Como Pensar e Viver Melhor: Ferramentas Mentais para a Vida e os Negócios (Notas de Livro)

Como pensar e viver melhor

Ferramentas mentais para a vida e os negócios

Rolf Dobelli

Tradução de Kristina Michahelles e Silvana Gollnick

Rio de janeiro, objetiva, 2019

Prefácio

Desde a Antiguidade, a humanidade sempre se questionou o que significa ter uma boa vida. Tais questões fundamentavam-se no modo de viver, no dinheiro, no papel do destino...

Ao longo das últimas décadas, ocorreu uma revolução silenciosa em várias áreas do pensamento. Para compreendê-lo precisamos de uma caixa de ferramentas repleta de diferentes métodos de pensamento.

Este livro poderia ser descrito como uma espécie de “filosofia da vida clássica para o século XXI”.

1 — Contabilidade mental

Como transformar uma perda em ganho

A boa vida tem muito a ver com a interpretação construtiva dos fatos. Pagar primeiro, consumir depois — uma forma de contabilidade mental que ajuda a lidar com a dor de gastar dinheiro.

Conclusão: você não pode recuperar a perda de tempo e de dinheiro, mas pode reinterpretá-la.

2 — A arte da correção de rumo

Por que não existe uma “configuração inicial” perfeita

Em se tratando do voo de um avião, mais do que a partida em si, importa dominar a arte da correção de rota logo depois de levantar voo.

Conclusão: precisamos acabar com o estigma associado ao ato de corrigir. Quem corrige no momento oportuno sai em vantagem em relação àqueles que ficam muito tempo presos à configuração inicial, esperando, em vão, que seu plano funcione.

3 — A promessa

Inflexibilidade como estratégia

Conclusão: diga adeus ao culto à flexibilidade. Ela só traz infelicidade, cansaço e o desvia das suas metas sem que você perceba. Agarre-se às suas promessas. Sem concessões.

4 — O princípio da caixa-preta

A realidade não liga para os seus sentimentos (ou por que sua vida melhora depois de uma queda)

Depois de muitas quedas, descobriu-se que as janelas quadradas eram a causa de minúsculas rachaduras que se estendiam pelo corpo do avião, causando a queda. Janela arredonda. Mas houve outra consequência ainda mais importante: o investigador David Warren sugeriu que fosse instalado um todos os aviões comerciais um sistema de registro de dados e voz, mais tarde chamado de caixa-preta — e a ideia foi colocada em prática.

Pequeno adendo: pensar segundo o princípio de caixa-preta funciona não apenas na vida privada, mas também no trabalho.

“Se você não enfrentou um problema e, em vez disso, esperou até que se tornasse insolúvel, é tão idiota que mereceu esse problema.” (Warren Buffett)

“Não espere as consequências fazerem estrago. Se você não der conta da realidade, a realidade é que dará conta de você.” (Alex Haley)

Conclusão: aceite a realidade de maneira radical — principalmente aqueles aspectos dos quais não gosta. Faça isso, ainda que na hora pareça difícil.

5 — Contraprodutividade

Por que equipamentos feitos para poupar tempo muitas vezes roubam o seu tempo

Caminhar: 6 quilômetros por hora. Automóvel: 50 quilômetros por hora (descontadas as horas de trabalho para comprar o carro, seguro, tempo de engarrafamento... daria mais ou menos as 6 horas a pé).

Contraprodutividade designa que muitas tecnologias que, à primeira vista, poupam tempo e dinheiro, mas que essa economia se dissipa no momento em que se faz um conta total.

E-mail. Avaliado de forma isolada, é genial: escrevem-se em enviam mensagens de forma rápida e de graça. Vejamos o tempo que se perde filtrando mensagens, lendo coisas que não tem interesse...

Apresentações. Antigamente, uma palestra para direção de empresas consistiam em veiculação de argumentos lógicos. Em 1990, chegou o programa PowerPoint. Os executivos começaram a investir milhões de horas: aprender, sofisticar, letras... lucro líquido, zero.

Câmeras digitais. Que libertação? Hoje você está sentado em uma montanha de fotos e vídeos dos quais 99% são desnecessários.  

Cuide-se de não cair na armadilha da contraprodutividade. Ela só é visível à segunda vista.

Conclusão: anunciada com tantas promessas, a tecnologia muitas vezes tem efeito contraproducente para a qualidade de vida.


6 — A arte negativa da boa vida

Não faça nada de errado para que a coisa certa possa acontecer

“Existem pilotos velhos e pilotos corajosos. Mas não existem pilotos velhos corajosos”.

Neste capítulo desenvolve algumas ideias sobre o upside e downside, ou seja, potencial de valorização ou desvalorização.

No tênis, se você jogar como um amador, concentre-se simplesmente em não errar. No tênis amador, as partidas não são ganhas, e sim perdidas.

Concentrar-se no downside em vez do upside é uma valiosa ferramenta mental. Esta prática, na antiguidade chamava-se teologia negativa. Podemos não saber o que Deus é, mas sabemos perfeitamente o que ele não é.

Não devemos correr em prol da felicidade, mas nos afastarmos daquilo que pode por em risco essa felicidade, ou seja, alcoolismo, drogas, estresse crônico, barulho, tempo...

“Não aprendemos a resolver problemas difíceis na vida empresarial. Aprendemos a evitá-los.” Warren Buffett

“É surpreendente o êxito que pessoas como nós atingem ao apenas tentarem não ser idiotas, em vez de tentarem ser brilhantes.” Charlie Munger

Conclusão: uma grande parte da boa vida consiste em evitar bobagens, tolices e modismos, em vez de almejar a felicidade total.


7 — A loteria dos óvulos

Por que você não mereceu seu sucesso

Felicidade é algo que se tem. Já o sucesso precisa ser conquistado. Essa é a opinião corrente.

Warren Buffett propõe refletirmos sobre o nascimento de dois gêmeos. Quem quer ir ao Estados Unidos, que paga impostos ou ao Bangladesch, que está isento dele? 80% prefere os Estados Unidos.

Conclusão 1: quanto maior o seu êxito, menos ele deve ser alardeado.

Conclusão 2: doações e impostos não são uma questão financeira. São, acima de tudo, uma questão moral.


8 — A ilusão da introspecção

Leve as emoções a sério — mas não as suas

Não se chateie se tiver dificuldades de descrever seus sentimentos. O professor Eric Schwitzgebel fala sobre o equívoco, a incapacidade de alguém descrever o seus sentimentos com clareza e objetivo.

Ora, poderíamos conviver muito bem com essa incapacidade se o mundo inteiro não passasse o tempo todo exigindo: siga seu coração! Siga suas emoções! Siga sua voz interior!

A psicologia denominou “ilusão de introspecção” a crença equivocada de que, por meio da mera auto-observação interior, podemos descobrir nossas inclinações, nosso propósito, o sentido da vida, o núcleo de ouro da felicidade.

Observemos os fatos, não a nossa interpretação posterior a eles.

Conclusão: quem usa a força de vontade para tentar reprimir sentimentos negativos apenas os reforça.


9 — A armadilha da autenticidade

Por que você precisa de um ministro das Relações Exteriores

Você gosta de pessoas autênticas? É claro que sim. Fala-se muito da “liderança autêntica”, de que temos que ser autênticos... Mas de que grau de autenticidade?

Dá alguns exemplos de autenticidade no restaurante e no enterro, que são catastróficos.

Razões para não surfar na autenticidade: 1) não sabemos bem quem somos; 2) podemos ser pegos no ridículo; 3) abrimos mão da barreira a nível psicológico.

Diz-nos que Eisenhower tinha um segundo “eu”, que é a sua postura profissional, consistente e confiável voltada para fora. Pode-se pensar, também, sobre a figura de um ministro das Relações Exteriores. O que esperar de um ministro de Relações Exteriores? Ele não falará de suas fraquezas, mas que, profissionalmente, não caia em fofocas.

Mesmo que a opinião pública, seus colegas ou supostos amigos exijam mais “autenticidade”, não caia nessa armadilha. Um cachorro é autêntico. Mas você é um ser humano.  


10 — O “não” de cinco segundos

Pequenos favores podem se tornar grandes dissabores

Quantas vezes você aceita espontaneamente fazer um pequeno favor? Quantas vezes se recusa? Quantas vezes se irritou depois de ter aceitado?

Pequenos favores: palestra, um texto, uma rápida entrevista... O tempo empenhado pode ser maior do que o benefício.

O americano Robert Axelrod, na teoria dos jogos, comparou vários programas de computador. Cada programa seguiu uma estratégia específica para lidar com o parceiro — cooperar com ele, enganá-lo, comportar-se de maneira egoísta, ceder sempre etc. No longo prazo, a estratégia mais bem-sucedida é a chamada tit for tat, olho por olho. Trata-se de uma estratégia muito simples, que consiste sempre em iniciar o jogo cooperando e depois copiar o comportamento do oponente até o final do jogo. Na prática, funciona assim: se depois da minha opção de cooperação, o oponente também cooperar, continuarei cooperando. Se o adversário não for cooperativo, também não serei.

A estratégia ti for tat é que faz girar a economia mundial. É exatamente o primeiro “sim” que nos chateia depois. Como o “sim” espontâneo é um reflexo biológico, o correto seria aplicar a tática oposta, o “não de cinco segundos”, criado por Charlie Munger: “É difícil encontrar algo realmente bom. Então, se você disser ‘não’ em 90% das vezes, não perderá muita coisa no mundo”.

“Todos os que te chamam para si te arrancam de ti próprio.” (Sêneca)


11 — A ilusão do foco

Por que você não seria mais feliz no Caribe

“Nada na vida é tão importante quanto você imagina enquanto pensa sobre aquilo.” Quanto mais nos concentramos em determinado aspecto da vida, mais valorizamos a influência desse aspecto.

Uma boa vida só acontece quando vez ou outra você olha pela grande angular.

Um turista americano brigou com a recepcionista de um hotel. Motivo: do seu quarto não podia ver a Torre Eiffel.


12 — O que você compra se vai

Por que deveria comprar menos e viver mais

Conclusão: superestimamos a felicidade como efeito de coisas materiais e subestimamos o efeito da felicidade de boas experiências.


13 — Dane-se o dinheiro

Poupança para a liberdade

Começa o capítulo fazendo um exercício para explicar a função do que os economistas chamam de Lei de Utilidade Marginal. Quem não tem dinheiro algum, o primeiro dólar é muito valoroso. Contudo, para o indivíduo muito rico o próximo dólar tem valor zero.

Cada litro adicionado lhe traz um benefício um pouco menor. A partir de determinado ponto, o benefício é zero. Água, roupa, canais de TV e, sobretudo, dinheiro.

Observe os ganhadores de loteria. Depois de algum tempo, já não eram tão felizes assim.

“Quando as necessidades básicas já foram atendidas, qualquer bem-estar adicional não gera felicidade adicional.” Paradoxo do economista Richard Easterlin

Algumas regras para o trato com o dinheiro:

Primeira regra: fuck you money (dane-se o dinheiro). Expressão essa que equivale a felicidade.

Segunda regra: não reaja a pequenas oscilações de sua renda ou de seu patrimônio.

Terceira regra: nunca se compare com quem é rico. Isso só traz infelicidade.

Quarta regra: mesmo que você seja podre de rico, viva moderadamente.

Conclusão: no momento em que você ultrapassou a linha da pobreza e conseguiu juntar uma poupança que lhe proporcione segurança, outros fatores determinam se você vai ou não ter uma boa vida. Trabalhe nesses fatores em vez de juntar dinheiro.

 

14 — O círculo de competências

Por que você precisa conhecer seus limites

O investidor Warren Buffett utiliza a noção de “círculo de competência”, sugerindo que cada um de nós deve conhecer o seu círculo de competência e permanecer nele. Ou seja, o que se encontra dentro do círculo, dominamos com mestria. O que está fora, nós não entendemos ou entendemos apenas uma parte.

Obsessão. Como é um tipo de um vício, costumamos usá-la no sentido depreciativo. Como, porém, vê-la pelo lado positivo? Quando jovem, Bill Gates tinha uma obsessão: programação. Steve Jobs: caligrafia e design. Warren colocou os primeiros trocados em ações.

O oposto da obsessão não é a aversão, mas o “interesse”, um jeito educado de dizer: “isso, de fato, não me interessa”.

Conclusão: pare de incomodar com suas fraquezas. O principal é que você esteja acima da média em pelo menos uma coisa e, idealmente, no mundo todo.


15 — O segredo da perseverança

Por que pessoas monótonas têm mais sucesso do que as aventureiras

Qual a diferença entre especulador e investidor? O especulador vê as coisas no curto prazo. Exemplo: atuação de um dia na Bolsa de Valores. Investidor vê no longo prazo.

Como já saiu da boca do próprio Buffett: “Charlie e eu ficamos sentados, esperando o telefone tocar”. Os investidores pensam em períodos longos. Já os negociadores do mercado de ações, não.

Quais os livros mais vendidos? Bíblia, o Livro Vermelho de Mao, o Alcorão, o Manifesto Comunista, O Senhor dos Anéis, o Pequeno Príncipe.

Segredo da perseverança: êxitos no longo prazo se desenvolvem como bolos.

Bertrand Russell, matemático e ganhador do prêmio Nobel, disse

A vida de grandes homens não é empolgante. Sócrates deleitava-se de vez em quando em um banquete [...], mas passou as horas importantes da vida tranquilo ao lado de sua Xantipa, à tarde fazia seu passeio para ajudar a digestão e talvez encontrasse um amigo ou dois.  Dizem que Kant nunca se distanciou mais do que dez quilômetros de Königsberg [hoje, Caliningrado]...

Conclusão: menos ocupação e, em troca, mais solidez.


16 — A tirania da vocação

Faça o que pode. Não o que gostaria poder fazer

Antônio nasceu no ano 251, era filho de latifundiários, no Egito. Quando tinha dezoito anos, seus pais morreram. Na igreja, ouviu a frase do Evangelho de Mateus: “Se queres ser perfeito, vai, vende tuas posses e dá o dinheiro aos pobres, assim terás um tesouro duradouro no céu; então, vem e me segue!”. Foi assim que surgiu a vida monástica no cristianismo, a partir da livre associação de eremitas que viviam separados.

Francisco de Assis, mais de 1000 anos depois, funda a Ordem dos Franciscanos...

A ideia da vocação é uma das grandes ilusões do nosso tempo. Cita o caso de John Kennedy Toole, que suponha ter a vocação para escrever. Depois de rejeitado pelas editoras, suicida-se. Após o suicídio, sua mãe acabou encontrando uma editora para o manuscrito. O livro A conspiração dos idiotas foi lançado em 1980 e saudado pela crítica como uma obra-prima da literatura sulista dos Estados Unidos. O livro vendeu mais de 1,5 milhão de exemplares.

“Poucas pessoas são tão infelizes quanto aquelas que têm um talento que não interessa a ninguém.” (John Gray)


17 — A prisão da boa reputação

Da avaliação exterior para a avaliação interior: como mudar?

Perelman, que se recusou ao prêmio Nobel de matemática — um milhão de dólares — mora com a mãe num conjunto de casas pré-fabricadas em São Petersburgo. Para ele, apenas a matemática importa. O que o mundo pensa sobre ele e suas realizações lhe é sinceramente indiferente.

Entendi que a apreciação pública tem pouco a ver com a qualidade do meu trabalho.

“Você prefere ser o melhor amante do mundo enquanto é considerado o pior? Ou prefere ser o amante mais desprezível, mas ser considerado o melhor diante de todo mundo?” (Warren Buffett)

Conclusão: o mundo inteiro vai escrever sobre você, tuitar, postar o que quiser. Não se importe em curtir ou receber curtidas. Não pesquise sobre si mesmo no Google e nem busque o reconhecimento.


18 — A ilusão do “fim da história”

Você pode modificar a si mesmo. Mas não aos outros

Começa tecendo comentários sobre as mudanças frequentes num dado aeroporto. Aí pergunta: e nós, o que mudamos interiormente?

Boa notícia: podemos mudar a nós mesmos.

Má notícia: não temos como modificar as outras pessoas.

Uma boa regra de vida: evite situações em que precisa modificar as pessoas. A bem sucedida Southwest Airlines adotou o lema “Contrate pela atitude, treine habilidades”.

Uma regra de vida semelhante: “Trabalhe apenas com pessoas de quem gosta e em quem confia”.


19 — O pequeno sentido da vida

Quais metas você pode alcançar. E quais não pode

“O pequeno sentido da vida” trata de seus objetivos pessoais, sua missão.

“Tudo o que você faz deve estar direcionado a um objetivo. Mantenha esse objetivo em mente.” (Sêneca)

Portanto, não é o dinheiro que faz feliz ou infeliz, mas o fato de ter alcançado seu objetivo ou não.

Conclusão: objetivos funcionam. O importante é ter objetivos, pois eles impulsionam os nossos esforços para determinado fim.


20 — Seus dois “eus”

Por que sua vida não é um álbum de fotos

Apresenta-nos o “eu” que experimenta e o “eu” que se lembra.

Quanto tempo dura um momento? Os psicólogos supõem que sejam cerca de três segundos. Há, assim, 20 mil momentos por dia.

O que conta então: seu eu que experimenta ou seu eu que se lembra? Os dois naturalmente. É óbvio que ninguém quer perder boas lembranças. Mas tendemos a valorizar mais o eu que se lembra e vivemos em função de reunir lembranças futuras, em vez de nos alinhar ao presente.


21 — Uma conta-corrente de lembranças

As experiências se sobrepõem às lembranças

Qual a importância da experiência se não lembramos dela? As experiências só chegam a compensar por causa das lembranças. Quanto mais tempo vivemos com determinada lembrança, mais valor lhe é atribuído.

Pacientes com demência têm experiências momentâneas, instante por instante, sem nenhuma lembrança.

“Viva cada dia como se fosse o último”. É um conselho idiota que, num piscar de olhos, jogaria você num hospital, no túmulo ou na cadeia. Prevenir para o futuro tem valor transcendental.

Conclusão: nosso cérebro dedica-se de modo automático aos três níveis do tempo — passado, presente e futuro. Maximize suas experiências atuais em vez de sua memorias futuras.


22 — Histórias da vida são mentirosas

Por que avançamos pelo mundo com uma falsa imagem de nós mesmos

O que você sabe sobre a Primeira Guerra Mundial? Em 1914, um combatente sérvio, a favor da independência, mata a tiros o herdeiro do trono austro-húngaro em Saravejo. Em seguida, o Império Austro-Húngaro declara guerra à Sérvia. Uma vez que quase todos os países europeus estão inseridos em alianças, em poucos dias todos aderem à guerra.

A guerra, como evento, foi muito mais complexa, tortuosa e trespassada de acasos do que os livros de história nos fazem acreditar. Na verdade, ainda não entendemos por que a guerra teve seu início justo na Sérvia.

Muitas vezes o cérebro é comparado a um computador. A comparação é capenga. Por quê?

O mundo real não conhece histórias. Mesmo que você tivesse participado da Primeira Guerra Mundial, sendo objetivo, não teria visto uma guerra mundial, apenas trincheiras cheias de pessoas que usavam curiosos chapéus de aço, florestas que consistiam apenas em troncos de árvores...

O cérebro sintetiza a história da seguinte forma: compacta, consistente e causal. Os três Cs. Compacto significa que as histórias são curtas, simplificadas e em “buracos”. Consistente significa que não têm contradições. Causal significa que há uma seta, uma causa para o efeito.

Vemo-nos sendo melhores, mais bonitos, mais bem-sucedidos e mais inteligentes do que somos.

Conclusão: andamos por aí com uma falsa imagem. Acreditamos que não somos tão complexos, contraditórios e paradoxais quanto realmente somos.

 

23 — Melhor uma boa vida do que uma boa morte

Por que você não deveria se preocupar com a última hora

As três grandes portas para o Além: infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e o câncer.

Não vale a pena criar hipóteses sobre o momento da sua morte da sua última hora. Não percepção da duração.

Temos grandes dificuldades quando se trata de avaliar a atratividade dos percursos da vida.

Conclusão: a competição de quem vive mais é vulgar. É muito melhor ter um boa vida do que uma boa morte. Sêneca observou com correção: “Acalme-se”, aconselhou o filósofo, “seu inimigo morrerá sem que você tenha de mover o seu dedo mindinho”.


24 — Um redemoinho de autopiedade

Por que não tem sentido revirar o passado

Autopiedade para com o palhaço que deveria sorrir depois um grande drama pessoal. A autopiedade é uma das reações mais infrutíferas diante das adversidades da vida. Ter pena de si mesmo não muda nada.

Surpreende ainda mais a autopiedade aparecer como “reavaliação”.

Quantos séculos se deve voltar atrás para “reavaliar” o passado — cem, duzentos, quinhentos anos?

Sobre o impacto da criança na vivência do adulto, o ex-presidente da Associação Norte-Americana de Psicologia, Martin Seligman, avaliou centenas de estudos sobre esse tema. Ele concluiu: “É difícil encontrar qualquer mínimo efeito advindo de eventos da infância na personalidade adulta, e não há uma única indicação de que haja influências grandes e determinantes.

Conclusão: não se afundar na lama da autopiedade é uma das regras da higiene mental.   


25 — Hedonismo e eudemonia

Como você pode compensar atividades prazerosas com atividades significativas — e vice-versa

No século V a.C., uma minoria de filósofos era hedonista. Hedonismo vem do grego hedone, e significa alegria, deleite, prazer, gozo, desejo sexual. A maioria dos filósofos, porém, era eudemonista, e defendia o ponto de vista de que os prazeres imediatos eram baixos, decadentes e até animalescos.

Criaram mais quatro palavras vazias, que a Igreja católica assumiu com gratidão alguns séculos mais tarde e as fixou (agora está na versão 2.0) como as virtudes cardinais (a temperança, a fortaleza, a justiça e a prudência). Segundo essa lógica com rigor, chega-se a conclusões absurdas, como aquela observada pelo lacônico psicólogo de Harvard Dan Gilbert, que dizia: “Na verdade, o nazista criminoso de guerra que se banha ao sol numa praia argentina não é feliz, ao passo que o missionário devotado que acabou de ser comido vivo por canibais é feliz”.

Evitemos os extremos. Por quê? Porque a utilidade marginal diminui quanto mais você se move para os extremos.


26 — O círculo da dignidade — parte 1

E, se não...

Nesse versículo, o rei da Babilônia, Nabucodonosor, exige de três judeus tementes a Deus: “para vos prostrardes e adorardes a estátua que fiz: mas, se não a adorardes, sereis lançados, na mesma hora, dentro da fornalha de fogo ardente”. (Daniel, 3, 18)

Por não conhecermos a Bíblia, quase ninguém entende o significado da expressão “e, se não”. Para isso, com a mesma intenção, hoje se diz “só por cima do meu cadáver”.

Ela contém preferências e princípios que não precisam de justificação.

Estabelecer um círculo de dignidade tem pouco a ver com o espírito do Iluminismo. Como se chega ao círculo da dignidade? Não é por meio da reflexão, mas da cristalização que se efetua ao longo do tempo.

Conceba para si um círculo da dignidade que seja limitado. Um pequeno círculo é mais forte do que um grande. “Os compromissos são tão sagrados que devem ser raros”. Warren Buffett.

Você precisa estar preparado para uma coisa: desapontará algumas pessoas quando defender suas convicções, especialmente as pessoas que ama.


27 — O círculo da dignidade — parte 2

Quem se aniquila por fora

Preso de guerra entregou-se aos torturadores com plena consciência. Não o fez por amor à pátria, mas por si mesmo, para não se anular por dentro. Diz que até se machucou de propósito para não aparecer em público.

Se você não defender publicamente suas convicções mais íntimas, pouco a pouco se tornará um fantoche; será usado pelos outros para o propósito deles.

Há muita literatura a respeito: Arquipélago Gulag, de Solzhenitsyn; Holocausto: canto de uma geração perdida, de Elie Wiesel; É isto um homem?, de Primo Levi.

O princípio extraído: quem se ergue para suportar mais um dia — e outro, e outro — aumenta a sua probabilidade de sobrevivência, passo a passo.

Por que a sociedade atira flechas em você? Porque tem interesses diferentes dos seus. A sociedade está preocupada com a própria coesão — não com os interesses privados de um único membro.

Em geral, a luta no círculo da dignidade não é uma questão de vida ou morte, mas de manter a vantagem. Torne as coisas difíceis para seu agressor, o mais difícil possível.


28 — O círculo da dignidade — parte 3

O pacto com o diabo

Há muitas lendas sobre o pacto com o diabo: ponte no Alpes, O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde...

O que significa “vender a alma”? Há muitas coisas que são sagadas, não têm preço. Para o economista, entretanto, não existe nada que não possa ser precificado. Vender a alma é submeter-se ao sistema pela troca de favores, poder e dinheiro.

Coisas antes inegociáveis são hoje objeto de contrato. Exemplo: mulher manda tatuar o nome de uma empresa na testa por 10 mil dólares.

Conclusão: defina claramente o seu círculo de dignidade. Não se deixe contaminar quando o vírus econômico tentar penetrar no sistema imunológico dos seus valores.


29 — O livro das preocupações

Como desligar o alto-falante na sua cabeça

Há necessidade de instalarmos um sensor, um “detector de preocupações”. Sem a carga de preocupações não existiríamos. Geralmente focamos em coisas abstratas para não trabalharmos nos problemas reais.

Lembra-nos do ensinamento estoico: descubra o que você pode ou não pode influenciar. Reinhold Niebuhr, dois mil anos mais tarde, cunhou a seguinte fórmula: “Conceda, Senhor, a serenidade para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que posso e sabedoria para reconhecer a diferença”.

A meditação funciona enquanto estamos meditando. Depois, tudo volta com mais força.

Três estratégias:

Primeira: pegue um caderninho de notas e intitule-o “Meu grande cadernos das preocupações”. Bertrand Russell ensina-nos: O melhor a fazer ao perceber que se quer refletir sobre alguma coisa é sempre empregar mais pensamentos do que o instinto demanda, até enfim a força de atração doentia se autoaniquilar”.

Segunda: contrate seguros. O verdadeiro serviço prestado não é a indenização monetária em caso de sinistro, mas a redução das suas preocupações ao longo prazo coberto pelo seguro.

Terceira: o trabalho concentrado é a melhor terapia contra minhocas na cabeça.


30 — O vulcão de opiniões

Por que você vive melhor sem opiniões

Nosso cérebro é um vulcão de opiniões. Com isso, cometemos três equívocos: 1) expressamos opiniões sobre temas que não nos interessam; 2) expressamos opiniões sobre questões impossíveis de responder; 3) tendemos a dar respostas precipitadas a perguntas complexas. Sobre esse assunto, o psicólogo norte-americano Jonathan Haidt investigou em detalhes o que acontece no cérebro quando fazemos isso e revelou que tendemos a escolher rapidamente um lado, sobretudo quando se trata de questões complicadas.

Assim, deveríamos arrumar um balde mental com a etiqueta “muito complicado”, e jogar todas essas questões dentro dele.

Não sei”. Mas você precisa ter opinião. Por quê? A falta de opinião é um ativo. O problema dos tempos atuais não é a falta, mas o excesso de opiniões.

Mas, se quiser, mesmo ter uma opinião, o que deve fazer? Reserve algum tempo e escreva com calma sobre o assunto. Escrever, aliás, é o melhor jeito de organizar os pensamentos.

Conclusão: quanto menos opiniões precipitadas você tiver, melhor será a tua vida. 99% de nossas opiniões são supérfluas.

 

31 — A fortaleza mental

A roda da fortuna

Boécio vinha de uma família nobre e havia recebido a melhor educação disponível. Ocupou os mais elevados cargos no governo do rei Teodorico. Era bem-casado e tinha filhos bem-sucedidos. E podia se dedicar à sua grande paixão: traduzir os livros do grego para o latim. Boécio, porém, foi preso, acusado de apoiar uma conspiração contra Teodorico. No cárcere, escreveu o seu último livro, O consolo da filosofia.

O consolo da filosofia tornou-se um dos livros mais populares da Idade Média. Boécio está no cárcere. De repente, uma figura feminina charmosa, já um pouco mais velha, entra flutuando: é a “Filosofia”. Seguem-se algumas recomendações da “Filosofia”, que são de Boécio.

Primeiro: aceite que existe algo como o “destino”. Na época de Boécio, costumava ser personificado pela figura da Fortuna, ou melhor, a “Roda da Fortuna”, com seus altos e baixos.

Segundo: tudo o que você tem, estima e ama é passageiro — a saúde, os parceiros de vida, os filhos.

Terceiro: se você perdeu muita coisa ou tudo, lembre-se que as coisas positivas pesaram mais.

Quarto: a única coisa que ninguém pode lhe tirar são os pensamentos, os instrumentos mentais, a maneira de interpretar as desgraças, as perdas e os retrocessos.

Boécio foi um dos últimos estoicos antes do cristianismo embriagar o espírito europeu, delegando a responsabilidade pela própria vida a uma ficção (Deus).

Conclusão: lembre-se de que você só vai encontrar a felicidade na sua fortaleza mental.

 

32 — A inveja

Espelho, espelho meu

A Bíblia ilustra a força destruidora da inveja com uma dúzia de histórias, a começar pela parábola de Caim e Abel. Bertrand Russell diz que a inveja é uma das principais causas de infelicidade.

A inveja não é apenas uma emoção humana, é na verdade um instinto animal. Experiência com macacos mostram a inveja que há no recebimento de prêmios diferentes.

Não se compare a ninguém e você curtirá a vida livre de inveja. A transparência, muitas vezes, aniquila a felicidade. Quando salários entre colegas se tornam transparentes.

O Facebook frustra e cansa tantos usuários. O motivo número 1, que é fácil de imaginar, é a inveja. Quantidade de likes, seguidores, amigos etc.. Nunca as pessoas compararam tanto com outras. A internet transformou a inveja numa epidemia moderna.

Conclusão: sempre haverá alguém na sua área de atuação que estará melhor do que você. Aceite.


33 — A prevenção

Evite problemas antes de precisar resolvê-los

Sabedoria não significa conhecimento acumulado. Sabedoria é uma competência prática. É uma medida para com o talento com o qual navegamos pela vida. “Sabedoria é prevenção”. Einstein formulou o seguinte pensamento: “Uma pessoa esperta resolve um problema. Uma pessoa sábia o evita”.

A que tipo de filme você prefere assistir: o navio que bate num iceberg ou aquele em que o timoneiro passa bem longe? Charlie Munger: “Se um turbilhão aparecer à minha frente, passo a uma distância não de seis metros, e sim de duzentos metros”. Embora B seja claramente o capitão melhor, A é festejado. Motivo: o sucesso obtido na base da prevenção (ou seja: evitando infortúnios) é invisível para o mundo exterior.

Êxitos preventivos não aparecem na mídia. Por isso, incensam executivos que deram a volta por cima. Superestimamos assim generais, políticos, cirurgiões ou terapeutas bem-sucedidos. Por outro lado, subestimamos o papel de pessoas que ajudam a sociedade ou o indivíduo a evitar catástrofes.

A imaginação é um trabalho cansativo.

Conclusão: é mais fácil evitar dificuldades do quer solucioná-las. Sabedoria é prevenção. Como ela é invisível, infelizmente você não pode se gabar com isso. Mas você já sabe que se gabar não é muito benéfico para uma boa vida.


34 — Trabalho de emergência mental

Por que você não é responsável pela miséria do mundo

A injustiça do mundo nos afeta. Precisamos de uma estratégia pessoal — isto é, de ferramentas mentais — para lidar com os desastres do mundo sem perder o equilíbrio interno.  Algumas recomendações.

Primeira: você não vai poder fazer muito, a não ser que seja um imperador.

Segunda: se quiser ajudar a diminuir o sofrimento, doe. Muita gente cai na falácia do voluntário. Na verdade, o trabalho voluntário destrói valores. Seu tempo deve ser investido, primordialmente, no seu círculo de competência.

Terceira: restrinja severamente o seu consumo de notícias, sobretudo quando se trata de catástrofes humanitárias. É melhor ler um livro, mesmo com atraso, para entender de verdade um conflito, uma guerra, uma catástrofe. Afinal, você não vai mudar o drama, a não ser com doações.

Quarta: você pode partir do pressuposto de que o universo está cheio de vida e que em inúmeros outros planetas também grassam sofrimento, catástrofes e dor.

Quinta: você não é responsável pelo estado do mundo.

Conclusão: adote uma estratégia para processar o sofrimento do mundo.

 

 

35 — A armadilha da atenção

Como lidar com o seu recurso mais precioso

Tanto Warren Buffett quanto Bill Gates apontam que eles puderam chegar aonde chegaram porque mantiveram o “foco”, que pode ser traduzido como “atenção”.

Tudo, hoje em dia, disputa a nossa atenção. Um post no Instagram, não importa quão lindo, é um saque. Uma informação urgente é um saque. Na maioria dos casos, um e-mail é um saque. No instante em que nos dedicamos a qualquer um desses estímulos, nós pagamos — seja com atenção, tempo ou dinheiro.

Algumas recomendações.

Primeira: não confunda novidade com relevância.

Segunda: evite conteúdos ou tecnologias que são de graça.

Terceira: mantenha uma grande distância de tudo o que é multimídia. Fotografias, imagens em movimento e realidade virtual aceleram as suas emoções para além da velocidade considerada segura. De preferência, consuma informações por escrito, em documentos com menos hiperlinks possíveis, ou seja, por meio de livros.

Quarta: tenha consciência de que atenção é algo indivisível.

Quinta: aja a partir de uma posição de firmeza, não de fraqueza.

Epiteto já dizia há quase dois mil anos: “Se alguém entregasse o teu corpo a quem chegasse, tu te irritarias. E por que entregas teu pensamento a quem quer que apareça, para que, se ele te insultar, teu pensamento se inquiete e se confunda? Não te envergonhas por isso?”

“A maneira como você investe a sua atenção determina a sua felicidade.” (Paul Dolan, psicólogo)

Conclusão: você vive sempre onde está a sua atenção, de modo que é irrelevante onde estão localizados os átomos do seu corpo.

 

36 — Ler menos, mas em dobro

Não sabemos ler direito

Começa sugerindo que tenhamos um cartão, como o do trem, como vários lugares para picotar.

Qual a razão da baixa taxa de retenção da nossa leitura? Lemos de forma errada. Lemos muito pouco seletivamente e não nos aprofundamos.

Leitura deve ser lenta e concentrada. Mergulhar é a palavra-chave — o contrário de surfar.

Se um livro não deixa traço algum no seu cérebro — seja porque é ruim, seja porque não foi bem lido — isso, a meu ver, é pura perda de tempo.

Romances policiais e thrillers estão excluídos do sistema de cartão.


37 — A armadilha do dogma

Por que os ideólogos simplificam as coisas

Achamos que entendemos algo razoavelmente bem, até sermos obrigados a explicar o funcionamento. Exemplo: zíper, bateria, descarga. A isso denominamos ilusão do conhecimento.

Em vez de ler livros sobre o assunto ou consultar especialistas, adotamos a opinião do nosso grupo de referência. As ideologias são opiniões coletivas elevadas à décima potência: elas fornecem pontos de vista no atacado.

As ideologias atuam sobre o cérebro como energia em alta voltagem que provoca um monte de curtos-circuitos e queima todos os fusíveis.

Evite ideologias e dogmas a qualquer preço, especialmente quando você simpatiza com um deles. As três bandeirinhas vermelhas de alerta: ideologias explicam tudo, são irrefutáveis e nebulosas.

A marxismo é um exemplo de uma ideologia que explica tudo e é irrefutável. Se a concentração da fortuna de uma sociedade aumenta, qualquer seguidor vê nisso a confirmação do mal fundamental do capitalismo, conforme descrito por Karl Marx. Mas se a desigualdade cai, qualquer seguidor vai explicar o fenômeno com o desenvolvimento da história rumo à sociedade sem classes, conforme previsto por Marx.

Para se manterem inatacáveis, as ideologias muitas vezes usam uma roupagem nebulosa. É a terceira bandeirinha vermelha. Um exemplo: não fale de “povo” quando o seu partido só se refere a determinado seguimento da sociedade.

Conclusão: pense de forma independente. Não seja um fiel seguidor partidário. Acima de tudo, mantenha distância de dogmas. 

 

38 — Subtração mental

Como se conscientizar da sua sorte

Pensando em se suicidar, George Bailey salva uma pessoa que caiu no rio. Despertado do feitiço, George Bailey está livre da sua depressão naquela noite de Natal.

No filme A felicidade não se compra, de 1946, há uma estratégia mental que o anjo aplica naquele filme.  A psicologia a chama de subtração mental.

Um exercício: com os olhos fechados, imaginemos perder um braço, depois o outro e, por fim, a vista. Qual será a nossa reação em cada uma das etapas? Estaríamos mais feliz antes ou depois do exercício?

Suponha que alguém participa de Jogos Olímpicos. Quem se sentiria mais feliz? O que ganha a medalha de prata ou a que ganha a medalha de bronze? A de bronze. Por quê? Porque o parâmetro para a prata é o ouro, ao passo que o parâmetro para o bronze é “nenhuma medalha”.

“[...] Imagine tocar um piano e não conseguir ouvir o som. Muitas atividades na vida são como tocar um piano que não se ouve...” (Paul Dolan, psicólogo). Com a subtração mental você volta enfim a vivenciar o som pleno.


39 — O ponto de reflexão máxima

“Matutar” está para agir como uma lanterninha para um farol

Segredo dos escritores: as melhores ideias chegam enquanto escrevemos, não quando refletimos sobre o tema a ser escrito. Um empresário somente saberá se um produto é aceito, depois de colocá-lo no mercado. Não por pesquisa de mercado prévia.

Por que é assim? A realidade nunca é totalmente translúcida. É preciso fazer e não “matutar”. Nisso tudo, há um “ponto de reflexão máxima”.

Tenhamos em mente que é mais fácil falar do que fazer, mais agradável pensar do que tomar iniciativa.

Pablo Picasso dizia: “Para saber o que queremos desenhar é preciso começar a desenhar”.  

Portanto, a próxima vez que se encontrar diante de uma decisão importante, pense intensamente, mas só até o ponto de reflexão máxima.


40 — Os sapatos dos outros

Inverter os papéis

Havia divergência entre o serviço de atendimento a clientes e os programadores. O que foi feito? O diretor de um departamento foi ser diretor no outro departamento e vice-versa.

“Precisamos pensar com a cabeça do cliente”. O correto seria “precisamos ser o cliente”.

Quando aceitarmos que pensar e fazer são esferas separadas, é possível otimizar essa descoberta.

Conclusão: a dica é calçar os sapatos dos outros e caminhar com eles de fato.


41 — A ilusão de mudar o mundo — parte 1

Não caia na teoria dos “grandes homens”

As frases seguintes são consideradas emblemáticas

“Nós podemos mudar o mundo e torná-lo um lugar melhor. Está em nossas mãos fazer a diferença”. (Nelson Mandela)

“As pessoas que são loucas o suficiente para acreditar que podem mudar o mundo são as que, de fato, podem fazê-lo”. (Steve Jobs)

Podemos mesmo mudar o mundo? Não é mais suficiente mudar a nossa própria vida, queremos mudar o mundo. Que o indivíduo possa mudar o mundo é uma das grandes ideologias do nosso tempo e, ao mesmo tempo, uma enorme ilusão. Há dois erros

1) Ilusão de foco. Para Daniel Kahneman, “Nada na vida é tão importante quanto você imagina enquanto pensa sobre aquilo”.

2) Postura intencional (intentional stance), expressão criada pelo filósofo americano Daniel Dennert para expressar o fato de que nós sempre supomos que, por trás de cada mudança, há uma intenção — e não importa se essa intenção existe ou não.

Supor uma intenção leva-nos a interpretar a história do mundo como a história dos “grandes homens” (lamento dizer que, na maioria, foram mesmo homens). Em seu livro The Evolution of Everything [A evolução de todas as coisas], o brilhante autor e político britânico Matt Ridley acabou com a teoria dos “grandes homens”: “Tendemos a cobrir com muitos elogios aquela pessoa inteligente que estava no momento certo no lugar certo”. Já na época do Iluminismo, se sabia disso. Montesquieu escreveu: “Martinho Lutero é considerado responsável pela Reforma... Mas ela tinha que acontecer. Se não fosse Lutero, seria outro”.

Lembremo-nos de que os acontecimentos da atualidade são um produto aleatório de um sem-número de correntes e influências. 


42 — A ilusão de mudar o mundo — parte 2

Por que você não deve colocar ninguém em um pedestal — muito menos você mesmo

A teoria dos “grandes homens” é uma falácia. Poder-se-ia argumentar que Deng Xiao Ping introduziu a economia de mercado na China em 1978. Sem isso, a China não seria uma potência mundial. Não seria mesmo?

A análise do autor britânico Matt Ridley mostra um quadro diferente. A introdução da economia de mercado não foi intenção de Deng Xiao Ping. Foi um desenvolvimento que veio da base. Na remota aldeia de Xiaogang, dezoito camponeses desesperados decidiram dividir entre si a terra pertencente ao Estado. Cada um deveria estar apto a ser autossuficiente. Somente com esse ato criminoso, acreditavam ser capazes de retirar da terra o suficiente para alimentar suas famílias. Deu certo. Por fim, o documento caiu nas mãos de Deng Xiao Ping, que decidiu permitir que o experimento continuasse.

Um fato interessante: Elisha Gray e Alexander Graham Bell entraram com pedidos de patente pela invenção do telefone no mesmo dia

Para Ridley, “A tecnologia encontra seus inventores, não o contrário”. Essa é a maldição da ciência: o pesquisador individual é basicamente irrelevante. Tudo o que há para descobrir será descoberto por alguém algum dia.

Quanto aos grandes CEOs. Apenas alguns anos depois de deixarem os seus postos, ninguém mais se lembra de seus nomes. Para Warren Buffett, “Um bom resultado comercial depende muito mais do barco em que você está sentado do que da eficiência com o qual rema”.

No contexto mais amplo do mundo, você é insignificante, desnecessário e substituível. Ter um controle da própria vida já é suficiente.


43 — A crença no “mundo justo”

Por que a nossa vida não é um romance policial clássico

Nosso desejo por justiça é tão grande que é difícil suportar a ideia da injustiça. O mundo, porém, não é justo, é bastante injusto aliás.

A Bíblia diz que você tem de suportar a injustiça, ela não dura para sempre. Por trás de tudo há um plano justo que vocês, seres humanos, limitados que são, simplesmente não entendem. No fundo, sabemos que nada pode nos proteger do acaso.

Um de seus professores distribuía notas ao acaso. Os alunos reclamavam. Contudo, o professor permaneceu calmo: “A vida é injusta. Quanto mais cedo aprenderem isso, melhor”.

Conclusão: não existe um plano mundial justo. Faz parte da boa vida aceitar isso de vez.


44 — O “culto à carga”

Não construa aviões de palha

Durante a guerra os soldados compartilhavam as conservas com os nativos. Depois da guerra, os nativos construíam aviões de palha (que não voavam). Denomina-se “culto à carga”.

“Culto à carga” é o apego ao aspecto formal, sem de fato entender o conteúdo. É o caso da pessoa que queria ser escritor e imitava em tudo o seu escritor favorito. Nenhuma das formalidades teve influência sobre o seu sucesso ou fracasso.

Conclusão: não corra atrás de qualquer Lully (músico que convenceu o rei a dar-lhe o monopólio de todas as óperas, não só em Paris, como em toda a França). Mantenha-se longe de manifestações de “culto à carga” e tenha cuidado: formalismos sem substância são mais frequentes do que pensamos.  


45 — Ganha quem direciona a própria corrida

Por que a cultura geral só serve como hobby

Conhecemos mais e mais sobre cada vez menos.

No início da humanidade, na Idade das Pedras, o conhecimento era generalista. Depois que a vida se tornou sedentária, surgiu o especialista: o pecuarista, o fazendeiro, o oleiro, o geômetra, o rei, o soldado, a carregadora de água, a cozinheira e o escriba.

Alguns poucos, bem-sucedidos, dominam quase todo o mercado, ao passo que o grande número de remanescentes leva uma existência marginal e miserável.

Sejamos os melhores em nosso nicho de ação.


46 — A corrida armamentista

Por que você deve evitar os campos de batalha

Muitos jovens acreditam que uma carreira brilhante pressupõe um curso superior.

Depois do best-seller infanto-juvenil Alice no País das Maravilhas, o autor Lewis Carrol escreveu, em 1871, a continuação da história: Alice através do espelho. Neste livro, a Rainha Vermelha (uma peça de xadrez) diz à pequena Alice: “Neste país, você tem correr o mais rápido possível que puder, se quiser ficar no mesmo lugar”.

Compulsão das Forças Armadas: se armar porque os outros também o fazem.

“Se quase todo mundo tem um diploma universitário, então você não sobressai com um simples diploma universitário. Para conseguir o emprego dos sonhos, precisa frequentar uma universidade de elite (e cara). Os estudos se tornam uma corrida armamentista, que beneficia principalmente o fornecedor de armas — nesse caso, as universidades”, escreveu John Cassidy na revista New Yorker.

Encontre um campo de atividade em que não haja uma corrida armamentista. Por mais de uma década, o autor tinha uma empresa de resumo de livros.

Quanto mais os outros tuitarem, mais você terá que tuitar para permanecer relevante no Twitter. Quanto mais os outros se esforçarem para cuidar de suas páginas no FaceBook, mais você terá de fazer o mesmo para que não afunde na irrelevância da mídia social...

Os acadêmicos são pagos e promovidos pelo número de publicações e pela frequência com que são citados. Quem tira proveito são os periódicos.

Conclusão: Tente escapar da dinâmica da corrida armamentista. É difícil reconhecê-la, porque cada passo do processo, considerado em si, parece sensato.


47 — Tenha um amigo excêntrico

Conheça os outsiders, mas não seja um deles.

Os membros do Conselho Supervisor dão a conhecer: com todas as condenações escritas na lei, banimos, expulsamos, maldizemos e amaldiçoamos Baruch Espinosa. Que seja amaldiçoado de dia e à noite, quando se deita, quando se levanta, quando chega e quando sai. Que o Senhor não o perdoe. Advertimos que ninguém se comunique com ele oralmente ou por escrito, nem lhe faça qualquer favor, nem esteja com ele sob o mesmo teto, nem fique a uma distância de menos de quatro côvados dele, nem leia qualquer texto escrito por ele.

Com esse anátema publicado em 1656 — cerca de quatro vezes mais longo e cinco vezes mais mordaz em sua versão integral — o sensível Espinosa foi expulso, aos 23 anos, da comunidade judaica de Amsterdã.

Isso porque ele havia se tornado incômodo para o establishment.

Há muitos outsiders retratados na história. Margareth Thatcher, por exemplo, a poderosa primeira-ministra britânica, era dona de casa e, do nada, alçou-se à política.  

Os outsiders tendem a ser mais rápidos e, portanto, chegam antes dos insiders. As pessoas que permanecem à margem da sociedade desfrutam de uma vantagem tática. Elas nó precisam respeitar os protocolos do establishment.

Quase todos os outsiders são destruídos pelo mundo, que os combate com vigor. O que fazer? Mantenha uma perna bem ancorada no establishment. 


48 — O problema das secretárias

Por que as amostras são tão pequenas

O problema conhecido entre os matemáticos com o rótulo politicamente incorreto de “problema das secretárias”. Dentre 100 candidatas, deve-se descartar as 37 primeiras. Observar, no entanto, a qualidade da melhor dessas 37. Em seguida, continuar as entrevistas e recrutar a primeira que superar a melhor das 37 anteriores. As estatísticas comprovam que qualquer outra abordagem dá resultados ruins.

Por que o número 37? Porque 37 é 100 dividido pela constante matemática e (2,718). Suponha que você tenha apenas 50 candidatas, você rejeita as primeiras 18 (50/e) e, em seguida, contrata a primeira que ultrapassar a melhor das 18 primeiras.  

Antes o problema era conhecido como o “problemas dos noivos”. A questão era: quantas mulheres (ou homens) devo “experimentar” antes de me casar?

Por que tendemos a decidir cedo demais? Qual a origem dessa impaciência? As amostras são dispendiosas; as amostras são pegajosas; gostamos de ter a cabeça organizada.

O mundo é muito maior, mais rico e diversificado do que pensamos. Tente experimentar o maior número possível de amostras enquanto é jovem.


49 — Gerenciamento de expectativas

Quanto menores suas expectativas, maior sua felicidade

Pesquisas confirmam que as esperanças influenciam o sentimento de felicidade de modo significativo. Expectativas não realistas estão entre os mais eficazes meios de acabar com a felicidade.

Para melhor gerenciar as expectativas, faça uma contínua distinção entre “preciso ter” (necessidade), “gostaria de ter” (desejo) e “espero ter” (expectativa).

Os filósofos gregos descreviam as coisas que desejamos como indiferentes preferidos (“indiferentes” no sentido de “irrelevantes”). Ter preferência por esta ou aquela marca de carro é irrelevante para a felicidade.

Suas expectativas têm uma força externa muito limitada, mas uma tremenda força interna.

Lembremo-nos de que a capacidade de construir expectativas de modo consciente faz parte da boa vida.


50 — A Lei de Sturgeon

Como ajustar o seu detector de mediocridade

Ted Sturgeon foi um dos escritores americanos de ficção científica mais produtivos dos anos 1950 e 1960. Diversas vezes teve que aturar comentários críticos literários dizendo, por exemplo, que 90% das histórias de ficção científica eram medíocres. Resposta de Sturgeon: “Sim, é verdade, mas 90% de tudo o que é publicado é lixo, qualquer que seja o gênero”. Esta resposta entrou para a história rotulada como Lei de Sturgeon.

Segundo o filósofo americano Daniel Dennert, a lei de Sturgeon não é apenas para livros e filmes: “noventa por cento de tudo é lixo. Não importa se é física, química, psicologia evolutiva, sociologia... rock ou música country”.

90% de todos os produtos são cacarecos; 90% de toda a publicidade é uma droga; 90% de todos os e-mails são puro blá-blá-blá. O mundo é um cortiço de tagarelice, mas você não precisa dar ouvidos a isso.

Conclusão: não se agarre a qualquer porcaria que lhe é oferecida. Não ceda aos impulsos só porque sente vontade.


51 — Elogio da humildade

Quanto menos importante você se considera, melhor é sua vida

Imagine dois tipos de pessoas: A e B. Os indivíduos do tipo A têm um sentimento de autoestima ilimitado. Nos do tipo B, este sentimento é limitado. Quem reagirá melhor a um assalto, um roubo de comida? O B.

Razões para não se sentir importante.

1.ª) Considerar-se importante demais exige energia. Lembre-se: não tem importância alguma se você está vindo de uma audiência privada com o papa.

2.ª) Quanto mais importante você se considera, mais rápido você cai no viés do self-serving (agir para a sua própria vantagem). Você faz as coisas não para atingir seus objetivos, mas para elevar a si mesmo.

3.ª) Aqueles que se consideram importantes fazem inimigos. Ao enfatizar a própria superioridade, acabam depreciando a importância dos demais, uma vez que reconhecer o valor do outro acabaria diminuindo a própria posição.

Lembre-se: cada um de nós é apenas um entre bilhões de pessoas.

 

52 — Sucesso interior

Por que o seu input é mais importante do que seu output

“Enquanto a economia crescer, haverá esperança, e a esperança torna suportáveis as grandes diferenças de renda”. Henry Wallich (governador do Federal Reserve, banco central americano)

O sucesso material é uma questão de acaso.

O verdadeiro sucesso é o sucesso interior. Os filósofo gregos e romanos chamavam esse tipo de sucesso de ataraxia.

Bem-sucedido é aquele que não se deixa perturbar — nem por voos de altitude nem por pouso forçado.

Em síntese: as pessoas querem ganham exteriormente para ganhar interiormente.

 

 Posfácio

A boa vida não é uma tarefa fácil. Mesmo pessoas inteligentes raramente conseguem mantê-la. Por quê?

Ainda pensamos como na Idade da Pedra. A evolução não teve chance de adequar o nosso cérebro ao acelerado desenvolvimento da civilização.

Por isso, é imperativo recorrer a uma caixa de ferramentas de posturas mentais.

À pergunta sobre a definição de boa vida, sua abordagem corresponde à teologia negativa da Idade Média. À pergunta “quem ou o que é Deus” os teólogos respondem não se pode dizer exatamente o que é Deus, só se pode dizer o que não é Deus. O mesmo vale para a boa vida.

Eis o que diz o prêmio Nobel Richard Feynman: “Se você conhecer o nome de um pássaro em todas as línguas do mundo, não saberá absolutamente nada sobre aquele pássaro... Mas vamos olhar para ele atentamente e observar como ele se comporta. É o que conta de verdade. Muito jovem, aprendi a diferença ere ‘saber o nome de alguma coisa’ e ‘saber alguma coisa’”.

De onde vem as 52 ferramentas mentais neste livro? De três grandes fontes. A primeira é a investigação da psicologia nos últimos quarenta anos. Isso inclui a psicologia mental, a psicologia social, a pesquisa da felicidade, a heurística e os vieses, a economia comportamental e algumas abordagens da psicologia clínica.

A segunda fonte vem do estoicismo. Os estoicos davam grande importância a exercícios práticos

A terceira fonte é a longa tradição da literatura de investimento financeiro, principalmente de Charlie Munger e Warren Buffett.

Observação: Para quase toda ferramenta mental existem vários estudos científicos no setor da psicologia cognitiva e da psicologia social.