25A+50



Uma série de fotografias sobre os "tempos de abril", cinquenta anos depois

Uma série de imagens (quase todas) dos anos 70, especialmente de 1974 e 1975, que pretendem captar o "look" e o ambiente da vida há cinquenta anos nas cidades do Porto e Vila Nova de Gaia assim como recordar eventos sociais e politicos que marcaram esses "tempos de abril", certamente a experiencia de vida mais influente para quem a viveu (como eu) em jovem com pouco mais de vinte anos. Tempos inesquecíveis cuja dinamica marcou o meio século seguinte (pelo menos!).

Como seria de esperar, 50 anos depois, alguns dos negativos e slides estão mal conservados, mal organizados e mal identificados. Tirados com equipamentos pouco sofisticados (mesmo para a altura), revelados e impressos num laboratório improvisado e sem condições, ainda hoje fico surpreendido como resistiram às décadas do tempo e, depois de digitalizados e retocados, (re)criaram imagens digitais que nos podem interpelar, umas mais e outras menos. Essa é uma das magias da fotografia, arte e técnica que me tinha começado a interessar depois de 1972) equipado com uma máquina "lowcost" e muito primitiva quanto a controlos (uma Olimpus EE, "half frame", para poupar filme, então um fator importante do custo de fazer fotografia). Terei comprado a primeira máquina reflex em 1973 (uma Kowa - marca japonesa já desaparecida do mercado - de negativos 35mm. com lente fixa de 50mm, em segunda mão, creio que por cerca de 2 contos - cerca de 400 euros em valor presente).
Estas fotos de meados dos anos 70 fizeram parte da minha (auto) iniciação na fotografia, interesse mais ou menos continuado nas décadas seguintes.  O filme era então caro (e para poupar comprava-se filme por grosso e faziam-se os rolos próprios - o que algumas vezes  fazia perder as fotos por vedação incorreta) e a técnica analógica de fazer fotos em papel era complicada (e cara).
Cinquenta anos depois, a fotografia passou para outro nível de acessibilidade, seja no equipamento (qualquer telemóvel é hoje em dia melhor que uma máquina de há cinquenta anos) como no processamento (o software de edição, agora até mais ou menos embutido no próprio equipamento).
Estas imagens dos anos 70 preservam momentos da vida que passou, momentos irrecuperáveis na fita do tempo.  Tenho hoje pena de não ter registado mais momentos e mais pessoas. Mas as coisas são como foram. Espero que também gostem de reviver alguns desses momentos.



Na foto, um cartaz de agradecimento a Spínola (o general, fardado e de monóculo) nas manifesfestações do 1º de maio de 1974 na avenida dos Aliados: o “militar Spínola” como “pai” da revolução.

Depois das manifestações do 1º de maio, a agitação social e laboral começou a emergir num país que não tinha hábitos disso. Entretanto Mário Soares e Alvaro Cunhal tinham regressado e foi anunciada a constituição do PPD e do CDS. A 15 de maio, Spínola tomou posse formalmente como Presidente da República e no dia seguinte, 16 de maio, tomava posse o primeiro governo constitucional, resultado de um complexo equilíbrio entre várias correntes e em que Spínola teve que fazer cedências (especialmente sobre a participação do PCP). Mas, nos bastidores, esse mês de maio de 1974 foi de permanente conflito de Spínola com o MFA. A constituição do Conselho de Estado, entretanto anunciada, era uma tentativa para “dissolver” a JSN (Junta de Salvação Nacional) e o MFA numa estrutura do âmbito presidencial.

Apesar disso, a perceção pública era ainda de união e coerência entre o PR, a JSN e o MFA, assegurada por Spínola, visto como líder e garante de uma revolução pacifica e ocidental.

É neste contexto que “descontente com o rumo dos acontecimentos, o general Spínola decidiu iniciar uma verdadeira ofensiva política. A sua impaciência com os oficiais da CC (Comissão Coordenadora) do MFA aumentava de dia para dia. O seu espírito guerreiro e combativo veio ao de cima. O presidente julgou que podia capitalizar politicamente o seu prestígio junto dos militares e a sua popularidade junto da opinião pública. A 29 de maio, dois dias antes da tomada de posse do Conselho de Estado. iniciou um conjunto de deslocações a algumas das principais cidades do país”, escreveu Luis Nuno Rodrigues, biógrafo de Spínola.

Nessa manhã de 29 de maio de 1974, um avião militar com Spínola e comitiva aterrava no aeroporto de Pedras Rubras, no Porto, para a primeira visita oficial de  Spínola enquanto Presidente da República.

(20) 17 julho 2024

O sítio ainda é o mesmo (as Fontainhas), mas o arraial agora é diferente.

As atrações de jogos tradicionais desapareceram, para além do nosso artesanato traditional, agora muito reduzido em importância e variedade, substituído por roupas e bugigangas asiáticas. Tirando os clássicos matrecos, os jogos agora são eletrónicos.

Mas, na fotografia de há cinquenta anos, podem-se ver, do lado direito a seguir às loiças tradicionais de barro, o martelo para experimentar forças e, por trás, a pista de “atirar” o carro. Raramente a martelada levava o peso até ao cima ou o lanço levava o carro até entrar no castelo. Mas nesses casos a campainha tocava com alarido e celebrava-se o feito com entusiasmo.


(19)  14 julho 2024

Um estúdio completo e móvel de fotografia, nas Fontainhas, durante os festejos dos santos populares. Já nessa altura era um estudio “à antiga” que começava a ser pouco habitual. Lá está o cavalinho do costume e os vários cenários para fotografia de estúdio (fotografia como reprsentação). Entre os cenários aparecem os habituais grupos de cowboys (à esquerda) e a famosa pérgula na praia do Molhe, na Foz (à direita) - uma espécie de “realidades virtuais” de então.

A câmara sobre tripé seria uma vetusta “caixa” com negativos em vidro (o balde próximo, à esquerda, deveria ser para fixar o negativo). Cinquenta anos depois, a transformação da tecnologia modificou completamente o uso, a produção e o significado da fotografia.

Do lado esquerdo do “estúdio”, vê-se um carrousel de cadeirinhas, que às vezes caiam sem aviso mas que proporcionavam aos mais afoitos emoções fortes e oportunidades de lutas de pontapés nas alturas, assim como pregar uns bons sustos às meninas que se aventuravam a uma viagem. Cinquenta anos depois deixaram de ser vistos. Consta-me que agora não são homologados pela entidade competente, como seria de esperar.

Cinquenta anos depois as Fontainhas continuam a ser palco previligiado das festas, mas a oferta de diversões mudou. Foi-se a mecânica e o artesanato, vieram a eletrónica e as bugigangas chinesas.

(19) 9 julho 2024

Jovens no baile do arraial da mensagem anterior, na zona da Sé (Porto) - como se dançava (e vestia) há cinquenta anos num baile popular.
A jovem (futura) mãe recordou-me a poesia de Manuel Alegre em “A rapariga do país de Abril”:

...

Tu és meu vinho. Tu és meu pão.
Guitarra e fruta. Melodia.
A mesma melodia destas noites
enlouquecidas pela brisa no País de Abril.

...

Por ti cheguei ao longe aqui tão perto
e vi um chão puro: algarves de ternura.
Quando vieste tudo ficou certo
e achei achando-te o País de Abril.

(18) 5 julho 2024

Fotografia de um arraial popular sanjoanino no Largo do Colégio, em frente da igreja de S. Lourenço, onde atualmente funciona o Museu de Arte Sacra e Arqueologia, ao lado e abaixo do Seminário Maior, na Sé (Porto).

Uma vista de cima, do muro do magnífico Miradouro da rua das Aldas, por baixo do Terreiro da Sé, numa das entradas para a zona antiga conhecida por “rua escura”. Cinquenta anos depois, não se vislumbrava qualquer arraial e o largo passou a ser parque de estacionamento.

(17) 3 julho 2024

Escadas dos Guindais, no S. João de 1974. Num lanço da escadaria, que sobe quase a pique da margem do rio Douro, junto à base da ponte D. Luis, para a parte “alta” da cidade, a seguir à muralha fernandina e já perto da Batalha. Há cinquenta anos os Guindais não tinham turistas nem havia o ascensor mas proporcionavam ao proletariado um acesso “low cost” (mas esforçado) da parte baixa para a parte alta da cidade antiga. Agora tornaram-se num centro de atração turística.

Na foto, um casal festeja o S. João e dança de improviso perante uma plateia com crianças.

Cinquenta anos depois a atual moradora do número 28 ainda é a mesma (mas não aparece na fotografia) e identificou de imediato o casal de dançarinos - a Guida Maluca e o marido, que então habitavam numa casa uns degraus abaixo na calçada e que entretanto terão ido morar para outras paragens.

(16) 28 junho 2024

Uma das dez quadras selecionadas no S. João de 1974 pelo traditional concurso do Jornal de Notícias associava lindamente o manjerico traditional com o novo cravo da revolução:

Agora também sou rico,
Ó meu rico S. João
Tenho além de manjerico
Um cravo, que cheira a pão ...

Os manjericos (com ou sem uma quadra numa bandeirinha de papel enrolada num arame fino e espetada na terra do vaso) sempre fizeram parte do S. João que conheci nesses tempos de abril. Na imagem, uma extensa venda de manjericos na Praça dos Leões (hoje Praça Gomes Teixeira), no passeio em frente da (então) Faculdade de Ciencias, atual Reitoria da Universidade do Porto.
Cinquenta anos depois encontrei uma quase completa ausência de manjericos (e alhos porros) à venda nas ruas da cidade, na noite de S. João deste ano. Na Praça dos Leões até nem havia mesmo nada para vender.

(15) 26 junho 2024

Depois do 25 de Abril e do 1º de maio de 1974, as festas dos santos populares foram a primeira grande oportunidade para uma liberdade e confraternização de massas - no Porto, foi o primeiro S. João em liberdade para celebrar a tradição enquanto se espreitava para o futuro.

Conforme a tradição, as sardinhas assadas, claro que em grelhador antigo a carvão, chamam pelos clientes numa casa de “vinho e petiscos” na zona antiga da cidade, vizinha da Ribeira, devidamente ornamentada com as palmeiras que assinalavam os dias de festas.

Mas a 23 de junho de 1974 o tempo não terá ajudado à noite de festa: “Orvalhadas engrossaram e deram cabo da festa!” e “Guarda chuvas em vez de alhos porros” titulava o Jornal de Notícias; “Em vez das orvalhadas chuva copiosa na noita de S João” escrevia o Comércio do Porto. Comentava-se que “A chuva é fascista, reacionária”, registava o JN, enquanto que o CP falava de uma “autêntica “sabotagem” (pelo S. Pedro)

(14) 25 junho 2024

Nessa altura, há cinquenta anos, era aos fins de semana que davamos passeios fotográficos pelas zonas (então) menos frequentadas da cidade, como a Ribeira. O pouco movimento e os poucos veículos comerciais na zona da Praça sugerem que a primeira fotografia terá sido provavelmente feita num desses pacatos fim de semana, na Praça da Ribeira, c. 1972 ou 1973, (então) sem turistas, sem cubo, sem esplanadas e sem motas nem motards.

A segunda fotografia foi tirada mais de 50 anos depois, num “pacato” fim de semana da época “baixa”, em março (deste ano), com turistas, com cubo e com esplanadas (e montes de guarda-sois a esconder o cubo do escultor José Rodrigues, da década 80 do século XX). A fotografia original foi tirada a cores mas, para melhor comparação, foi convertida para preto e branco. Embora o tema principal desta série seja recuperar as nossas imagens (e sentimentos e significados) de há cinquenta anos e relacionadas com os “tempos de abril”, incluimos aqui uma fotografia atual para comparar a cidade de então com a cidade de agora: ainda igual, mas diferente.

(13) 13 junho 2024

A Ribeira era ainda um espaço de reputação duvidosa onde vivia uma tribo muito própria - uma Ribeira que era ainda um centro de comércio local (mais ou menos informal) mas sem turistas, (quase) sem restaurantes (lembram-se do “Chez Lapin” dessa altura?) nem “wine bars”, sem hoteis nem ALs (alojamento local), sem músicos e sem embarcações de turismo. E sem telemóveis.

Mas tinha miséria e gente a viver em condições de habitação muito degradadas e pouco salubres. Era um contraponto de atraso relativamente à (então) moderna ponte da Arrábida (ao fundo, na imagem) inaugurada há pouco.

No Cais da Estiva, do lado da Ribeira, pode-se ver ainda um barco de carga atracado a seguir ao Muro dos Bacalhoeiros. Fotografia tirada do lado de Gaia, junto ao tabuleiro inferior da ponte D. Luis, ci. 1973.

(12) 28 maio 2024

Era a mesma cidade, mas era também uma cidade diferente. Não é verdade que fosse cinzenta e sem cor como as fotografias (a preto e branco) porventura sugerem - embora o clima social da altura tivesse muito de cinzento.

O rio Douro era o mesmo. Mas o “look” do rio era diferente. De um e do outro lado, havia lodo nas margens e proliferavam grupos de barcos negros e escuros, que povoavam especialmente as águas junto das margens - as barcaças, umas maiores e outras mais pequenas, personagens hoje desaparecidas da paisagem ribeirinha, mas que faziam parte da imagem da zona histórica do Porto e Gaia.

As barcaças são embarcações largas e pouco fundas, sem propulsão própria, para serviços auxiliares da navegação em rios ou canais. Nos anos sessenta, recordo que a Ribeira ainda era um imenso mar de barcaças negras encostadas umas às outras. E nas cheias havia sempre problemas com barcaças que partiam as amarras e iam rio abaixo.

Na fotografia, barcaças e lodo na margem direita do rio Douro, perto da (então) Alfandega do Porto, cerca de 1972.

(11) 13 junho 2024

Talvez com algum exagero, mas muito entusiasmo, o jornal A Capital titulava no dia 2 de maio de 1974 (p. 6): “Porto na rua reúne um milhão”:

“Só a expressão “loucura” será de classificar com acerto de realidade  a manifestação de que ontem, a meio da tarde, a cidade do Porto foi palco. Centenas de milhares de pessoas vieram em delírio festejar um acontecimento único de há 50 anos para cá. Há mesmo quem, habituadoa calcular multidões em outros países, admita que esse número tenha atingido o milhão.

O Porto, e não só, veio para a rua. Exuberantemente, transmitiu a alegria da vitória do Movimento das Forças Armadas, que está intimamente ligada a cada um de nós. Não vale a pena folhear

colecções ou vasculhar arquivos. O 1º. de Maio superou tudo e todos, deixando a maioria atónita, com um acontecimento que a actual geração chegou a admitir não ser possível nos seus dias”.

Por sua vez o jornal República escrevia: “Não se partiu um só vidro, não se esboçou o mínimo gesto que contrariasse a livre expansão da alegria que todos sentiam nesta comemoração do primeiro Dia do Trabalho na cidade do Porto” (p. 16).

(10) 28 maio 2024

Um grupo descia a rua Passos Manuel em direção à manifestação na Avenida dos Aliados.

Pode-se ver um VW descapotavel com jovens manifestantes precedidos por uma escolta de motorizadas, provavelmente fruto do acaso, a descer. Mas na altura a rua tinha dois sentidos e podia-se estacionar mais livremente do que agora. Não havia árvores.

São visíveis os reclames de casas comerciais que hoje já não existem, tanto do lado direito como esquerdo. O CompraBEM ainda resistiu uns tempos. Os moveis Nascimento, que foi uma casa icónica de mobiliário de estilo na cidade, também já foi e agora por aqueles sítios temos outras tipologias de espaços comerciais. O Ateneu Comercial do Porto, primeiro edifício à direita, ainda lá está e teima em sobreviver. Mas os tempos e os hábitos urbanos mudaram.

As motorizadas, os carros e a bicicleta testemunham uma época anterior da “landscape” da nossa mobilidade urbana.

(9) 20 maio 2024

Esta é a única fotografia que tenho do primeiro de maio de 1974, no Porto, em que aparecem alguns soldados, na praça D. João I, em frente ao edifício do (então) BPA.  Vê-se, à esquerda, uma (agora) vestusta Berliet Tramagal, produzida na Metalurgica Duarte Ferreira, precisamente no Tramagal, onde foram produzidas mais de 3 mil unidades para a guerra colonial.

O jornal República de 2 de maio de 1974 (p. 16) dizia que “via-se, aqui e além, uma viatura militar com pessoal das Forças Armadas. Mas estas não estavam a vigiar ninguém, nem os portugueses precisam que lhes vigiem os actos ou as consciências. Os soldados, com cravos vermelhos na lapela, estavam presentes mas com o mesmo espírito dos restantes milhares de portuenses”. Talvez em Lisboa. No Porto terá sido mais discreto.

Mas o caráter pacifico, ordeiro, quase “auto-regulado”, das manifestações desse primeiro de maio terá também sido uma constatação reconfortante para a maioria. Afinal, e ao contrário do que se dizia, “o povo é sereno!”.

(8) 16 maio 2024

Apesar do que já disse, na manifestação do primeiro de maio de 1974 que partiu de Gaia para o centro do Porto participavam algumas mulheres com cartazes, um sinal então (muito) significativo de ativismo e (porventura) militância. Os cartazes visíveis na imagem seguiam a linha democrática e nacional.

Um diz: “Viva os trabalhadores (de) Portugal. LIBERDADE”.

Outro: “Viva as forças armadas. Abaixo a guerra colonial. Rendas de casa mais baratas. Viva Portugal”. Um outro, mais atrás, fala de salários. Uma antecipação dos grandes temas dos tempos de Abril.

(7) 10 maio 2024

Um 1º de maio diferente, em que a alegria mas também a inquietude sobre a nova situação era visível. Uma escassa semana depois do golpe do 25 de abril não era ainda claro o rumo das coisas. Havia muitas interrogações no ar para o português médio de então.

A imagem diz muita coisa sobre o tempo: uma grande maioria de homens em que fatos e casacos dominavam, especialmente para os menos jovens; e ainda a (quase) ausência de cartazes e sinais partidários num espaço público onde as manifestações espontâneas de comemorações políticas era implausível até há poucos dias.

Um ano depois as celebrações seriam mais ruidosas, ainda mais participadas e mais partidárias. Com menos fatos e gravatas e com mais mulheres.
(6) 7 maio 2024

Foi com surpresa, pelo menos para mim, que descobri uma manifestação a agrupar-se na (agora) praceta 25 de abril em frente da câmara municipal de Vila Nova de Gaia, quando ia a caminho do centro do Porto para o 1º de maio, em 1974.

Uma semana depois do 25 de abril, era uma manif minimamente organizada e estruturada, com algumas palavras de ordem e cartazes, mas sem sinais partidários muito evidentes. Na imagem, o momento em que se procurava organizar a partida do grupo. A manifestação seguiu depois pela avenida de Gaia para atravessar a ponte (com uma passagem pelo quartel do Serra Pilar para saudar os militares). 

A iniciativa terá sido de uma Comissão Democrática de Vila Nova de Gaia que, segundo o Diário de Lisboa (de 2 de maio de 1974) promoveu “ontem, ao principio da tarde, uma grandiosa manifestação de apoio às Forças Armadas. Alguns milhares de manifestantes (sic!) concentraram-se na praceta, frente à Câmara Municipal de Gaia, exibindo dezenas de dísticos e de cartazes, bandeiras nacionais e à frente os mareantes do rio Douro, trajando a rigor.” Provavelmente teria já a mão e a experiência do PCP e (ou) do MDP-CDE por trás. Quanto aos mareantes, não me recordo e não ficaram nas fotografias que tirei. Mas foram grandes animadores das manifestações dos tempos de Abril.

(5) 3 maio 2024

Um 1º de maio diferente, em que a alegria mas também a inquietude sobre a nova situação era visível. Uma escassa semana depois do golpe do 25 de abril não era ainda claro o rumo das coisas. Havia muitas interrogações no ar para o português médio de então.

A imagem diz muita coisa sobre o tempo: uma grande maioria de homens em que fatos e casacos dominavam, especialmente para os menos jovens; e ainda a (quase) ausência de cartazes e sinais partidários num espaço público onde as manifestações espontâneas de comemorações políticas era implausível até há poucos dias.

Um ano depois as celebrações seriam mais ruidosas, ainda mais participadas e mais partidárias. Com menos fatos e gravatas e com mais mulheres.
(4) 1 maio 2024

Não, não é uma imagem da altura, nem sequer é de uma cerimónia militar. Mas (quase) poderia ser, consequência de uma das maiores revoluções emergente do 25 de abril: a emancipação das mulheres, a sua entrada maciça no mercado de trabalho, a lei do divórcio, etc., de que a participação das mulheres na vida militar e nas forças de segurança, a partir dos anos 90, é um sinal inequívoco da nova modernidade democrática em Portugal. Esta seria uma imagem impossível antes do 25 de abril, mas possível agora, apesar de se ter demorado cerca de vinte anos a abrir a carreira militar às mulheres.

O plano para esta “série de fotografias sobre os tempos de abril” é usar fotografias tiradas por mim nos anos 70, especialmente em 1974 e 1975. Mas infelizmente quase não tenho fotografias no dia 25 de abril que possa evocar hoje, dia 25 de abril. Por isso recorri a esta imagem trabalhada a partir de uma foto (a cores) de fevereiro deste ano (2024). 

A “capitã” da foto seria uma jovem em idade militar no 25 de abril, tal como a irmã que aparece em segundo plano, à esquerda. Já não lhes teria sido possível entrar para a tropa: nos anos 90 já não teriam idade para isso. Mas, 50 anos depois do 25 de abril, fizeram parte do cortejo de carnaval em Carrazeda de Ansiães, integradas no grupo alegórico organizado pela aldeia de Tralhariz. Cada grupo local escolhe um tema para participar no cortejo (apoiado pela Câmara Municipal). A Associação de Tralhariz escolheu o 25 de Abril. A alusão ao 25 de abril, num cortejo de carnaval, frantasiada por estas mulheres foi manifestamente bem recebido. Não foi uma piada de gosto mais ou menos duvidoso. Não só teve piada como teve dignidade. A mim, emocionou-me.
(3) 25 abril 2024

Uma semana depois de regressar de África, o inesperado aconteceu numa quinta feira de manhã, 25 de abril. Estava a acabar o curso, no segundo semestre do quinto ano. Lembro-me que estava uma manhã primaveril. Tinha acabado uma aula teórica no anfiteatro do departamento de engenharia química quando, durante o intervalo, nos fomos apercebendo que alguma coisa estava a acontecer. Não havia então canais de notícias contínuas durante 24 horas e os seus inevitáveis diretos - o melhor a que se podia aspirar era correr para os automóveis dos (raros) colegas com carro, no parque da antiga FEUP, sintonizar as estações de rádio e tentar descortinar o que afinal se estava a passar lá longe, por Lisboa. Com a porta do carro aberta para o pessoal ir ouvindo.
Claro que já não houve mais aulas nesse dia. E começou, nos dias seguintes, a emergir um processo novo e turbulento de reuniões (RGAs, ...) e uma linguagem e retórica nova a que se seguiram eleições internas, saneamentos e muita discussão (e luta) política. Foi a explosão dos comunicados em papel produzidos em copiadores com “stencils”- coisa que a maioria hoje em dia deve desconhecer o que era. Claro que ainda não havia fotocopiadoras próprias para isso. As xerox, que usavam papel comum, ainda estavam por divulgar entre nós (a máquina que fez o grande boom dessa tecnologia foi lançada apenas em 1973 nos EUA e as escassas fotocopiadoras da altura usavam um papel especial e caro).
Foram tempos de esperança e incerteza.
(2) 24 abril 2024

A 17 de abril de 1974 estava a embarcar no voo da TAP para Lisboa, no aeroporto de Lourenço Marques (LM, na altura). Este foi a última fotografia de uma viagem (de fim de curso) a África, ao longo de três inesquecíveis semanas por Angola, Moçambique, África do Sul (Joanesburgo) e Suazilândia. Foi um último olhar sobre a savana africana para além da pista. Enquanto embarcava e regressava à “metrópole”, estava longe de imaginar que, uma semana depois, o significado desta imagem se começaria a alterar.

Pouco tempo depois, era claro que tinha tido a oportunidade histórica de viver os últimos dias do “império colonial português” sem ter antecipado o que ia acontecer dentro de poucos dias. Isto apesar de ter aterrado ao fim da tarde na cidade da Beira (Moçambique), vindo de Luanda (num voo da TAP, claro) e horas depois estar com alguns colegas de viagem numa “conversa de esclarecimento” da Frelimo organizada mais ou menos clandestinamente numa discoteca da cidade. A estadia do grupo tinha sido financiada pelo governo de Moçambique e (por isso) até tínhamos jornalistas à espera no aeroporto e notícias depois nos jornais. Terá sido precisamente um desses jornalistas quem nos aliciou e organizou para a conversa com a Frelimo. Significativo. E foi em LM que descobri a “Praça da Canção” do Manuel Alegre, uma cópia já muito usada subrepticiamente emprestado já não me lembro por quem.

Só cerca de vinte anos depois voltei a aterrar na pista do Maputo, pouco tempo depois dos acordos de Roma (entre a Frelimo e a Renamo). A cidade não era já a LM de que me despedira com a foto mas, apesar do crescimento urbano e da decadência cinzenta, o encanto do Maputo continuava (e presumo que continua).
(1) 23 abril 2024

(d) (f).