09 Macedo: Memórias de uma ... estágio supervisionado I

MEMÓRIAS DE UMA PROFESSORA EM FORMAÇÃO: REFLEXÕES A PARTIR DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO I

Beatriz Gonçalves Macedo[1]

RESUMO

O presente relato conta as minhas experiências vividas em uma escola durante o Estágio Supervisionado de Ensino I. Meu foco foram às memórias de minha própria vida escolar mobilizadas durante o estágio. A pesquisa teve natureza qualitativa e para sua realização foram usados os seguintes instrumentos metodológicos: observação participante e o diário de anotações. As análises são resultado das reflexões e diálogos teóricos realizados a partir das anotações que fiz. Os principais pontos de discussão foram os seguintes: comportamento dos estudantes, interação entre aluno e professor e a avaliação. Considero que falar sobre minhas memórias requer cuidado e cautela, pois estou revivendo fatos de minha vida que tem influenciado minha formação docente. E certamente essas memórias contribuem para o processo de reflexão acerca de minha formação.

Palavras-chave: reflexão; memória; formação inicial de professores.

ABSTRACT

This report account my experiences in a school during the Supervised Teaching Internship I. My focus was to memories of my own school life mobilized during the internship. The research was qualitative nature and its realization were used the following methodological tools: participant observation and diary notes. The analyzes are the result of theoretical reflections and dialogues conducted from the notes I made. The main points of discussion were the following: student behavior, interaction between student and teacher and evaluation. I think that talking about my memories requires care and caution, because I'm reliving events of my life that has influenced my teacher training. And those memories will certainly contribute to the process of reflection on my training.

Keywords: reflection, memory, initial teacher training.

1 CONTEXTO DO RELATO

O presente relato conta as minhas experiências vividas em uma escola durante o Estágio Supervisionado de Ensino I. Essas experiências foram realizadas no período de junho a setembro de 2013, em uma Escola Municipal na Zona Leste de Manaus-AM, sendo acompanhado pela professora orientadora da Universidade Federal do Amazonas - UFAM e pela professora supervisora da escola.

A escola foi escolhida em virtude da seguinte reflexão: a UFAM está localizada no bairro Japiim. Sendo assim a maioria dos acadêmicos que realizam Estágio Supervisionado ou atividades de extensão em escolas, escolhem educandários localizados nas proximidades da Universidade (nos bairros Japiim, Coroado etc.). Diante disso, resolvemos escolher uma escola longe da Universidade para alcançar uma parcela da comunidade que, geralmente, não é atendida pelas ações da Universidade. Ademais, escolhemos essa escola pelo fato de moramos nesta Zona da cidade e assim iniciamos nosso estágio supervisionado I.

O meu foco foram às memórias da minha vida escolar. Comecei a me interessar pelo estudo das memórias, a partir do período em que revivi alguns fatos marcantes no portão da escola, pois por incrível que pareça eu fui aluna da escola em que estagiei. Relembrar essas experiências do tempo em que eu era aluna, lembranças que fizeram e fazem parte da minha formação pessoal/profissional, e, que também influenciaram a minha escolha pela docência me fizeram refletir sobre as mudanças no ensino de ciências que eu tive e aquele que observei durante o estágio.

Pensar sobre minha trajetória, me faz ver uma nova orientação para as minhas futuras atividades como professora e sobre minha formação acadêmica. Entendo que essas memórias podem estar relacionadas às minhas escolhas teóricas e também a minha futura prática didática como professora (MARANDINO; SELLES; FERREIRA, 2009). Uma vez que ás relações entre teoria e pratica são indissociáveis no trabalho didático-pedagógico desenvolvido em sala de aula, pois é um processo dinâmico que envolve ação, reflexão e ação, tanto de quem ensina quanto de quem aprende (PIMENTA; LIMA, 2011).

A Escola Municipal em que ocorreu o estágio possui a Educação de Jovens e Adultos- EJA no turno noturno, bem como, o ensino fundamental maior. De acordo com o Artigo 37 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB) “A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na própria idade”. Como minha vida escolar aconteceu no ensino fundamental diurno, o estágio foi o meu primeiro contato com esse nível da educação básica.

No dia em que fui apresentada na Escola estava muito nervosa. Pensava em mil e uma coisas como, por exemplo: como serei recebida pelos alunos e funcionários? Será que serei respeitada pelo fato de ser jovem? Será que vão rir de mim? Uma vez que a maioria dos alunos da EJA são pessoas mais velhas, com longa experiência de vida que exercem atividades ligadas a diferentes setores produtivos, além de alcançar sujeitos que, em sua maioria, não tem a mesma idade que eu.

Outra coisa que me incomodava era encontrar pessoas com idades tão diferentes da minha. Isso deixava em mim uma sensação de insegurança. Talvez eles [os alunos] rissem pelo fato de eu ser uma professora jovem, sem muita experiência de vida e estar ali para ensiná-los. Alguém poderia dizer, por exemplo: quem é você para educar a mim e aos demais? E os outros olharem e começarem a rir.

Apesar das minhas muitas inquietações esse primeiro contato com a escola foi tranquilo. Fomos apresentadas nas salas de aula pela pedagoga que explicou o motivo da nossa presença na escola. Assim, os alunos se demonstraram atenciosos e os demais funcionários também. Percebi que não havia motivo para nervosismo.

2 DETALHAMENTO DAS ATIVIDADES

Nesse contexto, o Estágio Supervisionado de Ensino I foi realizado com uma pesquisa. Para Pimenta e Lima (2005/ 2006, p. 10) a “[...] pesquisa no estágio, [...] se traduz pela mobilização de pesquisas que permitam a ampliação e análise dos contextos onde os estágios se realizam”. Dessa maneira, o estágio foi organizado em três momentos: No primeiro observei a estrutura da escola, acompanhei as aulas de Ciências e fiz leituras de documentos, tais como: Projeto Político Pedagógico – PPP, plano de ensino e planos de aulas. No segundo, participei das aulas contribuindo nas atividades trabalhadas pela professora supervisora e nas orientações para a Feira de Ciências que foi realizada na escola com os alunos da EJA. No terceiro momento, aconteceu a regência na qual preparei e realizei um plano de aula.

Nessa perspectiva, durante o estágio várias questões me vinham à mente. Às vezes, me perguntava como eles, os estudantes, estão se sentido nesta aula? Como se sentem dentro da escola? Será que estão compreendendo os assuntos trabalhados? Ou ainda; Que tipo de professora de ciências eu serei? Será que influenciarei meus alunos como meus professores fizeram/fazem comigo nas diferentes maneiras que marcaram minha vida? Será que minhas memorias de estudante têm me ajudado a refletir sobre o processo de formação de professores? Foram essas inquietações que me trouxeram a pesquisa escrita nesse relato.

A pesquisa teve natureza qualitativa. De acordo com Minayo (2002) a pesquisa qualitativa é usada para responder questões muito particulares que não podem ser quantificadas, como é o caso das reflexões construídas nesse relato de experiência a partir do contato com a escola. Foram usados os seguintes instrumentos metodológicos: observação participante e o caderno de anotações (para mim não foi apenas um caderno, foi um diário).

A observação participante consiste no contato/relação direta do pesquisador com o fenômeno observado para obter mais informações sobre a realidade dos sujeitos em seus próprios contextos. Já o caderno de anotações também conhecido como diário de campo é um instrumento ao qual se pode recorrer durante a pesquisa. Nele podemos colocar os nossos sentimentos, percepções, questionamentos e outras informações pertinentes (MINAYO, 2002).

Minhas anotações no caderno de campo foram fundamentais para que eu pudesse refletir sobre as situações didático-pedagógicas vivenciadas durante o estágio mesmo quando não estava na escola. Assim, o que me chamava atenção era registrado no diário e quando chegava em casa eu podia ler e fazer reflexões próprias. Esse momento reflexivo é interessante para minha formação como professora uma vez que não me identifico mais como aluna diante da sala de aula, mas como professora em formação.

3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DO RELATO

As análises que seguem são resultado das reflexões e diálogos teóricos realizados a partir das anotações que fiz no diário de campo. Assim, são apresentados trechos relevantes desse registro que estão relacionados com a Temática que abordei. A seleção dos trechos foi realizada a partir de dois critérios: estar diretamente relacionado às memórias que tenho do tempo de escola básica e superior e não comprometer o sentido do texto original.

Os alunos ficaram quietos e nem perguntaram o porquê da aula. Lembrei da minha educação básica, pois nós alunos enquanto estamos nela, não [nos] damos a conta de quanto é importante perguntar o motivo da aula? Mas percebo que não é só na educação básica, no ensino superior acontece a mesma coisa. (SIC)

No trecho citado fica evidente que o comportamento dos estudantes durante a aula demonstra a falta motivação ou animo para a aprendizagem de ciências. Diante de uma situação como esta penso que o professor precisa ser um investigador para descobrir as dificuldades dos alunos e a partir desse momento buscar estratégias, recursos e métodos para superar essas dificuldades. Isto é fundamental para que os assuntos tratados em sala de aula ganhem significado na vida dos estudantes e favoreça uma atitude de curiosidade.

Este fato acontece porque alguns docentes não criam um ambiente didático propicio ao diálogo. Pensam que a opinião do aluno não é relevante diante da sua experiência na docência e não percebem que para haver transformação no trabalho realizado em sala de aula é preciso refletir sobre a sua metodologia de ensino e interação com os estudantes. Para Silva, Farias e Castilho (2012) o docente precisa desenvolver uma educação dialogada e acreditar no aluno, mesmo diante de todas as possibilidades esgotadas de sua aprendizagem e também oferecer ao mesmo condições de ser o protagonista de sua própria história.

O saber do professor é construído ao longo de sua vida, não é apenas durante a graduação, mas constituído por suas vivencias. Essa reflexão também pode ser engendrada a partir do fragmento citado, haja vista que, a partir de uma experiência com a educação básica durante o estágio supervisionado pude melhor compreender algumas situações que tenho vivenciado em minha formação atual. Nesse sentido, noto a importância da memória para negociar significados vindos de experiências já vividas, diante das quais podemos nos resignar ou romper (PIERRE, A. et al, 2010).

[...] no final da aula nenhum aluno perguntou sobre o tema da aula, a professora perguntou se alguém tinha dúvidas e ninguém respondeu, não sei se tiveram dúvidas ou se quiseram se livrar da aula, mas a professora falou para lerem o livro [...]. Lembro que na minha educação básica às vezes não fazia pergunta porque não havia entendido o assunto e quando perguntava às vezes os professores respondiam que só iria entender se lesse o livro ou fosse pesquisar mais sobre o assunto, mais isso não eram todos que falavam, só aqueles que hoje percebo que não tinham um compromisso com a educação ou por outro motivo que eu não sei. (SIC)

[...]

Lembro-me que tínhamos palpites e com medo de falar, para a professora, que brigava conosco quando fazíamos algo de errado na aula dela, ficávamos calados e no final da aula a professora falou para nós pesquisarmos a resposta no nosso livro didático e em outros. (SIC)

A relação entre professor e estudante é fundamental para que a aprendizagem aconteça. Os alunos, muitas vezes, se expressam considerando o tratamento que recebem, por exemplo, o professor que tem boa vontade de responder as questões dos alunos tem melhor chance de ser ouvido por eles. Penso que o comportamento passivo e o desinteresse dos alunos podem estar relacionados à falta de um diálogo mais aberto durante as explicações, avaliações e até mesmo na convivência em sala de aula.

Por outro lado, essas situações, geralmente, são as principais angustias dos professores. Para CORTELLA (1999) o desinteresse dos estudantes é justificado devido o distanciamento entre os conteúdos escolares e a realidade que os alunos vivem. Entretanto para PENNA (2010) os professores e alunos ocupam posições distintas na escola, e cada qual deve ocupar seu lugar, bastante delimitado na hierarquia escolar. Com base nisso é possível refletir sobre o posicionamento da professora supervisora do estágio diante do silêncio da turma pelas ideias de ambos os autores.

Em minhas reflexões pessoais a relação aluno-professor também se faz presente. Isso porque manifesto, em alguns momentos, a recordação sobre a dedicação e o carinho que recebi de alguns professores e também de outros os quais não estavam interessados em nós, os alunos. É nesse sentido, que Marandino, Selles e Ferreira (2009, p. 79) defendem que “a análise de suas [minhas] memórias constitui um material formativo valioso que explicita os modelos de entender a ação docente tacitamente incorporados ao longo de sua [minha e nossa] vida.”

Lembro que quando estava na Educação Básica sempre tínhamos avaliações como seminários, trabalhos, provas (escrita e oral) e etc... As vezes decorava para as provas por que queria tirar notas boas. Hoje percebo que devo aprender e não decorar. (SIC)

Outro ponto relevante registrado no diário diz respeito à avaliação. Em minha experiência de vida a avaliação foi e ainda é realizada de forma seletiva, pois, o professor elabora critérios para distinguir o ‘bom’ aluno do ‘mau’ aluno. E diferencia aquele que merece ser aprovado daquele que não deve. Krasilchik (2008, p. 139) afirma que a avaliação “[...] no âmbito da escola, e fora dele, tem um sentido social bastante claro, podendo ser comparado ao que exercem o dinheiro, o poder ou status”. Por isso muitas vezes, o método de avaliação que privilegia a memorização do conteúdo sem uma reflexão crítica não indica uma aprendizagem real. Penso que o docente tem que refletir na avaliação como um diagnóstico da aprendizagem que pode contribuir para a melhoria de sua própria prática de ensino e não, simplesmente atribuir uma nota.

Segundo Tardif e Lessard (2007, pag. 136)

[...] a avaliação parece corresponder a um processo social bastante complexo em que o julgamento profissional dos professores se confronta com uma multidão de critérios, expectativa, necessidades, normas e dificuldades, ou seja, é um processo difícil, onde os professores são forçados a encontrar o equilíbrio para as necessidades dos alunos, pois os grupos sociais utilizam essas para um processo de seleção seja no mercado de trabalho e em outros.

Diante disso, a avaliação é um processo seletivo que tem o poder de decidir o futuro de quem aprende. A nossa sociedade valorizar o aluno que tem um bom currículo acadêmico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalmente, considero que falar sobre minhas memórias requer cuidado e cautela, pois estou revivendo fatos de minha vida que tem influenciado minha formação docente. Essas narrativas contribuem para relacionar a minha vida atual com as lembranças do passado, para analisar e refletir criticamente minhas experiências profissionais no Estagio Supervisionado I e também para a aperfeiçoar a pratica como professora da educação básica que já tenho vivenciado.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases para a Educação Nacional. Diário Oficial da União. Brasília- DF, 20 dezembro. 1996. Disponível em:< http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf> Acesso em: 08 set. 2013.

CORTELLA, M. S. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. São Paulo, Cortez: Instituto Paulo Freire, 1999.

KRASILCHIK, Myriam. Prática de Ensino de Biologia. 4. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.

MARANDINO, M. ; SELLES, S. E. ; FERREIRA, M. S. Ensino de Biologia: histórias e práticas em diferentes espaços educativos. São Paulo: Cortez, 2009.

MINAYO, C. de S (Org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

PENNA, M. G. de O. Relações entre professores e alunos: algumas considerações sobre a indisciplina. Revista Educação Unisinos, v. 14, n. 1, jan-abr, 2010.

PIERRE, A. et al. Papel da memória. Tradução e introdução: Jose Horta Nunes. 3. ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2010.

PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e Docência. Revisão técnica José Cerchi Fusari. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência: diferentes concepções. Revista Poíesis, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3-4, p. 5-24, 2005/2006.

SILVA, D; FARIAS, E. R; CASTILHO, T. M. O acordar docente: memória de formação como processos de emancipação docente. In FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA, 4., 2012, Parnaíba – PI/Brasil. Anais de Resumos. Campina Grande: Realize Editora, 2012. p.1-14. Disponível em:< http://www.editorarealize.com.br/revistas/fiped/trabalhos/48c3ec5c3a93a9e294a8a6392ccedeb4.pdf > Acesso em: 08 set. 2013.

TARDIF, M.; LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Tradução de João Batista Kreuch. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

[1] Licencianda de Ciências Naturais do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Amazonas. Orientada pela professora da disciplina de Estágio Supervisionado Elizandra Rego de Vasconcelos. E-mail: beatriz_gmacedo@hotmail.com