INVENTÁRIO DE AVIFAUNA E MASTOFAUNA

Este subprojeto tem o objetivo de identificar as espécies de aves e mamíferos presentes nos fragmentos florestais do CEP. A relevância desse levantamento reside em dois fatos: a conhecida existência de espécies endêmicas nesse bioma e a escassez de informações sobre elas.

Aves:

Para elaboração dos inventários as aves serão amostradas através das listas "n espécies", mais conhecidas no Brasil por "listas de MacKinnon" (MacKinnon e Phillips 1993). Trata-se de uma metodologia na qual o esforço amostral baseia-se em número de observações, na qual o observador segue por uma transecção e anota as espécies vistas e/ou ouvidas em sequência até o número de 10 espécies, que não deve conter espécies repetidas. Depois de terminada essa lista, inicia-se uma nova, na qual podem entrar espécies que foram registradas anteriormente, contanto que não sejam os mesmos indivíduos registrados.

Para a caracterização qualitativa e quantitativa da comunidade de aves, a combinação das listas "n espécies" com a estimação estatística da riqueza é mais padronizável que qualquer outra metodologia (Herzog et al. 2002). Assim, os ornitólogos irão aplicar esta metodologia em cada um dos fragmentos durante 3 dias consecutivos, iniciando as observações pelas manhãs. O estimador não paramétrico Chao1 se utilizado com as listas durante todos os dias de campo. O número de espécies observado, quando atingir 90% daquele estimado por Chao1 (Herzog et al. 2002), indica que a maioria das espécies de uma área já foi registrada e, a partir daí, poucas espécies novas serão acrescentadas à listagem mesmo com o aumento expressivo do esforço amostral.

As aves serão registradas com o auxílio de binóculos e as vocalizações serão gravadas com gravadores digitais e microfones direcionais para depósito no arquivo de vocalizações de espécies neotropicais da Seção de Aves do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP) e na Fonoteca Jacques Vielliard (UNICAMP), sendo imediatamente disponibilizadas para a comunidade científica. 

Além disso, em cada fragmento as amostragens serão complementadas com o uso de redes de neblina, que permitirão também a coleta de material para análises genéticas e para a análises morfológicas mais detalhadas dos espécimes. As aves serão capturadas com redes de neblina de nylon com medidas de 12 X 2,5 m, malha 1-1/4’’, instalando 20 redes em cada fragmento durante uma semana, dispostas em série em corredores pré-definidos nos quais o mínimo possível de vegetação (galhos) será removido para a instalação, em duas estações do ano (seca e chuvosa). As redes serão monitoradas a cada 20 minutos e as aves capturadas ficarão retidas em sacos de pano de tecido poroso para serem medidas e anilhadas. Para extração de DNA, uma gota de sangue será retirada de cada ave, através de um pequeno corte na ponta de uma das unhas e retirada com uma micropipeta (Francisco et al. 2007). Após este procedimento, a unha de cada ave será limpa com etanol 70% e uma solução hemostática líquida será aplicada no local para estancar o sangramento.

Posteriormente, cada ave receberá uma anilha de alumínio do CEMAVE, com uma numeração única, além de uma combinação de uma a três anilhas coloridas que permitirão a identificação individual por observação direta. Após receberem anilhas para identificação permanente, os animais serão soltos sem sofrerem danos. 


Responsáveis: Luís Fábio Silveira e Mercival Francisco.

Mamíferos de médio e grande porte:

Em cada fragmento, oito câmeras automáticas serão instaladas por 30 dias, padronizando um esforço amostral de 240 armadilhas fotográficas/dia (Beca et. al 2017). As armadilhas serão espacialmente distribuídas de forma a tentar amostrar a maior área possível de cada fragmento e manter independência amostral entre os pontos. Cada câmera será instalada em um troco de árvore com diâmetro mínimo de 15 cm a altura do peito e a 45 cm do chão (Srbek-Araujo and Chiarello, 2005). Adicionalmente, com o objetivo de obter uma maior quantificação da riqueza de espécies, técnicas indiretas de amostragem também serão realizadas, a partir da identificação de vestígios, como fezes, pegadas, carcaças e pelos. 

A quantificação da riqueza de espécies será definida pelo número total de espécies encontradas em cada fragmento. Para saber se a amostragem realizada foi suficiente, curvas de acumulação serão geradas, baseadas no número de dias amostrados pelo número de espécies encontrados por paisagem (Gotelli and Cowell, 2001). Modelos lineares gerais (GLM) serão feitos para avaliar o efeito das métricas de paisagens (tamanho do fragmento, conectividade, quantidade de borda) na riqueza de espécies de cada fragmento e índices de dissimilaridade serão gerados a fim de comparar as comunidades de cada paisagem (Beca et. al 2017). 

Para avaliar o nível de ocorrência serão realizadas análises a partir de modelos de ocupação (Mackenzie et.al, 2002 e 2006), que avaliam a probabilidade de determinada espécie ocupar e ser detectada em determinado local. Os modelos serão gerados por um programa que testa aleatoriamente os padrões de ocorrência de todas as espécies encontradas nas armadilhas em cada um dos fragmentos através de uma matriz de presença-ausência.


Responsáveis: Ana Paula Carmignotto, Mauro Galetti e Pedro Galetti.

Pequenos mamíferos não-voadores: 

Em cada fragmento os pequenos mamíferos não voadores (roedores e marsupiais) serão amostrados pela metodologia de captura-marcação-recaptura (Petersen 1986) utilizando armadilhas de gaiola tipo Tomahawk e Sherman e armadilhas de queda do tipo balde (pitfall). As armadilhas do tipo Tomahawk utilizadas na amostragem possuem tamanho (22x22x45cm) e as armadilhas Sherman possuem dois tamanhos, (7x9x27cm) e (12x14x33cm), destinadas portanto a diferentes tamanhos de mamíferos. Os baldes utilizados nas armadilhas pitfall serão de 60 litros, evitando que o animal consiga saltar para fora do balde, uma vez capturado. Os baldes serão enterrados linearmente ao nível do solo e conectados por uma cerca guia com 1 m de altura e base enterrada no solo. Serão instaladas três linhas de baldes, com cada linha composta por seis baldes distantes 10 metros entre si. 

As armadilhas Tomahawk e Sherman serão dispostas na transecção, contendo no mínimo 80 estações de captura, distantes aproximadamente 10 metros uma da outra. Cada estação será composta por duas armadilhas, uma Tomahawk e uma Sherman, sendo uma instalada no nível do solo e outra em cipós ou ramos de árvores entre 0,5 e 1,5 metro acima do solo. As armadilhas serão iscadas com uma massa feita a partir da mistura de banana madura, paçoca, sardinha e fubá. As armadilhas permanecerão armadas por cinco dias e serão vistoriadas nas primeiras horas do dia todas as manhãs durante todo o período de captura. Com este desenho amostral teremos um esforço diário de 160 gaiolas e 18 pitfalls por noite, num total de 800 gaiolas e 90 pitfalls por fragmento em cada campanha, que permite amostrar mais de 80% da comunidade local (Thompson et al. 2007).

Para aumentar a eficiência da amostragem, a transecção será percorrida no período noturno em busca de espécies arborícolas e elusivas que não são capturadas pela metodologia de gaiolas e baldes. Com auxilio de lanterna será usado o facheio de luz em busca de indivíduos na copa das árvores e, quando possível, será feita a coleta destes indivíduos por um especialista.Todos os protocolos serão guiados e executados de acordo com a normativa do American Society of Mammalogists (Sikes 2016).

Todos os indivíduos capturados durante o trabalho serão identificados com auxílio de bibliografia especializada e junto às coleções do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP). Para cada indivíduo capturado será registrado a localidade (fragmento e coordenada geográfica da estação de coleta), tipo de armadilha e a altura da armadilha (solo ou sub-bosque). Os roedores e marsupiais capturados serão marcados com brincos de identificação (eartags), mensurados e posteriormente soltos no mesmo lugar da captura.


Responsáveis: Ana Paula Carmignotto, Mauro Galetti e Pedro Galetti.​

Morcegos:

Também será realizada em cada fragmento a amostragem de mamíferos voadores, utilizando para isso a captura através de redes de neblina: deverão ser instaladas, em cada campanha, cinco redes de neblina (12 x 2,5 m) em cada um dos fragmentos estudados e em locais definidos em campo como os mais apropriados para a captura de morcegos. As capturas com redes de neblina deverão ser realizadas por duas noites consecutivas em cada fragmento, sempre no período entre o final da lua minguante e o final da lua nova, e permanecerão abertas durante seis horas a partir do entardecer e verificadas em intervalos de, no máximo, 30 minutos. 

Para aumentar a eficiência da amostragem, serão feitas buscas ativas em todas as áreas onde existirem construções abandonadas ou mesmo em uso, e conhecidas por abrigarem morcegos (no forro, principalmente). Cavidades e ocos também deverão ser investigados. Caso sejam encontrados espécimes durante a busca ativa, ou ocasionalmente durante o deslocamento entre os fragmentos, esses serão coletados manualmente com auxílio de puçá ou luva de couro e serão acondicionados em sacos de pano com identificação dos dados de origem (local, data e método de coleta).​ 

A marcação dos morcegos para posterior liberação deverá ser realizada com colares plásticos com cilindros coloridos, segundo códigos pré-estabelecidos (Esbérard e Daemon 1999), ou com anilha numerada em um dos antebraços. 

Serão coletados, no máximo, cinco indivíduos por localidade e os exemplares terão o seu uso maximizado (Meserve 1981, Keymer e Dobson 1987, Dickman e Huang 1988, Simões et al. 2017). Amostras de tecido serão retiradas seguindo procedimentos já estabelecidos (Hwang et al. 2007, Galetti et al. 2016). 

É importante ressaltar que os pesquisadores já possuem todas as licenças de coleta emitidas pelo SISBIO e que todos os procedimentos de captura, marcação e coleta já foram aprovados pelo Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA) do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo.


Responsáveis: Mauro Galetti e Pedro Galetti.

Publicações

Artigo: A critical assessment of ex situ conservation based on the Brazilian avifauna: Are we focusing on what is easier?

Autores: Renato Feliciano, Abraão de Barros Leite, Maíra Castro Garbeloto, Luís Fábio Silveira, Mercival Roberto Francisco

https://doi.org/10.1016/j.pecon.2022.12.001

RESUMO: Species have been lost at unprecedented rates. Because only a small fraction of the threatened taxa have been managed under human care, contrasting the characteristics of taxa that have, and have not been targeted to ex situ conservation can reveal the reach of this conservation strategy, and can indicate its main challenges. Here we investigated whether the level of threat, diet, body mass, phylogeny, and previous presence in captivity due to non-conservation purposes could be potential parameters accounting for the occurrence of Brazilian threatened avian species and subspecies in ex situ conservation facilities and for their eligibility to organized ex situ conservation plans. Using Bayesian phylogenetic comparative models we found positive effects of body mass and phylogeny, and a negative effect of insectivorous diet in the occurrence of the taxa in non-conservation facilities. The previous presence in non-conservation facilities, together with phylogeny, diet, and body mass were the main parameters accounting for the occurrence of the threatened taxa in ex situ conservation facilities, and the previous presence in non-conservation facilities and phylogeny explained the existence of organized ex situ conservation plans. This is evidence that conservation breeding facilities have mostly harbored threatened confiscated birds than choosing them based on scientific criteria. We suggest that investing in the development of husbandry techniques, especially for insectivorous passerines, and choosing taxa based on scientific criteria are important challenges that should be on the agenda of conservation managers.

Artigo: Estimativas de densidade populacional em três táxons de aves ameaçados de extinção do Centro de Endemismo Pernambuco, nordeste do Brasil

Autores: Luiza Carvalho Prado, Thiago da Costa Dias, Lahert William Lobo de Araújo, Luís Fábio Silveira, Mercival Roberto Francisco

https://doi.org/10.1590/1676-0611-BN-2022-1361

RESUMO: A determinação dos riscos relativos de extinção dos táxons ameaçados é importante para o delineamento de ações de recuperação e para o direcionamento dos investimentos em conservação. O Brasil é o país que possui o maior número de táxons ameaçados de aves, no entanto, informações sobre aspectos demográficos são inexistentes para a maioria deles. Neste trabalho são apresentadas estimativas de densidades populacionais, baseadas no método de amostragem por distância, para três táxons ameaçados de extinção endêmicos do Centro de Endemismo Pernambuco (CEP), a região mais degradada de toda a Mata Atlântica. Os táxons analisados foram a choca-lisa Thamnophilus aetiops distans (Ameaçada), o flautim-marrom Schiffornis turdina intermedia (Vulnerável) e a maria-de-barriga-branca Hemitriccus griseipectus naumburgae (Vulnerável). Os números de indivíduos/ha estimados para um fragmento de floresta de aproximadamente 1000 ha foram respectivamente 0,21, 0,14 e 0,73. Com isto, foi possível confirmar a premissa de que mesmo táxons classificados em uma mesma categoria de ameaça com base apenas em informações de hábitats podem possuir densidades populacionais bastante divergentes e portanto diferentes graus de riscos de extinção. Embora as densidades populacionais possam variar entre fragmentos, a extrapolação destes dados para toda a área do CEP confirmou a classificação de Vulnerável para o flautim-marrom e indicou as categorias Vulnerável e Pouco Preocupante para a choca-lisa e para a maria-de-barriga-branca, sugerindo que para as duas últimas, as classificações atuais baseadas nos tamanhos das suas Áreas de Ocupação (Ameaçada e Vulnerável) devem prevalecer.

Artigo: Population density estimates and key microhabitat parameters for two endangered tropical forest understory insectivorous passerines from the Pernambuco Endemism Center

Autores: Luiza Carvalho Prado, Thiago da Costa Dias, Lahert William Lobo de Araújo, Luís Fábio Silveira, Mercival Roberto Francisco

https://doi.org/10.5751/ACE-02231-170222 

RESUMO: The Pernambuco Endemism Center (PEC) is the most fragmented and degraded tract of the Atlantic Forest, considered to be a hotspot within a hotspot. Recent bird extinctions and the high number of endangered taxa have called the attention of conservation practitioners all over the world to this area. Among the most vulnerable groups of birds are the insectivorous passerines of the forest understory, yet empirical information on demography and habitat requirements are unavailable for these taxa. Here, we provide population density estimates and microhabitat selection information for two endangered insectivorous passerines endemic to the PEC, the Pernambuco Fire-eye, Pyriglena pernambucensis, and the Black-cheeked Gnateater, Conopophaga melanops nigrifrons. Distance-sampling estimates resulted in population densities of 0.15 and 0.35 individuals/ha, respectively, in an Atlantic Forest fragment of approximately 1000 ha. Extrapolations of population densities to 39 fragments where the occurrence of these taxa was confirmed resulted in population estimates of 4936 individuals for the Pernambuco Fire-eye and 12,679 individuals for the Black-cheeked Gnateater, but these may be underestimates because other fragments where they could potentially occur were never surveyed. Although extrapolating data from only one fragment to other areas is problematic, these are the first rough minimum population size estimates for birds from the PEC. Microhabitat preference analyses revealed that both species selected sites with denser forest understory vegetation, which is associated with areas in regeneration. This is evidence that these taxa can tolerate certain levels of habitat disturbance and that their limited distributions and habitat loss may be more important causes of threat than habitat requirements. In the face of ongoing PEC fragmentation, our data will serve to parameterize other studies and may contribute to practical conservation policies.

Artigo: An annotated avian inventory of the Brazilian state of Alagoas, one of the world’s most threatened avifauna

Autores: Rafael Dantas Lima, Luís Fábio Silveira, Lemos, Renata Constant de Amorim Lemos, Lahert William Lobo-Araújo, Arthur Barbosa de Andrade, Mercival Roberto Francisco, Márcio Amorim Efe

https://doi.org/10.11606/1807-0205/2022.62.034

RESUMO: The northeast Brazilian state of Alagoas harbors a rather diverse, and one of the world’s most threatened, avifauna. However, the knowledge about its avifauna is currently scattered on several publications and the state’s birds have never been comprehensively assembled into a checklist. To fill this shortfall, we present here the first critical review of all available bird records for the state of Alagoas. We present a list of 520 bird species recorded in the state, of which 503 are supported by documentary evidence. We also comment on the distribution, migratory movements, taxonomy and conservation of the region’s avifauna and correct previous misidentified or invalid records for the state.

Artigo: Comparative phylogeographic and demographic analyses reveal a congruent pattern of sister relationships between bird populations of the northern and south-central Atlantic Forest

Autores: Fernanda Bocalini, Sergio D. Bolívar-Leguizamón, Luís Fábio Silveira, Gustavo A. Bravo

https://doi.org/10.1016/j.ympev.2020.106973

RESUMO: The Pernambuco Center of Endemism (PCE) is the northernmost strip of the Atlantic Forest (AF). Biogeographic affinities among avifaunas in the PCE, the southern-central Atlantic Forest (SCAF), and Amazonia (AM) have not been studied comprehensively, and current patterns of genetic diversity in the PCE remain unclear. The interplay between species’ ecological attributes and historical processes, such as Pleistocene climate fluctuations or the appearance of rivers, may have affected population genetic structures in the PCE. Moreover, the role of past connections between the PCE and AM and the elevational distribution of species in assembling the PCE avifauna remain untested. Here, we investigated the biogeographic history of seven taxa endemic to the PCE within a comparative phylogeographic framework based on a mean of 3,618 independent single nucleotide polymorphisms (SNPs) extracted from flanking regions of ultraconserved elements (UCEs) and one mitochondrial gene. We found that PCE populations were more closely related to SCAF populations than they were to those in AM, regardless of their elevational range, with divergence times placed during the Mid-Pleistocene. These splits were consistent with a pattern of allopatric divergence with gene flow until the upper Pleistocene and no signal of rapid changes in population sizes. Our results support the existence of a Pleistocene refugium driving current genetic diversity in the PCE, thereby rejecting the role of the São Francisco River as a primary barrier for population divergence. Additionally, we found that connections with Amazonia also played a significant role in assembling the PCE avifauna through subsequent migration events.