob guarda do Senado Federal estava sendo elaborado. Tive que explicar o que eu estava querendo, e após algumas palavras por mim proferidas veio uma que foi compreendida: varredura. Um desses supervisores foi até uma escrivaninha, abriu uma gaveta, pegou uma folha de papel e me entregou. Era uma cópia de um panfleto de propaganda do equipamento CPM-700, um popularíssimo equipamento de varredura, hoje descontinuado - a bem da verdade, naquele momento já se tratava de algo um tanto ultrapassado. Perguntei o que era aquilo e como estaria o pedido de aquisição, e para minha surpresa fui informado de que a presença do panfleto se dera unicamente pelo fato de um representante de vendas te-lo ali deixado, e que portanto não havia nem estudo nem processo de aquisição.

Pedi autorização para formular uma especificação mais adequada às necessidades do Senado Federal, no que fui autorizado. Na verdade, "Pode ficar com isso!", se bem me lembro, foram as palavras. De qualquer maneira, considerei isso uma autorização.

Após um período para pesquisa e análise, entreguei à chefia o resultado na forma de um documento com a descrição das funcionalidades a serem obtidas, em conjunto com a listagem dos dois equipamentos mais evoluídos para a execução daquelas tarefas. Isso foi feito através do documento SSELEG/SIAAP/Memo/20/160798. Traduzindo: Memorando 20, de 16 de agosto de 1998, do Serviço de Inteligência e Apoio às Atividades Policiais, órgão subordinado a Subsecretaria de Segurança Legislativa do Senado Federal. Não sei exatamente o que aconteceu com o documento originalmente assinado por mim, já que apesar de meu nome estar impresso no Memorando que consta no processo, a assinatura é de outro agente, com o indefectível "p/". Isso indica que uma cópia teve de ser impressa com urgência e que possivelmente eu estava em alguma outra missão na data do encaminhamento. Esse Memorando foi encaminhado pelo Diretor da Subsecretaria ao Diretor-Geral, que por sua vez o encaminhou ao Primeiro-Secretário do Senado, autoridade responsável pelas aquisições.

E assim foi publicado na seção 3 do Diário Oficial de Segunda-feira, 22 de março de 1999, o aviso de licitação "Tomada de Preços 8/99", nos seguintes termos:

Objeto: aquisição de equipamentos para realização de varreduras eletrônicas, com treinamento de pessoal e prestação de garantia. Abertura: dia 12 (doze) de abril de 1999, às 15h (quinze horas). Local de realização: sala de reuniões - 10" andar do EdifIcio Anexo I do Senado, Informações: pelo fone (061) 311-3036. Cópia do Edita1: guichê da COPELI, 11° andar do EdifIcio Anexo I, mediante a apresentação do recibo de depósito no Banco do Brasil, Agência 3602-1, CIC n° 170.500-8, Código'Finalidade n° 020001.02901.006-0, no valor de R$ 10,00 (dez reais), em nome do Fundo Especial do Senado.

901_ProjetoCI1998.pdf

Em junho de 1999 fui comunicado sobre a minha designação como Gestor do processo de aquisição, coisa que eu nem sabia o que era. Na Aeronáutica simplesmente elaborávamos uma relação de equipamentos e ferramentas necessários à manutenção das aeronaves, relação essa que era submetida ao crivo da DIRMA - Diretoria de Material da Aeronáutica, que por sua vez consolidava todas as relações recebidas em uma única e, após alguns meses ou anos, nada acontecia. E todos os anos, raras as exceções, tínhamos que elaborar uma nova relação, igual, pois a necessidade se mantinha a mesma.

Para minha surpresa, as coisas no Senado Federal eram bastante diferentes e mais rápidas. Na data de 3 de novembro de 1999 eu estava abrindo duas caixas contendo os equipamentos que eu solicitara.

O 1º volume aberto continha um detetor de Junção não-linear BOOMERANG modelo NJD-5. O 2º volume continha um correlacionador espectral OSCOR 5000 modelo DELUXE, e ainda um CD-ROM contendo o software OPC-5000, versão 2.3, acompanhado de um cabo de interface serial.

Concomitante à chegada dos equipamentos eu já elaborava um documento sistematizando e normalizando a atuação da futura equipe de contrainteligência.

É importante esclarecer que tanto a aquisição dos equipamentos quanto a normalização dos procedimentos que eu estava redigindo tinham por base:

  1. a proteção de informações estratégicas relacionadas à Soberania Nacional e à defesa do território, entre outras, sob guarda do Senado Federal. Portanto, os ambientes a serem resguardados eram prioritariamente os Plenários do Senado Federal (no plural pois as Comissões também contam como Plenários), bem como os ambientes onde se desenrolavam reuniões e discussões relativas a informações sigilosas e demais áreas designadas para tais fins ou para a guarda dos documentos;
  2. a proteção de informações sigilosas produzidas ou recebidas pelo Senado Federal;
  3. a contínua preocupação com o ambiente que abriga a figura do Presidente do Senado Federal, uma vez que se trata também de Presidente do Congresso Nacional e Membro do Conselho de Segurança Nacional e, portanto, detentor de informações estratégicas;
  4. a existência de um conjunto de intenções no que dizia respeito a colaboração entre órgãos de inteligência. Cabe explicar que naquele momento era muito promissora a formação de um grupo multi-organizacional, onde o compartilhamento de informações e a confiança mútua propiciavam um horizonte de ações focadas no sucesso das operações, evitando qualquer conflito entre ações de inteligência promovidas por órgãos de investigação e as necessárias ações de segurança orgânica promovidas pelos órgãos de contrainteligência.

Lamento profundamente que alguns anos após, todo esse trabalho, construído de forma árdua e abnegada, tenha enfrentado um período em que foi atacado e destruído, substituído pela desconfiança, pelos holofotes, pelo persistente crédito dado às fontes inaptas, e, finalmente, pela incompetência, arrogância ou covardia de pessoas que se sentem donos ou não querem perder cargos e funções, sem compromisso algum para com a Nação. Sem falar no estrago provocado pelos "achistas", pessoas que proliferam comentários destrutivos, as vezes intencionalmente, as vezes na condição de "idiotas úteis", que em comum vulnerabilizam a condução do trabalho correto, honesto, abrindo brechas aos que visam o desvirtuamento da atividade de proteção às informações de Segurança Nacional ou aos que estão interessados em seu insucesso. E não são poucos. Aproveito para recordar que a falta de controle sobre informações sigilosas permite até a existência de uma categoria de corruptos, os quais comercializam ou se beneficiam de "informações privilegiadas".

Tal período não parece perto de acabar. As instituições responsáveis pelas mais diversas investigações se digladiam continuamente. Atacam-se como se só tivessem a perder, como se estivessem encurraladas, como se a sobrevivência da Instituição disso dependesse. Agem como agem as gangues, as facções. Ao invés de somar, subtrair. Evitando multiplicar, dividir.

Mas é também um sinal de Babinski. Indica, a quem quiser procurar, a causa do problema. Só que falta coragem, pois o corpo doente sabe que o mal está no próprio corpo.

Quanto ao sigilo dos dados do SIVAM, no final das contas não posso afirmar que as autoridades responsáveis empreenderam o mesmo esforço e interesse na preservação das informações. Tudo o que existe sobre o projeto foi obviamente acessado pelo governo americano. O SIVAM foi elaborado com a diretriz de um sistema civil, para fins não-militares. Sabemos que não funciona bem assim, até porquê seria um desperdício não utilizar tais informações também para fins militares. De qualquer forma, o que pude fazer para a então futura preservação de informações de interesse nacional sob a guarda do Senado Federal, eu fiz.

Consolidei os procedimentos elaborando a Norma 1/1999, do Gestor do Contrato que, como comentei, era eu mesmo. Mais a frente existe uma página com o texto desta Norma. Nesse momento imaginava que meu serviço a respeito do assunto contrainteligência estaria terminado. Caberia aos órgãos superiores a definição sobre quem seria responsável pela atividade, bem como quem seriam os integrantes das equipes que por óbvio seriam necessárias.

Para nova surpresa minha, não houve nenhuma decisão superior a respeito do tema. Um dia qualquer entre novembro e dezembro do mesmo ano recebi uma ligação da Presidência do Senado. Alguém da Presidência do Senado, possivelmente um Assessor, me informou por telefone que o Presidente Antônio Carlos Magalhães queria dar uma palavrinha, e como estava só, era o momento. Apesar de haver um Chefe de Serviço acima de mim, e um Diretor acima dele, àquela época, o Senado tinha um contingente bem menor, e o contato entre Senadores (inclusive o Presidente) e servidores se dava desse jeito mesmo, sem formalidades.

Entrei na Presidência pelo corredor lateral. Quando cheguei avisei ao rapaz que servia o café que o Presidente tinha me pedido para comparecer, e uma porta mais, eu estava na presença do conhecidíssimo ACM. Eu já tinha feito parte de sua escolta, da recepção de autoridades, mas naqueles momentos o ACM era sempre sisudo e mau humorado. Ali, naquela sala vazia, foi bem amigável. Não pude deixar de recordar um episódio no ano anterior, a única vez em que eu tinha ficado frente a frente e olhado diretamente nos seus olhos por algum tempo. Naquela ocasião me pareceu uma eternidade, pois ele também não tirava os olhos de mim, e esses olhos estavam muito vermelhos e marejados, não sei no que estava pensando, talvez em nada. Entre nós só havia o caixão de seu filho. Mas voltando a 1999, o Presidente ACM levantou, me cumprimentou, e disse: "Meu filho, fiquei sabendo que você adquiriu equipamentos de varredura, ... isso é importante, ... vou te pedir para que conduza a atividade, me avisaram que você é especialista em eletrônica, Sargento da Aeronáutica, ... depois te consigo uma função comissionada."

Não sei como ele havia ficado sabendo da aquisição, mas imagino que o Diretor-Geral ou o Primeiro-Secretário tenha avisado sobre o andamento do projeto. Esse foi meu primeiro e único contato com uma Autoridade Parlamentar para falar sobre a condução e execução da atividade de contrainteligência no Senado Federal. E se restringiu a essas poucas palavras.

De qualquer forma, foi esse pequeno episódio que inaugurou meu exercício na atividade, apesar de que eu já fosse responsável por tudo que tinha acontecido até aquele ponto. Mas, como comentei, esse não era meu intuito originalmente. Nunca fui formalmente designado para essa atividade, exceto para a gestão dos processos de aquisição, e posteriormente como coordenador de uma operação (quando eu já tinha sido removido da contrainteligência, detalhes nos capítulos posteriores) e também por algum tempo não me incomodei com isso, pois me sentia como um voluntário, não devia satisfação à ninguém que não fosse ao Presidente do Senado, que por sua vez nunca mais tocou no assunto. Um pedido que me dava liberdade para agir nos mesmos moldes que faria na caserna, se tivesse recebido a ordem do Brigadeiro do Ar Eduardo Gomes, por exemplo. Quem contestaria tal ordem? A princípio, podia desenvolver meu trabalho tecnicamente, profissionalmente, definindo diretrizes, criando procedimentos, avaliando as ações, e tudo isso sem ter que prestar contas a Chefes ou Diretores. Não era uma atividade com caráter político, só estratégico. E apesar de não ser a designação que eu pretendia, eu não poderia imaginar um contexto melhor para trabalhar.

Acima, é possível ter uma idéia da dimensão do SIVAM. À esquerda, em linhas vermelhas, a área a ser coberta comparada com o o território dos EUA, em linhas brancas. À direita a estrutura distribuída pela área a ser coberta, até o Comando em Brasília.

Abaixo, à esquerda, a arquitetura original do SIVAM. À direita, FHC na inauguração, em 2002. Fonte dos gráficos e foto: MIT - Massachusetts Institute of Technology.