Olá, estudante! Em nosso estudo anterior, aprofundando a análise sobre as formas de trabalho, você conheceu os profissionais liberais, os autônomos e os terceirizados, compreendeu as suas características, reconheceu as principais diferenças entre eles e, também, percebeu as vantagens e desvantagens que caracterizam a sua prática. Agora, ainda nessa perspectiva do trabalho, você terá uma panorâmica da sua evolução até a forma assalariada, irá entender que os direitos trabalhistas são resultantes de um processo de lutas e conquistas; compreender o contexto de surgimento da principal legislação trabalhista do Brasil, a CLT e, por fim, conhecer as linhas gerais estabelecidas por suas normas.
Como futuro técnico em Administração e como gestor, conhecer a legislação trabalhista vigente e compreender a importância do seu cumprimento para a organização é um requisito fundamental para o departamento de Recursos Humanos. Pronto para mergulhar no universo das relações de trabalho e suas regras? Como todas as relações, elas são complexas e precisam ser cuidadas.
Encerrar o Ensino Médio, fazer uma graduação, especializar-se e buscar melhores oportunidades na carreira é um dos planos de muitos dos jovens brasileiros. Ter um trabalho que, além da satisfação pessoal, possibilite a realização profissional, com condições justas e adequadas é um desejo compreensível de quem já pensa no futuro e pretende construir uma vida com certa estabilidade. Por outro lado, as organizações buscam encontrar profissionais capacitados, capazes de enfrentar desafios e realizar suas atividades com compromisso e competência. Como empresas, devem ser produtivas e lucrativas.
Mas as relações entre os dois lados nem sempre foram assim e, mesmo na atualidade, há casos em que ainda não são. Da mesma forma como ocorre em outras esferas da sociedade, a sua organização necessita de leis e regras para que haja um funcionamento mais racional, mediando os interesses dos diferentes atores sociais. Historicamente, o trabalho passou por diferentes concepções. No Brasil, temos uma herança secular de escravismo. Mas como chegamos ao modelo de relações trabalhistas contemporâneo? Quais as origens da CLT? Que princípios relevantes ela estabeleceu?
Um gestor precisa conhecer as relações de trabalho, suas regras e dinâmicas. Vamos resgatar a história e entender o presente!
Há alguns fatos inaceitáveis atualmente, o trabalho infantil é um deles. Quando qualquer relato parecido é veiculado na imprensa, a reação é, no geral, de espanto e revolta. Porém, essa concepção de que o trabalho precisa ter normas não existiu sempre. Ela é uma conquista de décadas de mobilizações sociais e uma necessidade de modernizar o país.
Por isso, para o case dessa lição, trago a você um resumo do panorama histórico brasileiro que levou a criação da CLT. As leis trabalhistas são fundamentais para as organizações, regulando as relações com os colaboradores. Como profissional da área da gestão, ter essa visão processual faz muita diferença na sua atuação.
Segundo Campos e Barsano, (2016, p.60) “a administração de recursos humanos abrange o conjunto de técnicas, procedimentos e instrumentos que permitem às organizações atrair, manter e desenvolver os talentos humanos, que são as principais pilastras para o sucesso de qualquer organização”. Para que isso seja realizado, o conhecimento de tais técnicas, procedimentos e instrumentos é essencial aos profissionais da área.
Compreender as relações de trabalho contemporâneas implica em reconhecer que elas são resultantes de um longo processo histórico, marcado por lutas, tensões, avanços e retrocessos. Portanto, podemos dizer que a existência de uma legislação específica para regular as relações entre empregador e empregado é fundamental para que o ambiente organizacional seja mais harmonioso e produtivo, ainda que possam existir reivindicações e insatisfações.
As formas de organização do trabalho passaram por grandes transformações no decorrer da História. Diferentes civilizações, em locais e períodos distintos, tiveram maneiras variadas de lidar com a sobrevivência e a produção de riquezas. Para que você entenda algumas delas, sinteticamente, podemos citar como exemplos:
Modo de Produção Primitivo: todos os bens aqui considerados, sobretudo, os alimentos e, quando sedentarizados, também a terra, eram coletivos e não havia a divisão de classes sociais.
Modo de Produção Asiático: caracterizado pela presença de um Estado, bastante marcado pela religião. A riqueza era comunal-estatal, sem a existência de propriedade privada e com um sistema de castas bastante rígido (Antunes, 2007).
Modo de Produção Escravista: os meios de produção, inclusive o escravo, eram privados, ou seja, pertenciam a um senhor. Existência de classes sociais, com a possibilidade de uma pequena mobilidade.
Modo de Produção Feudal: caracterizado pelas chamadas relações servis entre servos e senhores (nobres): o servo não era um escravo, mas estava preso à terra e às condições que ela oferecia – alimento e proteção. Não havia mobilidade social.
Modo de Produção Capitalista: baseado na propriedade privada dos meios de produção e no trabalho assalariado, com o objetivo de lucro.
É importante ressaltar que nem todas as civilizações passaram pela totalidade dos modos de produção citados. Além disso, na contemporaneidade, embora a maior parte dos países viva no capitalismo, ainda há comunidades - como as de alguns povos originários brasileiros -, que se organizam em torno do modo de produção primitivo. A história dos povos não é linear e nem segue um único padrão.
Com a Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra no século XVIII (por volta de 1760), o capitalismo se consolidou. O desenvolvimento da máquina a vapor e a produção em série provocaram profundas transformações sociais, econômicas e ambientais. O trabalho e a população urbana crescem (era nas cidades que as fábricas se concentravam), e, mulheres e crianças passam a fazer parte da mão de obra operária.
Com as péssimas condições de trabalho, surgem movimentos de trabalhadores, exigindo o estabelecimento de direitos e a regulamentação trabalhista. Inicialmente muito reprimidas – inclusive com grande violência –, essas mobilizações, aos poucos, ganham força.
Já que a produção crescia, era necessário ter mercado consumidor para absorver as mercadorias. O trabalho assalariado era, portanto, essencial para que o ciclo do consumo acontecesse. Embora não seja essa a única razão, após a Revolução Industrial, houve um movimento contrário (liderado pela Inglaterra) ao trabalho escravo – afinal, se não há remuneração, não há consumo.
O Brasil foi um país marcado pela exploração. Como colônia de Portugal, tivemos uma trajetória em que as decisões eram tomadas em virtude dos interesses da metrópole. Nossa economia girou em torno de ciclos, normalmente com um produto à frente. Foi assim com o pau-brasil, a cana-de-açúcar, o ouro e o café (com alguns outros, como a borracha e a criação de gado, como complementares ou nos períodos entre ciclos).
Durante praticamente todo o Período Colonial e no chamado Brasil Império, o trabalho aqui foi majoritariamente escravo. Depois da Proclamação da República (1889), ocorrida um ano após a abolição da escravidão, o trabalho oficialmente deixou de ser escravo, mas ainda mantinha condições muito precárias – era comum a “remuneração” em troca de casa e comida.
A economia brasileira foi predominantemente agrária até, sobretudo, a década de 1930. Porém, com a Crise de 1929, o país aprendeu uma dura lição: não era mais possível ficar dependente de um único produto (naquele momento, o café). Era necessário ampliar a produção e preparar o Brasil para a industrialização. Não dava mais para ficar preso no modelo agrário exportador – dependente das vendas de produtos agrícolas para, então, poder comprar os produtos industrializados.
A Crise de 1929 abalou as economias de quase todo o mundo. Iniciada nos Estados Unidos, foi gerada pelo excesso de produção e a diminuição do consumo (os EUA, após o término da Primeira Guerra Mundial, mantiveram o ritmo de produção, mas perderam mercado consumidor com a reconstrução da Europa, que retomou antigos mercados). No Brasil, a elite do café sofre um violento prejuízo. No momento de crise, os EUA, nosso principal cliente, deixam de comprar o produto. O café ficou encalhado e o país sem recursos para adquirir produtos industrializados – pois não os fabricávamos. Nesse momento, Getúlio Vargas, através de um golpe, sobe ao poder com a proposta de industrializar o país.
Com o chamado Golpe de 1930, Getúlio Vargas sobe ao poder. Sua proposta era desenvolver a indústria de base brasileira (como o próprio nome indica, aquela que dará estrutura para as demais). Governando sem uma constituição, Vargas enfrenta a reação de São Paulo (a Revolução Constitucionalista de 1932). Uma das reivindicações, era a criação de uma nova carta magna para o país.
A Era Vargas durou 15 anos. Nesse período, vivemos diferentes eventos e fases: a constitucional e a ditatorial, a Segunda Guerra Mundial, o início da indústria de base e a criação das primeiras leis trabalhistas. Dessa forma, podemos destacar alguns marcos que vão caracterizar o trabalho, suas lutas, conquistas e evolução no Brasil:
Abolição da Escravidão (1888).
Criação do Ministério do Trabalho (1930).
Promulgação da Constituição de 1934.
Instituiu o voto secreto e obrigatório.
Garantiu direito de voto às mulheres.
Criou a Justiça Eleitoral.
Previu a criação da Justiça do Trabalho.
Instituiu o salário mínimo, a jornada de trabalho de oito horas, o repouso semanal, as férias anuais remuneradas e a indenização por dispensa sem justa causa.
Proibiu a distinção dos salários para uma mesma função por razões de estado civil, nacionalidade, sexo e idade.
Criação da Justiça do Trabalho (1941).
Criação da CLT (1943).
Constituição de 1988.
Reforma Trabalhista (2017) .
Assim como se deu na Inglaterra e em outros locais, a conquista de direitos no Brasil ocorreu com a intensa mobilização operária. Com o avanço da industrialização, os movimentos sindicais ganharam força, reivindicando melhores condições de trabalho. Nesse contexto, a criação da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT – teve como objetivo regular as relações entre trabalhadores e empregadores. Para que você possa compreender a dinâmica da legislação trabalhista, vamos, conforme Campos e Barsano (2016), identificar como está organizada a sua hierarquia no Brasil:
Constituição Federal (CF/88): norma jurídica máxima, soberana a qualquer outra.
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): complementada por leis e/ou decretos que surgiram posteriormente.
Jurisprudência, Súmulas e Enunciados: conjunto uniforme de sentenças proferidas por juízes.
Doutrina: conjunto de opiniões (pareceres) dos juristas, isto é, estudiosos e especialistas do ramo do Direito.
Norma Coletiva de Trabalho: resultante de negociação pelo sindicato da categoria entre representantes de empregados e empregadores.
Regulamento Interno da Empresa: normas de procedimentos das empresas.
Contrato Individual de Trabalho: normas que regem o contrato de trabalho durante o pacto laboral celebrado entre empregado e empregador.
Embora haja essa hierarquia, a CLT tornou-se referência na organização e na normatização do trabalho no país, especificando as regras para uma relação de vínculo empregatício. Excetuando os servidores públicos e os trabalhadores rurais, suas determinações são aplicadas tanto às relações individuais como às relações coletivas de trabalho. Como conceitos fundamentais, a CLT (BRASIL, 1943) define alguns pontos das questões trabalhistas:
Empregador: é todo aquele (seja empresa individual ou coletiva) que admite, paga salário e dirige a prestação de serviço, assumindo os riscos da atividade econômica.
Empregado: toda a pessoa física que presta serviços de natureza não-eventual a um empregador, sob sua dependência e mediante salário.
Serviço Efetivo: período em que o empregado estiver à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.
De maneira geral, a CLT assegura alguns importantes direitos do trabalhador. Vejamos os principais:
Carteira de Trabalho: documento que registra, exibe o histórico e mostra os vínculos empregatícios do trabalhador (inclusive para os trabalhadores rurais).
Salário Mínimo: direito de remuneração, ou seja, nenhum trabalhador pode receber menos do que o salário mínimo vigente.
Fundo de Garantia Pelo Tempo de Serviço (FGTS): tendo como objetivo trazer alguma segurança para o trabalhador que for demitido sem justa causa, ou em situação de vulnerabilidade, esse fundo recebe depósitos mensais feitos pelo empregador.
Jornada de Trabalho: dispõe sobre a duração máxima do trabalho diário - 8 horas e até 2 horas extraordinárias (podendo ter exceções de comum acordo).
Hora Extra: entendida como o tempo que excede a jornada estabelecida, devendo ser remunerado através de um adicional na folha de pagamento ou compensado em banco de horas. Seu valor deve ser de 50%, no mínimo, a mais do que a hora normal.
Adicional Noturno: acréscimo de, no mínimo, 20% no valor da hora a ser pago ao trabalhador que realiza suas atividades à noite, sendo que a jornada noturna compreende o período entre 22h e 5h.
Repouso Semanal Remunerado: refere-se a um dia da semana em que o trabalhador não exerce suas funções e, ainda assim, é remunerado.
Férias: direito que garante ao trabalhador, anualmente, um período de 30 dias de férias remuneradas, podendo haver descontos desse número em caso de faltas.
Além da CLT, temos os Acordos e Convenções Coletivas que atuam como instrumentos de normatização das relações entre empregadores e empregados, tratando de categorias específicas e podendo complementar e mesmo alterar as regras celetistas.
O descumprimento da CLT pode gerar conflitos no ambiente de trabalho, insatisfação por parte dos trabalhadores e, ainda, processos na Justiça do Trabalho e grandes prejuízos para as empresas. Dessa forma, é essencial que o departamento de Recursos Humanos conheça a legislação vigente e conduza seus processos de acordo com ela.
Caro estudante, nessa lição trabalhamos o processo que levou a criação da CLT, principal conjunto de leis que organizam as relações empregador e empregado. No nosso estudo, você teve uma visão panorâmica da evolução do trabalho até a forma assalariada, entendeu que os direitos trabalhistas são resultantes de um processo de lutas e conquistas; compreendeu o contexto de surgimento da principal legislação trabalhista do Brasil, a CLT e, ainda, conheceu as linhas gerais estabelecidas por suas normas. Como futuro técnico em Administração, você está apto a contribuir para que a empresa respeite as determinações estabelecidas pela legislação vigente, evitando insatisfação dos colaboradores, além de onerosos e desgastantes processos trabalhistas.
Para encerrarmos, proponho que assista ao vídeo a seguir. Ele traz uma interessante apresentação da importância do conhecimento da CLT para o departamento de Recursos Humanos. Após assisti-lo, anote em um papel como podemos definir a CLT e por que ela é tão importante para o Departamento Pessoal e o RH da empresa. Depois de analisar os pontos propostos, debata com os colegas suas impressões. Bom trabalho!
ANTUNES, J. Marx e o último Engels: o modo de produção asiático e a origem do etapismo na teoria da história marxista. In: 5º Colóquio Internacional Marx Engels, Anais Eletrônicos, Campinas: UNICAMP, 2007. Disponível em: www.unicamp.br/cemarx/anais_v_coloquio_arquivos/arquivos/comunicacoes/gt1/sessao3/Jair_Antunes.pdf. Acesso em: 22 fev. 2024.
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 23 fev. 2024.
CAMPOS, A.; BARSANO, P. R. Administração: Guia prático e didático. São Paulo: Érica, 2016.