Olá, estudante! Na lição anterior você entendeu as características dos intervalos entre jornadas de trabalho. Conheceu o que é uma convenção coletiva e um acordo coletivo de trabalho, bem como sua importância para as delimitações dos intervalos intrajornadas. Aprendeu o que é o Descanso Semanal Remunerado, seu direito e as possibilidades de perda desse direito. Por fim, compreendeu o conceito de Horário Noturno, suas particularidades e a obrigatoriedade do adicional noturno na remuneração do trabalhador.
Agora, na Lição 19, você entenderá as características das horas suplementares, como as horas extras, sua carga máxima diária e sua remuneração diferenciada. Compreenderá o que são os acordos de compensação de horas de trabalho, quais são suas possibilidades e exigências que devem ser cumpridas para que possam ocorrer e como pode ser feito um Banco de Horas. Em seguida, aprenderá sobre as vantagens e desvantagens tanto das horas extras quanto do banco de horas, para a empresa e para o trabalhador. Por fim, conhecerá como é formada a jornada 12 x 36 e quais setores da economia comumente a utilizam.
Você já conhece a determinação da jornada de trabalho de acordo com a CLT, assim como os intervalos intrajornadas e entre jornadas estabelecidas. Todos esses entendimentos se referem a um dia normal de trabalho, supondo que tudo o que foi planejado e organizado pelo empregador vai acontecer sem maiores problemas. Contudo, o fluxo produtivo de uma empresa não é sempre contínuo e igual todos os dias. Você já pensou o que acontece quando ocorrem variações?
Imagine que você trabalha em uma determinada empresa na qual, em alguns meses do ano, se produz muito no início do mês, mas no final do mês quase não tem o que fazer. Veja, nos primeiros dias do mês os empregados “não têm um minuto de descanso”, e para dar conta das tarefas precisam trabalhar mais de 8 horas por dia. No entanto, nos últimos dias do mês ocorre o inverso, o pessoal fica ocioso e existem atividades para no máximo 5 horas por dia.
Suponha então que, quando a produção aumenta, essa empresa decide pagar as horas suplementares como extras, isso é possível? Como será que são pagas as horas extras? E depois, quando diminui a produção, o que será que ela pode fazer? Descontar do salário as horas improdutivas? Será que a lei permitiria isso? Será que os empregados têm culpa se a empresa não tem o que produzir? Como a legislação pode ajudar a evitar impasses como esse?
Os problemas das jornadas de trabalho são variados e, na maioria das vezes, de acordo com os imprevistos ocorridos, devem ser tratados caso a caso pelo DP. Para dar um exemplo, vou falar sobre o filme de ficção científica A Chegada, lançado em 2016. Você já o assistiu? Pois bem, sua história começa quando 12 naves alienígenas aparecem em diferentes locais do planeta, causando um grande tumulto global. Ninguém sabe por que elas estão ali, quais são seus motivos e nem mesmo se seu objetivo é eliminar a Terra.
Para estabelecer contato com os seres extraterrestres e descobrir suas intenções, uma renomada linguista, Louise Banks, é contratada para se juntar a uma equipe de cientistas em uma missão perigosa, para entrar em uma das naves alienígenas e tentar se comunicar com os seus habitantes. A comunicação com os aliens ocorre por meio de uma linguagem completamente desconhecida e que, a princípio, parece indecifrável.
Ao longo do filme, Louise trabalha muito e incansavelmente, muitas vezes passando longas horas dentro da nave extraterrestre e lidando com uma enorme pressão psicológica e emocional. Além disso, ela precisa lidar com os desafios que surgem na sua interação com outras equipes envolvidas na missão, o que acrescenta mais trabalho e responsabilidades ao seu cotidiano.
Louise precisa usar toda a sua experiência e conhecimento para decifrar a linguagem alienígena extremamente complexa e difícil, e estabelecer uma forma de comunicação com os extraterrestres. É evidente que a sua rotina é intensa e desafiadora, exigindo dela um alto nível de dedicação, comprometimento e esforço. É provável que ela trabalhe em média 8 a 12 horas por dia, com algumas tarefas podendo se estender por mais tempo, dependendo da necessidade da missão. Além disso, pode ser ainda que trabalhe em turnos, incluindo turnos noturnos, para garantir que a operação e as atividades possam ser realizadas de forma contínua.
Vendo o filme, você descobre que todo o esforço da Louise valeu muito a pena. Na verdade, os alienígenas têm intenções pacíficas e sua presença é uma oportunidade de aprendizado e evolução. Seu final é emocionante e traz a reflexão sobre a importância da comunicação, da compreensão e da empatia para a sobrevivência da humanidade.
São muitos os personagens de filmes de ficção que, assim como a linguista do filme A Chegada, não medem esforços para cumprir seus objetivos. Contudo, o mesmo às vezes ocorre com os profissionais da vida real. O que é importante sempre lembrar é que mesmo aqueles com um forte comprometimento com seu trabalho precisam pensar na sua saúde física e mental, e assim aprender a balancear os períodos de trabalho com os de descanso.
As lições anteriores trouxeram que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais a duração do trabalho (normal) não superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais. Trouxeram também o Art. 58 da CLT, o inciso XIII do Art. 7º da Constituição Federal de 1988, dentre outros artigos, que se preocupam com a delimitação dos horários de trabalho. Esses artigos são importantes, pois no dia a dia o trabalho nas empresas não flui sempre de maneira igual, às vezes existem atrasos ou sobrecargas de atividades, e a legislação brasileira prevê esses momentos que exigem horário suplementar. O Art. 59 da CLT determina que quando o trabalhador supera a jornada diária ou semanal de trabalho, o empregador deve pagar essas horas como extras. As horas extras não podem ser superiores a 2 horas diárias, e devem ser pagas com valor diferenciado de, pelo menos, 50% a mais do que o valor da hora do salário atual do empregado. O adicional pode estar estipulado em acordo individual, CCT ou ACT:
Art. 59 da CLT – A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de 2 (duas), por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. [...]
§ 1º - A remuneração da hora extra será, pelo menos, 50% (cinquenta por cento) superior à da hora normal (BRASIL, 1943).
A CLT também estipula no Art. 61 que se houver alguma necessidade imperiosa, por motivo de força maior ou para realizar uma tarefa que, se não for feita de imediato, pode acarretar um grande prejuízo, a hora suplementar pode ser executada mesmo que não esteja estipulada em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho (BRASIL, 1943; FIDELIS, 2020).
O adicional das horas extras também pode estar estipulado em acordo coletivo da categoria, extensivo para os contratos por tempo parcial; contudo, não cabe a todos os tipos de contratos. Na jornada semanal de até 30 horas, não é permitido fazer horas extras; já na jornada semanal de 26 horas semanais é possível fazer até 6 horas extras, com acréscimo de 50% sobre o valor da hora normal (BRASIL, 1943; FIDELIS, 2020).
Silva (2017) diz que, além das horas extras, existem outros tratamentos das horas trabalhadas. O Art. 58 da CLT e o inciso XIII do Art. 7º da Constituição Federal de 1988 determinam que é permitida a compensação de horas e redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho (BRASIL, 1943; BRASIL, 1988). De acordo com Fidelis (2020), uma compensação de horas de trabalho acontece quando o trabalhador excede a sua jornada diária de trabalho e, por isso, é necessário que ele diminua a jornada em outro dia. Caso isso ocorra, o empregador está isento do pagamento de hora extraordinária.
O tipo de compensação de horas de trabalho mais comum é o que ocorre na mesma semana. Quando, por exemplo, o empregado trabalha horas a mais de segunda a sexta-feira e não trabalha no sábado. Apesar de trabalhar nesses dias além das 8 horas permitidas em lei, as horas não ultrapassam das 44 horas semanais e, por isso, ele recebe o salário normal, sem acréscimo de horas extras.
Como exemplo: empregado cumpre 44 horas semanais, de segunda a sexta-feira, 5 dias na semana. Quantas horas por dia ele deve trabalhar?
1º passo: calcular quantas são as horas diárias = 44 horas semanais / 5 dias = 8,8.
Cálculo parcial: o empregado trabalha 8 horas, porém o resultado 0,8 é centesimal e precisa ser convertido.
2º passo: fazer a conversão de centésimos de minutos para minutos = 0,8/100*60 = 0,48.
Resultado: o empregado trabalha 8 horas e 48 minutos por dia, de segunda a sexta-feira. Nesse caso, como o horário diário ultrapassa as 8 horas permitidas por lei, a empresa deve elaborar um acordo de compensação de horas trabalhadas para ficar isenta de pagar o excedente como horas extras.
Existem outras formas de compensação de jornada, a legislação incentiva a maior flexibilidade na escolha do período de descanso do trabalhador, como é o caso do Banco de Horas, tratado no Art. 59 da CLT (BRASIL, 1943):
Art. 59 [...]
§ 2º Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.
§ 5° O banco de horas de que trata o § 2° deste artigo poderá ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses.
§ 6º É lícito o regime de compensação de jornada estabelecido por acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação no mesmo mês.
Em outras palavras, o que o artigo 59 da CLT (BRASIL, 1943) diz é que, no Banco de Horas, as horas trabalhadas além da oitava diária não precisam ser pagas como horas extras, e podem ser compensadas de três formas, dependendo de como o acordo foi pactuado:
Banco de Horas com prazo para compensação de até 1 ano é legal somente se estiver estipulado em CCT ou ACT.
Banco de Horas com prazo para compensação de até 6 meses é legal se estiver estipulado em CCT ou ACT, mas também em acordo individual escrito (tratado diretamente com o trabalhador).
Banco de Horas com prazo para compensação dentro do próprio mês (prazo máximo de 1 mês) é legal se estiver estipulado em CCT ou ACT, em acordo individual escrito ou acordo individual verbal (tratado diretamente com o trabalhador).
Quando acaba o período estipulado do Banco de Horas (um ano ou seis meses ou ainda no próprio mês), se existir horas que ainda não foram compensadas, essas devem ser pagas como horas extras. É necessária a orientação adequada sobre a prática do banco de horas e das horas extras, pois o desconhecimento ou a falta de orientação podem provocar passivos trabalhistas futuros. O RH tem um importante papel na explicação desse funcionamento aos gestores das empresas, para que não aloquem horas excedentes de trabalho em um tipo de “compensação futura” e se esqueçam dos prazos estipulados para compensação dessas horas (FIDELIS, 2020). Os dois sistemas possuem vantagens e desvantagens (Quadro 1), e a escolha de um ou do outro vai depender das características de cada trabalho.
Outro tipo de jornada de trabalho que pode ser prevista nas CCT ou ACT ou, ainda, em acordo individual escrito, é a escala 12 x 36, regulamentada pelo artigo 59-A da CLT (BRASIL, 1943). Nessa jornada, se trabalha por 12 horas e se descansa por 36 horas. Por exemplo, uma pessoa trabalha na segunda-feira das 7 horas da manhã até as 8 horas da noite (12 horas de trabalho + 1 hora para refeição e descanso), depois disso vai para casa e volta ao trabalho na quarta-feira, às 7 horas da manhã (após 36 horas de descanso).
A jornada 12 x 36 é adotada comumente pelos setores da economia que precisam operar 24 horas por dia, como os profissionais da área da saúde e de segurança pública. Nela, faz parte ter que trabalhar em alguns domingos e feriados (respeitando a escala), já que existe a folga no dia seguinte e é respeitado o limite de 44 horas semanais. Contudo, as CCT ou ACT de algumas categorias determinam o pagamento em dobro das horas trabalhadas nos feriados, mesmo que exista a folga, assim o DP deve ficar atento a essas situações também.
Vários são os motivos pelo qual o profissional de RH deve estar atento aos horários de trabalho praticados na empresa em que atua. Dentre eles estão garantir o cumprimento da legislação trabalhista, controlar os custos, avaliar a produtividade e o desempenho e cuidar da saúde e segurança dos empregados. Além disso, nessa lição e nas passadas estudamos sobre a importância de o trabalhador encontrar um equilíbrio saudável entre sua vida pessoal e profissional. Afinal, não se deve negligenciar o tempo para descanso, lazer e cuidados com a saúde mental e física.
Para atuar na inspeção e controle das horas trabalhadas, o RH deve procurar entender as razões pelas quais uma pessoa pode trabalhar exaustivamente, sendo que as mais comuns são:
Sobrecarga de trabalho: uma das principais razões pelas quais as pessoas trabalham bem mais do que está estipulado no contrato é a sobrecarga de trabalho. Isso pode ocorrer devido a prazos apertados, pressão para atingir metas ou uma grande quantidade de tarefas e responsabilidades.
Dedicação profissional: algumas pessoas podem trabalhar exageradamente porque são altamente dedicadas e comprometidas com suas funções e carreiras, buscando sempre dar o melhor de si e alcançar o sucesso.
Necessidade financeira: para algumas pessoas, a necessidade financeira pode ser um fator motivador para trabalhar demais, buscando garantir uma renda suficiente para sustentar a si mesmos ou suas famílias.
Cultura do trabalho: em algumas empresas ou setores, a cultura do trabalho pode incentivar a competição e a busca por resultados a todo custo, levando muitos profissionais a trabalhar excessivamente.
BRASIL. Decreto-Lei n° 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, 1943. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 11 de maio de 2023.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Organizado por Cláudio Brandão de Oliveira. Rio de Janeiro: Roma Victor, 2002. 320 p. FIDELIS, G. J. Gestão de pessoas: rotinas trabalhistas e dinâmicas do Departamento de Pessoal. São Paulo: Érica, 2020.
SILVA, M. L. Administração de departamento de pessoal. São Paulo: Saraiva, 2017.