06 Borghezan: A importância da ... jovens e adultos

A IMPORTÂNCIA DA CONTEXTUALIZAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Elio de Almeida Borghezan[1]

RESUMO

As estratégias adotadas para o ensino para jovens e adultos devem ser diferenciadas das utilizadas para o ensino regular, tendo em vista as peculiaridades dos estudantes deste módulo. Segundo os PCNs a contextualização é um dos princípios básicos que norteiam o currículo do Ensino Médio. Deste modo este estudo objetivou verificar a presença de contextualização, independente das concepções adotadas por duas professoras de uma escola de ensino de jovens e adultos. Nas aulas ministradas pelas professoras foram observados elementos do cotidiano, sugerindo o uso da contextualização, deste modo contribuindo para a formação dos estudantes, para a inclusão no mundo do trabalho.

Palavras-chave: EJA, contextualização, inclusão social.

ABSTRACT

The strategies adopted for teaching youth and adults should be distinguished from those used for regular education, in view of the peculiarities of these module students. According NCPs contextualization is one of the basic principles underlying the curriculum of high school. Therefore, this study aimed to verify the presence of background, independent of the concepts adopted by two teachers from a school teaching young people and adults. In classes taught by teachers, the presence of background was observed, thereby contributing to the training of students for inclusion in the labor market and especially for social life.

Keywords: EJA, contextualization, social inclusion.

1 CONTEXTO DO RELATO

A contextualização do ensino, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – DCNEM (BRASIL, 1998) é um dos princípios organizadores do currículo do Ensino Médio. A educação neste nível visa a formação do cidadão para o mundo do trabalho bem como para a vivência em sociedade. Nesse sentido, não cabe ao ensino médio formar especialistas, mas sim fornece a base dos conhecimentos para melhor atender as necessidades da sociedade.

Lopes (2002) interpreta o processo do ensino e aprendizagem nas escolas como um híbrido das teorias de aprendizagem, identificando a presença de um discurso curricular plural nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio - PCNEM (BRASIL, 1999) e o caráter polissêmico do conceito de contextualização.

Segundo Santos (2007) a contextualização pode ser constituída pela abordagem de temas sociais e situações reais articuladas com o saber científico em aspectos sócio-científicos englobando questões ambientais, econômicas, políticas, sociais, culturais e éticas.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (BRASIL, 1998), a contextualização sociocultural resultante da construção humana em um processo histórico, abrange questões multidisciplinares sistematizadas e organizadas nos temas estruturadores do ensino. Trazer o contexto do aluno para a sala, adequando à aula, e não adequar o contexto para a aula, essa forma de contextualização pode ser interpretada no exposto pelo PCN.

Acredita-se que uso de livros didáticos de caráter nacional desrespeita o aluno em sua essência, pois não é considerado o contexto sociocultural e histórico ao qual ele está inserido, logo a contextualização que deveria ocorrer em sala é desprezada ao considerarmos apenas o livro didático de caráter nacional para a prática docente.

Assim, a contextualização pode ser vista com os seguintes objetivos (SANTOS, 2007): 1) formar cidadãos com atitudes e valores em uma perspectiva humanística diante das questões sociais relativas à ciência e à tecnologia; 2) auxiliar na aprendizagem de conceitos científicos e de aspectos relativos à natureza da ciência; e 3) encorajar os alunos a relacionar suas experiências escolares em ciências com problemas do cotidiano.

A pedagogia voltada para o ensino de jovens e adultos (EJA) teve inicio na década de 60, quando o trabalho de Paulo Freire deu o passo inicial com um método de alfabetização voltado para esse público. Desde então políticas voltadas ao EJA vem se desenvolvendo em busca do aperfeiçoamento desta modalidade de ensino.

Existe uma linha de pensamento que relata que o EJA atenderia um grupo de pessoas adultas ou idosas, que não tiveram oportunidade de estudo enquanto crianças, a fim de incluí-las na sociedade, pois estas muitas vezes vindas das áreas rurais e sem acesso a educação. Porém, a escolarização de adultos também engloba o ensino a grupos de jovens de origem urbana, os quais, muitas vezes, tiveram uma trajetória escolar não sucedida (HADDAD; DI PIERRO, 2000). Esses jovens dividem-se em grupos nos quais alguns veem na escola uma tentativa de inclusão sociocultural enquanto outros mantém com ela uma relação de tensão e conflito aprendidos na experiência anterior.

Para isso, o EJA deve ter uma postura diferenciada, onde o histórico e o contexto onde o aluno está inserido devem ser avaliados para traçar uma estratégia de ação à educação. Devemos considerar que existem vários estilos de aprendizagem, onde podemos destacar o visual, o auditivo, a leitura/escrita e o sinestésico, logo os professores a trabalhar com esse público devem estar preparados para incorporar os vários estilos de aprendizagem de forma a atender satisfatoriamente um público tão heterogêneo.

O EJA oferece aos alunos materiais didáticos por disciplina, as quais são organizadas e ministradas em módulos. Porém, pouco vale o material didático sem uma prática docente adequada.

Sendo assim, um ensino contextualizado para jovens e adultos seria um forte aliado para a formação de cidadãos com valores e atitudes comprometidos com as necessárias transformações das relações sociais no mundo contemporâneo.

Neste sentido, este estudo foi realizado objetivando verificar a presença de contextualização na disciplina de Biologia ministrada por duas professoras para alunos do Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA).

2 DESCRIÇÃO DO RELATO

Para a verificação da presença ou ausência de contextualização nas aulas ministradas por duas professoras do CEJA, as aulas foram acompanhadas, sendo registrados os momentos em que constatou-se a contextualização. As respostas das dúvidas dos alunos também foram registradas a fim de complementar os dados.

O presente estudo foi desenvolvido no CEJA – Agenor Ferreira Lima localizado no bairro Aleixo, dentro da cidade de Manaus, Amazonas. O procedimento adotado foi a observação da docência realizada dentro da sala de aula em quatro turmas (M, N O e P) que cursam o módulo de Biologia do ensino médio noturno, sendo que as turmas “M” e “O” realizam essa disciplina no horário de 19:00 às 20:30 horas enquanto as turmas “N” e “P” o fazem no horário de 20:30 às 22:00 horas.

A observação em sala de aula ocorreu durante a disciplina de Estágio Supervisionado I sob orientação do professor Welton Yudi Oda, sendo realizada a observação das aulas de quatro turmas (uma hora e meiade observação semanal em cada turma) durante o período de aula de Biologia ministrada por duas professoras que terão suas identidades ocultadas, sendo citadas nesse estudo como Profa1 e Profa2. Para a verificação de contextualização foram desconsideradas as aulas onde as professoras aplicaram avaliações.

Foram registradas as falas pertinentes onde foi possível identificar a presença de contextualização, independente das concepções adotadas, e as respostas das dúvidas dos alunos também foram consideradas neste estudo a fim de complementar a avaliação. Os resultados foram obtidos a partir da transcrição das falas.

3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DO RELATO

Dado o perfil da escola os materiais adotados preferencialmente são os livros didáticos, o quadro branco e o pincel, eventualmente utiliza-se o projetor de multimídia. A organização da sala é tradicional, com as cadeiras dispostas em fila indiana, as aulas decorrem inicialmente com a escrita no quadro e posterior explicação do conteúdo pela professora e respostas de eventuais dúvidas dos alunos.

Também havia alunos com deficiência auditiva, sendo que nas aulas em que estes estavam presentes, a professora de Biologia estava acompanhada de uma intérprete que transmitia toda a explicação para os alunos. Estes também interagiam normalmente com a aula através da intérprete, que era indispensável para o caminhar das atividades em sala.

Todas as quatro turmas iniciaram com 41 alunos matriculados, sendo observadas desistências e evasões. Houveram nas turmas “M”, “N”, “O” e “P” respectivamente 7, 16, 9 e 15 desistências e evasões. Percebe-se, assim, que no segundo horário as incidências de desistências são maiores.

Na observação da aula ministrada pela Professora 1 sobre “Componentes orgânicos e inorgânicos das células”, constatou-se contextualização na fala, quando a mesma relatou: “O ferro presente no nosso sangue vem do feijão que comemos todos os dias”. Verificou-se também contextualização no momento da fala: “A vitamina D junto com o cálcio que tem no leite, por exemplo, é importante para a formação dos ossos, por isso os idosos tomam vitamina D junto com cálcio para prevenir osteoporose”. Verificou-se também em: “Nas épocas das grandes navegações, quando descobriram o Brasil, os marinheiros sofriam com escorbuto, isso porque sua alimentação não continha boas quantidades de vitamina C, o que causa a doença do escorbuto”.

Na aula ministrada pela Professora 2 sobre “Sistema reprodutor masculino e feminino”, a atividade desenvolvida com os alunos foi a aplicação de um questionário com perguntas fundamentadas pelas definições e conceitos das estruturas dos sistemas estudados.

A Profa2 em sua aula sobre “Reino animal” passou trabalho de pesquisa para os estudantes, explicando muito bem a construção de cada tópico do trabalho mostrando os procedimentos para a sua execução, nos quais as perguntas envolviam as funções e utilidades dos animais, suas importâncias com o meio ambiente e para a vida do homem. Vale ressaltar que os vermes foram exclusos do trabalho, pois houve aula específica para tratar apenas dos vermes.

Na continuação da aula ministrada pela Professora 1 sobre “Componentes orgânicos e inorgânicos das células”, a professora fez uma breve revisão sobre o que foi visto na aula anterior, bem como continuou a aula trazendo exemplos de doenças relacionadas com a falta e excesso de sais minerais e vitaminas, podemos citar: pressão alta, diabetes, ocorrência de cáries, bócio, além da cegueira noturna, raquitismo, hemorragias e beribéri.

Em outra aula ministrada pela Professora 1 onde ocorreu a aplicação de um exercício de recuperação de componentes orgânicos e inorgânicos da célula, a professora passou as perguntas que puderam ser respondidas em dupla e com consulta do livro didático. A professora ficou a disposição dos alunos para sanar quaisquer dúvidas em relação ao assunto bem como relatou que os mesmos poderiam me consultar para terem um auxílio na execução da atividade proposta. Nesta aula, foi perceptível o desinteresse de um aluno quando o mesmo citou “ah, tô lascado, não vou fazer mais não...”. Apesar desse ocorrido, a maioria dos alunos desenvolveu a atividade, sendo registradas dez consultas à professora e três consultas a mim.

Em outra aula ministrada pela Professora 1 sobre “Problemas ambientais” houve além da contextualização a interdisciplinaridade relatando o histórico do Brasil com o desmatamento da mata Atlântica e da Amazônia. Foi possível evidenciar a presença de contextualização nos momentos da fala como “a cultura do amazonense geralmente põe fogo no lixo a tarde para espantar mosquitos e dar fim no lixo, porém com a queima do lixo libera-se gases poluentes que causam problemas respiratórios como a asma, renite e sinusite”; “ocorre também o desmatamento para o aumento da cidade como ocorre nas invasões”; “nos municípios de Apuí e Humaitá tem o desmatamento para a formação do pasto”; “quando passa o carro do lixo e sentimos aquele mau cheiro, esse mau cheiro é do chorume do lixo, e às vezes o chorume pode infectar os lagos, rios e lençóis freáticos poluindo nossas águas, por isso é importante dar um bom fim no lixo”. Nesta aula foi observado que tratava-se mais de cidadania do que os conceitos biológicos em si, abordando tópicos como o lixo, desmatamento, desertificação e eutrofização. Ao tratar sobre eutrofização com a turma, a professora relatou a ocorrência de um ambiente eutrofizado na cidade de Manaus, o lago do Japiim, além da ocorrência de outros ambientes que sofreram alterações antrópicas, como os vários igarapés que cortam a cidade.

Segundo o parecer 11 do Conselho de Educação Básica – CEB (apud SOARES, 2002), documento que regulamenta as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) aprovado em 10/05/2000, a EJA deve ter função reparadora, equalizadora e qualificadora. Reparadora no sentido de reparar e restaurar o direito a educação que todo cidadão tem, independentemente da idade ou da condição social; reparado esse direito, chega-se a função equalizadora que visa uma redistribuição de igualdade de oportunidades, pois o processo deverá propiciar novas inserções no mundo do trabalho. Finalmente, a função qualificadora visa capacitar o aluno, por seu retorno a escola, aumentando suas oportunidades no mercado de trabalho e auxiliando na sua autoestima.

Segundo Cardoso et. Al (2007) a contextualização realizada pelos professores de química é de suma importância para as discussões no ambiente escolar sobre questões com potencial para transformações da sociedade.

A pedagogia libertadora de Paulo Freire tem por ideal a alfabetização de adultos, onde após pesquisa do contexto em que os alunos estavam inseridos eram traçados os caminhos para a alfabetização, dando significado ao conteúdo a ser aprendido. Logo, podemos nos aproximar da proposta de contextualização de Paulo Freire quando partimos da proposição de um tema social relacionado a algum conteúdo.

Foi perceptível que as aulas ministradas pelas professoras no CEJA tinham como proposta de problematização situações do cotidiano dos alunos. Considerando que estes em sua grande maioria eram adultos que vinham de suas rotinas de trabalho durante o dia, esse enfoque no contexto foi de grande importância para atrair a atenção dos mesmos, motivando-os para o desenvolvimento das atividades propostas.

O ensino na Educação de Jovens e Adultos (EJA) requer estratégias diferenciadas das utilizadas no ensino regular, pois além das características peculiares dos estudantes dessa modalidade, o período de tempo disponível para os estudos em casa e no ambiente escolar é muito reduzido, e, às vezes, há também a necessidade de revisar conhecimentos básicos do ensino fundamental.

Segundo as experiências de Krummenauer (2009), com alguns grupos do EJA foi constatado que em geral os alunos desta modalidade não têm por objetivo continuar com estudos em nível superior e aquilo que eles aprenderem nesta etapa deverá ser útil por toda a vida, tendo em vistas que essa seria a última etapa dos estudos.

Neste período de observação em sala, houve a desistência e a evasão de quase um quarto dos alunos, principalmente nas turmas do último horário. Segundo Krummenauer (2010), entre as causas das desistências e evasões, destacam-se obstáculos de natureza cognitiva: em virtude de longos períodos longe dos bancos escolares, os alunos acabam por apresentar inúmeras lacunas de conhecimentos e dificuldades de compreensão de muitos conteúdos programáticos.

Uma análise feita por Krummenauer (2010) com alunos do EJA para conteúdos de física também demonstra que uma abordagem significativa e contextualizada traz melhorias significantes no desempenho dos estudantes, onde foi obtida uma média de 87,5% de respostas coerentes após a aplicação dessa metodologia.

Sendo assim, torna-se evidente que um ensino contextualizado, independente da disciplina e da temática, é de fundamental importância para um bom desempenho dos estudantes, principalmente para os alunos do EJA.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio. Brasília: MEC/CNE, 1998.

HADDAD, S.; DI PIERRO, M. C. Escolarização de jovens e adultos. [s.l.: s.n.], 2000.

KRUMMENAUER, W. L. O movimento circular uniforme para alunos da EJA que trabalham no processo de produção do couro. 2009. sf. Dissertação de mestrado. Instituto de Física, Programa de Pós-graduação em Ensino de Física. Porto Alegre: UFRGS, 2009.

LOPES, A. C. Os parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio e a submissão ao mundo produtivo: o caso do conceito de contextualização. Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, p. 386-400, 2002.

SANTOS, W. L. P. Contextualização no ensino de ciências por meio de temas CTS em uma perspectiva crítica. Ciência & Ensino, v. 1, n. especial, p. 1 – 12, 2007.

SOARES, L. 2002. Educação de Jovens e Adultos. 1a ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 168p.

[1] Licenciando de Ciências Biológicas do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Amazonas. Orientada pelo professor da disciplina de Estágio Supervisionado Welton Yudi Oda. E-mail: eliob_123@yahoo.com.br