Autonomia e Espaço Vital

07/01 - Autonomia profissional e espaço vital

A minha opinião sobre a nossa oposição

A regulamentação das Terapêuticas Não Convencionais (TNC) em Portugal parece sofrer de uma grave ambiguidade: ela tão depressa é desejada pelos seus profissionais, como a seguir chumbada. Primeiro foi a guerrilha entre acupuntores (ou melhor dizendo escaramuças que servissem alguns interesses) e agora é a oposição sistemática à regulamentação quando esta é feita por entidades governamentais (ou pelo menos a parte dessa regulamentação).

Acima de tudo impera o medo e os interesses instalados. O medo nasce da ambiguidade e da falta de transparência. Esse problema é crónico em Portugal. O medo de muitos acupunturistas vinha de não conhecerem o representante da acupuntura, o medo de todos os terapeutas de TNC vem da ambiguidade de algumas coisas relativamente a este novo projeto lei e das suas famosas portarias.

Mas não só surge o medo do desconhecido como também o medo da mudança. A regulamentação vai mudar muitas coisas e automaticamente vai conhecer sempre a oposição de muitos setores das TNC. Muitos consultórios não podem ficar abertos após a regulamentação, muitos acupunturistas vão deixar de ganhar dinheiro com a venda de fitoterápicos (provavelmente isto vai afetar ainda mais os naturopatas e fitoterapeutas), ou seja, muitas mudanças vão ocorrer.

A regulamentação implica mudança e a partir do momento que todos querem ser regulamentados mas ninguém quer mudar, qualquer proposta de regulamentação vai sempre ter grande oposição por parte dos seus principais interessados.

Publiquei no blogue um comentário longo escrito por vários profissionais das TNC, onde se encontram expressos as principais preocupações e se fundamenta a oposição a esta nova proposta de lei. Esse comentário surgiu de reflexões e discussões prolongadas entre profissionais de diferentes setores (acupuntura, fitoterapia, osteopatia, etc…). O comentário representa uma opinião em constante discussão e não consensual a 100% mas capaz de englobar as principais preocupações dos diferentes setores de atividade. Eu concordo com alguns pontos e não concordo com outros.

Apesar de apoiar estes protestos e de assinar o abaixo-assinado, eles não expressam a minha opinião mais sincera. Este artigo serve para eu falar dos meus receios e daquilo que acho que deveríamos lutar. Como acupunturista a minha opinião será dada essencialmente com base na minha experiência no mundo da acupuntura.

Em primeiro lugar acho que deveríamos escolher bem as nossas lutas. Lutar por aquilo que é nosso de direito. Evitar lutas desnecessárias e que dificilmente poderão ser ganhas. Direcionar a nossa energia para o que é importante. Por outro lado saber reconhecer que alguns pontos de oposição a esta regulamentação, não têm nada a ver com uma regulamentação justa mas sim com poderes instalados que nunca se prepararam ou não se querem preparar para um mundo novo onde as TNC se encontram regulamentadas.

Uma vez que são vários e extensos os assuntos eu irei falar sem grande profundidade de cada um. No entanto, espero ser suficientemente claro quanto à minha posição e à fundamentação da mesma. Em baixo refiro as diversas lutas e a forma como as classifico.

Lutas que valem a pena lutar: autonomia profissional e espaço vital

1 – risco de perda de autonomia.

2 – risco de outras licenciaturas poderem ter acesso à profissão de TNC, às cédulas e aos títulos profissionais, sem formação suficiente, devido a má redação do Artigo 4º da presente proposta de lei.

Basicamente é um problema sociológico. No comentário é dado ênfase à proteção do paciente mas isso basicamente é o argumento usado sempre que alguma profissão de saúde fala sobre os seus interesses particulares. O ato médico é para defesa do doente – na realidade é uma forma dos médicos ganharem mais controlo sobre outras profissões de saúde -, a acupuntura só pode ser feita por médicos para defesa do paciente – mas o objetivo verdadeiro é o mesmo que o anterior.

E nestes comentários observa-se o mesmo: o interesse em formar uma classe profissional com determinados privilégios. A verdade é esta: sem autonomia profissional os acupunturistas serão transformados nos empregados dos médicos e sem garantir exclusividade de ação os acupunturistas não têm futuro.

No imaginário coletivo dos acupunturistas é um pouco como ser sorteado para morrer ou para ser escravo. Eu pessoalmente não quero andar a servir de empregado pessoal aos médicos nem a tratá-los como sumidades (especialmente em Portugal onde o servilismo relativamente a esta classe reinante ainda é estupidamente primitivo) numa área que eu domino e muito menos ter acesso a uma área que está condenada à extinção porque a lei não garante a formação do seu próprio espaço vital.

Não significa isto que não exista uma preocupação sincera pelo bem estar do paciente por parte dos profissionais que escreveram o comentário ou por parte dos profissionais que com ele concordam, mas estes pontos tem mesmo a ver com um problema sociológico de formação e garante de sobrevivência de uma classe profissional. Eu pessoalmente acho que são os dois pontos mais importantes e aqueles aos quais se deve dar toda a atenção.

Evolução da minha opinião pessoal sobre espaço vital (2017)

Em 4 anos a minha opinião mudou ligeiramente. Continuo a achar que a autonomia profissional é essencial. Mas ao longo destes 4 anos ficou evidente que: (1) não existe capacidade organizativa por parte dos acupuntores para avançarem o processo de regulamentação e alterarem a lei de forma a definirem parâmetros de defesa da classe com base na agulha e não no estatuto; (2) incapacidade dos acupuntores de adotarem uma postura científica e métodos de trabalho mais racionais e necessários para uma prática regulamentada (3) cada vez mais profissionais de saúde querem fazer acupuntura e estão a inclui-la no seu arsenal terapêutico numa dinâmica social dificilmente controlável.

Baseado no que tenho visto penso que seria mais importante para os acupuntores uma redefinição do seu espaço vital e concorrer diretamente com outras profissões como osteopatia e fisioterapia pela troca de técnicas e desenvolvimento de raciocínio clínico. Sobre este tema deixo 2 artigos mais desenvolvidos que poderão ajudar o leitor a compreender melhor o meu ponto de vista.