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FRENTE PARLAMENTAR PELA SAÚDE BUCAL DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE SP CELEBRA 40 ANOS DA FLUORETAÇÃO DA ÁGUA NA GRANDE SÃO PAULO
Neste ano de 2025 completam-se 40 anos da implantação do ajuste da concentração do fluoreto nas águas de abastecimento público dos municípios da região metropolitana da Grande São Paulo. Conhecida como “fluoretação da água”, esta estratégia de saúde pública é a medida mais importante de saúde bucal coletiva para prevenir a carie dentária em nível populacional.
Mediante base técnico-científica fornecida por dentistas e engenheiros sanitaristas da época, o Governo do Estado de São Paulo, por meio da Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo (Sabesp) e da Secretaria de Estado da Saúde, e com apoio da Associação Paulista dos Cirurgiões Dentistas (APCD) e do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP), implantou a tecnologia de saúde pública que passou a proteger a dentição de toda a população da região – mais de 13 milhões de pessoas – que fazia uso da água de abastecimento.
Naquela época, apenas 5% dos adolescentes não tinham experiência de cárie, enquanto agora, decorridos 40 anos, mais da metade dos adolescentes chegam aos 12 anos livres de cárie. Entre os adultos, o índice CPOD diminuiu 47% (22,6 para 12,0). Muitas pessoas que não têm problemas graves de cárie dentária nos dias atuais nem imaginam o flagelo que a doença representava para a população. Muitos fatores explicam essa mudança, entre os quais, a proteção conferida pelos baixos níveis de fluoreto na saliva propiciados pela fluoretação da água.
Como são poucas as políticas públicas com impactos positivos comprovados na promoção da saúde bucal com esse grau de maturidade no âmbito estadual paulista, é bastante oportuno que esse fato tão significativo seja celebrado. Promovido pela Frente Parlamentar da Saúde Bucal da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), coordenada pelo deputado Mauro Bragato (PSDB) e com apoio de várias entidades, o evento é aberto e vai ocorrer no dia 13 de novembro de 2025, das 10h às 13h, no Auditório André Franco Montoro, da ALESP, localizado na Av. Pedro Alvares Cabral 201, Mezanino.
Após a abertura solene e fala das autoridades presentes, haverá a apresentação de um breve painel de especialistas com atualizações sobre o tema. A entrada é livre e as inscrições podem ser feitas clicando aqui. A programação encontra-se a seguir:
Evento
Celebração dos 40 anos da fluoretação das águas de abastecimento público na região metropolitana da Grande São Paulo
Dia 13 de novembro de 2025 – 10 às 13 horas
Auditório André Franco Montoro - Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo
Av. Pedro Álvares Cabral 210 – Mezanino
Programa
10h às 11h00 - Abertura
Deputado Mauro Bragato, Coordenador da Frente Parlamentar
Saudação das autoridades presentes
11h00 às 13h00 – Painel de Especialistas
Contexto histórico da implantação da fluoretação da água na Grande São Paulo
Prof. Dr. Paulo Capel Narvai, Universidade de São Paulo
Avanços das tecnologias de ajuste e controle operacional da fluoretação
Prof. Dr. Wanderley Paganini, Universidade de São Paulo
Programa de vigilância da qualidade da água para consumo humano em relação ao fluoreto
Dr. Luis Sergio Ozório Valentim, CVS, Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo
Apoio laboratorial ao programa de vigilância em relação à concentração do fluoreto na água
Dra. Marisa Lima Carvalho, Instituto Adolfo Lutz
A segurança da fluoretação da água nas concentrações recomendadas
Prof. Dra. Branca Heloísa de Oliveira, Universidade Estadual do Rio de Janeiro
A efetividade na redução da cárie e das desigualdades socioeconômicas da sua distribuição
Prof. Dr. Paulo Frazão, Universidade de São Paulo
Realização
Frente Parlamentar pela Saúde Bucal da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
Apoio
Conselho dos Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo
Conselho Regional de Odontologia de São Paulo
Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas
Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo
Associação Brasileira de Saúde Bucal Coletiva
"BRIGA DE MICROFONES” MARCOU INÍCIO DA LUTA
PELA FLUORETAÇÃO EM SÃO PAULO
Os anos 1950 marcaram o início da fluoretação das águas no Brasil. Em 1953, Baixo Guandu (ES) deu a largada. Seguiram-se Marília (SP) em 1956, Taquara (RS) em 1957 e Curitiba (PR) em 1958. No RS a Lei nº 3.125, de 18 de junho de 1957, deu sustentação legal à fluoretação em Taquara. Mas em São Paulo houve à medida, exigindo-se que fosse aprovada uma lei estadual, seja para amparar a iniciativa de Marília, seja para expandir a medida para outros municípios, incluindo a capital.
Aqueles anos, e as três décadas que se seguiram foram, porém, um tempo de confronto entre dois radialistas de grande prestígio e enorme penetração popular em São Paulo: Homero Silva, da Rádio Tupi, e Vicente Leporace, da Rádio Record.
Antes de ser eleito deputado (1955-1959), Homero Silva havia construído, nos anos 1940-50, uma sólida carreira de radialista, nas rádios Tupi e Difusora, de São Paulo. Seus programas tinham grande audiência popular, o que lhe abriu caminho para ser o primeiro apresentador de TV do país – em 18/9/1950, ele foi o âncora da primeira transmissão de TV no Brasil, na pioneira TV Tupi.
A popularidade de Homero Silva, que o havia conduzido à ALESP, decorria também das ações sociais que organizava, dentre elas a “Campanha do Natal da Criança Pobre”. Nasceu e cresceu no bairro paulistano do Cambuci. As dificuldades financeiras da família o tornaram um homem sensível ao sofrimento do povo. Pessoa culta, rápida e facilmente, o deputado Homero Silva compreendeu o significado do apelo que lhe chegava de lideranças da odontologia paulista, para que apresentasse um projeto de lei (PL) na ALESP, autorizando as empresas de tratamento de água a adicionar fluoretos à água, pois as águas “eram pobres desse elemento em todo o território paulista”, o que contribuía para a disseminação da cárie na população.
Menos de seis meses após a promulgação da lei no RS, em 9 de dezembro de 1957, a Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) aprovou o PL nº 427, apresentado aos deputados em julho de 1956, pelo deputado Homero Silva. Aprovado na ALESP, o PL seguiu para a sanção do governador Jânio Quadros. Mas Jânio o vetou integralmente, em 3 de janeiro de 1958. Porém, a ALESP rejeitou o veto de Jânio e, em 19 de abril de 1958, o Diário Oficial do Estado publicou a Lei nº 4.687, que a ALESP aprovara no dia anterior.
A tramitação do PL nº 4.687 na ALESP, com aprovação, veto do governador e, finalmente, rejeição do veto, foi resultado de uma espécie de “guerra de microfones”, envolvendo Homero Silva e Vicente Leporace.
Homero Silva defendia a fluoretação. Leporace era contrário.
Ambos protagonizaram a reprodução, no Brasil, do embate em curso à época nos Estados Unidos. Após o pioneirismo mundial da fluoretação em Grand Rapids, em 25/1/1945, cientistas e sanitaristas defendiam a ampliação da fluoretação naquele país. Mas esbarravam na oposição baseada em crendices e de pessoas interessadas em semear o medo para tirar algum proveito disso. Num contexto histórico de “guerra fria” e polarização política entre Estados Unidos e União Soviética, ganhava força o argumento de que a fluoretação era um “plano dos comunistas russos para dominar a América”. Porém, o frágil argumento da conspiração comunista foi perdendo força durante os anos 1960. Dois filmes contribuíram para mostrar ao público que o tal "plano comunista" não existia e que isso não passava de medo irracional e paranoico: 1) "Dr. Fantástico" (Stanley Kubrick, 1964), em que o personagem General Jack D. Ripper inicia uma guerra nuclear na esperança de frustrar a pretensão comunista de “extrair e impurificar” os “preciosos fluidos corporais” do povo americano, utilizando água fluoretada; e, 2) "Perigo Supremo" (In Like Flint, 1967 - https://x.gd/QHmKX), no qual o medo de um personagem da fluoretação é usado para indicar sua insanidade.
Embora no Brasil o argumento da “conspiração comunista” não tenha prosperado, os ataques de Vicente Leporace pelo microfone do rádio à iniciativa de Homero Silva, fragilizaram a proposição legislativa. Durante os anos 1960, a tensão entre eles aumentou. O tema da fluoretação da água prosseguiu nas ondas do rádio. Homero Silva seguiu deputado entre 1963 e 1967. Na rádio Bandeirantes, à frente do programa “O Trabuco” (1962 a 1978), de grande audiência, de tempos em tempos Leporace atacava o que considerava “os males da fluoretação da água”. Como ambos eram reconhecidamente homens íntegros, que agiam de boa-fé, e muito admirados pelos ouvintes, a divergência entre eles não contribuiu para esclarecer a opinião pública, mas produziu efeito oposto: as opiniões populares se dividiram, confundindo as pessoas.
DEPUTADO PAULISTA, PIONEIRO DA FLUORETAÇÃO
NO ESTADO, NÃO VIU A PRÓPRIA VITÓRIA
Embora aprovada em 18/4/1958 pela Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), a lei da fluoretação foi muito lentamente implementada em SP. Esse cenário começou a mudar após a aprovação da Lei federal nº 6.050, em 24/5/1974 e, sobretudo, após a eleição de Franco Montoro ao governo paulista, em 1982.
Até o final de 1982, dos 571 municípios paulistas existentes à época, apenas 134 utilizavam a tecnologia de fluoretação da água. Em outros 11, as águas continham, naturalmente, concentrações ótimas de fluoretos. No total, eram 145 (25,4%) os municípios cujas populações contavam com essa medida preventiva da cárie. Isso correspondia a pouco mais de um quarto da população urbana de SP.
Nos primeiros dois anos do governo Montoro (1983-84) a Sabesp, concessionária da água na maioria dos municípios paulistas, intensificou a expansão da fluoretação.
Nos municípios que não haviam concedido à Sabesp a permissão para tratar a água de abastecimento público, optando por manter serviços e departamentos autônomos com essa finalidade, a Secretaria de Estado da Saúde, por meio de convênio com a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), proporcionou recursos financeiros, equipamentos e assessoria técnica a esses municípios para que iniciassem e mantivessem a fluoretação. Isso possibilitou a fluoretação em seis municípios em 1983 e 16 em 1984. Em 1985, a Grande São Paulo começou a ser beneficiada. Já nos primeiros meses a fluoretação chegou à região do ABCD e Mauá e, em 31 de outubro, à capital.
Mas Homero Silva, o deputado que liderou a aprovação da lei paulista da fluoretação, falecera em 1981, não chegando a ver a vitória representada pelo início da fluoretação, nem seus resultados na capital paulista, que se observavam já nos primeiros 10 anos após a implantação da medida. Em 1986, na idade-índice de 12 anos, o CPOD registrava 6,47 em 1986, declinando para 2,37 em 1996 e chegando a 1,51 em 2023.
Pesquisadores vinculados a universidades brasileiras publicaram neste ano um estudo de revisão sistemática e meta-análise sobre a efetividade da fluoretação da água no JDR Clinical & Translational Research. O artigo detalha várias características relacionadas com essa medida preventiva da cárie dentária abrangendo 32 países de cinco continentes.
O objetivo do trabalho de Camilla Ferreira do Nascimento e mais quatro colaboradores, foi sintetizar as evidências sobre fluoretação da água e cárie dentária em dentes permanentes e decíduos.
A síntese incluiu 74 publicações, sendo 21 estudos conduzidos na Europa, 17 na América do Sul, 12 na América do Norte, 11 na Ásia, 8 na Oceania, três na América Central, e dois na África. Do total, 57 eram estudos observacionais transversais, 13 do tipo antes-depois, e quatro estudos de coorte. Foram incluídos na meta-análise 32 estudos. A maioria das pesquisas (93%) foi realizada depois de 1980, quando a disponibilidade de creme dental se tornou mais ampla.
A diferença na experiência de cárie dentária, entre grupos expostos a fluoretação da água em comparação com os não expostos foi, em média, −0,32 (intervalo de confiança [IC] de 95%: −0,48 a −0,17, P<0,01) na dentição permanente, e −0,30 (IC de 95%: −0,39 a −0,21, P<0,01), na dentição decídua. A prevalência de cárie foi menor naqueles expostos à fluoretação tanto para a dentição permanente (Odds Ratio = 0,52, IC 95%: 0,43 a 0,63) quanto para a dentição decídua (OR = 0,60, IC 95%: 0,48 a 0,76).
A heterogeneidade entre os estudos foi satisfatoriamente explicada em decorrência das diferenças de desenho dos estudos, do continente de origem e da década de publicação.
Comunidades onde a água era fluoretada apresentaram menos cárie e as diferenças foram de alta magnitude, tanto em crianças quanto em adultos. O estudo na íntegra pode ser obtido aqui.