Otília Lage (1949-2024)


Investigadora do CITCEM- FLUP (U. Porto).
Autora, co-autora, organizadora e coordenadora de centenas de publicações em língua portuguesa e estrangeira. 

Coordenadora e membro de equipa de projectos nacionais, europeus e estrangeiros. 

Licenciatura em História, mestrado em Demografia e História das Populações, doutoramento em História Moderna e Contemporânea, Pós-Doutoramento em Estudos Sociais e Históricos, Pós-graduação em Bibliotecas, Arquivos, Documentação e especialização em Administração Escolar.

Foi deputada, durante vários mandatos, na Assembleia Municipal de Carrazeda de Ansiães.


Otilia Lage faleceu subitamente a 3 de fevereiro de 2024.

Otilia Lage a assinar o seu ultimo livro na Biblioteca de Carrazeda de Ansiães, em 1 de dezembro de 2024.

Homenagem à Otília

A nossa homenagem a Otilia Lage, uma mulher e académica transmontana que conhecemos e com que colaboramos nos últimos vinte anos, desde os inícios do projeto FOZTUA.

Uma mulher endiabrada e ousada, muito senhora da sua opinião e do seu nariz, pouco conformista, Otilia Lage foi sempre uma ativista de muitas causas, mesmo ainda antes do 25 de abril. Depois da revolução passou pelos movimentos da esquerda menos ortodoxa (AOC, LCI e coisas dos género) e pelo ativismo sindical. A idade foi amolecendo esse tipo de convicções, mas manteve-se fiel aos ideários da esquerda e do municipalismo até ao fim.

Mas a causa que hoje gostaria de recordar foi o seu ativismo de muitas décadas na defesa dos valores de Carrazeda de Ansiães e na promoção da sua terra transmontana. 

No Porto, cidade onde trabalhava, ela era uma espécie de porto de abrigo da comunidade carrazedense, que regularmente reunia em confraternização por ocasião do Natal para inclusivé recordar os cantares e as janeiras transmontanas. 

Em Carrazeda organizava regularmente eventos culturais e apresentações de livros. Compartilho as palavras que o Helder de Carvalho, também carrazedense, lhe dedicou no Facebook. 

“Esta mulher vai escrever até morrer!”, dizia o Jorge Lage (ex marido e depois companheiro até ao fim) pouco antes de falecer, há poucos anos. E assim foi. 

Ainda há pouco tempo, em dezembro passado, a Otilia apresentou na biblioteca de Carrazeda um livro com textos seus sobre personagens do “mundo da vida” da Carrazeda dos anos 50 e 60. O título foi da sua responsabilidade: “UMA COMUNIDADE VIVA (Carrazeda, anos 1950-60). Da névoa do tempo à magia da criação”.

Uma primeira versão foi publicada por Eduardo Beira no Facebook, 6 de fevereiro de 2024

Tributo a Otília Pereira


Há mulheres que nos ficam como exemplo. É sobretudo pelo exemplo do trabalho intelectual e do envolvimento cívico que eu irei recordar a minha conterrânea Otília Pereira.

Nestes sessenta anos de estima, Otília Pereira começou por ser para mim, ainda adolescente, o modelo de maturidade, de experiência e, do pensar aberto e desassombrado dos que sempre seguem à frente. Quando na adolescência descíamos sozinhos o rio, em direção à cidade do Porto, para darmos sequência aos nossos estudos, as referências com que chegávamos, o porto de abrigo a que muitos de nós acorriam, conduziam à mais velha e experiente, a filha da Sra. Marquinhas e do Sr. Alfredo Pereira. Mais tarde, no âmbito das relações causais que fomos construindo a Otília Pereira tornou-se um exemplo raro, uma espécie singular. Possuía uma erudição, uma capacidade de trabalho e inteligência, superiores. Era ela que nos transmitia as ideias revolucionárias e nos passava o exemplo de apego à liberdade e consciencialização social. O tempo passou e todos foram fazendo o seu percurso mas, sempre que necessário, lá estava a Otília a enviar uma palavra de incentivo, uma sugestão. Por formação nunca deixou de ser uma pedagoga atenta à evolução das práticas. A diversidade dos seus interesses conduziram-na por muitas caminhadas, sempre concentrada na investigação e na aplicação do rigor e do método.

É extensa a sua obra publicada que vai dos trabalhos históricos, à etnografia e arqueologia, passando pelo ensaio literário em que a obra sobre Mécia e Jorge de Sena são para mim o exemplo maior.

E porque a palavra nunca poderá morrer desenganem-se aqueles que pensam que a Otília Pereira morreu.

E se é um facto que, por mérito próprio, Otília Pereira se tornou o orgulho dos seus, o facto é que atravessou o nosso pequeno universo sem nunca renegar as suas gentes. Permanentemente a vimos disponível para ajudar e colaborar com todos, sempre firmada nos ideais democráticos e no progresso.

Recordarei a sua amizade e a estima que teve por mim, lembrarei o seu exemplo e agradecerei sempre o fruto do seu trabalho, ao serviço de todos.

Descanse agora, liberta da lei da morte!


Uma primeira versão foi publicada por Helder de Carvalho no Facebook, 4 de fevereiro de 2024

Helder Carvalho com Otilia Lage em frente ao desenho de Jorge Lage (ex-marido de Otilia e depois companheiro até ao fim da vida), da autoria de Helde Carvalho. Foto de Helder Carvalho (junho de 2023)

Uma académica e ativista transmontana

Em memória de Otília Lage


Eduardo Beira


Terei conhecido a Otilia Lage há cerca de vinte anos na fase inicial do projeto FOZTUA. Apesar de frequentador assíduo das terras de Carrazeda de Ansiães desde há cinquenta anos, não conhecia a Otilia. Foi o José Manuel Lopes Cordeiro, co-coordenador do projeto, quem trouxe a Otilia para o projeto, onde colaborou ativamente especialmente nas atividades dos subprojetos memTUA e memTUAEscolas. Daí nasceu uma colaboração que se manteve ao longo dos anos, mesmo depois do projeto ter terminado. O seu último livro (Uma comunidade viva, Carrazeda anos 1950-60) resultou de uma colaboração da Otilia comigo e com o Helder Carvalho tendo por pano de fundo a história e a realidade das pessoas e da vila.

Ao preparar uma terceira edição deste livro, alguns meses depois da morte súbita da Otília, decidi adicionar esta secção inicial como uma homenagem à sua memória de académica e transmontana empenhada e também como uma forma de reconhecimento pelo contributo que teve para o projeto FOZTUA. Pensei que a melhor maneira de o fazer seria recordar e divulgar o que escreveu e fez no projeto, facilitando o acesso a esses ensaios e apresentações.

Incluimos no final deste texto uma bibliografia da Otília no âmbito do projeto FOZTUA. Esses materiais podem ser acedidos por uma página web que criamos para o efeito e com acesso público.


No projeto FOZTUA a Otilia foi colaboradora ativa de três áreas: na área TUAhistória (sobre a história do vale e da linha do Tua) e nos dois subprojetos de memória oral (memTUA e memTUA Escolas) que o projeto promoveu. Na área da memória oral, um tema predileto da Otilia como investigadora, ela foi entrevistadora ativa na produção da maioria das mais de três dezenas de entrevistas memTUA e respetivas transcrições. Mais do que isso: muitos dos entrevistados memTUA foram por ela sugeridos ou identifcados, fruto da sua extensa rede de conhecimentos pessoais (e familiares) na região, rede que foi estabelecendo e consolidando ao longo da vida. 

Teve uma importante participação na equipe responsável pela animação e coordenação do memTUA Escolas, um (sub)projeto do FOZTUA de memória oral pelos alunos e docentes de dez escolas secundárias e profissionais do vale do Tua, de que resultou uma coleção de memória oral com mais de duzentos vídeos produzidos e transcritos pelos alunos das escolas participantes. No final, a Otilia escreveu ou colaborou na organização de três livros resultantes dessa parceria com as escolas da região.

Na área TUAhistoria, a Otilia contribuiu com trabalho de investigação e ensaios para as três conferências internacionais FOZTUA (2011-2013) e para as obras publicadas nessa área. Esta coletânea de textos literários de e/ou sobre o vale do Tua foi um desses livros. Foi a Otilia que descobriu, investigou e organizou os textos e os autores para a coletânea, a que eu juntei fotografias do vale do Tua suscitadas por passagens dos textos e selecionadas do meu arquivo fotográfico mais recente. O académico Álvaro Domingos sugeriu, num texto incluído na segunda edição deste livro, o termo “fotografalar do Tua” para esse “olhar cruzado” entre a literatura e a fotografia sobre um território com caraterísticas muito próprias. 


Certamente que a bibliografia no âmbito do FOZTUA não esgota a extensa produção académica e de livros da Otília, incluisivé mesmo a bibliografia relacionada com Carrazeda de Ansiães e Trás os Montes. Gostaria de recordar aqui alguns dos seus livros mais “transmontanos”. Em primeiro lugar dois livros de investigação relevantes para compreender o vale do Tua (e Carrazeda em especial, mas não só):

Como Carrazeda (e o Alto Douro) deslocou a fronteira da produção de vinho (do Porto, mas não só) no Douro depois da filoxera, coisa que os “nobres” dourienses e a aristocracia do vinho do porto centrada na Régua parece que nunca reconheceram e continuam a ignorar. 

Em segundo lugar, como autora e/ou historiadora a Otilia publicou vários livros sobre Carrazeda:


Durante o projeto FOZTUA desafiamos a Otília para escrever sobre o que era viajar em Trás os Montes no século XIX, quando a linha do Tua foi construída. O texto da Otília ficou registado como um “Working Paper” do projeto e foi depois parcialmente incorporado noutros ensaios publicados, mas a sua versão original e integral nunca chegou a ser publicada em livro. Aproveitamos esta oportunidade para o recuperar e incorporar nesta obra como um contributo para a coletânea literária sobre o vale do Tua.


V. N. Gaia, maio de 2024


Introdução para a terceira edição do livroTUA. Colectânea literária: o vale, o rio e a linha férrea, 2024

Bibliografia de Otilia Lage no âmbito do projeto FOZTUA


Livros FOZTUA:







Ensaios publicados em livros do projeto FOZTUA:







Outras publicações e apresentações no âmbito do iTUA/FOZTUA:








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