O Mundo Precisa de Filosofia (Notas do Livro)

O Mundo Precisa de Filosofia

Eduardo Prado de Mendonça

 Rio de Janeiro: Agir, 1988.

 

Capítulo I — As Ideias Movem o Mundo

Conta Aristóteles em uma de suas obras, a Retórica (L. II, c. 16), que certa vez a esposa de Hieron, rei de Siracusa, perguntou ao poeta Simônides o que valia mais: ser rico, ou ser sábio? “Rico”, respondeu o poeta; “pois vejo os sábios estarem sempre batendo à porta dos ricos”.

A aspiração ao poder aparece para o homem, de um modo geral, como o meio adequado de conquistar o exercício da liberdade. Aquele que manda é obedecido tem a impressão de estar no exercício pleno da liberdade.

Nessa passagem, Aristóteles analisa a psicologia do rico.

Como a vida não se reduz somente à riqueza, diz Aristóteles que a figura do homem rico pode exprimir-se assim: tem todas as características de um homem feliz, a quem falta, no entanto, o bom senso.

Conta-se que certa vez relataram a um filósofo a resposta dada a Simônides à esposa de Hieron, e ele acrescentou: "Bem, é verdade que os sábios em geral batem à porta dos ricos, e que os ricos não batem à porta dos sábios; mas isto é porque os sábios sabem o de que precisam, e se os ricos não procuram os sábios é porque não conhecem quais são as suas necessidades" (atribuído a Antístenes). 

O primum vivere, deinde philosophari, e o philosophari não tem importância na vida é radicalmente falsa. Lembremo-nos de que antes da questão como, é necessário colocar a do porquê. E somente a religião e a filosofia podem dar resposta ao último porquê. 

Nada mais falso que negar a importância da Filosofia para a vida . Certamente, nem sempre o  filósofo tem um lugar destacado na realidade cotidiana. Seu destino é, no mais das vezes, o de só ser compreendido depois da morte. E aqueles poucos que foram condecorados em vida foram mais pela moda do que pela compreensão.   

É o pensamento que transforma a face da humanidade. O filósofo, posto em ridículo pelo povo, vivendo entre seus pensamentos inofensivos, é na realidade uma potência terrífica. O que os filósofos anunciam hoje será a crença de amanhã. 

Os homens de poder, de riqueza... E quanto menos ele se conhece a si mesmo tanto mais se emprenha em transformar o mundo. Revolver não é revolucionar, evolver não é evoluir, nem processamento é necessariamente progredir. 

Relações entre as ideias e a vida do homem.

1 — Ideia e sentimento

Há grande fundamento no adágio: "O que os olhos não veem o coração não sente". Não existe sentimento sem ideia. O que os olhos não veem pode significar "o que não se sabe", "o que não se conhece", "o de que não temos ideia". Em outras palavras, os nossos sentimentos variam de acordo com a ideias que os acompanham. 

Tanto os estoicos pagãos quanto os estoicos cristãos tratam a morte com resignação e paciência. Os últimos creem na vida eterna. 

O próprio sentimento religioso apresenta características diferentes, segundo a ideia que o acompanha. Para uns, há terror e inquietação; para outros, como é o caso do Cristianismo, há amor e esperança. 

2 — Ideia e vontade

A diferença entre o erro do gênio e o do tolo é que o gênio erra imbuído de bons argumentos, boas razões. Kant defendeu a ideia de uma vontade que fosse apenas vontade, uma vontade que não fosse vontade de coisa alguma, mas fosse apenas forte, o que ele entendia por “vontade pura”.

Dizemos com razão que um homem de força de vontade é aquele que persegue com firmeza alguma coisa. É a vontade que nos leva à ação. Os atos dependem da vontade e a vontade da ideia. Para que o ato seja moral, o indivíduo precisa distinguir entre o bem e o mal. A pessoa que rouba parte de uma ideia, ou seja, que ele consegue com mais facilidade aquilo que deseja.

Ignorância implica omissão indesculpável, um desinteresse pelo conhecimento dos valores e dos princípios. Diz um aforismo jurídico: Ignorantia juris neminem excusant (A ignorância da lei não escusa ninguém). Segundo Tomás de Aquino, a ideia do bem é sempre um obstáculo à prática do mal.

3 — Ideia e ação

Observe a frase de Karl Marx: "Até hoje, os filósofos só fizeram interpretar o mundo; devemos, agora, transformá-lo". Não são poucos os que creem firmemente nessa ideia tendo, como consequência, um total desprezo pela teoria. Muitos preconizam a excelência da ação, como a única solução a ser procurada, a única verdadeiramente eficaz. A ideia assemelha-se a uma semente. Passa por diversos tratamentos até dar o fruto esperado. 

Ignoranti quem portum petat, nullus suus ventus (Não há vento favorável para quem não sabe a que porto se dirige), afirmava Sêneca, o famoso estoico latino. Deve-se tomar cuidado com o monoideísmo, ou seja, ideia fixa. 

É necessário refletir bem sobre esta verdade de fato: na vida humana, ou vivemos de acordo com o que pensamos, ou acabamos pensando de acordo com o nosso modo de viver. 

Capítulo II — Os Filósofos Convivem Conosco

Em geral, pensamos no filósofo como um tipo esquisito, estranho, diferente. 

Tales observava os astros, e, olhos presos ao céu, caiu um dia num poço. Uma serva da Trácia vem em seu socorro e, com zombaria, pergunta-lhe como cuida de saber o que se passa no céu, se não sabe ver o que tem diante de si, a seus pés. 

Essa ideia de o filósofo viver afastado da vida comum continua a existir em nossos dias. E isto produz uma reação natural de desconfiança com relação a ele. A isto se acrescenta o número de casos, ou fatos excêntricos, através de que são em geral conhecidos os filósofos e a Filosofia. 

Observe a frase: "A mentira é verdade, porque se não é verdade não é mentira, é verdade". A mentira, é verdade que é mentira; porque, se não for verdadeiramente mentira, então é falso que é mentira; e não se trata de mentira, mas de verdade. 

Conta-se que certa vez Bias de Priene, um dos conhecidos como “os sete sábios da Grécia”, estava numa embarcação, onde se encontravam muitos malfeitores, quando se armou uma forte tempestade. Os homens apavorados, puseram-se a rezar, quando Bias os interrompeu: “Por favor, não invoquem os deuses; se eles perceberem que vocês todos estão aqui o barco afunda na certa”. 

Conta-se que São Tomás de Aquino, estando muito absorto em suas meditações, foi despertado por um outro frade, que o chamava para olhar o céu e ver um boi voando. Quando o gordo doutro se dirigiu à janela, provocou riso geral. Mas, sem perder a calma, respondeu, sem aborrecimento algum: “Bem, eu pensava que seria mais fácil ver um boi voando do que ver um frade contando mentira”.  

Quantos brasileiros ignoram que o lema “Ordem e Progresso” inserido em nossa bandeira foi tomado da filosofia positivista de Augusto Comte, que defendia o amor por base, a ordem por meio e o progresso por fim. Do mesmo modo, a expressão “contra os fatos não há argumentos” é retirado do positivismo.

Capítulo III — As Soluções à Procura dos Problemas

Bergson diz que o homem antes de ser homo sapiens é homo faber, quer dizer, antes de ser teórico é prático. 

A tendência natural do homem para a teoria manifesta-se no fato de que espontaneamente formamos uma opinião sobre os acontecimentos, antes mesmo de nos preocuparmos com o conhecimento preciso das ocorrências sobre as quais manifestamos nossas opiniões. 

As primeiras tentativas explicativas dos mistérios da existência fizeram-se sob forma de história, ou de lendas. 

É necessário compreender que a inteligência deve estar permanentemente despertada, porque a vida humana se desdobra entre o mundo dos fatos e o mundo teórico, e só um permanente esforço intelectual faz com que estes dois planos se conjuguem. 

De nada nos valem as soluções, de nada valem as teorias, se não temos a consciência clara de como devem ser colocados os problemas. Por isso, antes de nos deixarmos encantar por uma pregação doutrinária, devemos sempre examinar este ponto: é correta ou não a sua maneira de colocar os problemas? 


Capítulo IV — O Espírito Mágico da Civilização da Máquina

Capítulo V — O Homem à Procura do Homem

Capítulo VI — O Valor da Inutilidade

Capítulo VII — Viver, ou Ter Coragem de Morrer

Capítulo VIII — Realidade, ou Alucinação Coerente

Capítulo IX — O Mito da Certeza Racional

Capítulo X — Quando o Caminhar é o Caminho