Conhecido como navio-bomba, a embarcação Speak Meridian chegou a Santos em maio e impressiona pelo tamanho e aspecto um tanto industrial. Chamam atenção os três tanques gigantes que comportam 265.000 m³ de Gás Natural Liquefeito (GNL), cujo potencial explosivo, com base na publicação Brittle Power, equivale a 116 bombas de Hiroshima.
Na Califórnia, Estados Unidos, as embarcações-bombas foram proibidas de ficar próximas da costa, após os atentados terroristas de 11 de setembro, pois foram classificados como possíveis alvos.
Como se não bastasse, também está previsto o armazenamento de milhares de toneladas de nitrato de amônia no Porto, próximo da população. Para efeitos de comparação, a explosão no porto de Beirute, no Líbano, foram 2.750 toneladas.
Pois bem, esse monstro será atracado no porto de Santos, logo atrás da Ilha Barnabé, a cerca de 300 metros da costa.
O GNL é um gás inodoro e altamente inflamável. Em caso de vazamento, a população não seria capaz de detectar o perigo, aumentando o risco de asfixia e explosões. Em 1944, um vazamento de GNL em Cleveland, Estados Unidos, resultou na explosão de diversas casas, causando danos significativos.
A tragédia só não foi maior porque ocorreu em um horário em que a maioria das pessoas estava fora de casa.
A serviço da empresa Comgás o navio-bomba que gera tanta preocupação, recebe gás em temperatura extremamente baixa (-165ºC) desse outro navio-tanque.
Ambos trabalham de modo acoplado no processo de regaseificação e distribuição para os gasodutos.
O principal problema é a localização do terminal, no estuário de Santos, próximo ao canal de navegação, onde há movimentação intensa de navios de grande porte. Nessas circunstâncias, existe alto risco de colisão com outros navios, aumentando o risco de explosões. Para piorar, o local está muito próximo de bairros densamente povoados de Cubatão, Santos e Guarujá.
Já foram realizadas audiências públicas para discutir a atuação do navio-bomba no Porto de Santos, mas nenhum dos quatro deputados federais e cinco estaduais que representam a Baixada Santista no estado e no País se manifestou sobre uma questão considerada extremamente sensível. Além disso, em abril deste ano, mais uma audiência pública em Santos foi realizada e nenhum deles compareceu .
Também não enviaram assessores. Apenas o deputado estadual Mário Maurici (PT), presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Meio Ambiente da Baixada Santista, na Assembleia Legislativa de São Paulo marcou presença. E ele nem é da região.
Jeffer Castelo Branco, de 63 anos, é um exemplo vivo de luta e determinação. Atualmente, ele é pesquisador no Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Saúde Socioambiental da Universidade Federal de São Paulo (Nepssa/Unifesp), posição que conquistou após uma jornada repleta de desafios. Sua trajetória no ambientalismo é marcada por um ativismo incessante em busca de conhecimento e pela luta dos direitos dos trabalhadores expostos a substâncias tóxicas e, agora, contra o navio-bomba.
Segundo Jeffer, o projeto envolve um terminal que recebe gás liquefeito de várias partes do mundo, que são descarregados no porto e distribuído para indústrias de Cubatão. O problema é a forma como o processo vem sendo conduzido.
O ativista comenta as restrições impostas aos navios, também chamados de metaneiros, devido ao risco de explosão, principalmente depois do 11 de setembro. Um físico americano, de acordo com Jeffer, teria calculado que um navio desses possui potencial destrutivo de 0,7 megatons, equivalente a 55 bombas de Hiroshima.
Mesmo na Inglaterra, discussões similares ocorreram, envolvendo grandes seguradoras que confirmaram os riscos potenciais desses navios. "A preocupação é tão grande que na Flórida, durante o governo de Arnold Schwarzenegger, foi decidido que essas embarcações só poderiam operar a uma distância segura da costa, para evitar catástrofes em caso de ataques", encerrou.
O superintendente de Comunicação da Autoridade Portuária de Santos (APS), Clóvis Rodolpho Carvalho de Vasconcellos, deu sua visão sobre a relação da sociedade com o meio ambiente e a dependência de recursos naturais. Suas palavras, carregadas de experiência e realismo, saem como se ele já estivesse com toda a opinião ensaiada, revelando o quanto o profissional estuda o tema.
O jornalista começa com uma afirmação na tentativa de ilustrar sobre como toda atividade humana representa degradação ambiental: "Nós somos assassinos". Ele prossegue, destacando a contradição entre os ideais ambientalistas e as realidades práticas, apontando a hipocrisia inerente a muitos movimentos ambientalistas, que muitas vezes ignoram as correlações da vida moderna.
Ao receber uma pergunta enfática citando o potencial explosivo, Clóvis citou as duas bombas que caíram no Japão ao final da 2ª Guerra Mundial, por ordem do presidente dos Estados Unidos, Harry Truman. “Tudo é louco, o Truman hesitou quando assinou a ordem para soltar as bombas em Hiroshima e Nagasaki. Ele esperou até o último momento, mas deu a ordem e a guerra acabou”, tangenciou.
Ele não nega que o navio gaseificador é um risco, mas minimiza que seja tão grande, considerando que há uma legislação de segurança para todas as atividades humanas que envolvem produtos inflamáveis.
Clóvis encerra reconhecendo a complexidade da situação e a dificuldade de encontrar soluções simples. Ele reconhece que, embora seja crucial lutar por melhorias, é igualmente importante aceitar as limitações e complexidades inerentes à nossa existência.
Gabriela Martinez
Editora
João Pedro Guedes
Entrevistador, editor, fotógrafo
Raphaella Santucci
Editora