Olá, estudante!
Desde a lição passada, estamos analisando alguns aspectos bastante importantes do trabalho no cenário contemporâneo. Na etapa anterior, você entendeu que o trabalho fez (e faz) parte da sociedade humana, com variações de acordo com o período e a região. Compreendeu o conceito fundamental e bastante desafiador de trabalho decente e conheceu as características do trabalho formal e informal. Além disso, identificou as vantagens e desvantagens de ambas e, por fim, refletiu sobre os desafios associados à informalidade.
Nesse momento, refletiremos sobre uma nova forma de trabalho, ligada ao processo de automação que estamos vivendo. Você conhecerá o cenário de trabalho propiciado pela Indústria 4.0 e identificará os novos segmentos profissionais oriundos da automação, além de conhecer algumas de suas vantagens. Ademais, entenderá o conceito de uberização e refletirá sobre os desafios trazidos por essa nova forma de trabalho.
Como futuro técnico em Administração, entender como o trabalho tem se configurado na atualidade é fundamental para que você tenha uma visão embasada das questões que envolvem o assunto e, a partir disso, possa posicionar-se de maneira mais assertiva. Vamos refletir sobre o trabalho na era digital? Vamos juntos!
O mundo de hoje é marcado por uma enorme evolução tecnológica. Com transformações ocorrendo de maneira cada vez mais rápida, inúmeros setores têm apresentado novas configurações. Se você mora em uma cidade grande, média (e até mesmo em algumas pequenas), certamente, já pediu uma comida e percorreu um trajeto de carro fazendo uso de um aplicativo. Talvez até mesmo conheça alguém que trabalhe nessa modalidade.
É inegável que os novos serviços facilitam o cotidiano de inúmeras pessoas em todo o planeta — inclusive no Brasil. Por outro lado, oferecem uma possibilidade de renda para uma parcela importante da população. Mas quais são os seus impactos para a sociedade e para o mercado de trabalho? As leis têm acompanhado tais mudanças?
Vamos refletir sobre esse novo cenário? Compreender as novas conjunturas é essencial para todos, sobretudo para quem atua na área de gestão.
Para o case desta lição, apresento a você uma das vias importantes de discussão do trabalho em plataformas digitais: as questões legais. Apesar de gerar renda para cerca de 1,7 milhão de pessoas, por ser bastante recente, a legislação brasileira ainda não contempla essa nova modalidade.
Em razão da necessidade de atualizar as leis e de promover o debate que deve anteceder a sua criação, o Tribunal de Justiça do Trabalho promoveu um Seminário Internacional a respeito. Acompanhe e veja como esse tema está no centro da pauta do trabalho contemporâneo!
Como analisamos na lição passada, o trabalho assumiu diferentes formas e características ao longo da História, variando bastante de região para região. Embora possamos ter uma ideia equivocada de linearidade (de que um tipo de trabalho foi substituído pelo outro, como uma linha, em sequência), povos que viveram no mesmo período, mas em áreas diferentes, apresentaram relações distintas de trabalho. Na Segunda Revolução Industrial (segunda metade do século XIX), por exemplo, enquanto o processo de industrialização se desenvolvia e avançava para outros países, além da Inglaterra, o Império Russo, ainda, era constituído por uma população majoritariamente rural, caracterizada por relações servis de trabalho (uma das razões da Revolução Russa de 1917).
Dessa forma, pensar sobre o trabalho — e as questões a ele associadas — deve ser um exercício semelhante ao que fazemos ao analisar a História: entendendo que ela é constituída por processos que se modificam (uns têm curta duração, outros são de longa duração), não acontecem em todos os lugares e, quando ocorrem, podem não surgir ao mesmo tempo nem com as mesmas características. Complicado?! Penso que não. Complexo? Certamente, sim, afinal, estamos tratando de ações e comportamentos humanos, desenvolvidos coletivamente. E, ainda que haja semelhanças, as condições em que as sociedades se desenvolvem não são iguais.
Com o avanço do processo de globalização, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial (1939–1945), houve um alargamento das fronteiras, com as empresas multinacionais instalando-se em outros países e continentes (provocando a aceleração da urbanização e da industrialização nesses territórios, como o Brasil) e, cada vez mais, integrando os mercados, tornando-os globais.
Como já havia ocorrido nos países que passaram pela Revolução Industrial, junto à industrialização e à urbanização, nessas regiões, houve grande crescimento do contingente de trabalhadores — inclusive, da mão de obra feminina e dos camponeses que migraram para as cidades — adensando os núcleos urbanos e integrando o trabalho formal e, também, o trabalho informal.
Nesse cenário de expansão global, marcado pelo aumento da competitividade, as tecnologias tiveram enorme evolução, em curto espaço de tempo. A Quarta Revolução Industrial, a chamada Indústria 4.0, para muitos especialistas, impactou (e ainda impacta), profundamente, algumas das características básicas do capitalismo, como o processo produtivo e o trabalho.
O termo Indústria 4.0, utilizado, primeiramente, na Alemanha, em 2011, refere-se à automação e à integração de tecnologias, como a robótica, na indústria. Segundo Fagiani e Previtali (2020, p. 219, grifo nosso), podemos resumir essas inovações como:
O desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação (TICs), o que possibilita a interconexão de sistemas ciberfísicos ao longo das cadeias de valor baseado na internet das coisas (IoT), nas big datas e na inteligência artificial, a qual permite que máquinas tomem decisões como seres humanos, ou seja, que robôs ou sistemas possam aprender e solucionar problemas com base em dados e protocolos de comunicação-padrão com grande rigidez e flexibilidade.
Diante de tantas transformações e das recentes ferramentas, surgiram novos modelos de gestão dos processos e das organizações, com profundas alterações no universo do trabalho, como indica Wolff (2009, p. 107):
Uma estrutura organizacional integrada, flexível e enxuta e uma nova cultura produtiva com vistas a estimular o trabalhador a estar aberto a mudanças e afeito a compartilhar informações pertinentes à melhoria da produtividade. Para tanto, privilegia a fluidez da comunicação entre os processos de trabalho em detrimento do modelo vertical baseado em hierarquias rígidas, tal como recomenda o taylorismo mais clássico.
Os impactos que esses recursos gerarão não são totalmente claros. No caso brasileiro, ainda que não estejamos no mesmo nível de automação dos chamados países centrais, as mudanças já ocorrem. A precarização e a diminuição dos postos de trabalho são um fato. Conforme destacam Luna e Oliveira (2022, p. 75, grifo nosso), “segundo dados do Laboratório do Futuro (2019), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a automação ameaça mais da metade dos empregos em todos os 5.570 municípios do país até 2040”. Não sabemos se esses números se confirmarão, mas é incontestável que novas profissões surgiram, outras perderam espaço ou mesmo desapareceram. Nesse contexto, o trabalho em plataformas digitais tornou-se uma saída para garantir uma fonte de renda aqui e em outros países.
O chamado crowdwork (que pode ser traduzido literalmente como trabalho em multidão, ou colaboração coletiva) e o trabalho sob demanda via aplicativos são modalidades do trabalho em plataformas com expressivo crescimento no Brasil. Conforme Camelo e Pasqualeto (2021), podemos entender:
O crowdwork como os trabalhos de programação de computador, análise de dados e design gráfico, entre outras “micro tarefas” que podem ser realizadas a partir de qualquer lugar do mundo, desde que haja conexão com a Internet.
O trabalho sob demanda em plataformas como sendo os empregos relacionados às atividades tradicionais de trabalho e que requerem a presença física dos trabalhadores, como serviços de transporte e de limpeza, oferecidos e atribuídos por meio de aplicativos móveis.
Denominada Uberização (expressão que faz alusão ao modelo adotado pela Uber), a nova dinâmica adotada pelas plataformas digitais e pelas TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) oferece oportunidades em um contexto em que o trabalho formal está mais escasso e traz algumas vantagens:
Liberdade, como na criação da sua própria rotina, com o estabelecimento de dias e horários de serviço.
Autonomia, como na escolha das viagens, entregas ou serviços.
Flexibilidade, que permite, por exemplo, conciliar um outro trabalho com o da plataforma.
Apesar das vantagens, como afirmam Camelo e Pasqualeto (2021), o tema é bastante complexo e controverso. Sem uma regulamentação definida, a situação apresenta muitas variáveis. As tarefas e os perfis dos trabalhadores são bastante diferentes, existem serviços totalmente realizados em ambiente virtual e serviços geograficamente localizados. Há tarefas em que o trabalho é atribuído a uma pessoa específica e há outras em que a oferta de serviços é feita, de forma indeterminada, a uma multidão de pessoas.
Existem muitas incertezas ao redor do assunto. Com o crescimento das plataformas e, por consequência, do número de trabalhadores, segundo Camelo e Pasqualeto (2021), algumas questões fundamentais se colocam:
Trabalhadores em plataformas digitais são autônomos, empregados ou se encaixam em uma terceira categoria?
Possuem direitos trabalhistas?
Possuem cobertura previdenciária?
Quais são as obrigações das plataformas digitais?
Uma única proposta de regulação seria viável considerando os diferentes modelos de negócio das plataformas?
Como garantir transparência nas relações e, ao mesmo tempo, proteger o segredo do negócio?
Qual deve ser o papel do Estado?
Como estimular o diálogo entre os atores envolvidos?
Essa discussão está presente em vários países e há divergências de posicionamentos. Nos EUA, por exemplo, no estado da Califórnia, estabeleceu-se que entregadores e motoristas de aplicativos não são empregados. Na Espanha, ao contrário, eles são reconhecidos como trabalhadores. No Reino Unido, os motoristas da Uber foram considerados empregados, com direitos trabalhistas. No Brasil, há muitas críticas relacionadas ao tema. Para alguns analistas, certas vantagens apresentadas pela modalidade são, na verdade, formas de precarização do trabalho:
A nova dinâmica produtiva mediada pelas TICs e plataformas digitais – entendidas como uberização dos processos de trabalho –, criou novas formas de controle e gerenciamento dos trabalhadores, cuja marca está no aprofundamento da precarização e exploração dos trabalhadores e, ainda, a pretensa autonomização dessas relações de trabalho, através da propagação da ideologia empreendedora (CAMELO; PASQUALETO, 2021, p. 76, grifo nosso).
Com as mudanças cada vez mais aceleradas, há muito o que se analisar a respeito. Complexa, a questão exige que múltiplos setores (trabalhadores, plataformas, poder legislativo, poder judiciário e consumidores) envolvam-se no debate, com toda a tensão e as disputas de interesses que ele contém.
Estudante, finalizamos mais uma etapa de nossos estudos. Ao abordarmos uma das novas formas características do mercado de trabalho, você conheceu os efeitos da Indústria 4.0 para o setor e compreendeu o conceito de crowdwork. Além disso, entendeu o significado da chamada uberização e refletiu sobre a importância dessa modalidade de trabalho para um considerável contingente populacional, além de identificar alguns impactos que a precarização pode trazer para o trabalhador. E, em nosso case, você pôde acompanhar como a Justiça do Trabalho, no Brasil, está empenhada em analisar e discutir a situação do trabalho em plataformas digitais.
Como futuro técnico em Administração, compreender a complexidade do tema é fundamental para analisar o cenário do trabalho no país e, baseado nisso, contribuir para o desenvolvimento de reflexões e ações que busquem soluções que atendam aos colaboradores e, ao mesmo tempo, estejam de acordo com a política da empresa.
Para que possamos aprofundar o assunto, proponho que, em diálogo com o que foi apresentado no case da lição, você assista ao vídeo a seguir. Ele traz o resultado de uma pesquisa desenvolvida pelo Projeto Fairwork, ligado à Universidade de Oxford, na Inglaterra, que avaliou dez companhias que operam no ramo das plataformas digitais no Brasil.
Após assisti-lo, comente:
Qual foi a avaliação, a respeito da empresa, feita pelos trabalhadores?
Qual é a importância da regulamentação desse tipo de trabalho?
Qual é a relação do trabalho decente (estudado na lição passada) com a necessidade da regulamentação da atividade?
Depois de assistir ao vídeo e analisar os pontos propostos, debata com os colegas sobre suas impressões. Bom trabalho!
CAMELO, A. P.; PASQUALETO, O. Plataformas digitais e transformações no mundo do trabalho. Fundação Getúlio Vargas, 15 mar. 2021. Disponível em: https://portal.fgv.br/artigos/plataformas-digitais-e-transformacoes-mundo-trabalho. Acesso em: 27 fev. 2024.
FAGIANI, C. C.; PREVITALI, F. S. Trabalho digital e educação no Brasil. In: ANTUNES, R (org.). Uberização, trabalho digital e indústria 4.0. São Paulo: Boitempo, 2020. p. 217-235.
LUNA, N. T. C. de.; OLIVEIRA, A. S. M. de. Os entregadores de aplicativos e a fragmentação da classe trabalhadora na contemporaneidade. Rev. Katálysis, v. 25, n. 1, p. 73-82, jan./abr. 2022. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rk/a/N7BxZXGHydtGWmMFwgfGxcq/#. Acesso em: 27 fev. 22
WOLFF, S. O “trabalho informacional” e a reificação da informação sob novos paradigmas organizacionais. In: ANTUNES, R; BRAGA, R. (org.). Infoproletários: degradação do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009. p. 89-112.