O Livro da Filosofia (Notas do Livro)

Introdução

A filosofia não é apenas atividade de pensadores brilhantes porém excêntricos, como popularmente se pensa. Filosofia é o que todos fazemos quando estamos livres de nossas atividades cotidianas e temos uma chance de nos perguntar o que é a vida e o universo. Nós, humanos, somos criaturas naturalmente curiosas e não conseguimos deixar de fazer perguntas sobre o mundo à nossa volta e o nosso lugar nele. Também somos equipados com uma capacidade intelectual poderosa, que nos permite tanto raciocinar como apenas divagar. Ainda que não o percebamos, ao raciocinar praticamos o pensamento filosófico. 

Chegar às respostas para as questões fundamentais é menos determinante para a filosofia do que o próprio processo de busca dessas respostas pelo uso da razão, em vez de aceitar sem questionamentos as visões convencionais ou a autoridade tradicional. Os primeiros filósofos, nas antiguidades grega e chinesa, foram pensadores que, insatisfeitos com as explicações usuais fornecidas pela religião e pelos costumes, procuraram respostas embasadas em justificações racionais. E, assim como compartilhamos bossas observações com amigos e colegas, eles discutiram ideias entre si e fundaram "escolas" para ensinar não apenas as conclusões a que chegaram, mas a maneira como chegaram até elas. Eles encorajavam os alunos a discordar e a criticar ideias, como meio de refiná-las e de alcançar visões novas e diferentes. Uma concepção popular equivocada é aquela do filósofo em isolamento chegando sozinho a suas conclusões, pois isso dificilmente acontece. Novas ideias surgem por meio da discussão, investigação, análise e crítica de ideias alheias. 

O filósofo arquetípico do debate e do diálogo foi Sócrates. Seu legado é a tradição do debate e discussão, do questionamento às suposições alheias para obter uma compreensão mais profunda e extrair verdades fundamentais. 

O filósofo que apresenta suas ideias ao mundo é sujeito a receber comentários que começam com "Sim, mas... " ou "E se... ", ao em vez da aceitação irrestrita. 

"Questionar é o atributo de um filósofo, porque não há outro início para a filosofia além desse." Platão

"A superstição deixa o mundo em chamas, a filosofia as extingue." Voltaire

O prazer da filosofia

O autoquestionamento e a curiosidade são atributos humanos, assim como a excitação da exploração e a alegria da descoberta. Com a filosofia atingimos o mesmo tipo de "euforia" proporcionada pela atividade física — e o mesmo prazer experimentado ao apreciarmos as artes. Acima de tudo, temos a satisfação de chegar a crenças e ideias por meio de nosso próprio raciocínio, e não por imposição da sociedade, da religião, da escola ou mesmo dos filósofos consagrados. 

"O início do pensamento está no desacordo — não apenas com os outros, mas também conosco." Eric Hoffer 

O Mundo Antigo (700 a.C.-250 d.C.)

Desde o início da história humana fazemos perguntas sobre o mundo e sobre o nosso lugar nele. Para as primeiras sociedades, as respostas para as questões fundamentais eram encontradas na religião: as ações dos deuses explicavam o funcionamento do universo e ofereciam uma estrutura para as civilizações humanas.

Algumas pessoas, no entanto, considerando inadequadas as explicações religiosas, começaram a buscar respostas baseadas na razão em lugar da convenção. Essa mudança marcou o nascimento da filosofia, e o primeiro dos grandes pensadores conhecidos foi Tales, de Mileto — cidade grega situada na atual Turquia. Tales usou a razão para investigar a natureza do universo e encorajou outros a fazer o mesmo. O que transmitiu a seus seguidores não foram apenas respostas, mas todo um processo de pensar racionalmente, bem como uma ideia do tipo de explicação que poderia ser considerada satisfatória. 

Filosofia clássica grega

A filosofia grega se expande a partir da região da Jônia — Atenas em particular —, que estava se tornando rapidamente o centro cultural da Grécia. 

Filosofias orientais

Pensadores em toda a Ásia também questionavam a sabedoria convencional. A revolução política na China de 771 a 481 a.C. levou a um conjunto de filosofia que estavam mais preocupadas com a natureza do universo do que com a melhor forma de organizar um sociedade justa, fornecendo diretrizes morais para os indivíduos — e, durante o processo, investigando o que constitui uma vida "virtuosa".

Nas filosofias orientais que evoluíram na China e na Índia (particularmente o taoísmo e o budismo), os limites entre filosofia e religião são tênues, ao menos para o modo de pensar ocidental. Isso marca uma das maiores diferenças entre as filosofias ocidentais e orientais. Embora em geral não sejam resultado de revelação divina ou dogma religioso, as filosofias orientais estão muitas vezes ligadas de maneira intrincada com o que poderíamos considerar questões de fé. Ainda que com frequência se use o raciocínio filosófico para justificar a fé no mundo judaico-cristão e islâmico, fé e crença se integram na filosofia oriental de um modo que não se encontra paralelo no Ocidente. Os pontos de partida dessas duas tradições filosóficas também diferem. Aquilo que os antigos gregos viam como metafísica era matéria devidamente tratada pela religião segundo o olhar dos primeiros filósofos chineses, que, assim, preocupavam-se mais com a filosofia moral e política. 

No sul da China, surgiu um filósofo igualmente influente: Sidarta Gautama, conhecido depois como Buda. 

Tudo é Composto de Água [Tales de Mileto (c.624-546 a.C.)]

A partir da observação, Tales deduziu que condições específicas de tempo, e não súplicas dos deuses, levavam a uma boa colheita. Dizem que ele, provendo uma alta produção das oliveiras em certo ano, comparou as moendas de azeitonas da região, obtendo grandes lucros depois, ao alugá-las para satisfazer a demanda crescente. 

Esquema Gráfico

O Tao que pode Ser Descoberto não é o Eterno [Lao-Tsé (c. século VI a.C.)]

A filosofia chinesa evoluiu a partir da prática política e, portanto, estava preocupada com moralidade e ética em vez da natureza do cosmos, como faziam os gregos. 

Esquema Gráfico

Uma das ideias mais importantes dessa época veio do Tao Te Ching (O Livro do Caminho e da Virtude), atribuído a Lao-Tsé. Foi uma das primeiras tentativas de propor uma teoria do governo justo, baseada no te (virtude), que poderia ser encontrado ao seguir o tao (caminho). É a base da filosofia conhecida como Taoísmo.

"Conhecer os outros é inteligência; conhecer a si mesmo é a verdadeira sabedoria." Lao-Tsé 

Ciclos de mudanças

A fim de entender o conceito de tao é necessário saber como os antigos chineses viam o mundo em mutação. Para eles, as mudanças são cíclicas, movendo-se continuamente de uma estado para outro — da noite para o dia, do verão para o inverno, e assim por diante. Os diferentes estados não eram considerados opostos, mas relacionados, um surgindo do outro. Tais estados também possuíam propriedades complementares que juntas compõem um todo. O processo de mudança seria uma expressão do tao, conduzido às 10 mil manifestações que formam o mundo. Lao-Tsé, no Tao Te Ching, diz que os humanos são apenas uma dessas manifestações e não têm status especial. Mas, por causa do nosso desejo do livre-arbítrio, podemos nos desviar do tao e perturbar o equilíbrio harmonioso do mundo. Viver uma vida virtuosa significa agir de acordo com o tao

No entanto, seguir o tao não é uma questão simples, como o Tao Te Ching reconhece. Filosofar sobre o tao é inútil, visto que ele está além de qualquer coisa que os humanos possam conceber. É caracterizado pelo wu ("não ser"), de modo que só podemos viver segundo o tao por meio do wu wei, ou seja, da "não ação". Com isso, Lao-Tsé não prega o "não fazer", mas, sim, o agir de acordo com a natureza — espontânea e intuitivamente. Isso acarreta agir com desejo, ambição ou submissão às convenções sociais. 

Caixa: Lao-Tsé

Muito pouco se sabe sobre o autor do Tao Te Ching, que tradicionalmente é atribuído a Lao-Tsé. A respeito dessa figura quase mítica, já foi insinuado que a obra não era sua, consistindo na verdade numa compilação de frases, de um grupo de estudiosos. O que sabemos é que havia um erudito nascido no estado de Chu, com o nome de Li Er ou Lao Tan, durante a dinastia Chou, que se tornou conhecido como Lao-Tsé (Antigo Mestre). Vários textos indicam que se tratava de um arquivista da corte, e que Confúcio o consultou a respeito de rituais e cerimônias. 

A lenda diz que Lao-Tsé deixou a corte quando a dinastia Chou entrou em decadência e viajou para o oeste em busca de solidão. Quando estava prestes a cruzar a fronteira, um dos guardas o reconheceu e pediu um testemunho de sua sabedoria. Lao-Tsé teria escrito o Tao Te Ching para ele e, então, seguiu viagem para nunca mais ser visto. 

O Número é o Regente das Formas e Ideias [Pitágoras (570-495 a.C.)]

Dizem que Pitágoras — como Tales — aprendeu os rudimentos da geometria numa viagem ao Egito. Tal informação provavelmente o influenciou a abordar o pensamento filosófico de forma científica e matemática. 

Esquema Gráfico

Feliz aquele que Superou seu Ego [Sidarta Gautama (c.563-483 a.C)]

Sidarta Gautama, que ficaria conhecido como Buda, "o iluminado", viveu na Índia num período em que os relatos religiosos e mitológicos acerca do mundo sofriam questionamentos. Na Grécia, pensadores como Pitágoras investigavam o cosmos utilizando a razão; na China, Lao Tsé e Confúcio desvincularam a ética do dogma religioso. O bramanismo religião que evoluíra do vedismo — a antiga crença baseada nos textos sagrados dos Vedas —, era a fé dominante no subcontinente indiano no século VI a.C. Sidarta Gautama foi o primeiro a desafiar tal sistema com seu raciocínio filosófico. 

Esquema Gráfico

A roda do dharma. Um dos mais antigos símbolos budistas, representa O Caminho Óctuplo para o nirvana. No budismo, a palavra "dharma" refere-se aos ensinamentos de Buda.

Esquema Gráfico

Mantenha a Fidelidade e a Sinceridade com Princípios Básicos [Confúcio (551-479 a.C.)]

Como outros filósofos da época, como os gregos Tales, Pitágoras e Heráclito, Confúcio buscou o que poderia haver de constante num mundo de mudanças. Para ele, isso equivalia a valores morais que capacitassem os governantes a atuar de forma justa. 

Esquema Gráfico

"O homem superior faz o que é adequado à posição que ocupa; ele não deseja ir além disso." Confúcio 

O Homem é a Medida de Todas as Coisas [Protágoras (c.490-420 a.C.)]

Protágoras ensinava legislação e retórica para qualquer um que pudesse pagar. Seus ensinamentos eram objetivos — preparavam alguém para debater e ganhar uma causa, em vez de provar um ponto de vista —, mas ele conseguia ver as implicações filosóficas do que ensinava. Para Protágoras, todo argumento tem dois lados e ambos podem ser válidos. Ele afirmou que podia "transformar o argumento mais fraco em mais forte", provando não o valor do argumento, mas a persuasão de seu proponente. Dessa forma, reconheceu que a crença é subjetiva: o homem, mantendo um ponto de vista ou opinião, é que dá a medida de seu valor. 

Esquema Gráfico

A Vida Irrefletida não Vale a Pena Ser Vivida [Sócrates (469-399 a.C.)]

Sócrates é citado com frequência como um dos fundadores da filosofia ocidental. Contudo, nada escreveu, não criou escola alguma nem elaborou qualquer teoria. O que ele fez foi formular insistentemente perguntas que o interessavam e, ao fazê-lo, desenvolveu uma nova maneira de pensar, um novo modo de investigar o que pensamos. Isso foi chamado de método socrático ou dialético.

Esquema Gráfico

O método dialético de Sócrates, que consistia em fazer perguntas.

Esquema Gráfico

"Sou um cidadão do mundo." Sócrates

"Sei que nada sei." Sócrates

A História não nos Pertence: Nós Pertencemos a Ela. [Hans-Georg Gadamer (1900-2002)]

Gadamer é associado a uma forma de filosofia, a "hermenêutica". Derivada da palavra grega hermeneuo, que significa "interpretar", este é o estudo sobre como os seres humanos interpretam o mundo. 

Gadamer estudou filosofia sob a orientação de Martin Heidegger, que disse que o dever da filosofia é interpretar nossa existência. Essa interpretação é sempre um processo de aprofundamento da nossa compreensão, começando com o que já sabemos. O processo é similar ao modo como interpretamos um poema. Começamos lendo-o cuidadosamente à luz de nossa compreensão atual. Chegando a uma linha que parece estranha, pode ser necessário um nível mais profundo de compreensão. Quando nossa interpretação da linha muda, muda-se todo o sentido ulterior do poema e, isto, denomina-se "círculo hermenêutico". 

Essa abordagem, dita circular, foi a abordagem explorada por Gadamer mais tarde em Verdade e Método. Gadamer foi além para mostrar que nossa compreensão é sempre a partir da perspectiva de um ponto particular na história. Nossos preconceitos e crenças, os tipos de perguntas que julgamos que valem a pena ser feitas e o tipo de repostas com as quais ficamos satisfeitos, tudo é produto de nossa história. 



O Livro da Filosofia. Tradução Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011.