Enciclopédia de termos Lógico-Filosóficos (Notas do Livro)

Ambiguidade

Do latim ambiguitas, duplo sentido. Duplo sentido de uma palavra ou de uma expressão. Não deixar claro o sentido de uma palavra ou de uma frase que podem ser interpretadas pelo menos de duas maneiras diferentes.

Uma expressão é ambígua, quando se encontra associada a mais de um significado. A ambiguidade é, por conseguinte, o tipo de relação entre forma e significado recíproca da relação de SINONÍMIA.

Os seguintes exemplos ilustram diferentes tipos de ambiguidade respectivamente, ambiguidade lexical, estrutural e de âmbito. 1) “O Pedro escolheu o canto”; 2) “O Pedro viu a Maria com os binóculos”; 3) “Todas as pessoas são amadas por alguém.

No exemplo 1 a ambiguidade resulta de a palavra “canto” poder ser interpretada como designadora ou de determinado lugar em um espaço interior ou de certa atividade musical: a frase 1 pode ser usada, p.ex., para informar acerca do lugar que o Pedro escolheu para se sentar, pode informar acerca da demonstração de perícia que o Pedro escolheu em um concurso televisivo.

Em 2 a ambiguidade resulta da posição relativa em que o sintagma “com binóculos” ocorre na frase. Essa frase pode ser interpretada como se descrevesse a situação em que Pedro usou os binóculos para ver a Maria ou como descrevendo a situação em que a Maria levava os binóculos quando o Pedro a viu. Repare-se que, colocando o referido sintagma em outra posição relativa, no início da frase, p. ex., a frase resultante deixa de apresentar essa ambiguidade: “Com os binóculos, o Pedro viu a Maria”, descreve apenas a primeira das duas situações referidas.

O exemplo 3 ilustra um caso de ambiguidade que resulta da co-ocorrência na mesma frase de mais de um determinante quantificacional. A frase 3 pode ser interpretada como se descrevesse a situação em que cada pessoa é amada pelo seu amante, ou como descrevendo a situação em que existe um amante universal que ama todas as pessoas.


Argumento de autoridade

Um argumento baseado na opinião de um especialista. Os argumentos de autoridade têm geralmente a seguinte forma lógica (ou são a ela redutíveis): a disse que P; logo, P. exemplo: “Aristóteles disse que a Terra é plana; logo, a Terra é plana”. Um argumento de autoridade pode ainda ter a seguinte forma lógica: “Todas as autoridades dizem que P; logo, P”.

A maior parte do conhecimento que temos de física, matemática, história, economia ou qualquer outra área baseia-se no trabalho e opinião de especialistas. Os argumentos de autoridade resultam dessa necessidade de nos apoiarmos nos especialistas. Por isso, uma das regras a que um argumento de autoridade tem de obedecer para poder ser bom é esta:  1) o especialista (a autoridade) invocado tem de ser um bom especialista da matéria em causa. Essa é a regra no seguinte argumento de autoridade: “Einstein disse que a maneira de acabar com a guerra era ter um governo mundial; logo, a maneira de acabar com a guerra é ter um governo mundial.” Dado que Einstein era um especialista em física, mas não em filosofia política, esse argumento é mau.

Contudo, apesar de Marx ser um especialista em filosofia política, o seguinte argumento de autoridade é mau: “Marx disse que a maneira de acabar com a guerra era ter um governo mundial; logo, a maneira de acabar com a guerra é ter um governo mundial.” Nesse caso, é mau porque viola outra regra: 2) Os especialistas da matéria em causa não podem discordar significativamente ente si quanto à afirmação em causa. Dado que os especialistas em filosofia política discordam entre si quanto à afirmação em causa, o argumento é mau.

Os seguintes argumentos contra Galileu são igualmente maus. “Aristóteles disse que a Terra está imóvel; logo, a Terra está imóvel” e “A Bíblia diz que a Terra está imóvel; logo, a Terra está imóvel.” O primeiro é mau porque nem todos os grandes especialistas em astronomia, entre os quais contava o próprio Galileu, concordaram com Aristóteles — o argumento viola a regra 2. O segundo é mau porque os autores da Bíblia não eram especialistas em astronomia — o argumento viola a regra 1.

Usa-se muitas vezes a expressão “argumento de autoridade” como sinônimo de “Argumento mau de autoridade”. Todavia, nem todos os argumentos de autoridade são maus; o progresso do conhecimento é impossível sem recorrer a argumentos de autoridade; e podem-se distinguir com alguma proficiência os bons dos maus argumentos de autoridade, atendendo às regras dadas.

 

 


Citação

O dispositivo principal para distinguir o uso de uma palavra da sua menção. Na frase anterior a palavra "dispositivo" foi usada, mas agora acabou de ser citada ou mencionada, por meio do uso de aspas. Em português, o itálico é por vezes usado como dispositivo de citação; as aspas são, no entanto, preferíveis, pois permitem citações encaixadas, ao contrário do itálico ("A frase 'O nome de João é 'João' e tem quatro letras' é verdadeira"). Ver uso/menção

Conhecimento

Um dos temas epistemológicos mais recorrentes e sobre o qual foi manifestado razoável acordo entre filósofos modernos é o do caráter dualista do conhecimento, isto é, o fato de ele ser um composto por dados dos sentidos, de um lado, e, de outro, por conceitos  ou qualquer espécie de esquema formal organizador daqueles dados. 

Contradição

Em um sentido frequente do termo, uma frase ou uma proposição diz-se ser uma contradição quando, por um lado, é falsa, e, por outro, a sua falsidade se deve, de algum modo, a fatos de natureza puramente lógica, semântica ou conceptual. 

Contra-Exemplo

Um exemplo que demonstra a falsidade de uma proposição universal. "Descartes era um filósofo e não era alemão" é um contra-exemplo a "Todos os filósofos são alemães". Não há contra-exemplos a proposições existenciais, como "Alguns filósofos são alemães".

A técnica da derivação em lógica conhecida como reductio ad absurdum procede, segundo algumas versões, por meio da construção do chamado conjunto contra-exemplo. 

Exemplificação

Termo empregado na literatura lógico-filosófica e metafísica para designar, em geral, a relação que se estabelece entre um PARTICULAR  e um UNIVERSAL apropriado. Numericamente o mesmo universal, p.ex., a qualidade da Humildade, pode ter como exemplos particulares distintos, p. ex., Francisco de Assis e Madre Teresa de Calcutá; e numericamente o mesmo particular, p. ex., Francisco de Assis pode ser um exemplo de universais distintos, p. ex., a Tolerância e a Pobreza. Diz, p.ex., que Sócrates (um particular) exemplifica a propriedade (ou atributo) de ter bebido a cicuta (um universal).

Falácia

É um defeito de raciocínio, um caso de non sequitur. Em geral, esse defeito passa despercebido, criando assim a ilusão de se estar na presença de um raciocínio correto. Essa ilusão pode ser partilhada, ou não, por quem propõe o raciocínio e por aqueles a quem ele se destina. As falácias podem afetar quer os raciocínios dedutivos, quer os indutivos. 

O Que é uma Falácia. A noção de falácia é híbrida e tem aspectos lógicos e aspectos psicológicos (ou sociológicos). As noções híbridas deste tipo estão longe de ser pérolas conceptuais, mas revelam-se por vezes úteis para fins pedagógicos e práticos . Não existe uma teoria geral das falácias, nem uma classificação das falácias que seja consensualmente aceita. 

No entanto, há bons "indicadores" do que não é uma falácia. Uma falácia não pode ser identificada simplesmente com um raciocínio a partir de premissas falsas, visto que raciocínios deste tipo podem ser, se dedutivos, válidos, ou, se indutivos, fortes; e em qualquer dos casos não serão falaciosos (ver argumento). 

Leis do Pensamento

De acordo com a tradição, as leis da identidade, da não-contradição e do terceiro excluído constituem um conjunto de princípios lógicos aos quais deve ser atribuído o estatuto de leis do pensamento. 

A lei da identidade diz que qualquer objeto é idêntico a si mesmo. A lei da não-contradição diz que a conjunção de uma proposição com sua negação é invariavelmente falsa. A lei do terceiro excluído diz que a distinção de uma proposição com sua negação é invariavelmente verdadeira. 

Linguagem do Pensamento

A tese da existência de uma "linguagem do pensamento" foi apresentada pela primeira vez pelo filósofo norte-americano Jerry Fodor em The Language of Thought, publicado em 1976. A ideia surge como uma consequência natural da adoção da chamada "visão computacional da mente". Com efeito, se os chamados processos cognitivos são, na realidade, processos computacionais, e se um processo computacional consiste em uma manipulação ordenada de símbolos, então os processos cognitivos presente em organismos cognoscentes consistem em manipulações ordenadas de símbolos. 

Lógica

Embora o termo "lógica" tenha sido usado em diversas acepções no decurso da história da filosofia, é possível isolar seu sentido preciso por meio da expressão "lógica formal". Ao longo de sua história, a lógica formal tem se ocupado da análise de relações entre proposições com vista a uma definição exata do conceito de DEMONSTRAÇÃO e, já mais recentemente, de conceitos afins, como refutação, compatibilidade e confirmação, que em princípio podem, no entanto, ser reduzidos ao conceito de demonstração. 

Lógica Dialógica

A lógica dialógica é fruto das ideias do matemático e filósofo alemão Paul Lorenzen (1915-1994), professor em Erlangen entre 1962 e 1980. Estava insatisfeito com as teses platônicas e o ideário intuicionista.

Vejamos um exemplo do jogo dialógico informal. Há o proponente e o oponente

1. Proponente diz: — Todo vegetariano é pacífico.

2. Oponente diz: — Isso se aplica também a Hitler?

Proponente diz: — Se Hitler era vegetariano, então ele era pacífico.

Oponente diz: — Hitler era vegetariano.

Proponente diz: — Então, ele era pacífico. 

Oponente diz: — Hitler era mesmo pacífico?

O proponente venceu esse diálogo? Não! Em 1, o proponente afirmou a sua tese. Em 2, o oponente questionou aquela afirmação, perguntando se o pretenso caráter pacífico dos vegetarianos também se aplicaria a Hitler. Em 3, o proponente manteve a sua coerência, dizendo que Hitler seria pacífico, caso fosse vegetariano. Em 4, o oponente mencionou um fato conhecido, ou seja, que Hitler era vegetariano. Em 5, o proponente foi a uma afirmação ousada, que é uma frase elementar. Em 6, o oponente duvidou da asserção do seu interlocutor, o que obriga esse último a provar o que disse em 5. Ora, para tanto o proponente terá de exibir registros históricos, documentos e outros elementos empíricos. Na concepção dessa tarefa, ele fracassará, por razões conhecidas. Não há  vitória para o proponente, nesse caso. O proponente não vence esse diálogo específico. 

Opacidade Referencial

Considerem-se as seguintes frases: 1) "Álvaro de Campos é o autor de Tabacaria", 2) "Fernando Pessoa é o autor de Tabacaria". Dado o fato de "Álvaro de Campos" ser um heterônimo de Fernando Pessoa, e uma vez que a frase 1 é verdadeira, está garantido que a frase 2 é igualmente verdadeira. O princípio lógico que garante a verdade 2 a partir da verdade 1 é do fato de "Fernando Pessoa" e "Álvaro de Campos" serem termos correferenciais chama-se substituição salva veritate. Existem no entanto contextos em que essa lei já não pode ser aplicada. Considerem-se as frase 3) "João acredita que Álvaro de Campos é o autor de Tabacaria" e 4) "João acredita que Fernando Pessoa é o autor de Tabacaria". Facilmente se verifica que, dada a verdade de 3, não está garantida a verdade de 4. É que João pode não acreditar, por não ter informação disponível, que "Álvaro de Campos" é um heterônimo de Fernando Pessoa. Os contextos em que os princípios da substituição salva veritate não pode ser aplicado são referencialmente opacos (e os contextos em que ele pode ser aplicado chamam-se referencialmente transparentes)

Heteronímia (héteros = diferente; + ónoma = nome) é o estudo dos heterônimos, isto é, estudo de autores fictícios (ou pseudo-autores) que possuem personalidade. ... O criador do heterônimo é chamado de "ortônimo". Sendo assim, quando o autor assume outras personalidades como se fossem pessoas reais. (wikipedia)

Paradoxo

O termo "paradoxo" começou por significar "contrário à opinião recebida e comum", mas as acepções díspares em que tem sido usado pela tradição lógica e filosófica  não permitem identificar um conjunto de características ou de temas suficientemente coerentes para tornar esclarecedora uma definição geral. 

Um paradoxo lógico consiste em duas proposições contrárias ou contraditórias derivadas conjuntamente a partir de argumentos que não se revelaram incorretos fora do contexto particular que gera o paradoxo. 

Paradoxo de Electra

Não é um verdadeiro paradoxo, mas apenas o resultado de certos termos por nós usados serem intencionais e não intencionais. O nome do "paradoxo" deriva-se da situação em que Electra não sabe que o homem que tem perante si é seu irmão, apesar de saber que Orestes é seu irmão e apesar de esse homem que está perante si ser efetivamente Orestes (só que ela não o sabe). Isso significa que estamos perante um contexto opaco e que Electra não tem uma CRENÇA DE RE, mas sim de dicto

Problema da Mente-Corpo

Como a própria expressão indica, o "problema da mente-corpo" é determinar as relações entre mente e corpo.

De um ponto de vista dualista, o que se procura elucidar é que espécie de relação causal (se alguma) há entre essas duas substâncias; essa elucidação, por seu lado, depende do esclarecimento do seguinte problema: como é possível (se é que é de todo possível) que entre duas substância pertencentes a regiões ontológicas distintas se possa verificar qualquer trânsito causal? (ver dualismo)

Reductio ad Absurdum 

(Lat., redução ao absurdo) É um processo de inferência por meio do qual se pode derivar uma proposição -X a partir do fato de uma hipótese X conduzir a uma contradição. A ideia subjacente é a de que, se uma contradição pode ser deduzida de uma proposição X, então X não pode ser verdadeira e pode-se por isso afirmar -X. É um processo útil para derivar conclusões negativas. A hipótese a partir da qual a contradição é derivada é conhecida por hipótese da reductio

Semântica 

1. Disciplina que tem por objetivo o estudo do significado. 2. A semântica de uma língua, natural ou formal, é o conjunto de regras e princípios de acordo com os quais as expressões dessa língua são interpretas. 3. A semântica de dada expressão é o seu significado. 

Uso/Menção

Considerem-se as seguintes frases: 1) "Camões é uma palavra"; 2) "'Camões' é uma palavra". 1 é falsa e 2 é verdadeira. A diferença consiste no fato de a palavra "Camões" ser usada em 1, mas mencionada em 2. Distinguir o uso de uma palavra ou de uma frase da sua menção é crucial para evitar falácias. P. ex.: "Todas as palavras são compostas por letras; 'Sócrates' é uma palavra; logo, Sócrates é composto por letras." 


BRANQUINHO, João, MURCHO, Desidério e GOMES, Nelson Gonçalves. Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos. São Paulo: Martins Fontes, 2006.