O Livro da Filosofia
(Trechos Escolhidos)
Vários Autores
Tradução Douglas Kim
São Paulo: Globo, 2011.
Frases da Capa
A mente não tem gênero.
Penso, logo existo.
Somente pensamos quando confrontados com um problema.
A imaginação dispõe de tudo.
O homem nasce livre e por toda parte encontra-se acorrentado.
Ser é ser percebido.
O universo nem sempre existiu.
O homem é um animal que faz barganhas.
O homem é a medida de todas as coisas.
Não há nada fora do texto.
A vida será mais bem vivida quanto menos sentido tiver.
Sobre seu próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano.
Os fins justificam os meios.
Feliz é aquele que superou seu ego.
Aja como se o que você faz fizesse diferença.
O homem é uma máquina.
Durante o período arcaico (meados do século VIII-VI a.C.), os povos da península grega gradualmente se estabeleceram em um grupo de cidades-estados e desenvolveram um sistema de escrita alfabético, bem como os primórdios do que hoje é reconhecido como filosofia ocidental. As civilizações anteriores se valiam da religião para explicar os fenômenos do mundo ao seu redor. Agora, uma nova estirpe de eclipse total do sol em 585 a.C. Essa maneira prática de pensar levou-o a acreditar que os acontecimentos no mundo não se deviam à intervenção sobrenatural, mas tinham causas naturais que a razão e a observação revelariam. Substância fundamental pensadores surgia e tentava encontrar explicações naturais e racionais.
O primeiro desses pensadores científicos foi Tales de Mileto. Nada sobreviveu de seus textos, mas sabemos que detinha bom domínio de geometria e astronomia e atribui-se a ele a previsão de um eclipse total do sol em 585 a.C. Essa maneira prática de pensar levou-o a acreditar que os acontecimentos no mundo não se deviam à intervenção sobrenatural, mas tinham causas naturais que a razão e a observação revelariam.
Substância fundamental
Tales precisava estabelecer um princípio a partir do qual trabalharia, então formulou a pergunta "Qual é a matéria-prima básica do cosmos?". A ideia de que tudo no universo pode ser reduzido basicamente a uma única substância é a teoria do monismo, e Tales e seus seguidores foram os primeiros a propor isso dentro da filosofia ocidental. Tales ponderou que a matéria-prima básica do universo tinha de ser algo a partir do qual tudo o mais pudesse ser formado. Tinha, ainda, de ser essencial à vida, capaz de movimento e, portanto, de mudança. Ele notou que a água é evidentemente necessária para sustentar todas as formas de vida, e que ela se move e se modifica, assumindo diversas formas, do líquido ao gelo sólido e à névoa vaporosa. Tales concluiu, então, que toda matéria, independentemente de suas aparentes propriedades, deve ser água em algum estágio de transformação.
Tales também percebeu que toda massa de terra parece chegar ao fim à beira da água. A partir disso, deduziu que todo o conjunto da terra devia flutuar sobre uma base de água, da qual ele emergiu. Quando ocorre algo que causa ondulações ou tremores nessa água, propôs Tales, nós os sentimos como terremotos.
Ainda que sejam interessantes os detalhes das teorias de Tales, elas não são a principal razão pela qual ele é considerado uma figura destacada na história da filosofia. Sua real importância está no fato de que foi o primeiro pensador conhecido a buscar respostas naturalistas e racionais, em vez de atribuir os objetos e os acontecimentos aos caprichos de deuses volúveis. Ao fazer isso, ele e os filósofos posteriores da Escola de Mileto lançaram as bases do pensamento científico e filosófico no mundo ocidental.
"Conhecer os outros é inteligência; conhecer a si mesmo é a verdadeira sabedoria." Lao-Tsé
No século VI a.C., a China avançou para um estado de guerra interna quando o governo da dinastia Chou desintegrou-se. Essa mudança criou, dentro das cortes, uma nova classe social de administradores e magistrados, encarregados de planejar estratégias para governar de maneira mais eficaz. O amplo conjunto de ideias criadas por esses funcionários tornou-se conhecido como as Cem Escolas de Pensamento.
Isso coincidiu com o surgimento da filosofia na Grécia, com a qual se partilhou de algumas preocupações, como buscar estabilidade num mundo em constante mudança e alternativas ao que anteriormente fora determinado pela religião. Mas a filosofia chinesa evoluiu a partir da prática política e, portanto, estava preocupada com moralidade e ética, em vez da natureza do cosmos.
Uma das ideias mais importantes dessa época veio do Tao Te Ching (O Livro do Caminho e da Virtude), atribuído a Lao-Tsé. Foi uma das primeiras tentativas de propor uma teoria do governo justo, baseada no te (virtude), que poderia ser encontrado ao seguir o tao (caminho). É a base da filosofia conhecida como Taoísmo.
Ciclos de mudanças
A fim de entender o conceito de tao é necessário saber como os antigos chineses viam o mundo em mutação. Para eles, as mudanças são cíclicas, movendo-se continuamente de uma estado para outro — da noite para o dia, do verão para o inverno, e assim por diante. Os diferentes estados não eram considerados opostos, mas relacionados, um surgindo do outro. Tais estados também possuíam propriedades complementares que juntas compõem um todo. O processo de mudança seria uma expressão do tao, conduzido às 10 mil manifestações que formam o mundo. Lao-Tsé, no Tao Te Ching, diz que os humanos são apenas uma dessas manifestações e não têm status especial. Mas, por causa do nosso desejo do livre-arbítrio, podemos nos desviar do tao e perturbar o equilíbrio harmonioso do mundo. Viver uma vida virtuosa significa agir de acordo com o tao.
No entanto, seguir o tao não é uma questão simples, como o Tao Te Ching reconhece. Filosofar sobre o tao é inútil, visto que ele está além de qualquer coisa que os humanos possam conceber. É caracterizado pelo wu ("não ser"), de modo que só podemos viver segundo o tao por meio do wu wei, ou seja, da "não ação". Com isso, Lao-Tsé não prega o "não fazer", mas, sim, o agir de acordo com a natureza — espontânea e intuitivamente. Isso acarreta agir com desejo, ambição ou submissão às convenções sociais.
“A razão é imortal, todo o resto é mortal.” Pitágoras
A filosofia ocidental estava em seu início quando Pitágoras nasceu. Em Mileto, na Grécia, um grupo de filósofos de uma geração anterior, conhecidos coletivamente como Escola de Mileto, tinha começado a procurar explicações racionais para fenômenos naturais, inaugurando a tradição filosófica ocidental. Pitágoras passou a infância não muito longe de Mileto, daí ser provável que conhecesse, ou talvez até tivesse estudado, na academia desses filósofos. Dizem que Pitágoras — como Tales, fundador da Escola de Mileto — aprendeu os rudimentos da geometria numa viagem ao Egito. Tal formação provavelmente o influenciou a abordar o pensamento filosófico de forma cientifica e matemática.
A academia pitagórica
Entretanto, Pitágoras também era profundamente religioso e supersticioso. Acreditava em reencarnação e na transmigração das almas. Estabeleceu um culto religioso, assumindo o papel de messias virtual, em Crotona, no sul da Itália. Seus discípulos viviam em comunidade, seguindo regras estritas de dieta e comportamento, enquanto estudavam teorias religiosas e filosóficas. Os pitagóricos, como seus discípulos eram conhecidos, viam as ideias de Pitágoras como revelações místicas embora algumas descobertas atribuídas a ele como "revelações" possam, de fato, ter vindo de outros membros da comunidade. Suas ideias foram registradas por discípulos, entre os quais se incluíam sua esposa, Teano de Crotona, e suas filhas. As duas faces das crenças de Pitágoras — a mística e a científica — parecem incompatíveis, mas o filósofo não as via assim. Para ele o objetivo da vida é libertar-se do ciclo de reencarnação, o que pode ser obtido com a adesão a um rígido conjunto de regras de comportamento e por meio da contemplação (ou o que chamaríamos de pensamento cientifico objetivo). Na geometria e na matemática encontrou verdades que julgou evidentes por si mesmas, como se ofertadas pelos deuses, e elaborou demonstrações matemáticas que tivessem o impacto de uma revelação divina.
Como essas descobertas matemáticas resultavam de puro raciocínio, Pitágoras as via como mais valiosas do que meras observações. Por exemplo, os egípcios haviam descoberto que um triângulo cujos lados têm a razão de 3:4:5 sempre tem um ângulo reto, e isso foi útil na prática, como na arquitetura. Mas Pitágoras descobriu o princípio fundamental de todos os triângulos com ângulo reto (que o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos dois catetos) e verificou que isso era universalmente verdadeiro. Tal descoberta foi tão extraordinária, e tinha tanto potencial aplicativo, que os pitagóricos consideraram-na uma revelação divina.
Pitágoras concluiu que todo o cosmos deve ser governado por regras matemáticas. Ele dizia que o número (razões numéricas e axiomas matemáticos) pode ser usado para explicar a estrutura do cosmos. E não descartou totalmente a teoria milesiana do universo composto de uma substância fundamental — apenas deslocou a investigação de substância para forma.
Essa foi uma mudança profunda no modo de ver o mundo — o que nos leva a perdoar Pitágoras e seus discípulos por ficarem tão extasiados ao dar aos números um significado místico. Por meio da exploração da relação entre números e geometria, eles descobriram os números quadrados e cúbicos — dos quais falamos até hoje, mas também atribuíram a eles características como "bom" (para os números pares), "mal" (impares), "justo" (o número quatro), e assim por diante. O número dez, na forma de um tetractys (forma triangular composta por filas de pontos), tinha um significado particular no ritual pitagórico. De maneira menos controversa, eles consideravam o número um como um ponto único, uma unidade, a partir do qual outras coisas podiam ser derivadas. O número dois, nessa maneira de pensar, era uma linha, o número três uma superfície ou plano, e o quatro um sólido. A correspondência com o conceito moderno de dimensões é óbvia.
A explicação pitagórica sobre a criação do universo seguiu um padrão matemático: no Ilimitado (o infinito que existia antes do universo), Deus impôs um Limite, então tudo o que existe veio a ter um tamanho real. Dessa forma, Deus criou uma unidade mensurável, a partir da qual todo o resto foi formado.
Harmonias numéricas
A descoberta mais importante de Pitágoras diz respeito às relações entre os números: razões e proporções. Isso foi reforçado por sua investigação sobre a música e, em particular, sobre as relações entre as notas que, juntas, soavam de forma agradável. Uma história conta que ele concebeu essa ideia ao ouvir dois ferreiros trabalhando. Um tinha uma bigorna com a metade do tamanho do outro, e os sons das marteladas estavam exatamente a uma oitava (oito notas) de distância. Embora isso possa ser verdade, foi provavelmente por meio da experiência com uma corda dedilhada que Pitágoras determinou as razões dos intervalos consonantes (o número de notas entre duas notas que determina se elas vão soar harmoniosamente se tocadas em conjunto). Ele descobriu que esses intervalos eram harmoniosos porque a relação entre eles era uma razão matemática precisa e simples. Essa série, conhecida agora como série harmônica, confirmou-lhe que a elegância da matemática encontrada na geometria abstrata também existia no mundo natural.
As estrelas e os elementos
Pitágoras agora tinha provado não apenas que a estrutura do universo podia ser explicada em termos matemáticos — "o número é o regente das formas —, mas também que a acústica é uma ciência exata e os números governam as proporções harmônicas. Ele então começou a aplicar suas teorias ao cosmos, demonstrando a relação harmônica das estrelas, planetas e elementos. Sua ideia de relações harmônicas entre as estrelas foi avidamente retomada por astrónomos medievais e renascentistas, que desenvolveram teorias em torno da ideia da música das esferas, e sua sugestão de que os elementos estavam dispostos harmoniosamente foi revisitada mais de dois milênios após sua morte. Em 1865, o químico inglês John Newlands descobriu que, quando os elementos químicos estão dispostos de acordo com o peso atômico, aqueles com propriedades similares ocorrem a cada oito elementos, como notas de música. Essa descoberta tornou-se conhecida como Lei das Oitavas e auxiliou no desenvolvimento da Lei Periódica dos elementos químicos, ainda usada hoje.
Pitágoras também estabeleceu o princípio do raciocínio dedutivo, que é o processo passo a passo que começa com axiomas evidentes (tais como "2+2=4") para estabelecer uma nova conclusão ou fato. O raciocínio dedutivo foi mais tarde refinado por Euclides, formando a base do pensamento matemático até a Idade Média e mais além.
Uma das contribuições mais importantes de Pitágoras ao desenvolvimento da filosofia foi a ideia de que o pensamento abstrato é superior à evidência dos sentidos. Platão retomaria o conceito em sua Teoria das Formas, assim como os racionalistas do século XVII ao definir seu método filosófico. A tentativa pitagórica de combinar o racional com o religioso foi pioneira ao lidar com um problema que, sob certos aspectos, tem perseguido a filosofia e a religião.
Quase tudo que sabemos sobre Pitágoras chegou até nós por meio de outros até os simples fatos de sua vida são, em grande parte, conjecturas. Ainda assim, o pensador alcançou um status quase lendário devido às ideias atribuídas a ele. Se Pitágoras de fato foi ou não o criador dessas teorias não importa. O importante, sim, é o profundo efeito delas no pensamento filosófico.
“Não acredite em nada, não importa onde você o leia ou quem o diga, a menos que esteja de acordo com sua própria razão.” Sidarta Gautama
“A paz vem de dentro. Não a procure fora.” Sidarta Gautama
“A mente é tudo. O que você pensa, você se torna.” Sidarta Gautama
Sidarta Gautama, que ficaria conhecido como Buda, "o iluminado", viveu na Índia num período em que os relatos religiosos e mitológicos acerca do mundo sofriam questionamentos. Na Grécia, pensadores como Pitágoras investigavam o cosmos utilizando a razão; na China, Lao Tsé e Confúcio desvincularam a ética do dogma religioso. O bramanismo religião que evoluíra do vedismo — a antiga crença baseada nos textos sagrados dos Vedas —, era a fé dominante no subcontinente indiano no século VI a.C. Sidarta Gautama foi o primeiro a desafiar tal sistema com seu raciocínio filosófico.
Embora reverenciado pelos budistas por sua sabedoria, Gautama não era um messias nem um profeta. Não atuava como ponte entre Deus e Homem. Chegou a suas ideias por meio da reflexão, e não da revelação divina, e é isso que marca o budismo como uma filosofia tanto quanto (ou talvez até mais que) uma religião. Sua busca foi filosófica — para descobrir verdades — e ele sustentava que as verdades que propunha estavam disponíveis para todos pelo poder da razão. Como a maioria dos filósofos orientais, não se interessou pelas questões irrespondíveis da metafísica que tanto preocupavam os gregos. Por lidar com entidades além da nossa experiência, esse tipo de investigação lhe parecia especulação sem sentido. Em vez disso, ele se envolveu com a questão do objetivo da vida — o que, por sua vez, envolvia investigar os conceitos de felicidade, virtude e vida "correta".
O caminho do meio
No começo da vida, Gautama desfrutou da luxúria e, dizem, de todos os prazeres sensuais. No entanto, compreendeu que isso não lhe bastava para trazer a verdadeira felicidade. Consciente acerca do sofrimento no mundo, percebeu que isso se devia em grande parte à doença, à velhice e à morte — e ao fato de que faltava às pessoas aquilo de que elas precisavam. Também reconheceu que o prazer sensual ao qual nos entregamos para aliviar o sofrimento raramente é satisfatório — e quando o é, seus efeitos revelam-se transitórios. Gautama considerava a experiência do ascetismo extremo (austeridade e abstinência) igualmente insatisfatória, incapaz de aproximá-lo do entendimento sobre como alcançar a felicidade.
Chegou à conclusão, então, de que devia haver um "caminho do meio" entre a autoindulgência e a automortificação. Esse caminho do meio, ele acreditava, levaria à felicidade verdadeira, ou "iluminação". Para encontrá-la, Gautama aplicou a razão às próprias experiências.
O sofrimento, ele percebeu. é universal. Parte integral da existência, é causado pela frustração dos nossos desejos e expectativas. Tais desejos ele chamou de "apegos", os quais incluem não apenas os desejos sensuais e as ambições mundanas, mas o nosso mais básico instinto pela autopreservação. Satisfazer tais apegos, ele concluiu, poderia trazer gratificação a curto prazo, mas não a felicidade no sentido de contentamento e paz de espírito.
O "não eu"
No raciocínio de Gautama, o passo seguinte dizia respeito à eliminação dos apegos para evitar qualquer desapontamento e, então, impedir o sofrimento. Para conseguir isso, ele sugeriu uma causa para os apegos: nosso egoísmo, e por egoísmo ele queria dizer mais do que a tendência humana de buscar satisfação. Para Gautama, egoísmo é autocentrismo e autoapego — o domínio do que hoje chamaríamos de "ego". Para nos livrar dos apegos que causam dor, portanto, não basta apenas renunciar às coisas que desejamos. Devemos superar nosso vínculo com aquilo que deseja o "eu".
Mas como isso pode ser conseguido? Desejo, ambição e expectativa fazem parte da natureza humana e, para a maioria de nós, constituem a própria razão de viver. A resposta, para Gautama, é que o mundo do ego é ilusório — como ele demonstrou, novamente, por um processo de raciocínio. Ele argumentou que nada no universo origina a si mesmo, porque tudo resulta de alguma ação prévia. Cada um de nós seria apenas uma parte transitória desse processo eterno — em última análise, impermanente e sem substância. Então, na realidade, não há "eu" que não seja parte de um todo maior — o "não eu". O sofrimento resulta de nosso fracasso em reconhecer isso. O que não significa que devemos rejeitar nossa existência ou identidade pessoal. Ao contrário, devemos entendê-las como são, ou seja, transitórias e sem substância. Entender o significado de ser uma parte constituinte de um "não eu" eterno, em vez de apegar-se à noção de ser um "eu" único, é a chave para abandonar aquele apego e para encontrar um alivio ao sofrimento.
O Caminho Óctuplo
O raciocínio de Gautama — das causas do sofrimento até o caminho para conseguir a felicidade — é codificado nos ensinamentos budistas das Quatro Nobre Verdades: o sofrimento é universal, o desejo é a causa do sofrimento, o sofrimento pode ser evitado ao eliminar-se o desejo, seguir o Caminho Óctuplo elimina o desejo. Esta última verdade refere-se ao equivalente a um guia prático para o "caminho do meio", concebido por Gautama para seus seguidores em busca da iluminação. O Caminho Óctuplo (ação correta, intenção correta, modo de vida correto, esforço correto, concentração correta, fala correta, compreensão correta, consciência correta) é, na verdade, um código de ética — uma prescrição para uma vida correta e para a felicidade que Gautama, em primeiro lugar, começou a alcançar.
Nirvana
Gautama considerava, como o objetivo final da vida na Terra, o fim do ciclo de sofrimento (nascimento, morte e renascimento) no qual nascemos. Ao seguir o Caminho Óctuplo, o homem poderia superar seu ego, viver uma vida livre do sofrimento e, por meio da iluminação, evitar a dor do renascimento em outra vida de sofrimento. Ele compreenderia seu lugar no "não eu" e se tornaria uno com o eterno. Atingiria o estado do nirvana — termo traduzido diversamente como "não apego". "não ser", ou literalmente "apagar-se (como uma vela).
No bramanismo da época de Gautama — e na religião hindu que o sucedeu, o nirvana era entendido como tornar-se uno com Deus. Mas Gautama cuidadosamente evitou qualquer menção a uma deidade ou a um propósito final para a vida. Ele descreveu o nirvana apenas como "não nascido, não originado, não criado e não formado", transcendendo qualquer experiência sensorial. É o estado eterno e imutável de não ser e assim, a libertação final do sofrimento da existência.
Depois de sua iluminação, Gautama passou muitos anos viajando pela Índia, pregando e ensinando. Durante a vida, ganhou um considerável número de seguidores, e o budismo estabeleceu-se como religião importante, e também como filosofia. Seus seguidores transmitiram os ensinamentos budistas oralmente até o século I d.C., quando foram escritos pela primeira vez. Várias escolas budistas começaram a aparecer na Índia e, depois, espalharam-se para o leste, para a China e o sudeste asiático, onde o budismo rivalizou com o confucionismo e o taoísmo em popularidade.
Os ensinamentos de Gautama se espalharam até o império grego, por volta do século III a.C., mas tiveram pouca influência na filosofia ocidental. No entanto, havia similaridades entre a abordagem de Gautama e a filosofia dos gregos — entre elas, a ênfase na razão como meio de alcançar a felicidade e o uso dos diálogos filosóficos pelos discípulos para elucidar os ensinamentos do mestre. O pensamento budista também encontrou ecos nas ideias de filósofos ocidentais posteriores, como no conceito do "eu" de Hume e na concepção da condição humana de Schopenhauer. Apenas no século XX o budismo exerceu influência direta no pensamento ocidental. Desde então, mais e mais ocidentais voltam-se para tal legado como um guia de como viver.
"O homem superior faz o que é adequado à posição que ocupa; ele não deseja ir além disso." Confúcio
"O que você sabe, sabe; o que você desconhece, desconhece. Esta é a verdadeira sabedoria." Confúcio
De 770 a 220 a.C., a China viveu uma era de grande desenvolvimento cultural. As filosofias surgidas nessa época ficaram conhecidas como as Cem Escolas de Pensamento. Por volta do século VI a.C., a dinastia Chou entrou em declínio, saindo da estabilidade do Período da Primavera e Outono para o chamado Período dos Reinos Combatentes Foi nesse contexto que nasceu Kong Fuzi, o mestre Kong, ou Confúcio. Corno outros filósofos da época, como os gregos Tales, Pitágoras e Heráclito, Confúcio buscou o que poderia haver de constante num mundo de mudanças. Para ele, isso equivalia a valores morais que capacitassem os governantes a atuar de forma justa.
Os Analectos
Diferentemente de muitos dos antigos filósofos chineses, Confúcio mirava o passado em busca de inspiração. Conservador por natureza, tinha grande respeito pelo ritual e pelo culto aos ancestrais — ambos foram mantidos pela dinastia Chou, cujos governantes receberam a autoridade dos deuses por meio do chamado Mandato Divino.
Uma rígida hierarquia social existia na China, mas Confúcio fazia parte de uma nova classe de eruditos que atuavam como conselheiros nas cortes. Essa elite de servidores públicos alcançara seu status não por herança, mas por mérito. Foi a integração de Confúcio dos velhos ideais com a emergente meritocracia que produziu sua nova e singular filosofia moral.
A grande fonte disponível para os ensinamentos de Confúcio está nos Analectos, coleção de fragmentos de seus textos e frases compilada por discípulos É basicamente um tratado político composto de aforismos e anedotas que, juntos, formam uma espécie de manual de regras para o bom governo, embora o uso da palavra junzi ("cavalheiro") para denotar um homem superior, virtuoso, também indique o interesse social por parte de Confúcio. De fato, muitas passagens dos Analectos se assemelham a um livro de etiqueta. Mas considerar a obra um mero tratado social ou político é não perceber seu ponto central: no cerne, trata-se de um amplo sistema ético.
A vida virtuosa
Antes do surgimento das Cem Escolas de Pensamento, o mundo tinha sido explicado pela mitologia e pela religião, e o poder e a autoridade moral eram geralmente aceitos como dádiva dos deuses. Confúcio manteve silêncio em relação aos deuses, mas frequentemente se referiu ao tian, ou Céu, como a fonte da ordem moral. De acordo com os Analectos, nós, humanos, somos agentes escolhidos pelo Céu para personificar sua vontade e para unir o mundo com a ordem moral — uma ideia em sintonia com o pensamento tradicional chinês. No entanto, o que rompe com a tradição é a crença de Confúcio de que a virtude (de) não é um presente do Céu para as classes governantes, mas pode ser cultivada — por qualquer indivíduo. Tendo ele mesmo sido elevado a ministro da corte Chou, Confúcio acreditava que era dever das classes médias, e dos governantes, empenhar-se para agir com virtude e benevolência (ren) a fim de alcançar uma sociedade justa e estável.
Para conciliar uma sociedade estruturada num sistema rígido de classe com sua crença pessoal de que todos os homens podem receber a bênção do Mandato Divino, Confúcio argumentou que o homem virtuoso não é o que está no topo da hierarquia social, mas, sim, aquele que compreende seu lugar dentro dessa hierarquia e o aceita. Para definir os vários meios de atuação em conformidade com de, ele se volta para valores tradicionais chineses: zhong (fidelidade), xiao (piedade filial), li (rituais apropriados) e shu (reciprocidade). A pessoa que observasse sinceramente esses valores era chamada por Confúcio de junzi — o cavalheiro, no sentido de homem de virtude, estudioso e praticante das boas maneiras.
Os valores do de habitavam o seio das classes governantes, mas tinham se tornado pouco mais do que gestos vazios no mundo em desintegração da dinastia Chou. Confúcio tentou persuadir os governantes a retomar esses ideais e a restaurar um governo justo. Ele também pregava o poder da benevolência, argumentando que governar pelo exemplo, e não pelo medo, inspiraria as pessoas a seguir uma vida virtuosa. O mesmo princípio, ele acreditava, deveria governar os relacionamentos pessoais.
Fidelidade e ritual
Em sua análise sobre os relacionamentos, Confúcio se valeu de zhong — a virtude da fidelidade — como princípio-guia. Inicialmente, ele ressalta a importância da fidelidade de um ministro a seu soberano. Então, mostra que uma relação similar existe entre pai e filho, marido e esposa, irmão mais velho e irmão mais novo e entre amigos. A ordem na qual ele dispõe isso é significante: primeiro, a fidelidade política; depois, à família e ao clã; e, por último, a amigos e estranhos. Para Confúcio, essa hierarquia reflete o fato de que cada pessoa deve conhecer sua posição na sociedade como um todo, assim como saber seu lugar na família e no clã.
O aspecto de "saber o seu lugar" é exemplificado pelo xiao, a piedade filial, que para Confúcio era muito mais do que apenas respeito aos pais e aos mais velhos. Trata-se do que há de mais próximo de ideias religiosas dentro dos Analectos, porque xiao está conectado com a tradição chinesa do culto aos ancestrais. Acima de tudo, xiao reforça a relação entre inferior e superior, ponto central do pensamento confucionista.
É na insistência no li, os rituais, que Confúcio se revelou mais conservador. Li não se refere simplesmente a ritos como o culto aos ancestrais, mas também às normas que sustentam cada aspecto da vida chinesa contemporânea. Estas envolvem desde cerimônias como casamentos, funerais e sacrifícios até a etiqueta para receber convidados e oferecer presentes, além de simples gestos cotidianos de cortesia, como a mesura e a forma de dirigir a palavra. Trata-se, de acordo com Confúcio, dos sinais externos de um de interno, desde que realizados com sinceridade — o que ele considerava ser o caminho do Céu. Por meio da demonstração visível de lealdade com sinceridade íntima, o homem superior poderia transformar a sociedade.
Sinceridade
Para Confúcio, a sociedade podia ser modificada pelo exemplo. Ele escreveu: "A sinceridade torna-se visível. Sendo visível, ela se torna manifesta. Sendo manifesta, torna-se brilhante. Afetando outros, eles são modificados por ela. Modificados por ela, eles são transformados. Apenas aquele que é possuído pela mais completa sinceridade existente sob o Céu pode transformar".
Aqui, um Confúcio menos conservador elucida que o processo de transformação pode funcionar em duas direções. O conceito de zhong (fidelidade) também implica "consideração pelos outros". Ele assume a perspectiva de que se pode aprender a se tornar um homem superior; primeiramente, reconhecendo o que não se sabe (uma ideia que teve eco um século depois com o filósofo grego Sócrates, que afirmava que sua sabedoria estava em aceitar que nada sabia); depois, observando outras pessoas se elas mostram virtude, tente ser igual; se são inferiores, seja um guia para elas.
Reflexo
A noção de zhong como consideração pelos outros também está ligada ao último dos valores confucionistas ligados a de: shu, reciprocidade, ou "reflexo de si", que deve governar nossas ações em relação aos outros. A chamada Regra de Ouro, "faça como desejaria que fizessem a você", aparece no confucionismo como negativa: "o que você não deseja para si mesmo, não faça aos outros". A diferença é sutil, mas crucial: Confúcio não prescreve o que fazer, apenas o que não fazer, enfatizando a abstenção, em vez da ação. Isso implica modéstia e humildade, valores mantidos em alta consideração na sociedade chinesa e que, para Confucio, expressam nossa verdadeira natureza. Fomentar tais valores é uma forma de fidelidade consigo mesmo e expressa outro tipo de sinceridade.
Confucionismo
Confúcio teve pouco êxito em persuadir os governantes contemporâneos a adotar suas ideias. Voltou sua atenção, então, para o ensino. Seus discípulos, incluindo Mêncio (Meng Zi), continuaram a reunir e expandir seus textos, que sobreviveram à repressora dinastia Qin e inspiraram um revival de confucionismo na dinastia Han do inicio da era cristã. Desde então, o impacto das ideias de Confúcio foi profundo, inspirando quase todos os aspectos da sociedade chinesa, da administração à politica e à filosofia. O taoísmo e o budismo também floresceram na época de Confúcio. substituindo as crenças tradicionais. Confúcio não opinou sobre elas, mantendo-se em silêncio sobre deuses, não obstante influenciou aspectos das duas novas religiões.
Uma escola neoconfucionista revitalizou o movimento no século IX e alcançou o auge no século XII, quando sua influência foi sentida ao longo do sudeste asiático, Coreia e Japão. Embora missionários jesuítas tenham levado as ideias de Kong Fuzi para a Europa (latinizando seu nome para Confúcio) no século XVI, o confucionismo era estranho para o pensamento europeu e teve pouca influência até que traduções de sua obra aparecessem no final do século XVII.
Apesar da queda da China imperial em 1911, as ideias de Confúcio continuaram como base de muitas das convenções morais e sociais chinesas, ainda que desaprovadas oficialmente. Em anos recentes, a República Popular da China tem demonstrado renovado interesse em Confúcio, integrando suas ideias com o pensamento moderno chinês e a filosofia ocidental num híbrido conhecido como "novo confucionismo".
"O caminho acima e o caminho abaixo são um só o mesmo." Heráclito
Enquanto outros antigos filósofos gregos procuraram explicações científicas para a natureza física do cosmos, Heráclito o entendia como governado por um logos divino. Às vezes interpretado como "razão" ou "argumento", Heráclito considerava o logos uma lei universal, cósmica, de acordo com a qual todas as coisas começam a existir e todos os elementos materiais do universo são mantidos em equilíbrio.
Heráclito sugeriu que o equilíbrio de opostos — dia e noite, quente e frio, por exemplo — levava à unidade do universo. Tudo seria parte de um único e fundamental processo ou substância — o princípio central do monismo. Mas ele também afirmou que uma tensão é constantemente gerada entre esses pares de opostos e, então, concluiu que tudo está em permanente estado de fluxo — ou mudança. O dia, por exemplo, muda para noite, que por sua vez muda novamente para dia.
Usando o exemplo de um rio, Heráclito ilustrou sua teoria: "Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio". Com isso, ele queria dizer que, no instante em que se entra num rio, águas novas imediatamente substituirão aquelas nas quais a pessoa imergiu — e ainda assim o próprio rio é sempre descrito como coisa fixa e imutável.
A crença de Heráclito de que todo objeto no universo está em estado de constante fluxo se opunha ao pensamento dos filósofos da escola de Mileto, como Tales e Anaxímenes, que definiram todas as coisas por sua essência fundamentalmente imutável.
As ideias propostas por Parmênides marcam um momento decisivo na filosofia grega. Influenciado pelo pensamento lógico e científico de Pitágoras, Parmênides empregou o raciocínio dedutivo na tentativa de revelar a verdadeira natureza física do mundo. Suas investigações o levaram a assumir uma visão oposta à de Heráclito.
A partir da premissa de que algo existe ("é"), Parmênides deduziu que esse algo não pode também não existir ("não é"), pois isso envolveria uma contradição lógica. Portanto, seria impossível existir um estado de nada não haveria vazio. Assim, algo não pode vir do nada: deve sempre ter existido em alguma forma. Essa forma permanente não pode mudar, porque algo que é permanente não pode mudar para outra coisa sem deixar de ser permanente. A mudança fundamental seria, portanto, impossível.
Parmênides concluiu, a partir desse padrão de pensamento, que tudo que é real deve ser eterno e imutável e ter uma unidade indivisível: "Tudo é uno". De maneira mais significativa para filósofos posteriores, Parmênides mostrou que nossa percepção do mundo é imperfeita e cheia de contradições. Nós parecemos sentir a mudança, ainda que nossa razão nos diga que a mudança é impossível. A conclusão a que podemos chegar é que nunca devemos confiar na experiência que nos é transmitida pelos nossos sentidos.
"Muitas coisas impedem o conhecimento, incluindo a obscuridade do tema e a brevidade da vida humana." Protágoras
No século V a.C., Atenas tornou-se uma cidade-estado importante e próspera e, sob a liderança de Péricles (445-429 a.C.), entrou em sua "Era de Ouro" de erudição e cultura. Isso atraiu pessoas de toda a Grécia — e, para aquelas que conheciam e sabiam interpretar a lei, havia vantagens. A cidade era administrada sob princípios democráticos, com um sistema legal estabelecido. Exigia-se de qualquer pessoa levada à corte que defendesse sua causa. Não havia advogados, mas uma reconhecida classe de conselheiros logo se desenvolveu. Nesse grupo estava Protágoras.
Tudo é relativo
Protágoras ensinava legislação e retórica para qualquer um que pudesse pagar. Seus ensinamentos eram objetivos — preparavam alguém para debater e ganhar uma causa, em vez de provar um ponto de vista — mas ele conseguia ver as implicações filosóficas do que ensinava. Para Protágoras, todo argumento tem dois lados e ambos podem ser válidos. Ele afirmou que podia "transformar o argumento mais fraco em mais forte", provando não o valor do argumento, mas a persuasão de seu proponente. Dessa forma, reconheceu que a crença é subjetiva: o homem, mantendo um ponto de vista ou opinião, é que dá a medida de seu valor. Esse estilo de raciocínio, comum na justiça e na política daquele tempo, era novo na filosofia. Ao colocar seres humanos em seu centro, seguiu a tradição de retirar a religião do argumento filosófico e também mudou o foco da filosofia — da compreensão da natureza do universo para a investigação do comportamento humano. Protágoras voltou-se principalmente para questões práticas. Especulações filosóficas sobre a substância do cosmos ou a existência dos deuses soam sem sentido para ele, que considerava tais coisas incognoscíveis.
A principal implicação de "O homem é a medida de todas as coisas" é que a crença é subjetiva e relativa. Isso levou Protágoras a rejeitar a existência de definições absolutas de verdade, justiça ou virtude. O que é verdadeiro para uma pessoa pode ser falso para outra, ele afirmou. Esse relativismo também se aplicava a valores morais, tais como o certo e o errado. Para Protágoras, nada é inerentemente bom em si mesmo. Algo é ético ou certo apenas porque uma pessoa (ou sociedade) o julga assim.
Protágoras foi o mais influente de um grupo de professores itinerantes de legislação e retórica que se tornou conhecido como sofistas (do grego sophia, sabedoria). Sócrates e Platão ridicularizaram os sofistas como meros retóricos, mas com Protágoras a ética avançou significativamente rumo à visão de que não há absolutos e de que todos os julgamentos, incluindo os morais, são subjetivos.
Nascido em 479 a.C., pouco antes da morte de Confúcio, Mozi teve uma educação tradicional chinesa baseada nos textos clássicos. No entanto, mais tarde passou a repudiar a ênfase nas relações de clã que atravessa o confucionismo, e isso o levou a fundar sua própria escola de pensamento, defendendo o amor universal, ou jian ai. Com jian ai, Mozi queria dizer que devemos nos preocupar com todas as pessoas da mesma forma, independentemente de seu status ou de sua relação conosco. Ele via essa filosofia — conhecida como moísmo e que "alimenta e ampara toda vida" — como sendo fundamentalmente benevolente e em conformidade com o mandato do céu.
Mozi acreditava que há sempre reciprocidade em nossas ações. Ao tratar os outros como desejaríamos ser tratados, receberemos tratamento similar em troca. Esse seria o significado por trás de "Quando alguém me atira um pêssego, devolvo uma ameixa". Mozi afirmou que, quando aplicado por governantes, esse princípio de se preocupar por todos evitaria o conflito e a guerra. Quando aplicado por todo mundo, levaria a uma sociedade mais harmônica e, por consequência, mais produtiva. Essa ideia é similar em espírito à do utilitarismo proposta por filósofos ocidentais do século XIX.
"O homem é um microcosmo do universo." Demócrito
Do século VI a.C. em diante, os filósofos começaram a considerar se o universo era formado de uma única substância fundamental. Durante o século V a.C., dois filósofos de Abdera, na Grécia, Demócrito e Leucipo, sugeriram que tudo era composto de partículas minúsculas, indivisíveis e imutáveis, que eles denominaram átomos (atomos é a palavra grega para o que não pode ser cortado).
Primeira teoria atômica
Demócrito e Leucipo também afirmaram que um espaço vazio separa os átomos, permitindo-lhes que se movam livremente. Como os átomos se movem, podem colidir um com outro para formar novas disposições de átomos, de modo que os objetos no mundo parecem mudar. Os dois pensadores consideraram que há um número infinito desses átomos eternos, mas que o número de diferentes combinações aos quais eles podem se ajustar é finito. Isso explicaria o aparente número fixo de diferentes substâncias existentes. Os átomos que formam nossos corpos, por exemplo, não se deterioram ou desaparecem quando morremos, mas se dispersam e podem ser reconstituídos.
Conhecida como atomismo, a teoria concebida por Demócrito e Leucipo ofereceu a primeira visão mecanicista completa do universo, sem qualquer recurso à noção de um ou mais deuses. Ela também identificou propriedades fundamentais da matéria que se provaram cruciais ao desenvolvimento das ciências físicas — particularmente a partir do século XVII — até as teorias atômicas que revolucionaram a ciência no século XX.
"Sou um cidadão do mundo." Sócrates
"Sei que nada sei." Sócrates
Sócrates é citado com frequência como um dos fundadores da filosofia ocidental, Contudo, nada escreveu, não criou escola alguma nem elaborou qualquer teoria. O que ele fez foi formular insistentemente perguntas que o interessavam e, ao fazê-lo, desenvolveu uma nova maneira de pensar, um novo modo ele investigar o que pensamos. Isso foi chamado de método socrático, ou dialético (porque se encaminha como um diálogo entre visões opostas), e lhe rendeu vários inimigos em Atenas, onde vivia. Difamado como sofista (alguém que argumenta para vencer a discussão, e não para chegar à verdade), foi condenado à morte sob acusação de corromper a juventude com ideias que solapavam as tradições. Mas também teve muitos seguidores, entre eles Platão, que registrou as ideias socráticas numa série de obras escritas, chamadas diálogos, nas quais Sócrates examina vários temas. Em grande parte, é graças a tais diálogos — que incluem Apologia, Fédon e Simpósio — que seu pensamento sobreviveu para guiar o curso da :filosofia ocidental.
O objetivo da vida
Sócrates viveu em Atenas na segunda metade do século V a.C. Quando jovem, acredita-se que tenha estudado filosofia natural, examinando as várias explicações sobre a natureza do universo, até se envolver com a política da cidade-estado e interessar-se por assuntos práticos, como a natureza da justiça. No entanto, não estava interessado em vencer polêmicas ou debater para ganhar dinheiro — acusação lançada a muitos de seus contemporâneos. Ele não procurava resposta ou explicações definitivas: somente investigava a base dos conceitos que aplicamos a nós mesmos (como "bom", "ruim" e "justo"), porque acreditava que compreender o que somos é a primeira tarefa da filosofia.
A preocupação central de Sócrates foi a investigação sobre a vida. Seu implacável questionamento sobre as crenças mais estimadas (e, em grande parte, sobre as próprias pessoas crentes) lhe rendeu inimigos, mas ele permaneceu comprometido com sua empreitada até o fim. De acordo com o relato da defesa em seu julgamento, registrado por Platão, Sócrates preferiu a morte a ter de encarar urna vida de ignorância: "A vida irrefletida não vale a pena ser vivida".
Mas o que exatamente está envolvido nessa investigação sobre a vida? Para Sócrates, era um processo de questionamento do significado de conceitos essenciais que usamos todos os dias, mas sobre os quais nunca pensamos, revelando desse modo seu significado real e nosso próprio conhecimento (ou ignorância). Sócrates foi um dos primeiros filósofos a considerar o que constituía uma vida "virtuosa"; para ele, tratava-se de alcançar a paz de espírito como resultado de fazer a coisa certa, em vez de viver de acordo com os códigos morais da sociedade. E a "coisa certa" somente pode ser determinada por meio de um exame rigoroso.
Sócrates rejeitou a noção de que conceitos como virtude eram relativos, insistindo que constituíam valores absolutos, aplicáveis não apenas aos cidadãos de Atenas ou da Grécia, mas a pessoas de todo o mundo. Ele acreditava que a virtude (areté em grego, que na época implicava excelência e concretização) era "o mais valioso dos bens", e que ninguém realmente deseja fazer o mal. Qualquer pessoa que fizesse algo ruim estaria agindo contra sua consciência e, portanto, sentir-se-ia desconfortável e, como todos lutamos pela paz de espírito, não seria algo que faríamos de boa vontade. O mal, ele pensava, era perpetrado pela falta de sabedoria e conhecimento. A partir disso, concluiu que "há apenas uma coisa boa: conhecimento; e uma coisa má: ignorância". O conhecimento é indissociável da moralidade. É a "única coisa boa", e por essa razão devemos sempre "examinar" nossas vidas.
Cuidado com a alma
Para Sócrates, o conhecimento também pode desempenhar um papel na vida após a morte. Na Apologia, o Sócrates de Platão introduz sua famosa citação sobre uma vida irrefletida: "Digo-lhes que não deixem passar um dia sem falar da bondade e de todos os outros assuntos sobre os quais vocês me ouvem falar, e que investigar a mim e aos outros é realmente a melhor coisa que um homem pode fazer''. Esse cultivo do conhecimento, em vez de riqueza ou status, seria o objetivo supremo da vida. Não uma questão de diversão ou curiosidade, mas a razão pela qual existimos. Além disso, conhecimento seria essencialmente autoconhecimento, porque define a pessoa que se é nesse mundo e fomenta o cuidado pela alma imortal. Em Fédon, Sócrates diz que uma vida irrefletida leva a alma a ficar "confusa e aturdida, como se estivesse bêbada", enquanto uma alma sábia alcança a estabilidade e seu vagar chega a um fim.
Método dialético
Sócrates rapidamente tornou-se figura conhecida em Atenas, com reputação de espírito questionador. Segundo a lenda, um amigo do filósofo perguntou à sacerdotisa de Apolo em Delfos quem era o homem mais sábio do mundo. A resposta do oráculo foi que ninguém era mais sábio do que Sócrates. Ao saber disso, o próprio Sócrates ficou pasmo e recorreu às pessoas mais cultas que pôde encontrar para tentar refutar o oráculo. Descobriu que essas pessoas apenas achavam que tinham respostas, mas diante do questionamento de Sócrates esse conhecimento revelou-se limitado ou falso.
O método que ele usou para questionar o conhecimento desses sábios foi inovador. Sócrates assumiu o ponto de vista de quem nada sabia e simplesmente fez perguntas, expondo contradições nas argumentações e brechas nas respostas para, gradualmente, extrair insights. Ele comparava o processo à profissão de sua mãe, parteira, auxiliando no nascimento de ideias.
Por meio dessas discussões Sócrates compreendeu que o oráculo de Delfos estava certo: ele era o mais sábio de Atenas, não por causa de seu conhecimento, mas porque declarava que não sabia nada. Ele também percebeu que a inscrição na entrada do templo em Delfos, gnothi seauton ("conhece-te a ti mesmo"), era igualmente significativa. Para adquirir conhecimento acerca do mundo e de si mesmo era necessário compreender os limites da própria ignorância e remover as ideias preconcebidas. Só então se poderia ter esperança de determinar a verdade.
Sócrates começou a envolver as pessoas de Atenas em debates sobre tópicos como a natureza do amor, da justiça e da lealdade. Sua missão, mal interpretada como forma perigosa de sofisma (ou esperteza para proveito próprio), não era a de instruir as pessoas, nem mesmo aprender o que elas sabiam, mas explorar as ideias que elas tinham. Era a conversa em si, com a condução de Sócrates, que proporcionava insights. Por meio de uma série de perguntas, ele revelava as ideias e pressuposições de seu interlocutor e, então, expunha as contradições nesse discurso e levava o outro a concordar com um novo conjunto de conclusões.
Esse método de examinar um argumento por meio da discussão racional a partir de uma posição de ignorância revolucionou o pensamento filosófico. Foi o primeiro uso conhecido do argumento indutivo, no qual um conjunto de premissas baseadas em experiências é inicialmente confirmado como verdadeiro e, então, leva a uma verdade universal na conclusão. Essa forma poderosa de argumento foi desenvolvida por Aristóteles e, mais tarde, por Francis Bacon, que a utilizava como ponto de partida de seu método científico. Tornou-se, por consequência, o alicerce não apenas da filosofia ocidental, mas de todas as ciências empíricas.
"Se o particular tem significado, deve haver universais." (Platão)
"A alma do homem é imortal e imperecível." (Platão)
"O que chamamos de aprendizado é só um processo de reminiscência." (Platão)
Em 399 a.C., o mentor de Platão, Sócrates, foi condenado à morte. Como Sócrates não havia deixado nada escrito, Platão assumiu a responsabilidade de preservar para a posteridade o que tinha aprendido com o mestre — primeiro na Apologia, relata sobre a defesa de Sócrates em seu julgamento e depois ao usá-lo como personagem de uma série de diálogos. Nesses diálogos, às vezes, é difícil distinguir quais pensamentos são do mestre e quais ideias partiram do discípulo, mas evidencia-se um retrato de Platão para explorar e explicar suas próprias ideias.
Inicialmente, as preocupações de Platão eram como muitas de seu mentor: buscar definições de valores morais abstratos, como "justiça" e "virtude", assim como refutar a noção de Protágoras de que certo e errado são termos relativos. Em A república, Platão explicou sua visão de cidade-estado ideal e explorou aspectos da virtude, mas, ao fazê-lo, também tratou de outros temas além da filosofia moral. Como os antigos pensadores gregos, questionou a natureza e a substância do cosmos e explorou como o imutável e o eterno podiam existir num mundo em aparente transformação. No entanto, diferenten1ente de seus predecessores, concluiu que o "imutável" na natureza é o mesmo que o "imutável" em moral e sociedade.
Procura do Ideal
Em A república, Platão descreve Sócrates fazendo perguntas sobre as virtudes, ou conceitos morais, a fim de estabelecer definições claras e precisas. Sócrates tinha dito que "a virtude é conhecimento" e que, para agir de maneira justa, por exemplo, você devia primeiro perguntar o que é justiça. Platão sugeriu que, antes de nos referirmos a qualquer conceito moral em nosso pensamento ou raciocínio, devemos primeiro explorar que queremos dizer com esse conceito e o que o torna precisamente o tipo de coisa que é. Ele levantou, ainda, a questão de como reconheceríamos a forma correta, ou perfeita, de qualquer coisa: uma forma que fosse verdadeira para todas as sociedades e épocas. Ao fazer isso, Platão sugere que deve existir alguma espécie de forma ideal das coisas no mundo em que vivemos — sejam essas coisas conceitos morais ou objetos físicos —, da qual estamos cientes, de alguma forma.
Platão falou sobre objetos no mundo ao nosso redor. Quando vemos uma cama, ele disse, sabemos que é uma cama e podemos reconhecer todas as camas, mesmo que elas possam diferir em vários aspectos. Cães, em suas várias espécies, são ainda mais variados, apesar de todos os cães compartilharem a característica "canina", que é algo que podemos reconhecer e que nos permite dizer que sabemos o que é um cão. Platão argumentou que, para além do fato de existir uma "característica canina" compartilhada ou uma "característica cama" compartilhada, todos nós temos em nossas mentes uma ideia de uma cama ideal ou de um cão ideal, que usamos para reconhecer qualquer exemplar específico.
Usando um exemplo matemático para reforçar seu argumento, Platão mostrou que o verdadeiro conhecimento é alcançado pela razão em vez dos sentidos. Ele afirmou que podemos formular em bases lógicas que o quadrado da hipotenusa de um triângulo retângulo é igual à soma dos quadrados dos catetos, ou que a soma dos três ângulos internos de qualquer triângulo é sempre 180 graus. Sabemos da veracidade dessas afirmações, ainda que o triângulo perfeito não exista em nenhum lugar no mundo natural. Apesar disso, conseguimos apreender o triângulo perfeito (ou a linha reta perfeita, ou o círculo perfeito) em nossas mentes, usando a razão. Platão especulou, então, se tais formas perfeitas poderiam existir em algum lugar.
Mundo das ideias
O raciocínio levou Platão a uma única conclusão: deve haver um mundo de ideias. ou formas, totalmente separado do mundo material. Lá, a ideia do triângulo perfeito, ao lado das ideias de cama e de cão perfeitos, existiria. Ele concluiu que os sentidos humanos não conseguem perceber tal lugar; ele só nos é perceptível pela razão. Platão foi mais além ao afirmar que o reino de ideias é de fato a "realidade", e o mundo que nos cerca é moldado por essa outra realidade.
Para ilustrar seu pensamento, Platão apresentou o que se tornaria conhecido como a "teoria da caverna". Ele nos convidou a imaginar uma caverna na qual as pessoas estão aprisionadas desde o nascimento, amarradas, encarando a parede ao fundo, na escuridão. Elas só podem olhar para a frente. Atrás dos prisioneiros há uma chama brilhante que lança sombras na parede para a qual eles olham. Há também uma plataforma entre o fogo e os prisioneiros, na qual pessoas andam e exibem vários objetos de tempos em tempos, de modo que as sombras desses objetos são lançadas na parede. Tais sombras são tudo o que os prisioneiros conhecem do mundo, e eles não têm noção alguma sobre os objetos reais. Se um prisioneiro conseguir se desamarrar e se virar, verá ele mesmo os objetos. Mas, depois de uma vida de confinamento, ele provavelmente ficará muito confuso e talvez fascinado pelo fogo, e muito provavelmente se voltará de novo para a parede, a única realidade que conhece.
Platão disse que tudo que nossos sentidos apreendem no mundo material não passa de imagens na parede da caverna, ou seja, são simples sombras da realidade. Essa crença é a base de sua teoria das formas: para cada coisa na terra que temos o poder de apreender com nossos sentidos há uma correspondente "forma" (ou "ideia") — uma eterna e perfeita realidade daquela coisa — no mundo das ideias. Como o que apreendemos pelos sentidos é baseado em uma experiência de "sombras" imperfeitas ou incompletas da realidade, não podemos ter um conhecimento real das coisas. No máximo, podemos ter opiniões, mas conhecimento genuíno só pode vir do estudo das ideias, e isso só pode ser alcançado pela razão. Essa separação em dois mundos distintos — um, da aparência, e o outro, do que Platão considerou como realidade de fato — solucionou o problema da busca de constantes num mundo aparentemente em transformação. O mundo material pode estar sujeito à mudança, mas o mundo das ideias de Platão é eterno e imutável. Platão aplica sua teoria não apenas às coisas concretas, como camas e cães, mas também a conceitos abstratos. No mundo das ideias de Platão há uma ideia de justiça, que é a justiça verdadeira, enquanto todos os exemplos de justiça do mundo material ao nosso redor são apenas modelos ou variantes menores. O mesmo é verdadeiro em relação ao conceito de bondade, que Platão considera ser a ideia suprema e o objetivo de toda investigação filosófica.
Conhecimento inato
Persiste o problema de como podemos nos familiarizar com essas ideias para que tenhamos a capacidade de reconhecer os exemplos imperfeitos no mundo em que vivemos. Platão argumentou que nossa concepção das formas ideais deve ser inata, ainda que não estejamos conscientes disso. Ele acreditava que os seres humanos são divididos em duas partes: corpo e alma. Nossos corpos possuem os sentidos, por meio dos quais somos capazes de apreender o mundo material, enquanto a alma possui a razão, com a qual podemos apreender o reino das ideias. Platão concluiu que a alma, imortal e eterna, habitou o mundo das ideias antes do nosso nascimento e ainda deseja retornar àquele reino após nossa morte Por isso, as variantes de ideias que o mundo dos sentidos apresenta nos soam como uma reminiscência. Rememorar as lembranças inatas dessas ideias exige razão, um atributo da alma.
Para Platão, a tarefa do filósofo é usar a razão para descobrir as formas ideais ou ideias. Em A república, ele também sugeriu que os filósofos — ou mais exatamente aqueles que são fiéis à vocação da filosofia — deveriam ser a classe dominante, pois somente o verdadeiro filósofo poderia entender a natureza do mundo e a verdade dos valores morais. No entanto, assim como o prisioneiro da teoria da caverna que prefere as sombras aos objetos reais, muitos acabam se voltando para o único mundo no qual se sentem confortáveis: Platão muitas vezes achou difícil convencer seus colegas filósofos da verdadeira natureza de sua vocação.
Legado incomparável
O próprio Platão era a personificação de seu filósofo ideal, ou verdadeiro. Debateu questões de ética antes levantadas por seguidores de Protágoras e Sócrates, mas durante o processo explorou pela primeira vez o próprio caminho para o conhecimento. Exerceu influência profunda sobre seu discípulo Aristóteles, ainda que este discordasse da teoria das formas. As ideias de Platão chegaram até o islamismo medieval e os pensadores cristãos, incluindo Santo Agostinho, que combinou as ideias de Platão com as da Igreja católica.
Ao propor que o uso da razão, em vez da observação, é o único caminho para adquirir conhecimento, Platão lançou os alicerces para o racionalismo do século XVII. A influência platônica ainda sobrevive. O amplo leque de temas sobre os quais escreveu levou Alfred North Whitehead, lógico britânico do século XX, a dizer que toda a filosofia ocidental subsequente "consiste num conjunto de notas de rodapé a Platão".
"Tudo que depende da ação da natureza é por natureza, tão bom quanto pode ser." (Aristóteles)
"Todos os homens têm, por natureza, desejo de aprender." (Aristóteles)
Aristóteles tinha dezessete anos quando chegou a Atenas para estudar na Academia do grande filósofo Platão, que, na época, com sessenta anos, já tinha delineado sua teoria das formas. De acordo com ela, todos os fenômenos da Terra (da justiça à cor verde, por exemplo) são sombras de correlatos ideais, ou formas, que conferem identidades particulares a seus modelos mundanos.
Estudioso, Aristóteles sem dúvida aprendeu muito com o mestre, mas tinha um temperamento muito diferente. Onde Platão era brilhante e intuitivo, Aristóteles era erudito e metódico. Contudo, havia um óbvio respeito mútuo e Aristóteles permaneceu na Academia, como aluno e professor, até a morte de Platão, vinte anos depois. Como surpreendentemente não foi escolhido como sucessor do mestre, deixou Atenas e fez uma viagem para a Jônia que se provaria fértil.
Questionamento de Platão
A ruptura com o ensino deu a Aristóteles a oportunidade de satisfazer sua paixão pelo estudo da vida selvagem. o que intensificou a impressão de que a teoria das formas de Platão estava errada. É tentador imaginar que os argumentos de Aristóteles já tivessem exercido alguma influência sobre Platão, que em seus diálogos finais reconheceu falhas nas teorias mais antigas, mas é impossível ter certeza. Sabe-se, no entanto, que Platão conhecia o argumento do "terceiro homem", usado por Aristóteles para refutar a teoria das formas. Tal argumento diz: se no reino das formas existe uma perfeita forma do homem a partir da qual os homens da Terra são moldados, essa forma, para ter qualquer essência concebível, teria de ser baseada em uma "forma da forma do homem" — que também teria de ser baseada numa forma mais elevada, na qual as "formas das formas são baseadas", e assim por diante, ad infinitum.
O argumento posterior de Aristóteles contra a teoria das formas foi mais simples e diretamente relacionado com estudos sobre o mundo natural. Ele percebeu que era simplesmente desnecessário assumir que há um mundo hipotético das formas, quando a realidade das coisas já pode ser vista aqui na Terra, inerente às coisas cotidianas.
Talvez pelo fato de seu pai ter sido médico, os interesses científicos de Aristóteles se voltaram para o que hoje chamamos de ciências biológicas, enquanto a formação de Platão tinha sido firmemente baseada na matemática. Essa diferença de formação ajuda a explicar as distintas abordagens. A matemática, especialmente a geometria, lida com conceitos abstratos distantes do mundo cotidiano, ao passo que a biologia trabalha com o mundo à nossa volta e baseia-se quase unicamente na observação. Platão buscou a confirmação de um reino das formas a partir de noções como o círculo perfeito (que não pode existir na natureza). Aristóteles considerava que certas constantes podem ser descobertas investigando-se o mundo natural.
Confiando nos sentidos
O que o Aristóteles propôs mudou completamente a teoria de Platão. Sem desconfiar dos nossos sentidos, Aristóteles contava com eles na busca da evidência para apoiar suas teorias. Ao estudar o mundo natural, ele aprendeu que, ao observar as características de cada exemplo de planta ou animal especifico, podia construir um retrato completo sobre o que o distinguia de outras plantas e animais. Tais estudos confirmaram o que Aristóteles já acreditava: não nascemos com a capacidade inata para reconhecer formas, como defendia Platão
Cada vez que uma criança encontra um cão, por exemplo, ela nota o que existe de comum entre esse animal e outros cães, de modo que pode consequentemente reconhecer as coisas que tornam algo um cão. A criança então forma uma ideia do "aspecto canino" (ou "forma", como dizia Aristóteles) que define um cão. A partir de nossa experiência do mundo, aprendemos quais as características compartilhadas que tornam as coisas aquilo que elas são. E a única maneira de experimentar o mundo é por meio dos sentidos.
A forma essencial das coisas
Como Platão, Aristóteles preocupou-se em encontrar algum fundamento imutável e eterno num mundo caracterizado pela mudança. Mas concluiu que não há necessidade de procurar por esse lastro num mundo de formas perceptíveis apenas à alma A evidência estaria aqui, no mundo à nossa volta, perceptível pelos sentidos. Aristóteles acreditava que as coisas no mundo material não são cópias imperfeitas de alguma forma ideal de si mesmas, mas que a forma essencial de uma coisa é, na verdade, inerente a cada exemplo dessa coisa. Por exemplo. "o aspecto canino" não é apenas urna característica compartilhada pelos cães — é algo inerente a todo e qualquer cão. Ao estudar coisas particulares, portanto, conseguimos alcançar um insight sobre sua natureza universal e imutável.
O que é verdadeiro em relação aos exemplos no mundo natural, raciocinou Aristóteles, também é verdadeiro acerca dos conceitos relacionados aos seres humanos. Noções como "virtude", "justiça", "beleza" e "bom" podem ser examinadas da mesma forma. Como ele observou, quando nascemos nossas mentes são como "folhas em branco", e quaisquer ideias que alcançamos só podem ser recebidas por meio dos nossos sentidos. Ao nascer, não temos ideias inatas, então não podemos ter noção de certo ou errado. No entanto, quando encontramos exemplos de justiça ao longo de nossas vidas, aprendemos a reconhecer as qualidades que tais exemplos têm em comum e, aos poucos, construímos e refinamos a compreensão do que é justiça. Em outras palavras, a única maneira com a qual podemos vir a conhecer a ideia eterna e imutável de justiça é observando como ela se manifesta no mundo à nossa volta.
Assim, Aristóteles afastou-se de Platão não ao negar que as qualidades unjversais existam, mas ao questionar sua natureza e os meios pelos quais chegamos a conhecê-las (esta última é a questão fundamental da "epistemologia", ou teoria do conhecimento). Essa mesma diferença de opinião sobre como chegamos a verdades universais, mais tarde, dividiu os filósofos em dois campos separados: os racionalistas (como René Descartes, Immanuel Kant e Gottfried Leibniz), que acreditam num conhecimento a priori ou inato; e os empiristas (incluindo John Locke, George Berkeley e David Hume), que afirmam que todo conhecimento vem da experiência.
Classificação biológica
A maneira pela qual Platão e Aristóteles chegaram a suas teorias nos diz muito sobre seus temperamentos. A teoria das formas: de Platão é grandiosa e relaciona-se ao outro mundo, o que é refletido no modo como ele discute sua questão, usando criativos diálogos ficcionais entre Sócrates e seus contemporâneos. Em contraste, a teoria de Aristóteles é mais prática, apresentada em linguagem prosaica, acadêmica. Tão convencido estava Aristóteles de que a verdade do mundo deve ser encontrada na Terra — e não numa dimensão mais elevada —, que ele começou a colecionar espécimes de fauna e flora e as classificou de acordo com suas características.
A partir dessa classificação biológica, montou um sistema hierárquico — o primeiro do gênero, e tão bem construído que forma até hoje a base da taxonomia. Primeiro, ele dividiu o mundo natural em coisas vivas e não vivas. Então, voltou sua atenção para classificar o rnun.do vivo. Sua divisão classificatória seguinte foi entre plantas e animais, o que envolveu o mesmo tipo de pensamento que sustenta sua teoria de qualidades universais: conseguimos ser capazes de distinguir entre uma planta e um animal quase sem pensar, mas como sabemos o modo de fazer essa distinção? A resposta, para Aristóteles, está nas características compartilhadas. Todas as plantas compartilham a forma "planta" e todos os animais compartilham a forma "animal". Uma vez que entendemos a natureza dessas formas, conseguimos reconhecê-las em todo e qualquer espécime.
Esse fato se torna mais visível quanto mais Aristóteles subdivide o mundo natural. A fim de classificar uma espécie, como um peixe, por exemplo, temos de reconhecer o que é que o torna um peixe — o que, mais uma vez, pode ser conhecido pela experiência e não requer conhecimento inato. Conforme Aristóteles desenvolveu uma completa classificação dos seres vivos, dos organismos mais simples até os seres humanos, essa tese foi confirmada.
Explicação teleológica
Outro fato que se tornou óbvio para Aristóteles enquanto ele classificava o mundo natural é que a "forma" de uma criatura não se limita a características físicas (tais como pele, pelo, pena ou escamas), mas inclui uma questão acerca do que essa criatura faz e como ela se comporta — o que, para Aristóteles, tem implicações éticas. Para entender a ligação com a ética, precisamos primeiro ter em conta que, para Aristóteles, tudo no mundo era explicado por quatro causas inteiramente responsáveis pela existência de algo. Quais sejam: a causa material, ou de que algo é feito; a causa formal, ou a disposição ou forma de algo; a causa eficaz, ou como algo é levado a existir; e a causa final, ou a função ou o objetivo de algo. E é esse último tipo de causa, a "causa final", que se relaciona à ética, um tópico que, para Aristóteles, não está separado da ciência, mas é essencialmente uma extensão lógica da biologia.
Aristóteles forneceu o exemplo de um olho: a causa final do olho (sua função) é ver. Essa função é a finalidade, ou telos, do olho (telos é a palavra grega da qual deriva "teleologia", ou o estudo da finalidade na natureza). Uma explicação teleológica sobre algo é, portanto, uma explanação sobre a finalidade de algo. E conhecer a finalidade de algo implica, também, saber o que é uma versão "boa" ou "má" de algo: o olho bom, por exemplo, enxerga bem.
No nosso caso, uma vida "de bem" é, portanto, uma vida na qual cumprimos nosso objetivo ou usamos ao máximo todas as características que nos tornam humanos. Uma pessoa pode ser considerada "virtuosa" ou "de bem" se usa as características com as quais nasceu e só pode ser feliz ao usar toda a sua capacidade na busca da virtude — a forma mais elevada do que, para Aristóteles, é a sabedoria. O que nos leva de volta à questão sobre como podemos reconhecer aquilo que chamamos virtude — e, segundo Aristóteles, a resposta é, novamente, por meio da observação. Compreendemos a natureza da "vida virtuosa" ao vê-la nas pessoas à nossa volta.
O silogismo
No processo de classificação, Aristóteles formulou uma forma sistemática de lógica que aplica a cada espécime para determinar se ele pertence a certa categoria. Por exemplo, uma característica comum a todos os répteis é o sangue frio. Então, se um espécime particular tem sangue quente, não pode ser réptil. Da mesma forma, uma característica comum a todos os mamíferos é que amamentam seus filhotes. Então, se um espécime é mamífero, irá amamentar seu filhote. Aristóteles observou um padrão nessa forma de pensamento: um padrão de três proposições que consistem em duas premissas e uma conclusão, exemplificado na forma "se As são Xs, e B é um A, então B é um X". Essa forma de raciocínio — o "silogismo" — foi o primeiro sistema formal de lógica concebido e permaneceu como modelo básico para a lógica até o século XIX.
Mas o silogismo era mais do que simples subproduto da classificação sistemática de Aristóteles do mundo natural. Ao usar o raciocínio analítico na forma de lógica, Aristóteles compreendeu que o poder da razão era algo que não se baseava nos sentidos, e que deve, portanto, ser uma característica inata — parte daquilo que é ser humano. Embora não tenhamos ideias inatas, possuímos essa capacidade inata, necessária para aprender a partir da experiência. Quando aplicou esse fato ao seu sistema hierárquico, Aristóteles percebeu que o poder inato da razão nos distingue de todas as outras criaturas vivas, colocando-nos no topo da hierarquia.
Declínio da Grécia clássica
O alcance das ideias de Aristóteles e o modo revolucionário pelo qual ele subverteu a Teoria das Formas de Platão deveriam ter assegurado que sua filosofia tivesse impacto bem maior do que ele pôde verificar em vida. Isso não quer dizer que sua obra não tivesse falhas. Sua geografia e sua astronomia eram imperfeitas; sua ética apoiava o uso de escravos e considerava as mulheres inferiores; sua lógica era incompleta para padrões modernos. No entanto, seu pensamento deflagrou uma revolução tanto na filosofia quanto na ciência.
Aristóteles, contudo, viveu no fim de uma era. Alexandre, o Grande, a quem ele instruiu, morreu pouco antes dele, e então começou o período helenístico da história grega, que viu o declínio da influência de Atenas. O Império Romano, que adotou da filosofia grega as ideias dos estoicos, estava se tornando o poder dominante no Mediterrâneo. A Academia de Platão e a escola rival fundada por Aristóteles em Atenas, o Liceu, continuaram a funcionar, mas tinham perdido sua antiga proeminência.
Como resultado, muitos dos textos de Aristóteles foram perdidos. Acredita-se que ele escreveu várias centenas de tratados e diálogos que explicavam suas teorias, mas tudo o que restou foram fragmentos de sua obra, principalmente na forma de palestras e notas de professor. Felizmente para a posteridade, esses textos foram preservados por seus seguidores, e restou o suficiente para dar uma visão geral da amplitude de sua obra.
O legado de Aristóteles
Com o florescimento do Islã no século VII, as obras de Aristóteles foram traduzidas para o árabe e se espalharam pelo mundo islâmico, tornando-se leitura essencial para sábios do Oriente Médio como Avicena e Averróis. Entretanto, na Europa ocidental. a tradução latina de Boécio do tratado aristotélico de lógica, realizada no século VI, permaneceu como única obra do filósofo disponível até o século IX, quando todos os textos de Aristóteles começaram a ser traduzidos do árabe para o latim. Também foi nessa época que suas ideias foram reunidas nos livros que conhecemos hoje, como Física, Ética a Nicômaco e Organon. No século XIII, Tomás ele Aquino desafiou a censura à obra de Aristóteles e a integrou à filosofia cristã, da mesma forma que Santo Agostinho tinha adotado Platão.
As notas sobre lógica de Aristóteles (expostas no Organon) permaneceram como o texto padrão sobre o tema até o surgimento da lógica matemática no século XIX. Da mesma forma, sua classificação dos seres vivos dominou o pensamento ocidental durante toda a Idade Média, tornando-se a scala naturae ("escada da natureza") cristã — ou Grande Cadeia do Ser. Ela descreveu toda a criação dominada pelo homem, que ficava atrás apenas de Deus. Durante a Renascença, o método empírico de investigação de Aristóteles também teve grande importância.
No século XVII, o debate entre empiristas e racionalistas alcançou o ápice depois que René Descartes publicou seu Discurso sobre o método. Descartes — e, depois dele, Leibniz e Kant — escolheu o caminho racionalista. Em resposta, Locke, Berkeley e Hume se alinharam como a oposição empirista. Novamente, as diferenças entre os filósofos eram tanto em relação ao temperamento quanto em relação à substância — o continental versus o insular, o poético versus o acadêmico, o platônico versus o aristotélico. Embora o debate tenha definhado no século XIX, houve um renascimento do interesse em Aristóteles em épocas recentes e uma reavaliação de seu significado. Sua ética, em particular, tem tido grande apelo para os filósofos modernos, que viram em sua definição funcional de "bom" uma chave para entender o modo como usamos a linguagem ética.
Epicuro cresceu numa época em que a filosofia da antiga Grécia já tinha alcançado o auge com as ideias de Platão e Aristóteles. O foco principal do pensamento filosófico estava mudando da metafisica para a ética, e também da ética política para a ética pessoal. No entanto, Epicuro encontrou a semente de uma nova escola de pensamento nas investigações de antigos filósofos, como a análise de Sócrates sobre a verdade dos conceitos e valores humanos básicos.
Fundamental à filosofia desenvolvida por Epicuro é a visão da paz de espírito, ou tranquilidade como objetivo da vida. Ele argumentou que o prazer e a dor são as raízes do bem e do mal, e que qualidades como virtude e justiça derivam dessas raízes, porque "é impossível viver uma vida agradável sem viver de maneira sábia, honrada e justa, e é impossível viver de maneira sábia, honrada e justa sem viver de maneira agradável". O epicurismo muitas vezes é erroneamente interpretado como simples busca dos prazeres sensuais. Para Epicuro, o maior prazer só é alcançável por meio do conhecimento, da amizade e de uma vida moderada, livre do medo e da dor.
Medo da morte
Um dos obstáculos para desfrutar da paz de uma mente tranquila, Epicuro raciocinou, é o medo da morte, intensificado pela crença religiosa de que, se incorrer na ira dos deuses, você será severamente punido na vida após a morte. Em vez de agir contra esse medo, propondo um estado alternativo de imortalidade Epicuro tentou explicar a natureza da própria morte. Ele começou propondo que, quando morremos, não estamos cientes da morte, já que nossa consciência (nossa alma) para de existir quando a vida cessa. Para explicar isso, Epicuro assumiu a visão de que o universo inteiro consiste em átomos ou espaços vazios, como manifestado pelos atomistas Demócrito e Leucipo. Epicuro ponderou que a alma não pode ser um espaço vazio porque ela opera dinamicamente com o corpo e, então, deve ser composta de átomos Ele descreveu esses átomos da alma distribuídos ao redor do corpo, mas tão frágeis que se dissolvem quando morremos, e então não somos mais capazes de sentir nada. Se quando morremos perdemos a capacidade de sentir as coisas, mental ou fisicamente, é tolice deixar o medo da morte causar-nos dor enquanto ainda vivemos.
Epicuro atraiu um séquito pequeno mas dedicado durante sua vida, mas era visto como alguém indiferente à religião, o que o tornou impopular. Seu pensamento foi amplamente ignorado pela filosofia predominante por séculos, ressurgindo no século XVIII nas ideias de Jeremy Bentham e John Stuart Mill. Na política revolucionária, os princípios do epicurismo ecoam nas palavras da Declaração de Independência dos Estados Unidos: "vida, liberdade e a busca pela felicidade".
Certa vez, Platão descreveu Diógenes como "um Sócrates que ficou louco". Embora a intenção fosse insultuosa, não está longe da verdade. Diógenes compartilhou da paixão pela virtude e da rejeição ao conforto material de Sócrates, mas levou essas ideias ao extremo. Ele argumentava que, para levar uma vida virtuosa, ou que valesse a pena viver, era necessário libertar-se das restrições externas impostas pela sociedade e do descontentamento interno causado pelo desejo, pela emoção e pelo medo. Isso podia ser conseguido, segundo ele, por quem fosse feliz vivendo uma vida simples, governada pela razão e por impulsos naturais, rejeitando sem pudor as convenções e renunciando ao desejo por propriedade e conforto.
Diógenes foi o primeiro de um grupo de pensadores que se tornaram conhecidos como cínicos, termo extraído do grego kynikos, que significa "parecido com cão". Ele refletiu a determinação dos cínicos em desprezar todas as formas de hábito social e etiqueta e, em vez disso, viver num estado tão natural quanto possível: Diógenes encarou uma vida de extrema pobreza, tendo como abrigo apenas um barril velho. Os cínicos asseguravam que quanto maior o despojamento, mais próximo estaríamos de viver uma vida ideal.
A pessoa mais feliz (ou que "tem mais", na frase de Diógenes) é, por consequência, alguém que vive de acordo com os ritmos do mundo natural, livre das convenções e dos valores da sociedade civilizada e "se satisfaz com o mínimo".
"A felicidade é o bem fluir da vida." Zenão de Cítio
Duas escolas importantes de pensamento filosófico surgiram depois da morte de Aristóteles: a ética hedonista e agnóstica de Epicuro, que teve apelo limitado, e o mais popular e duradouro estoicismo de Zenão de Cítio.
Zenão estudou com um discípulo de Diógenes de Sinope, o Cínico, e compartilhou de sua abordagem singela. Ele tinha pouca paciência com especulações metafísicas e chegou a acreditar que o cosmos era governado por leis naturais estabelecidas por um legislador supremo. O homem, ele declarou, é completamente impotente para mudar essa realidade — e, além de desfrutar de seus muitos benefícios, o homem também tem de aceitar sua crueldade e injustiça.
Livre-arbítrio
No entanto, Zenão também declarava que o homem recebeu uma alma racional com a qual exerce o livre-arbítrio. Ninguém é forçado a perseguir uma vida "de bem". Cabe ao indivíduo escolher pôr de lado as coisas sobre as quais tem pouco ou nenhum controle e tornar-se indiferente à dor e ao prazer, à pobreza e à riqueza. Mas a pessoa que fizesse isso, segundo Zenão, alcançaria uma vida em harmonia com a natureza em todos os aspectos, bons ou ruins, vivendo de acordo com as decisões do supremo legislador.
O estoicismo conquistou apoio em grande parte da Grécia helenista, mas atraiu ainda mais seguidores no Império Romano, que estava em expansão, onde floresceu como uma base para a ética pessoal e política, até ser suplantado pelo cristianismo no século VI.
"O que tornou Adão capaz de obedecer as ordens de Deus também o tornou capaz de pecar." (Santo Agostinho)
Agostinho tinha interesse particular sobre a questão do mal. Se Deus é inteiramente bom e todo-poderoso, por que há o mal no mundo? Para cristãos como Agostinho, assim como para adeptos do judaísmo e do islamismo, esse era, e ainda é, um problema central. Isso ocorre porque transforma um fato óbvio sobre o mundo — que ele contém o mal — em argumento contra a existência de Deus.
Agostinho foi capaz de responder a um aspecto do problema facilmente. Ele defendia que, embora tenha criado tudo o que existe, Deus não criou o mal porque o mal não é algo, mas a falta ou a deficiência de algo. Por exemplo, o mal padecido por um homem cego é a ausência de visão; o mal em um ladrão, é a falta de honestidade. Agostinho tomou emprestado esse modo de pensar de Platão e seus seguidores.
Liberdade essencial
Mas Agostinho precisava explicar por que Deus teria criado o mundo de tal maneira e permitir que existissem tais males ou deficiências naturais e morais. Sua resposta girou em torno da ideia de que os humanos são seres racionais. Ele argumentou que, para que Deus criasse criaturas racionais, como seres humanos, tinha que lhes dar livre-arbítrio. Ter livre-arbítrio significa ser capaz de escolher inclusive escolher entre o bem e o mal. Por essa razão, Deus teve de deixar aberta a possibilidade de que o primeiro homem, Adão, escolhesse o mal em vez do bem. De acordo com a Bíblia, isso é o que aconteceu. Visto que Adão desobedeceu a ordem de Deus para não comer a fruta da Árvore do Conhecimento.
O argumento de Agostinho se sustenta mesmo sem se referir à Bíblia. A racionalidade é a capacidade de avaliar as escolhas por meio do processo do raciocínio. O processo é possível onde há liberdade de escolha, inclusive a liberdade de se escolher o errado.
Agostinho também sugeriu uma terceira solução para o problema, convidando-nos a ver o mundo como algo belo. Ele dizia que, embora o mal no universo, este contribui para o bem total, que é maior do que poderia existir sem o mal — exatamente como a dissonância na música pode tornar uma harmonia mais agradável ou fragmentos escuros contribuem para a beleza de um quadro.
Explicando o mal natural
Desde Agostinho, a maioria dos filósofos cristãos tem abordado o problema do mal usando uma de suas abordagens, enquanto seus oponentes, corno Davíd Hume. têm apontado para suas fragilidades como argumentos contra o cristianismo. Chamar a doença de ausência de saúde, por exemplo, parece apenas um jogo de palavras: a doença pode se originar de uma deficiência de algo, mas o sofrimento do doente é real o suficiente. E como o mal natural, tais como terremotos e pragas, é explicado? Alguém sem uma crença anterior em Deus pode argumentar que a presença do mal no mundo prova que não há um Deus todo-poderoso e benevolente. Mas, para aquele que já acredita em Deus, os argumentos de Agostinho devem conter a resposta.
"Tudo é conhecido, não conforme si mesmo, mas de acordo com a capacidade do conhecedor." (Boécio)
O filósofo romano Boécio foi educado na tradição filosófica platônica e era cristão. Ganhou fama por sua solução a um problema que antecede Aristóteles: se Deus já sabe o que vamos fazer no futuro, como podemos dizer que temos livre-arbítrio?
A melhor maneira de entender o dilema é imaginar uma situação na vida cotidiana. Por exemplo, esta tarde posso ir ao cinema ou passar o tempo escrevendo. Como acaba acontecendo, vou ao cinema. Sendo este o caso, é verdade agora (antes do conhecido) que vou ao cinema esta tarde. Mas se é verdade agora, então tudo indica que eu realmente não tenho escolha de passar a tarde escrevendo. Aristóteles foi o primeiro a definir tal problema, mas sua resposta não é clara: ele parece ter pensado que uma frase como "devo ir ao cinema esta tarde" não é verdadeira nem falsa ou, pelo menos, não do mesmo modo que "fui ao cinema ontem".
Um Deus além do tempo
Boécio enfrentou uma versão mais difícil do mesmo problema. Ele acreditava que Deus conhece tudo, não apenas o passado e o presente, mas também o futuro. Então, se estou indo ao cinema à tarde, Deus já sabe disso de manhã. Parece, portanto, que não sou realmente livre para escolher passar a tarde escrevendo, visto que isso entraria em conflito com o que Deus já sabe.
Boécio solucionou o problema argumentando que uma mesma coisa pode ser conhecida de diferentes maneiras, dependendo da natureza do conhecedor. Meu cão, por exemplo, conhece o sol apenas como algo com qualidades que ele pode sentir pela visão e pelo tato. Entretanto, uma pessoa também pode raciocinar sobre a categoria do sol, pode saber quais elementos o compõem, sua distância da terra, e assim por diante.
Boécio considera o tempo de forma similar. Como vivemos no fluxo do tempo, só podemos conhecer os acontecimentos como passado (se eles ocorreram), presente (se estão ocorrendo agora) ou futuro (se vão ocorrer). Não podemos saber o resultado de acontecimentos futuros incertos. Deus, por outro lado, não está no fluxo do tempo. Ele vive em um eterno presente e sabe o que para nós é passado, presente e futuro do mesmo modo que conhecemos o presente. E, exatamente como o meu conhecimento sobre o fato de você estar sentado agora não interfere na sua liberdade para permanecer assim, então também o conhecimento de Deus sobre nossas ações futuras, como se elas fossem presente, também não as impede de serem livres.
Hoje, alguns pensadores argumentam que, já que ainda não decidi se vou ao cinema esta tarde, não há simplesmente nada para se conhecer sobre isso. Então, nem mesmo um Deus que fosse onisciente não saberia (e não conseguiria saber) se vou ou não.
"A conversa secreta é um encontro direto entre Deus e a alma, abstraída de todas as restrições materiais." Avicena
"Mas o que é isso que sou? Sou uma coisa que pensa." René Descartes
Avicena, também conhecido como Ibn Sina, é o filósofo mais importante na tradição árabe e um dos maiores pensadores do mundo. Como seus predecessores Al·Kíndi e Al·Farabi e seu sucessor Averróis, Avicena conscientemente se definiu como filósofo em vez de teólogo islâmico, escolhendo seguir a sabedoria grega e o caminho da razão e da evidência. Em particular, via a si mesmo como seguidor de Aristóteles, e seus principais textos são enciclopédias de filosofia aristotélica.
No entanto, essas obras explicam a filosofia de Aristóteles tal como repensada e sintetizada por Avicena. Em algumas doutrinas, como a ideia de que o universo sempre existiu, Avicena manteve a visão aristotélica apesar do fato de que ela entrava em conflito com a ortodoxia islâmica, mas em outras áreas ele se sentia livre para se afastar radicalmente de Aristóteles. Um exemplo notável é sua explicação à relação entre a mente ("eu" ou alma) e o corpo.
Mente e corpo são distintos
Aristóteles afirmava que o corpo e a mente dos humanos (e outros animais) não são duas coisas (ou "substâncias") diferentes, mas uma unidade, e que a mente é a "forma" do corpo humano. Como tal, é responsável por todas as atividades que um ser humano pode executar, incluindo pensar. Por essa razão, Aristóteles dava a impressão de não considerar possível que qualquer ser sobrevivesse à morte do corpo.
Em contraste, Avicena foi um dos mais famosos dualistas na história da filosofia: ele julgava que o corpo e a mente são substâncias distintas. Seu grande antecessor nessa visão, Platão, considerava a mente algo distinto e aprisionado no corpo. Platão acreditava que no momento da morte, a mente seria liberada de sua prisão para reencarnar posteriormente em outro corpo.
Para provar a natureza separada da mente e do corpo, Avicena concebeu um exercício mental conhecido como "homem voador": este aparece como um tratado, Da alma, dentro do Livro da cura, com a meta de remover qualquer conhecimento que possa ser possivelmente refutado, restando apenas verdades absolutas. É uma antecipação à obra de Descartes, o famoso dualista do século XVII, que também decidiu não acreditar em nada, exceto naquilo que ele próprio poderia saber com certeza. Avicena e Descartes quiseram demonstrar que a mente, ou “eu", existe porque sabe que existe — e que é distinta do corpo humano.
O homem voador
No experimento homem voador, Avicena quis investigar o que conseguimos saber se formos efetivamente privados de nossos sentidos e não pudermos depender deles para obter informação. Ele nos convidou a imaginar o seguinte: suponha que eu tenha acabado de começar a existir, mas tenho toda a minha inteligência normal. Suponha também que estou com os olhos vendados e que flutuo no ar, com meus membros separados uns dos outros, de modo que não posso tocar em nada. Suponha que estou completamente sem qualquer sensação. Apesar de tudo, tenho certeza de que eu existo. Mas o que é esse "eu" que sou eu? Ele não pode ser qualquer parte do meu corpo, porque não sei se o tenho. O "eu" que afirmo como existente não ·tem comprimento, largura ou profundidade. Não tem extensão ou atributos físicos. E se eu fosse capaz de imaginar, por exemplo, uma mão, não a imaginaria como pertencente a esse "eu" que sei que existe.
Conclui-se que o "eu" humano — o que sou — é distinto do meu corpo ou de qualquer coisa física. O experimento do homem voador, dizia Avicena, é um modo de alertar e lembrar a si próprio da existência da mente como algo diferente, e distinto, do corpo.
Avicena também tem outras formas de mostrar que a mente não pode ser algo material. A maioria dos argumentos baseia-se no fato de que o conhecimento intelectual que a mente consegue apreender não pode estar contido por nada material. É fácil ver como as partes de coisas físicas ajustam-se às partes de um órgão dos sentidos: a imagem da parede que vejo se estende à lente de meu olho, cada uma de suas partes correspondendo a uma parte da lente. Mas a mente não é um órgão dos sentidos: o que ela compreende são definições como "O homem é um animal racional e mortal". As partes dessa frase precisam ser apreendidas de uma vez, juntas. A mente, portanto, não pode ser de modo algum como o corpo ou como parte do corpo.
A alma imortal
Avicena concluiu que a mente não é destruída quando o corpo morre, mas que é imortal. Isso não ajudou a tornar seu pensamento mais palatável para os muçulmanos ortodoxos, que acreditam que o indivíduo inteiro, corpo e mente, ressuscita e desfruta das alegrias da vida após a morte. Consequentemente. Avicena foi atacado no século XII pelo grande teólogo islâmico Al-Ghazali, que o chamou de herege por abandonar o pilar islâmico central da ressurreição. Mas, no mesmo século, a obra de Avicena foi traduzida para o latim, e seu dualismo tornou-se popular entre os filósofos e teólogos cristãos. Eles apreciaram o modo como suas interpretações dos textos de Aristóteles tornaram-nos compatíveis com a ideia de uma alma imortal.
O "eu" indubitável
Cerca de duzentos anos depois, na década de 1250, Santo Tomás de Aquino defendeu uma interpretação mais fiel de Aristóteles, na qual mente e corpo estão muito mais intimamente ligados, e suas concepções foram aceitas pelos teólogos dos séculos XV e XVII. Em 1640, Descartes retornou ao dualismo mais próximo de Platão do que de Aristóteles, e seu argumento para isso era muito parecido com o de Avicena.
Descartes imaginava que havia um demônio que tentava enganá-lo sobre tudo que ele possivelmente podia ser enganado. A única coisa sobre a qual não podia ser enganado, ele percebeu, seria sobre sua própria existência. Esse "eu" é exatamente o "eu" do qual o homem voador de Avicena tem absoluta certeza, mesmo na ausência do conhecimento pelos sentidos. Como Avicena. Descartes concluiu que o "eu" é completamente distinto do corpo e deve ser imortal.
O fantasma na máquina
Uma forte objeção ao dualismo de Avicena ou de Descartes é o argumento usado por Aquino. Ele dizia que o "eu" que pensa é o mesmo "eu" que sente através do corpo. Por exemplo: não apenas percebo que há dor na minha perna da mesma maneira como um marinheiro percebe um buraco em seu navio. A dor pertence a mim tanto quanto meus pensamentos sobre filosofia ou sobre o que vou comer no almoço.
A maioria dos filósofos contemporâneos rejeita o dualismo mente-corpo, em grande parte por conta do crescente conhecimento científico sobre o cérebro. Avicena e Descartes estavam ambos interessados em fisiologia e fizeram descrições científicas de atividades como movimento e sensação. Mas o processo de pensamento racional era inexplicável com as ferramentas científicas então disponíveis. Hoje somos capazes de explicar com precisão como o pensamento funciona em áreas diferentes do cérebro — mas não está claro se isso significa que podemos explicar o pensamento sem referência a um "eu". Um influente filósofo britânico do século XX, Gilbert Ryle, caricaturou o "eu" dos dualistas como "um fantasma na máquina e tentou demonstrar que podemos explicar como os seres humanos compreendem e atuam dentro do mundo sem recorrer a esse "fantasma do eu".
Hoje, os filósofos estão divididos entre um pequeno número de dualistas, um número maior de pensadores que dizem que a mente é simplesmente um cérebro, e a maioria que concorda que o pensamento é o resultado da atividade física do cérebro, mas que insiste que há uma distinção entre os estados físicos do cérebro (a matéria cinza, os neurônios etc.) e o pensamento que deriva deles.
Muitos filósofos, especialmente pensadores da Europa continental, ainda aceitam os resultados do experimento de Avicena em um aspecto central: cada um de nós teria um "eu" com uma visão do mundo em primeira pessoa que não está acomodado com a visão objetiva das teorias científicas.
"Acreditamos que vós [Deus] sois algo que nada se pode conceber que vos seja maior." Santo Anselmo
Embora os pensadores cristãos tomem a existência de Deus como questão de fé, na Idade Média tentaram demonstrar também que ela podia ser provada por meio de argumentos racionais. A prova ontológica concebida por Anselmo — filósofo italiano do século XI que trabalhou com base na lógica aristotélica, no pensamento platônico e na própria genialidade — é provavelmente a mais famosa de todas.
Anselmo imaginou-se argumentando com um louco, que nega que Deus exista (ver pág. ao lado). O argumento baseia-se na aceitação de duas coisas: primeiro, que Deus é "um ser do qual não é possível pensar nada maior"; segundo, que a existência é superior à não existência. No final do argumento, o louco é forçado a aceitar uma posição contraditória ou admitir que Deus existe.
O argumento foi aceito por filósofo eminentes, como René Descartes e Bento de Espinosa. Muitos outros, contudo, assumiram o lado do louco. Um contemporâneo de Anselmo, Gaunilo de Marmoutiers, disse que poderíamos usar o mesmo argumento para provar que existe em algum lugar uma ilha maravilhosa, maior do que qualquer ilha que possa ser concebida. No século XVIII, Immanuel Kant objetou que o argumento trata a existência como se fosse um atributo das coisas como se eu pudesse descrever meu paletó da seguinte forma: "é verde, feito de tweed e existe". Existir não é como ser verde: se não existisse, não haveria paletó para ser verde ou de tweed.
Kant sustentou que Anselmo também errou ao dizer que aquilo que existe tanto na realidade quanto na mente é maior do que aquilo que existe apenas na mente, mas outros filósofos discordam. O que garante, afinal, que uma pintura real seja maior do que o conceito mental que o pintor tem antes de começar a trabalhar?
"Os filósofos acreditam que as leis religiosas são artes políticas necessárias." Averróis
Averróis trabalhou na área judiciária. Foi um qâdf (juiz islâmico) que atuou sob as almóadas, um dos regimes islâmicos mais severos na Idade Média. Apesar disso, passava as noites escrevendo comentários sobre a obra de um antigo filósofo pagão, Aristóteles. E um dos leitores ávidos de Averróis era ninguém menos do que o soberano almóada, Abu Ya'qub Yusuf.
Averrois reconciliou a religião e a filosofia com sua teoria hierárquica da sociedade. Ele julgava que apenas uma elite educada seria capaz de pensar filosoficamente, e todo o resto deveria ser obrigado a aceitar literalmente os ensinamentos do Alcorão. Averróis não considerava que o Alcorão fornecesse uma explicação precisa do universo se lido de maneira literal, mas sustentava que era uma aproximação poética da verdade, e isso seria o máximo que o inculto poderia apreender.
No entanto, Averróis acreditava que as pessoas cultas tinham a obrigação religiosa de usar o raciocínio lógico. Nos pontos em que o raciocínio revelasse que o significado literal do Alcorão era falso, Averróis dizia que o texto deveria ser "interpretado". Em outras palavras, o significado óbvio das palavras tinha de ser desconsiderado, com a aceitação da teoria científica demonstrada pela filosofia aristotélica em seu lugar.
O intelecto imortal
Averrois se dispunha a sacrificar algumas doutrinas islâmicas amplamente aceitas a fim de manter a compatibilidade entre filosofia e religião. Por exemplo, quase todos os muçulmanos acreditam que o universo tem um início, mas Averróis concordava com Aristóteles que ele sempre existiu — e afirmava que nada no Alcorão contradizia essa visão. No entanto, a ressurreição dos mortos, princípio básico do Islã, era mais difícil de incluir no universo aristotélico. Averróis aceitava que devemos acreditar na imortalidade pessoal, e que qualquer um que rejeite isso é um herege merecedor de execução. Mas ele assumia uma posição diferente de seus antecessores ao dizer que o tratado Da alma, de Aristóteles, não afirmava que os indivíduos humanos têm almas imortais. De acordo com a interpretação de Averróis, Aristóteles afirmou que a humanidade é imortal apenas por meio de um intelecto compartilhado. Averróis parecia dizer que há verdades imperecíveis, passíveis de descoberta pelos homens —mas que você e eu, como indivíduos, vamos perecer quando nossos corpos morrerem.
Averroístas posteriores
A defesa de Averrois da filosofia aristotélica (ao menos para a elite) foi evitada por seus colegas muçulmanos. Mas suas obras, traduzidas para o hebraico e latim, tiveram enorme influência nos séculos XIII e XIV. Estudiosos que apoiaram as opiniões de Aristóteles e Averrois ficaram conhecidos como averroístas, e havia entre eles estudiosos judeus como Moisés de Nardonne, e latinos, como Boécio e Sigério de Brabante. Os averroístas latinos aceitaram o Aristóteles interpretado por Averróis como a verdade de acordo com a razão — apesar de também ratificar um conjunto aparentemente conflitante de "verdades" cristãs. Eles foram descritos como defensores de uma teoria de "verdade dupla", mas sua visão é, mais precisamente, a de que a verdade relaciona-se ao contexto da investigação.
"Quando os intelectos contemplam a essência de Deus, sua apreensão torna-se incapacidade." Maimônides
Maimônides escreveu tanto sobre a lei judaica (em hebraico) quanto sobre o pensamento aristotélico (em árabe). Em ambas as áreas, uma de suas principais preocupações foi evitar a antropomorfização de Deus — ou seja, pensar em Deus como se fosse um ser humano. Para Maimônides, o pior erro de todos era interpretar a Torá (primeira parte da bíblia hebraica) como verdade literal e pensar em Deus como algo corpóreo. Qualquer um que pensasse isso, ele dizia, devia ser excluído da comunidade judaica. Mas no Guia dos perplexos, Maimônides levou essa ideia até o limite, desenvolvendo um ramo do pensamento conhecido como "teologia negativa". Ela já existia na teologia cristã e focava na descrição de Deus apenas em termos daquilo que Ele não é.
Deus, afirmava Maimônides, não tem atributos. Não podemos dizer com exatidão que Deus é "bom" ou "poderoso". Isso ocorre porque um atributo só pode ser acidental (passível de mudança) ou essencial. Um dos meus atributos acidentais, por exemplo, é que estou sentado; outros, são meu cabelo grisalho e meu nariz longo. Mas eu ainda seria o que essencialmente sou mesmo que estivesse de pé, tivesse cabelos ruivos e nariz arrebitado. Ser humano — isto é, ser um animal racional e mortal — é meu atributo essencial: ele me define. Em geral, aceita-se que Deus não tem atributos acidentais porque é imutável. Para Maimônides, Deus também não podia ter qualquer atributo essencial porque isso seria definidor, e Deus não pode ser definido. Então, Deus não tem atributos.
Falando sobre Deus
Maimônides afirmava que podemos dizer coisas sobre Deus, mas que elas devem ser compreendidas como referência aos atos de Deus, e não ao "ser" de Deus. A maior parte das discussões na Torá deve ser entendida desse modo. Então, quando nos dizem que "Deus é um criador", devemos entender isso como uma afirmação sobre o que Deus faz, em vez do tipo de coisa que Deus é. Se considerarmos a sentença "John é escritor", normalmente podemos entender o significado de que ser escritor é a profissão de John. Mas Maimônides nos convida a considerar apenas o que foi feito: nesse exemplo, John escreveu palavras. A escrita foi obra de John, mas ela não nos conta nada sobre ele.
Maimônides também aceitava que afirmações atribuindo qualidades a Deus podem ser compreendidas se interpretadas como negativas duplas. "Deus é poderoso", por exemplo, devia ser interpretado com o significado de que Deus não é impotente. Imagine um jogo em que penso em algo e lhe conto apenas o que esse algo não é ("não é grande, não é vermelho..."), até você adivinhar. A diferença, no caso de Deus, é que temos apenas as negações a nos guiar: não podemos dizer o que Deus é.
"Morri como mineral e tornei-me planta, morri como planta e renasci como animal, morri como animal e fui Homem." Jalal ad-Din Rumi
O sufismo, a interpretação mística e estética do Alcorão, é parte do Islã desde sua fundação, mas nem sempre foi aceito pelo estudiosos islâmicos predominantes. Jalal ad-Din Muhammad Rumi, mais conhecido como Rumi, foi criado no Islã ortodoxo e teve o primeiro contato com o sufismo quando sua família se mudou das fronteiras orientais da Pérsia para Anatólia, em meados do século XIII. O conceito sufi — unir-se a Deus por meio do amor — seduziu sua imaginação e, a partir disso, ele desenvolveu uma versão de sufismo para explicar a relação do homem com o divino.
Rumi tornou-se professor numa ordem sufi e, como tal, acreditava que era um veículo entre Deus e o homem. Em contraste com a prática geral islâmica, enfatizou muito mais o dhikr — a oração ou litania ritual — em vez da análise racional do Alcorão como guia divino, tornando-se conhecido por suas revelações em transe. Acreditava que era seu dever transmitir essas visões e, então, descreveu-as em forma de poesia. Fundamental para a sua filosofia visionária era a ideia de que o universo e tudo nele são um fluxo de vida infinito, no qual Deus é presença eterna. O homem, como parte do universo, também é parte desse continuum, e Rumi buscou explicar nosso lugar.
O homem, ele acreditava, é a ligação entre o passado e o futuro em um contínuo processo de vida, morte e renascimento — não como ciclo, mas em progressão de uma forma a outra, estendendo-se até a eternidade. A morte e a decadência são inevitáveis e partes desse fluxo de vida infinito, mas ao mesmo tempo em que algo cessa de existir em uma forma renasce em outra. Por causa disso, não devemos ter medo da morte nem lamentar as perdas. No entanto, a fim de assegurar nosso desenvolvimento de uma forma até outra, temos de nos empenhar para o crescimento espiritual e para uma compreensão da relação divino-humano. Rumi defendia que essa compreensão vem da emoção, em vez da razão — emoção intensificada por música, canto e dança.
O legado de Rumi
Os elementos místicos das ideias de Rumi foram inspiradores dentro do sufismo, mas também influenciaram o Islă predominante. Também se revelaram essenciais para converter grande parte da Turquia do cristianismo ortodoxo para o islamismo. Mas esse aspecto de seu pensamento não influenciou muito a Europa, onde o racionalismo era a ordem do dia. No entanto, no século XX, suas ideias se popularizaram no Ocidente, principalmente por causa da mensagem de amor em sintonia com os valores New Age da década de 1960. Talvez seu maior admirador no século XX tenha sido o poeta e político Muhammed Iqbal, conselheiro de Muhammad Ali Jinnah, que na década de 1930 fez campanha por um Estado paquistanês islâmico.
"Nunca houve tempo em que não houvesse movimento." Aristóteles
"Deus poderia ter criado o universo sem humanos e, depois, criá-los." Tomás de Aquino
"Devemos considerar se há uma contradição entre algo ser criado por Deus e seu existir perpétuo." Tomás de Aquino
"Alguém pode dizer que o tempo teve início no Big Bang, no sentido de que tempos anteriores simplesmente não seriam definidos. "Stephen Hawking
As opiniões das pessoas costumam se dividir entre as que sustentam que o universo teve um início e aquelas que defendem que ele sempre existiu. Hoje tendemos a procurar a resposta na física e na astronomia, mas no passado essa era uma questão para filósofos e teólogos. A resposta dada pelo sacerdote católico Tomás de Aquino, o mais famoso dos filósofos medievais cristãos, é especialmente interessante. Continua sendo uma forma plausível de refletir sobre o problema, e também nos conta muito sobre como Aquino combinou sua fé com o raciocínio filosófico, apesar de suas aparentes contradições.
Influência de Aristóteles
A figura central no pensamento de Santo Tomás de Aquino é Aristóteles, o antigo filósofo grego cuja obra fascinou os pensadores medievais. Aristóteles tinha a certeza de que o universo sempre abrigou diferentes seres — de objetos inanimados, como pedras, as espécies vivas, como humanos, cães e cavalos. Ele afirmava que o universo muda e se move, e isso só pode ser causado por mudança e havido uma primeira mudança ou um primeiro movimento: o universo estaria constantemente se movendo e mudando através dos tempos.
Os grandes filósofos árabes, Avicena e Averrois, estavam dispostos a aceitar a visão de Aristóteles, ainda que isso os fizesse discordar da ortodoxia islâmica. Os pensadores judeus e cristãos medievais, contudo, tinham mais empecilhos. Eles sustentavam que, de acordo com a Bíblia, o universo tem um início, então Aristóteles devia estar errado: o universo nem sempre existiu. Mas essa visão era algo que tinha de ser aceito baseado na fé ou podia ser refutado pelo raciocínio?
João Filopono, escritor cristão grego do século VI, acreditou ter encontrado um argumento para demonstrar que Aristóteles estava errado e que o universo nem sempre havia existido. Seu raciocínio foi copiado e desenvolvido por vários pensadores do século XIII, que precisavam encontrar uma falha no raciocínio de Aristóteles a fim de proteger os ensinamentos da Igreja. A linha de argumento era especialmente engenhosa: usou as próprias ideias de Aristóteles sobre o infinito como ponto de partida para refutar sua visão do universo como algo eterno.
Uma infinitude de humanos
De acordo com Aristóteles, infinito é o que não tem limite. Por exemplo, a sequência de números é infinita: para cada número há outro número maior que o segue. De maneira similar, o universo tem existido por um tempo infinito, porque para cada dia há um dia anterior. Entretanto, na opinião de Aristóteles, essa é uma infinitude "virtual", visto que esses dias não coexistem ao mesmo tempo; uma infinitude "atual" — na qual um número infinito de seres existem ao mesmo tempo é impossível.
Filopono e seus seguidores do século XIII consideraram que esse argumento apresentava problemas que o próprio Aristóteles não percebera. Eles apontaram para o fato de que ele acreditava que todos os tipos de seres vivos no universo sempre existiram. Se isso fosse verdade, significaria que já havia um número infinito de seres humanos na época em que Sócrates tinha nascido — porque, se eles sempre existiram, também existiam naquela época. Mas desde a época de Sócrates muitos mais humanos nasceram, e portanto o número de humanos nascidos até então devia ser maior do que o infinito. Mas nenhum número pode ser maior do que o infinito.
Além disso, acrescentaram esses autores, os pensadores cristãos creem que as almas humanas são imortais. Se fosse assim, e um número infinito de humanos já existia, deveria haver um número infinito de almas humanas em existência. Então, haveria uma infinitude atual de almas, não uma infinitude virtual — e Aristóteles dissera que a infinitude atual era impossível.
Com esses argumentos, usando os próprios princípios de Aristóteles como ponto de partida, Filopono e seus seguidores estavam confiantes de ter demonstrado que o universo não pode ter existido sempre. Aristóteles estava, portanto, errado. O universo não é eterno e isso se encaixava perfeitamente com a doutrina cristã de que Deus criou o mundo.
Santo Tomás de Aquino não perdeu tempo com esse tipo de raciocínio. Ele salientou que o universo pode ter sempre existido, mas que espécies como humanos e animais podem ter tido um início — as dificuldades levantadas por Filopono e seus seguidores, assim, podiam ser evitadas. Apesar de sua defesa do raciocínio de Aristóteles, Aquino não aceitava a afirmação aristotélica de que o universo é eterno, porque a fé cristã diz o contrário, mas não julgava que a posição de Aristóteles fosse ilógica. Como Filopono e seus seguidores. Aquino queria mostrar que o universo teve um início, mas também desejava demonstrar que não houve falha no raciocínio de Aristóteles. Ele afirmava que seus contemporâneos cristãos confundiram dois pontos diferentes: o primeiro é que Deus criou o universo, e o segundo é que o universo teve um início. Aquino começou a provar que, de fato, a posição de Aristóteles — o universo sempre existiu — poderia ser verdadeira, ainda que também fosse verdade que Deus criou o universo.
Criando o eterno
Aquino se afastou de Filopono e seus seguidores ao insistir que embora fosse verdade, como a Bíblia diz, que o universo teve um início, essa não era uma verdade necessária (incontestável) sobre bases lógicas. Como todos concordavam, Deus criou o universo com um início — mas Ele poderia com igual facilidade ter criado um universo eterno. Se algo é criado por Deus, então deve sua existência a Deus, mas isso não significa que deva ter existido um tempo em que esse algo não existiu. Seria, portanto, possível crer em um universo eterno que tenha sido criado por Deus.
Aquino deu um exemplo de como isso pode acontecer. Imagine que um pé deixa uma marca na areia, e que esta tenha sempre estado lá. Mesmo que nunca houvesse um momento anterior à marca, ainda reconheceríamos o pé como a causa da marca: se não fosse pelo pé, não haveria marca.
Aquino e síntese
Os historiadores às vezes dizem que Aquino "sintetizou" o cristianismo e a filosofia aristotélica, como se tivesse pegado as partes que queria e composto uma mistura homogênea. De fato, para Aquino, como para a maioria dos cristãos, os ensinamentos da Igreja devem ser aceitos, sem exceção ou concessão. No entanto, Aquino era incomum, porque pensava que, adequadamente compreendido, Aristóteles não contradizia o ensinamento cristão. A questão sobre se o universo sempre existiu é a exceção que prova a regra. Nesse caso particular, Aquino julgou que Aristóteles estava errado, mas não em seu princípio ou raciocínio. O universo realmente pode ter existido desde sempre, até onde os antigos filósofos sabiam. O problema era apenas o fato de que Aristóteles, não tendo acesso à revelação cristã, não tinha como saber que o universo não tinha existido desde sempre. Aquino acreditava que havia várias outras doutrinas centrais ao cristianismo que os antigos filósofos não conheciam nem podiam ter conhecido como a crença de que Deus é uma Trindade, e que uma pessoa da Trindade, o Filho, tornou-se humano. Mas, na opinião de Aquino, quando os humanos raciocinam corretamente, não podem chegar a qualquer conclusão que contradiga a doutrina cristã. Isso ocorreria porque a razão humana e o ensinamento cristão viriam da mesma fonte — Deus — e não poderiam se contradizer.
Aquino ensinou em mosteiros e universidades na França e na Itália, e a ideia de que a razão humana nunca poderia entrar em conflito com a doutrina cristã muitas vezes o colocou em conflito violento com alguns de seus colegas acadêmicos, especialmente aqueles especializados em ciências, que na época derivavam da obra de Aristóteles. Aquino acusou seus colegas eruditos de aceitar certas teses acerca da fé — por exemplo, a posição de que cada um de nós tem uma alma imortal —, mas de ao mesmo tempo dizer que, de acordo com a razão, tais teses podiam ser demonstradas como erradas.
Como adquirimos conhecimento
Aquino foi fiel a seus princípios em toda a sua obra, mas eles estão particularmente claros em duas áreas centrais de seu pensamento suas descrições sobre como adquirimos conhecimento e seu tratamento da relação entre mente e corpo. De acordo com Aquino, seres humanos adquirem conhecimento por meio do uso dos seus sentidos: visão, audição, olfato, tato e paladar. No entanto, tais impressões sensoriais apenas nos dizem como são as coisas superficialmente. Por exemplo, John, de onde está sentado, tem uma impressão visual de um objeto tridimensional, que é verde e marrom. Eu, por outro lado, estou sentado ao lado de uma árvore e posso sentir a rigidez de sua casca e o cheiro da floresta. Se John e eu fôssemos cães nosso conhecimento sobre a árvore seria limitado a essas impressões sensoriais. Mas, como seres humanos, somos capazes de ir além e entender de forma racional o que é uma árvore de forma racional, definindo-a e distinguindo-a de outros tipos de plantas e seres. Aquino chamou isso de "conhecimento intelectual" porque o adquirimos usando o poder inato do intelecto para apreender, com base nas impressões sensoriais, a realidade que está por trás delas. Animais diferentes dos humanos não têm essa capacidade inata — daí que seu conhecimento não pode se estender além dos sentidos. Toda a nossa compreensão científica sobre o mundo se basearia no conhecimento intelectual. A teoria do conhecimento de Aquino deve muito a Aristóteles, ainda que esclareça e elabore mais o pensamento do filósofo grego. Para Aquino, como pensador cristão, os humanos são apenas um tipo entre as várias espécies de seres capazes de conhecer as coisas intelectualmente almas separadas de seus corpos na vida após a morte, anjos e o próprio Deus também podem fazer isso. Esses outros seres conscientes não têm de adquirir conhecimento por meio dos sentidos conseguem apreender diretamente as definições das coisas. Esse aspecto da teoria de Aquino não tinha paralelo em Aristóteles, mas foi um desenvolvimento coerente dos princípios aristotélicos. Mais uma vez, Aquino conseguiu manter as crenças cristas sem contradizer Aristóteles, mas indo além dele.
A alma humana
De acordo com Aristóteles, o intelecto é o princípio da vida, ou "alma", de um ser humano. Todos os seres vivos teriam uma alma o que explicaria sua capacidade para níveis diferentes do que chama de "atividade vital": crescer e reproduzir, para as plantas, mover-se, sentir, procurar e evitar, para os animais; e pensar, para os humanos.
Aristóteles crê que a "forma" transforma a matéria naquilo que ela é Dentro do corpo humano, essa forma é a alma, que transforma o corpo no ser vivo que é ao lhe dar um conjunto particular de atividades vitais. Como tal, a alma está ligada ao corpo, e então Aristóteles crê que, mesmo no caso dos humanos, a alma-vida sobrevive apenas enquanto anima corpo, perecendo na morte.
Aquino seguiu o ensinamento de Aristóteles sobre os seres vivos e suas almas, insistindo que o ser humano tem apenas uma forma: seu intelecto. Embora outros pensadores dos séculos XIII e XIV também adotassem as linhas principais de Aristóteles, eles romperam o nexo que o pensador grego estabelecera entre o intelecto e o corpo, pois assim podiam acomodar o ensinamento cristão de que a alma humana sobrevive à morte. Aquino recusou-se a tal distorção. Isso tornou bem mais difícil para ele defender — como fez — a imortalidade da alma, em outro exemplo de sua determinação em ser um bom aristotélico, e bom filósofo, sem renunciar a sua fé.
Depois de Aquino
Desde a Idade Média, Tomás de Aquino veio a ser considerado o filósofo ortodoxo oficial da Igreja católica. Em sua própria época, quando traduções de filosofia grega estavam sendo feitas a partir do árabe, cheias de comentários, foi um dos pensadores mais interessados em seguir a série de raciocínios filosóficos de Aristóteles, mesmo quando não se encaixavam com a doutrina cristã. Sempre permaneceu fiel aos ensinamentos da Igreja, o que não evitou que seu pensamento quase fosse condenado como herético logo após sua morte. Os grandes pensadores e professores do século seguinte, como o filósofo secular Henrique de Gand e os franciscanos John Duns Scot e Guilherme de Ockham, se inclinaram muito mais a dizer que o raciocínio filosófico, como representado no mais alto grau pelos argumentos de Aristóteles, estava muitas vezes errado.
Scot considerava inadequada a visão aristotélica de Aquino sobre a alma. Ockham rejeitou a descrição de conhecimento de Aristóteles quase completamente. Henrique de Gand criticou a visão de Aquino de que Deus poderia ter criado um universo que sempre existiu. Se ele sempre existiu, argumentou Gand, não haveria possibilidade de não existir, então Deus não teria possuído autonomia para criá-lo ou não. A suprema confiança de Aquino no poder da razão denotava que ele tinha mais em comum com o maior filósofo do século anterior, o teólogo francés Pedro Abelardo, do que com seus contemporâneos e sucessores.
Crença coerente
Tanto a visão geral sobre a relação entre filosofia e doutrina crista de Aquino quanto seu tratamento particular da eternidade do universo permanecem relevantes no século XXI. Hoje, poucos filósofos acreditam que posições religiosas, como a existência de Deus ou a imortalidade da alma, possam ser provadas pelo raciocínio filosófico. Mas o que alguns reivindicam para a filosofia é que ela pode demonstrar que, embora os religiosos mantenham certas doutrinas como questão de fé, suas visões gerais não são menos racionais ou coerentes do que as dos agnósticos e ateus. Essa visão é uma extensão e um desenvolvimento do esforço de Aquino para desenvolver um sistema de pensamento filosoficamente coerente, ao mesmo tempo em que mantinha suas crenças Ler as obras de Aquino é uma lição de tolerância, para cristãos e não cristãos.
O papel da filosofia
Hoje não procuramos a filosofia para que ela diga se o universo sempre existiu ou não, e a maioria de nós não se volta para a Bíblia, como Aquino e outros pensadores medievais fizeram. Em vez disso, buscamos a física, em particular a teoria do "Big Bang” proposta por cientistas modernos, incluindo o físico e cosmólogo britânico Stephen Hawking. Essa teoria afirma que o universo se expandiu a partir de um estado de temperatura e densidade altíssimas num instante particular no tempo. Embora a maioria de nós agora se volte para a ciência em busca de uma explicação sobre como o universo começou, os argumentos de Aquino mostram que a filosofia ainda é relevante no modo como pensamos sobre a questão. Ele demonstra como a filosofia pode fornecer ferramentas para a investigação inteligente, permitindo-nos investigar não o que acontece, mas o que é possível e o que é impossível acontecer, e quais são as questões inteligíveis a serem feitas. É ou não é coerente acreditar que o universo teve um começo? Essa ainda permanece uma questão para filósofos, e nem toda a física teórica seria capaz de respondê-la.
"O-que-conheço não é Deus e o-que-concebo não é parecido com Deus." Nicolau de Cusa
Nicolau de Cusa pertence a uma longa tradição de filósofos medievais que tentaram descrever a natureza de Deus, realçando como Deus é diferente de qualquer ser que a mente humana é capaz de apreender. De Cusa começou com a ideia de que adquirimos conhecimento ao usar a razão para definir os seres. Então, a fim de conhecer Deus, ele deduziu que deveríamos tentar definir a natureza básica de Deus.
Platão descreveu "o Bem" ou "o Uno" como fonte suprema de todas as outras formas de conhecimento, e alguns antigos teólogos cristãos falaram de Deus como "além do ser". De Cusa, que escreveu por volta de 1440, foi além, afirmando que Deus é o que vem antes de tudo, antes mesmo da possibilidade de algo existir. Ainda que a razão nos fale acerca da possibilidade de qualquer fenômeno, existir deve vir antes da existência real. É impossível que algo venha a existir antes que essa possibilidade se manifeste. De Cusa concluiu, então, que algo capaz de fazer isso deveria ser descrito como "Não outro".
Além da apreensão
No entanto, o uso da palavra "ser" na linha de raciocínio que De Cusa adota é enganoso, visto que o "Não outro" não tem substância. Ele estaria, segundo De Cusa, "além da apreensão" e antes de todos os seres, de tal forma que estes "não são subsequentes a ele, mas existem através dele". Por tal razão, igualmente, De Cusa considerava que o "Não outro" aproximava-se mais de uma definição de Deus do que qualquer outro termo.
"A felicidade é alcançada quando a pessoa está pronta para ser o que ela é." Erasmo de Roterdã
O Elogio da loucura, tratado escrito por Erasmo em 1509, reflete as ideias humanistas que começavam a se espalhar pela Europa nos primeiros anos da Renascença, desempenhando um papel importante na Reforma. É uma sátira espirituosa sobre a corrupção e as disputas doutrinárias da Igreja católica. No entanto, tem também uma mensagem séria, afirmando que a loucura — como Erasmo chamou a ignorância ingênua — é parte essencial do ser humano, sendo o que essencialmente nos traz a maior felicidade e contentamento. Ele foi adiante para afirmar que o conhecimento, por outro lado, pode ser um fardo e levar a complicações passíveis de contribuir para uma vida opressiva.
Fé e loucura
A religião também é uma forma de loucura, afirmou Erasmo, pois a crença verdadeira só pode se basear na fé, nunca na razão. Ele rejeitou a mistura de racionalismo grego com teologia cristã feita por filósofos medievais como Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, consideradas intelectualização teológica — segundo ele, a causa fundamental da corrupção da fé religiosa. Em vez disso, defendeu um retorno às crenças sinceras, com indivíduos construindo uma relação pessoal com Deus, e não uma conexão prescrita pela doutrina católica.
Erasmo nos aconselhou a abraçar o que ele considerava o verdadeiro espírito das Escrituras: simplicidade, ingenuidade e humildade. Estas, ele disse, são as características humanas decisivas para uma vida feliz.
"Como é difícil para um povo acostumado a viver sob o domínio de um príncipe preservar sua liberdade!" Nicolau Maquiavel
"Deve ser compreendido que um príncipe não pode observar a todas as coisas consideradas virtuosas nos homens." Nicolau Maquiavel
"O mundo se tornou mais parecido com aquele de Maquiavel." Bertrand Russell
Para compreender a visão de Maquiavel sobre o poder é necessário entender o cenário de suas preocupações políticas. Maquiavel nasceu em Florença, Itália, durante uma época de agitações quase constantes. A família Médici detinha o controle público, mas não oficial, da cidade-estado havia 35 anos. O ano do nascimento de Maquiavel testemunhou Lorenzo de Médici (Lorenzo, o Magnífico) suceder o pai como governante, conduzindo um período de grande atividade artística. Lorenzo foi sucedido em 1492 pelo filho Piero (Piero, o Desafortunado), cujo reinado foi curto. Sob Carlos VIII, em 1494 os franceses invadiram a Itália com um exército numeroso. Forçado a se render, Piero fugiu da cidade quando os cidadãos se rebelaram contra ele. Florença foi declarada uma república naquele mesmo ano.
O prior dominicano da ordem São Marcos, Girolamo Savonarola, passou a dominar a vida política florentina. A cidade-estado entrou num período democrático sob seu comando, mas, depois de acusar o papa de corrupção, Savonarola acabou preso e queimado como herege. Isso levou ao primeiro envolvimento conhecido de Maquiavel na política florentina, quando ele se tornou secretário da Segunda Chancelaria, em 1498.
Carreira e influências
A invasão de Carlos VIII em 1494 iniciou um período turbulento na história da Itália, que na época dividia-se em cinco poderes: o papado, Nápoles, Veneza, Milão e Florença. O Estado florentino combateu diversas potências estrangeiras, principalmente a França, a Espanha e o Sacro Império Romano. Florença era frágil diante desses exércitos, e Maquiavel passou catorze anos viajando entre várias cidades em missões diplomáticas, tentando fortalecer a república.
No decorrer de suas atividades diplomáticas conheceu César Bórgia, filho ilegítimo do papa Alexandre VI. O papa era figura poderosa na Itália setentrional e uma ameaça significativa para Florença. Embora César fosse inimigo de Florença. Maquiavel — apesar de suas visões republicanas — ficou impressionado com seu vigor, inteligência e capacidade. Foi uma das fontes para a futura obra de Maquiavel, O príncipe.
O papa Alexandre VI morreu em 1503, e seu sucessor, o papa Júlio II, era outro homem forte e bem-sucedido que fascinou Maquiavel com sua capacidade militar e astúcia. Mas a tensão entre a França e o papado levou Florença a lutar com os franceses contra o papa e seus aliados, os espanhóis. Os franceses perderam a guerra — e Florença também. Em 1512, os espanhóis dissolveram o governo da cidade-estado, os Médicis retornaram, e instaurou-se uma virtual tirania sob o cardeal Médici. Maquiavel foi exonerado de seu cargo oficial e ficou exilado em sua fazenda florentina. Sua carreira política poderia ter se renovado sob o domínio dos Médicis, mas em fevereiro de 1513, falsamente implicado numa trama contra o clã governante, foi torturado, multado e aprisionado.
Maquiavel saiu da prisão em um mês, mas suas chances de recolocação eram pequenas. Suas tentativas de conseguir um novo cargo político deram em nada. Decidiu então presentear o chefe da família Médici em Florença, Juliano, com um livro. Na época em que o texto ficou pronto, Juliano tinha morrido, o que fez Maquiavel mudar a dedicatória para o sucessor, Lorenzo. O livro se alinhava a um gênero popular na época: conselhos a um príncipe.
O príncipe
O livro de Maquiavel, O príncipe, era espirituoso, cínico e revelava fina compreensão da Itália em geral, e de Florença, em particular. Nele, Maquiavel inicia seu argumento de que os objetivos de um governante justificam os meios usados para obtê-los. O príncipe se diferenciava de outros livros do gênero por sua resoluta rejeição da moralidade cristã. Maquiavel queria dar conselhos implacavelmente práticos a um príncipe e — como sua experiência com papas e cardeais bem-sucedidos demonstrara — os valores cristãos deviam ser postos do lado, se atrapalhassem o caminho.
A abordagem de Maquiavel centrava-se na noção da virtú — não na moderna concepção de virtude moral, mas mais próxima da percepção medieval de virtudes como poderes ou funções dos seres, como o poder curativo das plantas ou minerais. Como Maquiavel escreveu sobre as virtudes dos príncipes, elas eram os poderes e funções que diziam respeito ao domínio político. A raiz latina de virtú também se relaciona com "virilidade", e isso embasou o que Maquiavel tinha a dizer em relação ao próprio príncipe e ao Estado — onde, as vezes, a virtú foi usada para significar "sucesso" e descrever um Estado que devia ser admirado e imitado.
Parte da tese de Maquiavel era que um soberano não poderia ser limitado pela moralidade, mas deveria fazer o que for necessário para assegurar sua própria glória e o sucesso do Estado que governa: uma abordagem que se tornou conhecida como realismo. Mas Maquiavel não argumenta que os fins justificam os melos em todos os casos. Há certos meios que um príncipe sábio deve evitar, porque, embora possam alcançar os fins desejados, deixam-no exposto a ameaças futuras.
Os principais melos a serem evitados consistem naqueles que fariam o povo odiar seu príncipe. O povo pode amá-lo e temê-lo — preferivelmente ambos, dizia Maquiavel, embora seja mais importante para um príncipe ser temido do que amado. Mas o povo não deve odiá-lo, pois isso provavelmente levaria à revolta. Da mesma forma, um príncipe que maltrata seu povo desnecessariamente será desprezado — um príncipe deve ter uma reputação por sua compaixão, não pela crueldade. Isso pode envolver punições duras para uns poucos, a fim de alcançar uma ordem social geral que beneficie mais pessoas a longo prazo.
Nos casos em que Maquiavel não acredita que os fins justificamos meios, essa regra se aplica somente aos príncipes. A conduta adequada dos cidadãos do Estado não é de modo algum a mesma de um príncipe. Mas mesmo em relação aos cidadãos comuns, Maquiavel desdenhou da moralidade convencional cristã, considerada fraca e imprópria para uma cidade sólida.
Príncipe ou república
Há razões para suspeitar que O príncipe não representava ideias do próprio Maquiavel. Talvez o mais importante seja a disparidade entre as teorias que ele contém e as expressas em outra obra principal, Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. Nos Discursos, Maquiavel defendeu a república como regime ideal que deve ser instituído quando um razoável grau de igualdade existe ou pode ser estabelecido. Um principado só seria apropriado quando a igualdade não existe num Estado e não pode ser introduzida. Pode-se argumentar que O príncipe representava as ideias genuínas de Maquiavel sobre como o soberano deve governar em tais casos, se principados são às vezes um mal necessário, melhor que sejam tão bem administrados quanto possível. Além disso, Maquiavel acreditava que Florença estava em tal agitação política que precisava de um governante forte para deixá-la em ordem.
Agradando aos leitores
O fato de O príncipe ter sido escrito para que Maquiavel se aproximasse dos Médicis é outra razão para tratar seu conteúdo com precaução. Entretanto, ele também dedicou os Discursos a membros do governo republicano de Florença. Em sua defesa, pode-se dizer que Maquiavel teria escrito o que seu público da dedicatória queria ler. No entanto, O príncipe contém muito do que se julga que Maquiavel genuinamente acreditava, como a necessidade de uma milícia de cidadãos, em vez de se contar com mercenários. O problema está em discernir que partes são suas crenças reais e quais não são. É tentador dividi-las de acordo com o quanto elas se harmonizam com as próprias crenças do leitor-alvo, mas é improvável que isso forneça um resultado preciso.
Também foi sugerido que Maquiavel ensaiava uma sátira e que seu público-alvo eram os republicanos, não a elite governante. Essa ideia é sustentada pelo fato de que Maquiavel não escreveu em latim, a linguagem da elite, mas em italiano, a linguagem do povo. Certamente. O príncipe às vezes é interpretado satiricamente, como se fosse esperado que o público concluísse: "Se é assim que um bom príncipe deve se comportar, devemos, custe o que custar, evitar ser governados por um!". Se Maquiavel também satirizava a ideia de que "os fins justificam os meios", então o objetivo desse pequeno e ilusoriamente simples livro é muito mais intrigante do que se poderia supor.
"O contágio é muito perigoso nas multidões. Ou você imita o perverso ou o odeia." Michel de Montaigne
Em seu ensaio Da solidão (no primeiro volume de seus Ensaios), Montaigne dedicou-se a um tema que tem sido popular desde os tempos antigos: os perigos intelectuais e morais de se viver entre os outros e o valor da solidão. Montaigne não salientou a importância da solidão física, mas, mais exatamente, o desenvolvimento da capacidade de resistir à tentação de aquiescer indiferentemente às opiniões e ações da massa. Ele relacionou nosso desejo pela aprovação de colega com o de estar demasiadamente ligado à riqueza e à posse. Ambas as paixões nos diminuem, afirmou Montaigne, mas ele não concluiu que devemos renunciar a elas: apenas devemos cultivar o desprendimento. Ao fazer isso, podemos desfrutá-las — e até mesmo nos beneficiarmos —, mas não nos tornaremos emocionalmente escravizados por elas ou ficaremos devastados se as perdermos.
Da solidão considera como nosso desejo de aprovação pela massa está ligado à busca pela glória ou fama. Ao contrário de pensadores como Nicolau Maquiavel, que via a glória como um objetivo digno, Montaigne acreditava que o empenho constante pela fama é a maior barreira à paz de espirito — ou tranquilidade. Ele dizia, sobre aqueles que apresentam a glória como um objetivo desejável, que "só tem seus braços e pernas destacados da multidão, suas almas, suas vontades, estão mais comprometidas com ela do que nunca".
Montaigne não se preocupava se alcançamos ou não a glória. Seu ponto principal é que devemos nos livrar do desejo de glória aos olhos das outras pessoas que não devemos sempre pensar na aprovação e na admiração alheias como sendo valiosas. Ele foi além ao recomendar que, em vez de procurar a aprovação daqueles à nossa volta, devemos imaginar que algum ser verdadeiramente notável e nobre está sempre conosco, observando nossos pensamentos mais íntimos: um ser em cuja presença até os loucos esconderiam seus defeitos. Ao fazer isso, aprenderemos a pensar clara e objetivamente, nos comportando de maneira mais séria e racional.
Montaigne afirmava que preocupar-se demasiadamente com a opinião dos outros pode nos corromper, porque acabamos imitando aqueles que são maus ou ficando tão consumidos pelo ódio contra eles que perdemos a razão.
As ciladas da glória
Montaigne retomou seu ataque contra a busca pela glória em textos posteriores, mostrando que a aquisição da glória é tão recorrentemente uma questão de sorte que faz pouco sentido considerá-la com tal reverência. "Muitas vezes vi a sorte sair à frente do mérito, e frequentemente muito à frente", ele escreveu. Montaigne também disse que encorajar homens de Estado e líderes políticos a valorizar a glória acima de todas as coisas, como Maquiavel fez, apenas os ensina a nunca se esforçar a menos que um público que manifeste aprovação esteja disponível, pronto e ávido para testemunhar a extraordinária natureza de seus poderes e realizações.
"A melhor prova é a experiência." Francis Bacon
Bacon com frequência é reconhecido como o primeiro de uma tradição de pensamento conhecida como empirismo britânico, caracterizado pela visão de que todo conhecimento deve vir essencialmente da experiência sensorial. Ele nasceu numa época em que houve um deslocamento da ênfase da Renascença nas redescobertas do mundo antigo rumo a uma abordagem mais científica do conhecimento. Já haviam surgido alguns trabalhos inovadores de cientistas renascentistas, como o astrônomo Nicolau Copérnico e o anatomista André Vesálio, mas o novo período — às vezes chamado de Revolução Científica — produziu um número espantoso de pensadores científicos, incluindo Galileu Galilei, William Harvey, Robert Boyle, Robert Hooke e Isaac Newton.
Embora a Igreja fosse, de modo geral, receptiva à ciência durante grande parte do período medieval, isso cessou com o aumento da oposição à autoridade do Vaticano durante a Renascença. Vários reformadores religiosos, como Martinho Lutero, se queixavam que a Igreja havia sido muito indulgente com os desafios científicos às concepções do mundo baseadas na Bíblia. Em resposta, a Igreja católica, que já perdera seguidores para a nova forma de cristianismo de Lutero, mudou de postura e voltou-se contra o esforço científico. Essa oposição, de ambos os lados da divisão religiosa, dificultou o desenvolvimento das ciências.
Bacon afirmava aceitar os ensinamentos da Igreja cristã. Mas também argumentou que a ciência deve ser separada da religião, a fim de tornar a aquisição de conhecimento mais rápida e fácil, de modo que pudesse ser usada em prol da qualidade de vida das pessoas. Bacon enfatizou esse papel transformador da ciência. Para ele, a capacidade da ciência de elevar a existência humana havia sido anteriormente ignorada, em favor do foco sobre a glória acadêmica e pessoal do cientista.
Bacon elaborou uma lista de barreiras psicológicas à busca de conhecimento científico em termos do que chamou coletivamente de "ídolos da mente", quais sejam: os "ídolos da tribo", a tendência dos seres humanos como espécie (ou "tribo") que generaliza; os "ídolos da caverna", nossa inclinação para impor preconcepções sobre a natureza, em vez de examinar o que realmente está lá; os "ídolos do mercado", facilidade com que deixamos as convenções sociais distorcerem nossa experiência; e os "ídolos do teatro", a influência deformadora dos dogmas filosóficos e científicos predominantes. O cientista, de acordo com Bacon, deve lutar contra todos eles para adquirir conhecimento sobre o mundo.
Método científico
Argumentando que o avanço das ciências depende da formulação de leis de generalidade crescente, Bacon propôs um método científico que incluiu uma variação dessa abordagem. Em lugar de fazer uma série de observações — como a de metais que se expandem quando aquecidos, para concluir que o calor deve provocar expansão em todos os metais, ele enfatizou a necessidade de testar uma nova teoria, prosseguindo em busca de exemplos negativos (no caso, metais que não se expandem quando aquecidos). A influência de Bacon pôs em primeiro plano a experiência prática na ciência. No entanto, ele foi criticado por negligenciar a importância dos saltos imaginativos que impulsionam todo progresso científico.
"A vida é apenas um movimento dos membros." Thomas Hobbes
"O que é o coração, senão uma mola; e os nervos, senão várias cordas; e as articulações, senão várias rodas, dando movimento ao corpo inteiro." Thomas Hobbes
"Além dos sentidos, dos pensamentos e da série de pensamentos, a mente do homem não tem outro movimento." Thomas Hobbes
Embora seja mais conhecido por sua filosofia política, Thomas Hobbes escreveu sobre grande variedade de temas. Muitas de suas concepções são controversas, e não menos importante é sua defesa do fisicalismo, a teoria que tudo no mundo é exclusivamente físico na natureza, não admitindo lugar para a existência de outras entidades naturais, como a mente, nem para seres sobrenaturais. De acordo com Hobbes, todos os animais, incluindo os humanos, não são nada mais do que máquinas de carne e osso.
O tipo de teoria metafísica apoiada por Hobbes estava se tornando cada vez mais popular na época em que ele escreveu, em meados do século XVII. O conhecimento sobre as ciências físicas crescia rapidamente, trazendo explicações mais claras sobre os fenômenos que há tempos eram obscuros ou mal interpretados. Hobbes conhecera o astrônomo italiano Galileu, considerado o "pai da ciência moderna", e estivera intimamente ligado a Francis Bacon, cujo pensamento ajudara a revolucionar a prática científica.
Hobbes viu na ciência e na matemática o oposto da filosofia escolástica medieval, que tinha procurado reconciliar as aparentes contradições entre razão e fé. Em comum com vários pensadores da época, ele acreditava que não havia limite para o alcance da ciência, assumindo como fato que qualquer questão sobre a natureza do mundo podia ser respondida com uma explicação formulada cientificamente.
A teoria de Hobbes
No Leviată, sua principal obra política, Hobbes declarou: "O universo — isto é, a massa total das coisas que existem — é corpóreo, isto quer dizer, tem corpo". Ele seguiu dizendo que cada um desses corpos tem "comprimento, largura e profundidade" e "aquilo que não é corpo não é parte do universo". Embora Hobbes sustentasse que a natureza de tudo é puramente física, não afirmou que por causa dessa fisicalidade tudo pode ser percebido. Alguns corpos ou objetos, Hobbes declarou, são imperceptíveis, ainda que ocupem espaço físico e tenham dimensões físicas. Seriam os chamados "espíritos". Alguns deles, denominados "espíritos animais" (conforme a visão comum à época), seriam responsáveis pela maioria da atividade animal, especialmente a humana: mover-se-iam ao redor do corpo, carregando e passando informação, mais ou menos da mesma forma como a hoje conhecida ação do sistema nervoso.
Às vezes, Hobbes parecia aplicar seu conceito de espíritos físicos a Deus e outros entes encontrados na religião, como anjos. No entanto, ele afirmava que Deus, mas não outros espíritos físicos, devia ser descrito como "incorpóreo". Para Hobbes, a natureza divina dos atributos de Deus não era inteiramente compreensível pela mente humana; por consequência, o termo "incorpóreo" seria o único a reconhecer e também a reverenciar a substância incognoscível de Deus. Hobbes deixou claro que acreditava que a existência e a natureza de todos os entes religiosos são matéria da fé, não da ciência, e que Deus, em particular, permanecia além da compreensão. Tudo o que seria possível aos seres humanos saber sobre Deus é que Ele existe e que é a primeira causa, ou criador, de tudo no universo.
O que é consciência?
Como Hobbes considerava os seres humanos puramente físicos e, portanto, não mais do que máquinas biológicas, ele foi então confrontado com o problema de como ser responsável pela nossa natureza mental. E não tentou fornecer uma explanação sobre como a mente pode ser explicada. Simplesmente ofereceu uma descrição geral e um tanto vaga do que julgamos que a ciência eventualmente deveria demonstrar. Mesmo assim, ele apenas cobriu atividades mentais como movimento voluntário, apetite e repulsa — todos fenômenos que podem ser estudados e explicados a partir do ponto de vista mecanicista. Hobbes não tinha nada a dizer sobre o que o filósofo australiano contemporâneo David Chalmers chama de "o difícil problema da consciência". Chalmers mostra que certas funções da consciência, como o uso da linguagem e o processamento da informação, podem ser explicadas de maneira relativamente fácil em termos dos mecanismos que realizam essas funções, e que os filósofos fisicalistas tinham oferecido variantes dessa abordagem há séculos. No entanto, o problema mais complexo — explicar a natureza da experiência da consciência subjetiva em primeira pessoa — permaneceu não esclarecido por eles. Parecia haver uma incompatibilidade intrínseca entre os objetos das ciências físicas, por um lado, e os sujeitos da experiência consciente, por outro algo que Hobbes pareceu ignorar.
Ao descrever suas crenças, Hobbes oferece poucas bases para sua convicção de que tudo no mundo, incluindo os seres humanos, é totalmente físico. Ele parecia não notar que suas premissas para a existência de espíritos materiais imperceptíveis podiam igualmente ser premissas para uma crença em substâncias não materiais. Para a maioria das pessoas, algo ser imperceptível é mais consistente com um conceito mental do que com um físico. Além disso, como os espíritos materiais de Hobbes só podiam possuir as mesmas propriedades que outros tipos de seres físicos, nunca puderam oferecer ajuda para uma explicação da natureza mental dos seres humanos.
O dualismo de Descartes
Hobbes também teve de rivalizar com um pensamento bem diferente sobre mente e corpo apresentado por Descartes em suas Meditações, de 1641. Descartes sustentou a "distinção real": a noção de que mente e corpo são tipos de substâncias completamente distintos. Embora na época fizesse objeção às ideias de Descartes, Hobbes não fez comentários específicos sobre essa distinção. No entanto, catorze anos depois, dedicou-se ao problema novamente numa passagem da obra De corpore, apresentando e criticando o que julgava ser uma forma confusa do argumento de Descartes. Ele rejeitou a conclusão cartesiana — de mente e corpo como substâncias distintas com base no fato de que o uso da frase "substância incorpórea" por Descartes era um exemplo de linguagem vazia. Hobbes considerou que ela significava "um corpo sem corpo", o que parece não ter sentido. No entanto, tal consideração baseava-se em sua própria visão de que todas as substâncias são corpos. O que Hobbes tentou apresentar como fundamento para sua posição (de que não podia haver mentes incorpóreas) estava fundamentado na sua premissa equivocada de que a única forma de substância é o corpo (e que, portanto, não haveria possibilidade de existirem seres incorpóreos).
Um simples preconceito
Em última análise, como a definição de espíritos físicos de Hobbes indicava, não ficou claro o que ele julgou que significasse "físico" ou "corpóreo". Se isso significava qualquer coisa que tivesse três dimensões espaciais, então ele estaria excluindo muito do que nós, no início do século XXI, podemos considerar como "físico": suas teorias sobre a natureza do mundo excluiriam, por exemplo, a física subatômica.
Na ausência de uma noção clara do significado de seu termo principal, a obsessão de Hobbes de que tudo no mundo podia ser explicado em termos físicos começou a ficar cada vez menos parecida com uma declaração de princípio científico. Em vez disso, parece ser um preconceito não científico (e não filosófico) contra o conceito mental. Essas teorias mecanicistas sobre a natureza do mundo, contudo, em grande medida seguiam o espírito de uma época que desafiaria radicalmente a maior parte das concepções predominantes sobre a natureza humana e a ordem social, assim como aquelas que diziam respeito a substâncias e ao funcionamento do universo.
"É necessário que ao menos uma vez na vida você duvide, tanto quanto possível, de todas as coisas." René Descartes
"Imagino que algum gênio maligno de máximo poder e astúcia empregou todas as suas energias para me enganar." René Descartes
"Essa proposição — Eu sou, eu existo — é necessariamente verdadeira quando formulada por mim ou concebida na minha mente." René Descartes
"Quando alguém diz 'penso, logo sou', reconhece isso como algo evidente por simples intuição mental." René Descartes
René Descartes viveu no começo do século XVII, num período por vezes chamado de Revolução Científica, uma era de rápidos avanços nas ciências. O cientista e filósofo britânico Francis Bacon havia estabelecido um novo método para conduzir experiências cientificas, baseado em observações detalhadas e raciocínio dedutivo, e suas metodologias forneceram um novo sistema para investigar o mundo. Descartes compartilhava sua excitação e otimismo, mas por razões diferentes. Bacon considerava que as aplicações práticas das descobertas científicas eram seu objetivo e ponto principal, enquanto Descartes estava mais fascinado com o projeto de expandir o conhecimento e a compreensão do mundo.
Durante a Renascença, as pessoas tinham se tornado mais céticas acerca da ciência e da possibilidade do conhecimento genuíno em geral, e essa visão continuou a exercer influência na época de Descartes. Assim, uma grande motivação para seu "projeto de investigação pura", como sua obra ficou conhecida, foi o desejo de livrar a ciência do ceticismo perturbante.
Em Meditações sobre filosofia primeira, sua obra mais completa e rigorosa sobre metafísica (o estudo do ser e da realidade) e epistemologia (o estudo da natureza e dos limites do conhecimento), Descartes tentou demonstrar a possibilidade do conhecimento mesmo a partir das posições mais céticas e, a partir disso, estabelecer um alicerce firme para as ciências.
As Meditações estão escritas em primeira pessoa porque ele não estava apresentando argumentos para provar ou refutar certas afirmações, mas, em vez disso, desejava guiar o leitor pelo caminho que ele próprio percorreu. Dessa forma, o leitor é forçado a adotar o ponto de vista daquele que reflete, ponderando sobre as coisas e descobrindo a verdade, como Descartes fizera. Essa abordagem faz lembrar o método socrático, no qual o filósofo gradualmente extrai a compreensão da própria pessoa, em vez de apresentá-la embrulhada e pronta para ser consumida.
O mundo ilusório
A fim de estabelecer que suas crenças tenham estabilidade e resistência, o que considerava duas importantes marcas do conhecimento, Descartes usou a chamada "dúvida metódica", que se baseia numa reflexão que deixa de lado qualquer crença cuja verdade possa ser contestada, leve ou completamente. O objetivo de Descartes era mostrar que, ainda que comecemos com o mais renhido ceticismo, podemos alcançar o conhecimento. A dúvida "hiperbólica" era usada apenas como ferramenta filosófica: como Descartes frisou, *nenhuma pessoa sã já duvidou seriamente dessas coisas".
Descartes começou submetendo suas crenças a uma série de argumentos céticos cada vez mais rigorosos, questionando como podemos ter certeza da existência de qualquer coisa. O mundo que conhecemos pode ser apenas uma ilusão? Não podemos confiar em nossos sentidos como base segura para o conhecimento, porque todos já fomos "enganados por eles uma vez ou outra. Ele dizia que talvez estivéssemos sonhando, e o mundo aparentemente real não fosse mais que um mundo de sonho. Ele percebeu que isso seria possível, pois não há indícios certos entre estar acordado ou dormindo. Mas, mesmo assim, essa situação deixaria aberta a possibilidade de que algumas verdades, como os axiomas matemáticos, podem ser conhecidas, embora não por meio dos sentidos. E até essas "verdades" podem, de fato, não ser verdadeiras, porque Deus, que é todo-poderoso, pode nos enganar até mesmo nesse nível. Ainda que acreditemos que Deus é bom, é possível que Ele nos tenha feito de tal modo que somos inclinados a erros em nosso raciocínio. Ou talvez não haja Deus — nesse caso, temos ainda mais probabilidade de sermos seres imperfeitos, passíveis de enganos o tempo todo.
Tendo chegado a uma posição em que não se podia ter certeza sobre nada, Descartes então criou uma ferramenta poderosa para ajudá-lo a evitar que acabasse novamente na opinião preconcebida: ele imaginou que haveria um gênio poderoso e maligno capaz de enganá-lo sobre qualquer coisa. Quando se visse considerando uma opinião, ele se perguntaria: "O gênio pode estar me fazendo acreditar nisso, mesmo que seja falso?". Se a resposta fosse "sim", ele devia deixar a opinião de lado, pois é duvidosa.
Nesse ponto, aparentemente Descartes havia se colocado numa situação impossível — se tudo está sujeito a dúvida, então ele não tem qualquer base sólida sobre a qual trabalhar. Ele descreveu a si mesmo como se estivesse sacudido por um redemoinho de dúvida universal, impotente, incapaz de encontrar um apoio. O ceticismo parecia ter-lhe impossibilitado iniciar sua jornada de volta ao conhecimento e à verdade.
A primeira certeza
Nesse ponto, Descartes compreendeu que havia uma crença da qual ele não podia duvidar a crença na própria existência. Cada um de nós pensa ou diz: "Sou, existo" e, enquanto pensamos ou dizemos isso, não podemos estar errados. Quando Descartes tentou aplicar o teste do gênio maligno a sua crença, percebeu que o gênio só podia levá-lo a acreditar que ele existe se ele, Descartes, de fato existir — como ele poderia duvidar da própria existência, se é preciso existir para ter dúvida?
O axioma "Eu sou, eu existo" constitui a primeira certeza de Descartes. Em sua obra anterior, o Discurso sobre o método, ele a apresentou como "Penso, logo existo", mas abandonou a frase ao escrever suas Meditações, pois o uso de "logo" leva a afirmação a ser lida como premissa e conclusão. Descartes queria que o leitor — o "eu" que medita — percebesse que, assim que considero o fato de que existo, sei que isso é verdadeiro. Tal verdade é instantaneamente apreendida. A percepção de que existo é uma intuição direta, não a conclusão de um argumento.
Apesar do avanço de Descartes para uma expressão mais clara de sua posição, a formulação anterior era tão poderosa que se mantém na memória das pessoas até hoje a primeira certeza é, em geral, conhecida como a sentença latina cogito ergo sum, que significa "Penso, logo existo". Santo Agostinho tinha usado um argumento similar em A cidade de Deus, quando disse "se eu estiver errado, existo", querendo dizer que se ele não existia, não podia estar errado. No entanto, Agostinho fez pouco uso disso em seu pensamento — e não chegou a ele da mesma maneira que Descartes.
Contudo, qual o propósito de uma única crença? O argumento lógico mais simples é um silogismo, que tem duas premissas e uma conclusão, tal como: todos os pássaros têm asas; um sabiá é um pássaro, portanto, todos os sabiás têm asas. Nós certamente não conseguimos chegar a lugar algum a partir de uma única crença verdadeira. Mas Descartes não estava esperando chegar a esses tipos de conclusões com sua primeira certeza. Ele argumentou: "Arquimedes exigia apenas um ponto de apoio a fim de mover a Terra inteira". Para Descartes, a certeza sobre a própria existência era esse apoio — ela o salvava daquele redemoinho de dúvida, fornecia-lhe uma base firme e permitia iniciar a jornada de volta, do ceticismo ao conhecimento. Foi crucial para seu projeto de investigação, mas não o alicerce de sua epistemologia.
O que é este "eu"?
A principal função da primeira certeza foi fornecer uma base sólida para o conhecimento. Mas Descartes percebeu que também podemos ser capazes de adquirir conhecimento a partir da própria certeza. Isso ocorre porque a compreensão do que penso é limitada pela compreensão de minha existência. Assim, "pensar" é também algo do qual não posso racionalmente duvidar, já que duvidar é um tipo de pensamento: duvidar que estou pensando é pensar. Como Descartes concluiu que existia e que pensava, entendeu que ele — assim como todos os que meditam — era coisa que pensa.
Descartes deixou claro que isso era o máximo que podia extrair a partir da primeira certeza. Ele certamente não se permitia dizer que era apenas algo pensante — uma mente — porque não tinha como saber o que mais poderia ser. Ele podia ser algo físico que também possuísse a capacidade de pensar, ou, ainda, qualquer outra coisa que ainda nem tivesse concebido. Nesse estágio de suas meditações, ele sabia apenas que era algo pensante — algo pensante "somente no sentido estrito", ele frisou. Só mais tarde, no sexto livro das Meditações, Descartes apresentaria o argumento de que a mente e o corpo são tipos diferentes de coisas — substâncias distintas.
Duvidando de Descartes
A primeira certeza tem sido alvo de crítica de muitos escritores, que sustentam que a abordagem do ceticismo cartesiano está condenada desde o início. Um dos principais argumentos contrários refuta o uso da primeira pessoa em "Sou, existo". Embora Descartes talvez não tenha errado ao dizer que o ato de pensar estava ocorrendo, como ele sabia que havia "um pensador" (uma consciência única, unificada) realizando esse pensamento? O que lhe dava o direito de assegurar a existência de algo além dos pensamentos? Por outro lado, podemos aceitar a noção de pensamentos circulando por aí sem um pensador?
É difícil imaginar pensamentos coerentes e avulsos. Para Descartes, isso era inconcebível. No entanto, se alguém discordasse e acreditasse que um mundo de pensamentos sem pensadores é genuinamente possível, Descartes não teria direito à crença de que ele existe, e assim fracassaria em alcançar sua primeira certeza. A existência de pensamentos não lhe forneceria a base sólida de que necessitava.
O problema com a noção de pensamento flutuando pelo ar sem pensador é que o raciocínio seria impossível. Para raciocinar, é necessário relacionar ideias de maneira particular. Por exemplo, se Patrick tem o pensamento "Todos os homens são mortais" e Patrícia tem o pensamento "Sócrates é um homem", nenhum dos dois pode concluir nada. Mas se Paula tem os dois pensamentos, ela pode concluir que "Sócrates é mortal". Não bastaria ter os pensamentos "Todos os homens são mortais" e "Sócrates é um homem" flutuando no nada — para que a razão seja possível, é preciso fazer com que ambos se relacionem, conectando-os da forma correta. Tornar os pensamentos subordinados a algo que não seja um pensador (por exemplo, a um lugar ou a uma época) não ajuda a realizar a tarefa. E já que o raciocínio é possível, Descartes pode concluir que há um pensador.
Alguns filósofos modernos negam que a certeza de Descartes acerca da própria existência seja capaz de realizar a tarefa que ele imaginou. O argumento de que "eu existo" não tem conteúdo, porque simplesmente se refere a um sujeito, mas não diz nada significativo ou importante sobre ele — simplesmente indica o sujeito. Por essa razão, nada pode seguir a partir disso, abortando o projeto de Descartes já no início.
Isso parece uma interpretação equivocada de Descartes. Como vimos, ele não usou a primeira certeza como premissa da qual se obtém o conhecimento: tudo o que ele precisava é que existisse um "eu" como evidência. Mesmo que "eu existo" só resultasse em apontar para aquele que pensa, isso bastava para Descartes vislumbrar uma saída do redemoinho da dúvida.
Um pensador irreal
Para aqueles que interpretaram Descartes equivocadamente por seu argumento em que o fato do pensamento leva ao fato da existência, pode-se salientar que a primeira certeza é uma intuição direta, não um argumento lógico. Ainda assim, qual o problema em Descartes oferecer tal argumento?
Assim como se apresenta, falta uma premissa importante na aparente dedução "estou pensando, logo existo". Isto é, para que funcione, o argumento precisa de outra premissa, tal como "algo que está pensando, existe". Às vezes, uma premissa óbvia não é enunciada em um argumento: é a chamada premissa oculta. Mas alguns dos críticos de Descartes reclamam que tal premissa oculta não é, de modo algum, óbvia. Por exemplo, o personagem Hamlet, Shakespeare, pensava bastante. Todos concordam, porém, que ele não existia — então, não é verdade que algo que pensa, existe.
Pode-se dizer que, na medida em que Hamlet pensou, o fez no mundo fictício da peça, e que também existiu naquele mundo fictício, se ele não existia, não existia no mundo real. Sua "realidade" e seu pensamento estão ligados ao mesmo mundo. Os críticos de Descartes podem responder que este é precisamente o ponto: saber que alguém chamado Hamlet estava pensando — e não mais do que isso — não nos assegura que essa pessoa exista no mundo real. Para isso, teríamos de saber o que ele estava pensando no mundo real. Saber que algo ou alguém está pensando não é suficiente para provar sua realidade nesse mundo.
A resposta para esse dilema está na escrita em primeira pessoa das Meditações. As razões para o uso do "eu" por Descartes, do princípio ao fim do texto, agora ficam claras. Embora eu possa não ter certeza se Hamlet estava pensando (e, portanto, existia) num mundo fictício ou no mundo real, não posso estar incerto a respeito de mim mesmo.
Filosofia moderna
No "Prefácio das Meditações, Descartes profetizou que muitos leitores abordariam sua obra de tal forma que a maioria "não se incomodará em apreender a ordem adequada dos meus argumentos e a conexão entre eles, mas simplesmente tentará reclamar de frases individuais, como é a moda". Por outro lado, ele também escreveu que "não espero nenhuma aprovação popular ou mesmo uma ampla audiência". Nisso, ele estava enganado. Descartes é frequentemente descrito como pai da filosofia moderna. Ele buscou dar à filosofia a certeza da matemática sem recorrer a qualquer tipo de dogma ou autoridade, estabelecendo um fundamento firme e racional para o conhecimento. Também ficou conhecido por propor que mente e corpo são duas substâncias distintas — uma material, outra imaterial — mas, apesar disso, são capazes de interação. Essa distinção famosa, que ele explica na sexta Meditação, ficou conhecida como o dualismo cartesiano.
O rigor do pensamento de Descartes e sua rejeição a qualquer dependência da autoridade talvez representem seu mais importante legado. Os séculos após sua morte foram dominados por filósofos que ou desenvolveram as ideias cartesianas ou assumiram como tarefa a contestação do seu pensamento, tais como Thomas Hobbes, Bento de Espinosa e Gottfried Leibniz.
"O homem não é mais que um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante." Blaise Pascal
A obra mais conhecida de Pascal, Pensamentos, não era originalmente filosófica. Trata-se de uma compilação de fragmentos, a partir de suas notas para uma obra futura sobre teologia cristã. Suas ideias eram direcionadas para o que ele chamava libertins, ex-católicos que tinham abandonado a religião por conta de uma espécie de livre pensamento, encorajados por escritores céticos como Montaigne. Num dos fragmentos mais longos, Pascal discutiu a imaginação. Ofereceu pouco ou nenhum fundamento para suas alegações, preocupado apenas em anotar pensamentos sobre o tema.
Do ponto de vista de Pascal, a imaginação é a força mais poderosa nos seres humanos e uma de nossas principais fontes de equívoco. A imaginação, ele dizia, leva-nos a confiar nas pessoas, apesar do que nos diz a razão. Por exemplo, como médicos e advogados vestem-se com distinção tendemos a confiar neles. De maneira oposta, dedicamos menos atenção a quem parece desmazelado, mesmo que suas palavras sejam sensatas. O que piora as coisas é que, embora geralmente leve à falsidade, a imaginação por vezes conduz à verdade: se fosse sempre apenas falsa, então poderíamos usá-la como fonte de certeza ao aceitar simplesmente sua negação. Depois de tratar da questão contra a imaginação detalhadamente, Pascal de súbito termina sua explanação escrevendo: "A imaginação dispõe de tudo: ela produz beleza, justiça e felicidade, que é a maior coisa do mundo". Fora de contexto, poderia parecer um elogio à imaginação, mas a intenção do autor é bem diferente, como se depreende do texto que precede essa frase. Como a imaginação em geral leva ao equívoco, então a beleza, a justiça e a felicidade que ela produz normalmente são falsas. No contexto mais amplo de uma obra de teologia cristã (e especialmente à luz da ênfase de Pascal no uso da razão para levar as pessoas à crença religiosa), percebemos que seu objetivo era mostrar aos libertins que a vida de prazer que haviam escolhido não era o que eles imaginavam. Embora acreditassem que tinham eleito o caminho da razão, eles teriam sido, de fato, iludidos pelo poder da imaginação.
A aposta de Pascal
Essa visão é relevante para uma das notas mais completas dos Pensamentos: o famoso argumento conhecido como aposta de Pascal. Ela foi criada para dar aos libertins uma razão para retornar à Igreja e é um bom exemplo do "voluntarismo", a ideia de que a crença é questão de decisão. Pascal admitia que não era possível dar bons fundamentos racionais para a crença religiosa, mas tentou oferecer bons fundamentos racionais para se querer ter tais crenças. Estes consistiam em comparar os possíveis ganhos e perdas ao se fazer uma aposta na inexistência de Deus. Pascal argumentou que, ao apostar que Deus não existe, há a possibilidade de perder muito (a felicidade infinita no céu) ou ganhar pouco (um sentido finito de independência nesse mundo). Já a aposta de que Deus existe traz o risco de perder pouco ou a chance de ganhar muito. Seria mais racional, sob esse aspecto, acreditar em Deus.
"Mente e corpo são um só." Bento de Espinosa
"A mente humana é parte do intelecto infinito de Deus." Bento de Espinosa
Como a maioria das filosofias do século XVII, o sistema filosófico de Espinosa tem a noção de "substância" em seu cerne. Esse conceito pode ser remontado a Aristóteles, que questionou a natureza do objeto que permanece o mesmo ainda que passe por uma mudança. A cera, por exemplo, pode derreter e mudar de forma, tamanho, cor, cheiro e textura, e ainda assim permanecer "cera'', instigando a questão: a que nos referimos quando falamos em "cera"? Já que pode mudar de todas as formas perceptíveis, a cera também deve ser algo além de suas propriedades perceptíveis, e para Aristóteles esse algo imutável era a substância da cera. De maneira mais geral, substância seria algo que tem propriedades, ou aquilo que está sob o mundo da aparência.
Espinosa empregou o termo "substância" de maneira similar, definindo-a como aquilo que explica a si mesmo — ou aquilo que pode ser compreendido conhecendo-se apenas sua natureza, em oposição a todas as outras coisas que podem ser conhecidas apenas por meio de sua relação com outras coisas. Por exemplo, só se compreende o conceito "carroça" com referência a outros conceitos, tais como "movimento", "transporte", e assim por diante. Além disso, para Espinosa, só podia haver uma substância, porque se houver duas, compreender uma acarretaria entender sua relação com a outra, o que seria uma contradição à definição de substância. Ele argumentou que, já que há apenas uma única substância, não pode haver nada, de fato, exceto essa substância, e tudo o mais é, em certo sentido, uma parte dela. A posição de Espinosa é conhecida como "monismo da substância": afirma que todas as coisas são essencialmente aspectos de uma única coisa, em oposição ao "dualismo da substância", que defende que há essencialmente dois tipos de coisas no universo, em geral definidos como "mente" e "matéria".
Deus ou natureza
Para Espinosa, a substância subjaz a nossa experiência, mas também pode ser conhecida por seus vários atributos. Ele não especificou quantos atributos, mas disse que os seres humanos, ao menos, podem conceber dois: o atributo da extensão (fisicalidade) e o atributo do pensamento (mentalidade). Por essa razão, Espinosa também é conhecido como "dualista do atributo". Ele afirmou que os dois atributos não podiam ser explicados um pelo outro, e deviam ser incluídos em qualquer explanação completa do mundo. Quanto à substância em si. Espinosa argumentou que estaríamos certos ao chamá-la "Deus" ou "natureza" (Deus sive natura): aquilo que explica a si mesmo, que na forma humana vê a si mesmo sob os atributos do corpo e da mente.
No nível das coisas individuais, incluindo seres humanos, o dualismo de atributo de Espinosa foi projetado em parte para lidar com a questão de como interagem mentes e corpos. As coisas que sentimos como corpos ou mentes individuais são, de fato, modificações da substância única, conforme concebidas sob um dos atributos. Cada modificação é algo físico (na medida em que concebido sob o atributo da extensão) e algo mental (na medida em que concebido sob o atributo do pensamento). Em particular, a mente humana é uma modificação da substância concebida sob o atributo do pensamento, e o cérebro humano é a mesma modificação da substância concebida sob o atributo da extensão. Dessa forma, Espinosa evitou qualquer questão sobre a interação entre mente e corpo: não há interação, apenas uma correspondência.
No entanto, a teoria de Espinosa o comprometeu com a visão de que não apenas os seres humanos são tanto mente quanto corpo. Mesas, pedras, árvores — todas as coisas seriam modificações de uma substância sob os atributos de pensamento e extensão. Tais objetos seriam tanto físicos quanto mentais, embora sua mentalidade seja muito simples, de modo que não deveríamos chamá-la de mente. Esse aspecto da teoria de Espinosa é difícil de aceitar ou entender para muitas pessoas.
O mundo é Deus
A teoria de Espinosa, explicada inteiramente na Ética, é frequentemente classificada como uma forma de panteísmo: a crença de que Deus é o mundo e de que o mundo é Deus. O panteísmo costuma ser criticado pelos teístas (crentes em Deus), que o classificam como um ateísmo com outro nome. No entanto, a teoria de Espinosa é de fato muito mais próxima do panteísmo: a visão de que o mundo é Deus, mas que Deus é mais do que o mundo. Para o sistema de Espinosa, o mundo não é uma massa de coisas materiais e mentais. Em vez disso, o mundo das coisas materiais é uma forma de Deus, como concebida sob o atributo da extensão, e o mundo das coisas mentais é essa mesma forma de Deus, concebida sob o atributo do pensamento. Portanto, a substância única ou Deus é mais do que o mundo, mas o próprio mundo é inteiramente substância ou Deus.
O Deus de Espinosa, contudo, é bem diferente do Deus da teologia judaico-cristã. Além de não ser uma pessoa, não pode ser considerado o criador do mundo no sentido encontrado no Livro do Gênesis. O Deus de Espinosa não existe por si só antes da criação, e daí a faz surgir.
Deus como causa
O que Espinosa quis dizer, então, quando se referiu a Deus como a causa de tudo? A substância única é "Deus ou natureza" — então, mesmo que para Deus exista mais do que aquelas modificações da substância que constituem nosso mundo, como pode a relação entre Deus e natureza ser causal?
Primeiro, vale notar que Espinosa, em harmonia com a maioria dos filósofos antes dele, usou a palavra "causa" num sentido muito mais rico do que usamos hoje um sentido que se origina na definição dos quatro tipos de causa de Aristóteles. Estas são: a causa formal, ou a relação entre as partes de algo (contorno ou forma, tomando-se uma estátua como exemplo); a causa material, ou a matéria da qual algo é feito (bronze, mármore etc.); a causa eficiente, ou aquilo que leva algo a existir (o processo de esculpir); e a causa final, ou o objetivo para o qual algo existe (a criação de uma obra de arte, o desejo pelo dinheiro, e assim por diante).
Para Aristóteles e Espinosa, todas juntas definem "causa" e fornecem uma explicação completa sobre algo, diferentemente do significado contemporâneo, que tende a se referir apenas às causas "eficiente" e "final". Portanto, quando Espinosa falou de Deus ou substância sendo causados por si, ele se referiu aquilo que explica a si mesmo, em vez de apenas gerar a si mesmo. Quando ele citou Deus como causa de todas as coisas, ele quis dizer que todas as coisas encontram sua explicação em Deus.
Deus, portanto, não é o que Espinosa chamou de causa "transitiva" do mundo — algo externo que traz o mundo à existência. Em vez disso, Deus é a causa "imanente" do mundo. Isso significa que Deus está no mundo, que o mundo está em Deus, e que a existência e a essência do mundo são explicadas pela existência e essência de Deus. Para Espinosa, apreciar esse fato é atingir o mais elevado estado de liberdade e salvação possíveis: um estado que ele chama de "bem-aventurança".
"Se considerarmos atentamente as crianças recém-nascidas, temos poucas razões para crer que elas trazem consigo muitas ideias ao mundo. "John Locke
"Parece-me quase uma contradição afirmar que há verdades impressas na alma que não são percebidas ou entendidas." John Locke
"Vamos, então, imaginar a mente como um papel em branco, destituída de todas as marcas, sem quaisquer ideias: como ela é suprida?" John Locke
Tradicionalmente, John Locke é incluído no grupo de filósofos conhecidos como empiristas britânicos, ao lado de dois pensadores posteriores, George Berkeley e David Hume. Os empiristas são vistos como defensores da concepção de que todo conhecimento humano deve vir direta ou indiretamente da experiência de mundo adquirida por meio do uso exclusivo dos sentidos. Isso contrasta com o pensamento dos racionalistas — tais como René Descartes, Bento de Espinosa e Gottfried Leibniz —, que sustentam que, ao menos em princípio, é possível adquirir conhecimento unicamente com o uso da razão.
A divisão entre esses dois grupos não é tão bem definida como muitas vezes se presume. Os racionalistas admitem que, na prática, o conhecimento do mundo origina-se essencialmente da experiência, especialmente da investigação científica. Locke elaborou suas concepções relativas à natureza do mundo ao aplicar um processo de raciocínio conhecido posteriormente como abdução (inferência da melhor explicação a partir da evidência disponível) aos fatos da experiência sensorial. Ele começou por demonstrar, por exemplo, que a melhor explicação do mundo como o sentimos é a teoria corpuscular. A teoria diz que tudo no mundo é constituído de partículas submicroscópicas, ou corpúsculos, das quais não se pode ter conhecimento direto, mas que, pela sua própria existência, dão sentido a fenômenos que, de outro modo, seriam difíceis ou impossíveis de explicar. A teoria corpuscular, popular no pensamento científico do século XVII, é fundamental para a concepção de mundo físico de Locke.
Ideias inatas
A afirmação de que o conhecimento do homem não pode ir além de sua experiência pode, portanto, parecer inadequada, ou ao menos um exagero, quando atribuída a Locke. No entanto, ele de fato argumentou com certa minúcia, em seu Ensaio acerca do entendimento humano, contra a teoria dos racionalistas que explicava como o conhecimento pode ser acessado sem experiência — a teoria das ideias inatas.
O conceito de que seres humanos nascem com ideias inatas, e que elas podem nos proporcionar conhecimento sobre a natureza do mundo, independentemente de qualquer coisa que possamos experimentar, remonta ao início da filosofia. Platão desenvolveu o conceito de que todo conhecimento genuíno está essencialmente localizado dentro de nós, e que, quando morremos, nossas almas reencarnam em novos corpos e o choque do nascimento nos faz esquecer tudo. A educação não é, portanto, aprender fatos novos, mas "não esquecer", e o educador não é um professor, mas um parteiro.
Muitos pensadores posteriores opuseram-se à teoria de Platão, propondo que todo o conhecimento não pode ser inato — talvez só um número limitado de conceitos pudesse ser, tais como o conceito de Deus ou o conceito de uma estrutura geométrica perfeita, como o triângulo equilátero. Esse tipo de conhecimento, na visão desses pensadores, podia ser adquirido sem qualquer experiência sensorial direta, da mesma forma que é possível criar uma fórmula matemática recorrendo apenas aos poderes da razão e da lógica. René Descartes, por exemplo, declarou que embora acreditasse que todos nós temos uma ideia de Deus impressa em nós (como a marca do artesão na argila de um vaso), esse conhecimento sobre a existência de Deus só poderia ser trazido à mente consciente por um processo de raciocínio.
Objeções de Locke
Locke refutava a ideia de que seres humanos têm qualquer tipo de conhecimento inato. Ele adotou a visão de que a mente, no nascimento, é uma tábula rasa, uma folha de papel em branco na qual a experiência inscreve, da mesma forma que a luz pode criar imagens no filme fotográfico. De acordo com Locke, não acrescentamos nada ao processo, exceto a capacidade humana básica de aplicar a razão à informação reunida por meio dos sentidos. Ele argumentou não haver a menor evidência empírica para sugerir que as mentes de crianças não estão vazias no nascimento, e acrescentou que isso também é verdadeiro em relação às mentes dos deficientes mentais, afirmando que "eles não têm a menor percepção ou consciência deles próprios". Locke, assim, declarou falsa qualquer doutrina que apoiasse a existência de ideias inatas.
Locke atacou, ainda, a própria noção de ideias inatas, por sua incoerência. A fim de que algo seja uma ideia, Locke dizia, esse algo teria de ter estado presente em algum lugar na mente de alguém. Mas, como Locke salientou, qualquer ideia que se afirme verdadeiramente inata também deveria afirmar que precede qualquer forma de experiência humana. Mas Locke aceitou como verdadeiro, como afirma Gottfried Leibniz, que uma ideia possa existir tão profundamente na memória de uma pessoa que, por um tempo, é difícil ou mesmo impossível relembrá-la, pois não está acessível à mente consciente. Por outro lado, acredita-se que as ideias inatas existam de algum modo em algum lugar, antes da presença de qualquer tipo de mecanismo capaz de concebê-las e trazê-las à consciência.
Os partidários da existência de ideias inatas argumentam também que, como tais ideias estão presentes em todos os seres humanos no nascimento, devem ser universais por natureza, ou seja, presentes em todas as sociedades humanas, em todos os momentos da história. Platão afirmou que todo mundo potencialmente tem acesso ao mesmo corpo básico de conhecimento: nesse aspecto negando qualquer diferença entre homens e mulheres ou entre escravos e homens livres. De maneira similar, na época de Locke, a teoria era apresentada da seguinte forma: como as ideias inatas só nos podem ser dadas por Deus, devem ser universais, porque Deus não é injusto a ponto de distribuí-las somente a um grupo seleto de pessoas. Locke atacou o argumento a favor das ideias universais ao chamar a atenção, mais uma vez, para o fato de que um simples exame do mundo à nossa volta mostra facilmente que elas não existem. Mesmo que existissem conceitos, ou ideias, rigorosamente comuns a todos os seres humanos, Locke argumentou que não teríamos uma base sólida para concluir que eles também fossem inatos. Ele declarou que seria sempre possível descobrir outras explicações para sua universalidade, tal como o fato de que se originam dos modos mais básicos por meio dos quais o ser humano conhece o mundo à sua volta, o que é algo compartilhado por toda a espécie.
Em 1704, Gottfried Leibniz escreveu uma réplica aos argumentos empiristas de Locke em seu Novos ensaios acerca do entendimento humano. Leibniz afirmou que as ideias inatas são o único modo claro por meio do qual podemos adquirir conhecimento sem base em experiência sensorial, e que Locke estava errado em negar sua possibilidade. O debate sobre a possibilidade de os seres conhecerem algo sem o uso dos cinco sentidos básicos continua até hoje.
Linguagem inata
Embora rejeitasse a doutrina das ideias inatas, Locke não refutou o conceito de que seres humanos têm capacidades inatas. A posse de qualidades inatas, como a percepção e o raciocínio, é fundamental para sua explanação sobre o mecanismo do conhecimento e da compreensão humana. No final do século XX, o filósofo norte-americano Noam Chomsky levou essa ideia além, ao apresentar a teoria de que há um processo inato de pensamento em toda mente humana capaz de gerar uma "estrutura profunda" universal da linguagem. Chomsky acredita que, independentemente das aparentes diferenças estruturais, todas as línguas humanas foram geradas a partir dessa base comum. Locke desempenhou importante papel ao questionar como os seres humanos adquirem conhecimento, numa época em que a compreensão do mundo estava se expandindo em um ritmo inédito. Os antigos filósofos especialmente os escolásticos medievais como Tomás de Aquino — tinham concluído que alguns aspectos da realidade estavam além da apreensão da mente humana. Locke levou isso a outro estágio: por meio da análise detalhada das faculdades mentais do homem, buscou definir os limites exatos do que é cognoscível.
"Sabemos de quase nada adequadamente, de poucas coisas a priori, e da maioria por meio da experiência." Gottfried Wilhelm Leibniz
"Cada substância singular exprime todo o universo à sua própria maneira." Gottfried Wilhelm Leibniz
"Deus compreende tudo por meio da verdade eterna, já que Ele não precisa da experiência. Gottfried Wilhelm Leibniz
Com frequência, a filosofia moderna é apresentada dividida em duas escolas, a dos racionalistas (incluindo René Descartes, Bento de Espinosa e Immanuel Kant) e a dos empiristas (incluindo John Locke, George Berkeley e David Hume). Vários filósofos não se encaixaram automaticamente neste ou naquele grupo, cada qual sendo ao mesmo tempo semelhante e diferente dos outros de maneira complexa. Entretanto, a diferença essencial entre as duas escolas era epistemológica: elas divergiam em suas opiniões sobre o que podemos saber e como sabemos o que sabemos. Dito de maneira simples, os empiristas sustentavam que o conhecimento deriva da experiência, enquanto os racionalistas afirmavam que o conhecimento pode ser adquirido exclusivamente por meio da reflexão racional.
Leibniz era um racionalista e sua distinção entre verdades de razão e verdades de fato marca um desvio interessante do debate entre racionalismo e empirismo. Sua alegação, revelada em sua obra famosa, A monadologia, é que, em princípio, todo conhecimento pode ser acessado pela reflexão racional. No entanto, devido a deficiências de suas faculdades racionais, os seres humanos também devem contar com a experiência como meio de aquisição de conhecimento.
O universo em nossas mentes
Para entender como Leibniz chegou a essa conclusão, precisamos compreender um pouco de sua metafísica, de sua visão sobre como o universo é construído. Ele dizia que cada parte do mundo, cada coisa individual, tem um conceito distinto, ou "noção", associado a ela, e que cada uma dessas noções contém em si tudo o que é verdacleiro sobre si mesmo, incluindo suas relações com outras coisas. Segundo Leibniz, como tudo no universo está conectado, cada noção está conectada a outra noção, de modo que é possível — ao menos em princípio — rastrear essas conexões e descobrir verdades sobre o universo inteiro exclusivamente por meio da reflexão racional. Tal reflexão conduz às "verdades de razão" de Leibniz. Entretanto, como a mente humana pode apreender apenas um pequeno número de tais verdades (como aquelas da matemática), tem então de contar também com a experiência — o que produz as "verdades de fato".
Desse modo, como é possível progredir do conhecimento de que agora está nevando, por exemplo, para saber o que vai acontecer amanhã em algum lugar do outro lado do mundo? Para Leibniz, a resposta está no fato de que o universo é composto de substâncias simples, individuais, chamadas "mônadas". Cada mônada está isolada de outras mônadas, e cada uma contém uma completa representação de todo o universo em seu estado passado, presente e futuro Essa representação está sincronizada entre todas as mônadas, de modo que cada uma delas tem o mesmo conteúdo. De acordo com Leibniz, é assim que Deus criou as coisas — em um estado de "harmonia preestabelecida".
Leibniz afirmou que toda mente humana é uma mônada que contém uma representação completa do universo. Portanto, é possível para nós, em princípio, aprender tudo o que há para saber sobre o mundo, e o que está além, simplesmente explorando nossas mentes. Assim, ao fazer uma análise simples de minha noção da estrela Betelgeuse, por exemplo, eu seria capaz, ao fim, de determinar a temperatura na superfície da estrela Betelgeuse real. No entanto, na prática, a análise que é exigida de mim para alcançar essa informação é impassivelmente complexa — Leibniz chama-a de "infinita" —, e, como não posso acessá-la, a única maneira de que disponho para descobrir a temperatura de Betelgeuse é medindo-a empiricamente com um equipamento astronômico.
A temperatura na superfície de Betelgeuse é uma verdade de razão ou uma verdade de fato? De fato, ainda que eu tenha recorrido a métodos empíricos para descobrir a resposta, se minhas faculdades racionais fossem melhores eu também poderia ter descoberto a mesma resposta por meio da reflexão racional. Se é uma verdade de razão ou uma verdade de fato, portanto, parece depender apenas da maneira como chego à resposta — mas seria isso que Leibniz está afirmando?
Verdades necessárias
O problema em Leibniz é que ele sustentou que as verdades de razão são "necessárias", querendo dizer que é impossível contradizê-las, enquanto as verdades de fato seriam "contingentes", passíveis de contestação sem contradição lógica. Uma verdade matemática é uma verdade necessária porque contestar suas conclusões contradiz os significados de seus próprios termos. Mas a proposição "está chovendo na Espanha" é contingente, porque contestá-la não envolve uma contradição em termos — embora ainda seja factualmente incorreta.
A distinção de Leibniz entre verdades de razão e verdades de fato não é simplesmente epistemológica (sobre os limites do conhecimento), mas também metafísica (sobre a natureza do mundo), e não é evidente que seus argumentos sustentem sua alegação metafísica. A teoria de Leibniz das mônadas parece sugerir que todas as verdades são verdades de razão, às quais teríamos acesso se pudéssemos concluir nossa análise racional. Mas se uma verdade de razão é uma verdade necessária, de que maneira é impossível que a temperatura em Betelgeuse seja de 2.401 Kellvin em vez de 2.400 Kelvin? Certamente não é impossível no mesmo sentido de que a proposição 2 + 2 = 5 é impossível, porque esta contém uma contradição lógica.
Da mesma maneira, se seguirmos Leibniz e separarmos verdades necessárias e contingentes, teremos o seguinte problema: posso descobrir o teorema de Pitágoras refletindo sobre a ideia de triângulos, então o teorema de Pitágoras deve ser uma verdade de razão. Mas a temperatura de Betelgeuse e o teorema de Pitágoras são igualmente verdadeiros e igualmente partes da mônada que é a minha mente. Então, por que um deve ser considerado contingente e o outro necessário?
Além disso, Leibniz nos dizia que, ao passo que ninguém pode alcançar o fim de uma análise infinita, Deus pode apreender o universo todo de uma vez: para Ele, só há verdades necessárias. A diferença entre uma verdade de razão e uma verdade de fato, portanto, parece ser uma questão de como alguém chega a conhecê-la — e, nesse caso, é difícil entender por que a primeira deve sempre ser considerada como necessariamente verdadeira, enquanto a segunda pode ou não ser verdadeira.
Um futuro incerto
Ao explicar um plano no qual um Deus onipotente e onisciente cria o universo, Leibniz inevitavelmente enfrentou o problema de explicar a noção do livre-arbítrio. Como posso escolher agir de certa maneira se Deus já sabe como vou agir? Mas o problema vai mais fundo: parece não haver nenhum lugar para contingência genuína. A teoria de Leibniz só permite urna distinção: entre verdades cuja necessidade podemos descobrir e verdades cuja necessidade somente Deus pode ver. Sabemos (se aceitamos a teoria de Leibniz) que o futuro do mundo é estabelecido por um deus onisciente e benevolente, que, portanto, criou o melhor mundo possível. Mas chamamos o futuro de contingente, ou indeterminado, porque, como seres humanos limitados, não podemos ver o seu conteúdo.
A teoria das mônadas de Leibniz não mereceu igual reverência, tendo sido criticada por sua extravagância metafísica. No século XX, a ideia foi redescoberta por cientistas que se intrigaram com a descrição de Leibniz do espaço e do tempo como um sistema de relações, em vez dos absolutos da física newtoniana tradicional.
"Não existe essa coisa que os filósofos chamam de substância material." George Berkeley
"Se existissem corpos externos, seria impossível que viéssemos a conhecê-los." George Berkeley
"Uma ideia não se assemelha a nada, senão a uma ideia; uma cor ou figura não se assemelham a nada, exceto a uma outra cor ou figura." George Berkeley
"Todos os coros do céu e bens da terra — em uma palavra, todos aqueles corpos que compõem a estrutura do mundo — não têm qualquer subsistência sem uma mente." George Berkeley
Como John Locke antes dele, George Berkeley foi um empirista, o que significa que via a experiência como fonte primária do conhecimento. Essa abordagem, que pode ser remontada a Aristóteles, contrasta com a visão racionalista de que, em princípio, todo conhecimento pode ser adquirido exclusivamente por meio da reflexão racional. Berkeley compartilhava dos mesmos pressupostos de Locke, mas chegou a conclusões bem diferentes. De acordo com Berkeley, o empirismo lockeano era moderado, pois ainda admitia a existência de um mundo independente dos sentidos e seguia René Descartes ao considerar os humanos como seres constituídos de duas substâncias distintas, mente e corpo.
O empirismo de Berkeley era muito mais extremo, e o levou a uma posição conhecida como "idealismo imaterialista". Isso significa que ele era monista, acreditando que há apenas um tipo de substância no universo e, também, idealista, defendendo que essa substância única é a mente, ou pensamento, em vez da matéria.
A posição de Berkeley costuma ser resumida pela frase latina esse est percipi ("ser é ser percebido"), mas talvez tenha melhor tradução com esse est aut perciperi aut percipi ("ser é perceber ou ser percebido"). Porque, de acordo com Berkeley, o mundo consiste apenas em mentes, que percebem, e suas ideias. Isso não quer dizer que negue a existência do mundo externo ou afirme que este seja, de alguma maneira, diferente do que percebemos. Sua alegação é de que todo conhecimento deve vir da experiência, e que tudo a que temos acesso são nossas percepções. E já que essas percepções são apenas "ideias" (ou representações mentais), não temos motivo para acreditar que qualquer coisa exista, senão ideias e aqueles que percebem as ideias.
Causalidade e volição
O alvo de Berkeley era a visão de mundo de Descartes elaborada por Locke e pelo cientista Robert Boyle. Nessa abordagem, o mundo físico é constituído de um vasto número de partículas físicas, ou "corpúsculos", cuja natureza e cujas interações dão origem ao mundo corno o compreendemos. O que era mais controverso, para Berkeley, é que essa visão também sustentava que o mundo origina as ideias perceptivas que temos dele, segundo o modo como o mundo interage com nossos sentidos.
Berkeley tinha duas objeções principais a essa teoria. Primeiro, ele argumentava, nossa compreensão da causalidade (o fato de que certos eventos causam outros) é baseada inteiramente na experiência de nossas próprias volições (o modo como provocamos os eventos para que ocorram conforme a ação de nossa vontade). Segundo Berkeley, não é errado projetar nossa experiência de ação volitiva sobre o mundo — o que fazemos quando dizemos que o mundo causa as ideias que temos sobre ele. O problema é que não existe, de fato, algo como urna "causa física" das ideias, porque não haveria um mundo físico para além do mundo de ideias que possivelmente possa ser a causa de nossas ideias. O único tipo de causa que há no mundo, de acordo com Berkeley, é precisamente o tipo volitivo de causa que é o exercício da vontade.
Em sua segunda objeção, Berkeley afirmou que, como as ideias são entes mentais, não podem se assemelhar a entes físicos, porque os dois tipos de coisa têm propriedades completamente diferentes. Uma pintura ou uma fotografia podem se assemelhar a um objeto físico porque elas mesmas são uma coisa física. Mas pensar em uma ideia assemelhando-se a um objeto físico é confundi-la com uma coisa física. Ideias, então, só podem se assemelhar a outras ideias. E como nossa única experiência do mundo vem de nossas ideias, estaria equivocada qualquer alegação de que até podemos entender a noção de "coisas físicas". O que realmente compreendemos são coisas mentais. O mundo é construído puramente de pensamento; qualquer ser que não esteja percebendo (um perceptor) só existe como uma de nossas percepções.
A causa da percepção
Se as coisas que não são perceptores só existem na medida em que são percebidas, contudo, isso parece significar que, quando saio da sala, minha mesa, meu computador e meus livros deixam de existir, porque não estão mais sendo perceptíveis. A resposta de Berkeley a tal tipo de impasse: nada é sempre não percebido — quando não estou em minha sala, ela ainda assim é percebida por Deus. Sua teoria, portanto, não depende apenas da existência de Deus, mas de um tipo particular de Deus, constantemente envolvido no mundo.
Para Berkeley, o envolvimento de Deus no mundo vai além. Como vimos, ele afirmou que não há causas físicas, mas apenas "volições", ou atos de vontade, de onde resulta que só um ato de vontade pode produzir as ideias que temos sobre o mundo. No entanto, não tenho o controle da minha experiência do mundo e não posso escolher o que sinto; o mundo simplesmente apresenta-se a mim do modo que é. Portanto, as volições que originam minhas ideias sobre o mundo não são minhas, mas de Deus. Para Berkeley, então, Deus não apenas nos cria como perceptores, mas é a causa e o constante criador de todas as nossas percepções. Isso levanta uma quantidade de questões. A mais urgente: por que e como, às vezes, percebemos as coisas incorretamente? Deus quer nos iludir?
Berkeley tentou responder essa questão afirmando que nossas percepções nunca estão, de fato, equivocadas; erramos nos julgamentos sobre aquilo que percebemos. Por exemplo, se um remo mergulhado até a metade na água me parece dobrado, então ele realmente está dobrado: a circunstância em que incorro no erro é ao pensar que ele somente aparenta estar dobrado.
No entanto, o que acontece se toco a água e apalpo o remo? Ele certamente dá a sensação de estar reto. E já que o remo não pode ser reto e dobrado ao mesmo tempo, deve haver, de fato, dois remos: um que eu vejo e um que eu toco. Ainda mais problemático para Berkeley, contudo, seria o fato de que duas pessoas diferentes vendo o mesmo remo devem, de fato, estar vendo dois remos diferentes, uma vez que não há um único e "real" remo para o qual suas percepções convirjam.
O problema do solipsismo
Um fato inevitável do sistema Berkeley, portanto, parecer ser que nunca percebemos as mesmas coisas. Cada um de nós está preso em seu próprio mundo, apartado dos mundos das outras pessoas. O fato de que Deus tenha a ideia de um remo não nos ajuda aqui, porque essa seria uma terceira ideia e, por consequência, um terceiro remo. Deus originou minha ideia e a sua ideia, mas, a menos que compartilhemos de uma única mente entre nós e com Deus, ainda há três diferentes ideias — então, há três remos diferentes. Isso nos conduz ao problema do solipsismo: a possibilidade de que a única coisa que posso ter certeza de que exista, ou que possa de fato existir, sou eu mesmo.
Há uma solução possível ao solipsismo. Já que posso produzir mudanças no mundo — tal como levantar minha própria mão — e já que percebo mudanças similares nos corpos de outras pessoas, posso concluir que aqueles corpos são também modificados por uma "consciência" dentro deles. Todavia, o problema para Berkeley é que não há uma mão "real" sendo levantada — o máximo que uma pessoa pode fazer é ser a causa da ideia de sua própria mão se levantando — mas somente a ideia delas (não de outra pessoa) de mão levantada. Em outras palavras, eu ainda dependo de Deus para fornecer minha própria ideia de outras pessoas levantando a mão. Assim, longe de nos suprir com certeza empírica, Berkeley deixou-nos dependentes — para nossa ideia de mundo e da existência de outras mentes — da fé num Deus que nunca nos iludiria.
Voltaire foi um intelectual francês que viveu durante o iluminismo, período caracterizado pelo questionamento intenso sobre o mundo e sobre como as pessoas viviam nele. Os filósofos e escritores europeus voltaram sua atenção para as autoridades reconhecidas, tais como Igreja e Estado, a fim de questionar sua validade e suas ideias, ao mesmo tempo em que buscavam novas perspectivas. Até o século XVII, os europeus tinham aceitado irrestritamente as explicações da Igreja sobre o que, por que e como as coisas existiam, mas tanto os cientistas quanto os filósofos já apresentavam abordagens diferentes para estabelecer a verdade. Em 1690, o filósofo John Locke argumentou que nenhuma ideia era inata — todas as ideias nasciam exclusivamente da experiência. Seu argumento ganhou peso adicional por causa do cientista Isaac Newton, cujos experimentos forneceram novas formas de descobrir verdades sobre o mundo. Foi contra esse pano de fundo de rebelião contra as tradições que Voltaire declarou que a certeza é absurda.
Voltaire refuta a ideia de certeza de duas maneiras. Primeiro, ele mostrou que, à exceção de algumas poucas verdades necessárias da matemática e da lógica, quase todo fato e teoria na história foi revisto em algum momento. Então, o que parece ser "fato" é realmente pouco mais do que uma hipótese de trabalho. Segundo, ele concordou com Locke de que não existem ideias inatas, e mostrou que as ideias que temos a impressão de conhecer como verdadeiras desde o nascimento podem ser apenas culturais, já que elas variam de nação para nação.
Dúvida revolucionária
Voltaire não chegou a afirmar que não existem verdades absolutas, mas não via meios de alcançá-las. Por essa razão, enunciou que a dúvida é o único ponto de vista lógico. Suponclo que o desacordo sem fim é, por consequência, inevitável. Voltaire enfatizou a importância de desenvolver um sistema, como a ciência, para estabelecer o acordo.
Ao afirmar que a certeza é mais agradável do que a dúvida, Voltaire insinua o quanto é mais fácil simplesmente aceitar as declarações oficiais — como as da monarquia ou da Igreja — do que desafiá-las e pensar por si mesmo. Mas Voltaire acreditava que é de vital importância duvidar de todo "fato" e desafiar toda autoridade. Ele defendeu a limitação do poder do governo, mas a liberdade de expressão não pode ser censurada, afirmando que a ciência e a educação levam ao progresso material e moral. Esses eram ideais fundamentais tanto do iluminismo quanto da Revolução Francesa, deflagrada 11 anos depois da morte de Voltaire.
"Em nossos raciocínios a respeito dos fatos, existem todos os graus imagináveis de certeza. Um homem sábio, portanto, ajusta sua crença à evidência." David Hume
"A natureza, por uma necessidade absoluta e incontrolável, determinou-nos para julgar, assim como para respirar e sentir." David Hume
"Hume estava absolutamente certo ao indicar que a indução não pode ser logicamente justificada." Karl Popper
David Hume nasceu numa época em que a filosofia europeia era dominada pelo debate sobre a natureza do conhecimento. René Descartes tinha, na prática, preparado o palco para a filosofia moderna em Discurso sobre o método, deflagrando um movimento de racionalismo que afirmava que o conhecimento pode ser alcançado exclusivamente pela reflexão racional. Na Grã-Bretanha, John Locke lançara o contra-ataque com seu argumento empirista de que o conhecimento pode ser obtido somente a partir da experiência. George Berkeley aderiu, formulando sua própria versão de empirismo, de acordo com a qual o mundo só existe na medida em que é percebido. Mas foi Hume, o terceiro dos principais empiristas britânicos, que aplicou o maior golpe no racionalismo com seu argumento apresentado em Tratado da natureza humana.
O dilema de Hume
Com uma clareza de linguagem notável, Hume lançou um olhar cético para o problema do conhecimento e argumentou energicamente contra a noção de "ideias inatas", um princípio central do racionalismo. Ele o fez primeiramente ao dividir o conteúdo da mente em dois tipos de fenômenos e, depois, perguntando como eles se relacionam um com o outro. Os dois fenômenos são "impressões" — ou percepções diretas, que Hume chama de "sensações, paixões e emoções" — e "ideias", ou seja, cópias pálidas das nossas impressões, tais como pensamentos, reflexões e imaginação. Ao analisar essa distinção, Hume chegou a uma conclusão inquietante, que põe em xeque nossas crenças mais estimadas, não apenas sobre lógica e ciência, mas sobre a natureza do mundo.
O problema, para Hume, é que muito frequentemente temos ideias que não podem ser sustentadas por nossas impressões — e Hume se dispôs a examinar até que ponto este é o caso. Para entender o que ele quis dizer, devemos notar que para Hume existem apenas dois tipos de proposições: raciocínios "demonstrativos" e "prováveis". Segundo Hume, na experiência cotidiana de algum modo confundimos os dois tipos de conhecimento que eles expressam.
O raciocínio demonstrativo é aquele cuja verdade ou falsidade é autoevidente Tome-se, por exemplo, o enunciado 2 + 2 = 4. Negar esse raciocínio envolve uma contradição lógica — em outras palavras, afirmar que 2 + 2 não é igual a 4 é ser incapaz de apreender os significados dos termos "2" ou "4" (ou"+" ou"="). Os raciocínios demonstrativos na lógica, na matemática e no raciocínio dedutivo são conhecidos por serem verdadeiros ou falsos a priori — ou seja, "prévio à experiência". Por outro lado, a verdade de um raciocínio provável não é autoevidente, pois diz respeito a questões empíricas de fato. Por exemplo, qualquer afirmação sobre o mundo, tal como "Jim está no andar de cima", é um raciocínio provável porque requer a evidência empírica para ser considerada como verdadeira ou falsa. Em outras palavras, sua verdade ou falsidade só pode ser conhecida por meio de algum tipo de experimento — como ir ao andar de cima para ver se Jim está lá.
À luz disso, podemos indagar a respeito de qualquer raciocínio se ele é provável ou demonstrativo. Se não é nenhum deles, então não podemos saber se é verdadeiro ou falso; portanto, para Hume, não tem significado. Essa divisão de todos os raciocínios em dois tipos possíveis é, com frequência, chamado de "dilema de Hume".
Raciocínio indutivo
Não há surpresas no raciocínio de Hume até aqui, mas as coisas dão uma estranha guinada quando ele aplica essa linha de argumento à inferência indutiva — nossa capacidade de inferir coisas a partir de evidência passada. Ao observarmos um padrão constante, inferimos que ele vai continuar no futuro, assumindo tacitamente que a natureza continuará a se comportar de maneira uniforme. Por exemplo, podemos ver o sol nascer toda manhã e inferir que ele nascerá novamente amanhã. Mas a alegação de que a natureza segue esse padrão uniforme é justificável? Alegar que o sol nascerá amanhã não é um raciocínio demonstrativo (porque alegar o oposto não envolve contradição lógica) nem um raciocínio provável (porque não podemos experimentar já o futuro nascer do sol).
O mesmo problema ocorre se aplicamos o dilema de Hume à evidência de causalidade. O enunciado "o acontecimento A provoca o acontecimento B" parece, diante disso, ser um enunciado que podemos verificar, mas, novamente, isso não resiste a um exame mais minucioso. Não há contradição lógica na negação de que A provoca B (como haveria em negar que 2 + 2 = 4), então não pode ser um raciocínio demonstrativo. Nem pode ser provado empiricamente, já que não podemos observar todo o evento A para ver se é seguido por B — então, também não é um raciocínio provável. O fato de que, em nossa experiência limitada, B invariavelmente segue A não é um fundamento racional para acreditar que A sempre seguirá B, ou que A provoca B.
Se nunca há qualquer base racional para inferir causa e efeito, então que justificativa temos para fazer essa conexão? Hume explicou isso simplesmente como "natureza humana": um hábito mental que interpreta uniformidade na repetição regular, assim como uma conexão causal naquilo que ele chamou de "conjunção constante" de eventos. Na realidade, esse tipo de raciocínio indutivo, que é a base da ciência, nos instiga a interpretar nossas inferências como "lei" da natureza. Mas, apesar do que possamos pensar, essa prática não pode ser justificada pelo argumento racional.
Ao dizer isso, Hume apresentou suas mais fortes razões contra o racionalismo, porque ele afirmou que é a crença (definida como "uma ideia vívida relacionada ou associada com a impressão presente"), guiada pelo hábito, que está no cerne de nossas pretensões ao conhecimento, e não a razão.
O hábito como nosso guia
Hume foi além ao reconhecer que, embora as inferências indutivas não sejam demonstráveis, isso não significa que sejam inúteis. Afinal, ainda temos uma pretensão razoável para supor que algo aconteça, julgando a partir da observação e da experiência passada. Na ausência de uma justificativa racional para a inferência indutiva, o hábito é um bom guia.
No entanto, Hume advertiu que esse "hábito mental" deve ser aplicado com precaução. Antes de inferir causa e efeito entre dois acontecimentos, devemos ter evidências de que essa sucessão de acontecimentos tenha sido invariável no passado e de que há uma conexão necessária entre eles. Podemos prever razoavelmente que quando soltamos um objeto ele cairá no chão, porque isso é o que sempre aconteceu no passado e há uma conexão óbvia entre soltar o objeto e sua queda. Por outro lado, dois relógios com alguns segundos de diferença tocarão um depois do outro — mas como não há conexão óbvia entre eles, não devemos inferir que o toque de um relógio é a causa do toque do outro.
O tratamento de Hume ao "problema da indução", como ficou conhecido, tanto abala as alegações do racionalismo quanto amplia o papel da crença e do hábito em nossas vidas. Como ele disse, as conclusões obtidas por nossas crenças são "tão satisfatórias à mente ... quanto o tipo demonstrativo".
Uma ideia revolucionária
As ideias inovadoras apresentadas de maneira brilhante no Tratado da natureza humana foram quase ignoradas quando publicadas em 1739, apesar de serem o ponto alto do empirismo britânico. Hume ficou mais conhecido em seu pais como o autor de História da Grã-Bretanha do que por sua filosofia. Na Alemanha, porém, a importância de sua epistemologia teve mais reconhecimento. Immanuel Kant admitiu ter sido despertado de seu "cochilo dogmático" ao ler Hume, que persistiu como influência significativa sobre os filósofos alemães do século XIX e os positivistas lógicos do século XX, os quais acreditavam que apenas afirmações significativas poderiam ser verificáveis. A explanação de Hume sobre o problema da indução permaneceu incontestada ao longo desse período e ressurgiu na obra de Karl Popper, que a utilizou para sustentar sua alegação de que uma teoria só pode ser considerada cientifica se for falsificável.
"A tranquilidade também está nos calabouços, mas isso basta para torná-los lugares desejáveis de se viver?" Jean-Jacques Rousseau
"A vontade geral deve emanar de todos para ser aplicada a todos. " Jean-Jacques Rousseau
Rousseau era, em grande parte, produto do período final do século XVIII, conhecido como iluminismo, e personificação da filosofia continental europeia da época. Quando jovem, tentou fazer seu nome tanto como músico quanto como compositor, mas em 1740 conheceu Denis Diderot e Jean d'Alembert, organizadores da nova Encyclopédie, e interessou-se pela filosofia. O ambiente político na França da época estava agitado. Os pensadores iluministas franceses e ingleses tinham começado a questionar o status quo, minando a autoridade da Igreja e da aristocracia e defendendo uma reforma social — tal como Voltaire continuamente desafiava a censura autoritária do establishment. Como era de se esperar nesse contexto, a principal área de interesse de Rousseau tornou-se a filosofia política. Seu pensamento foi influenciado não apenas por seus contemporâneos franceses, mas também por obras de filósofos ingleses — e, em particular, a ideia de um contrato social, como proposto por Thomas Hobbes e aperfeiçoado por John Locke. Como eles, Rousseau considerou a ideia de humanidade num "estado natural" hipotético, comparando-a com a maneira como as pessoas realmente viviam em sociedade civil. Mas ele assumiu uma perspectiva tão radicalmente própria desse estado natural (e do modo como ele é transformado pela sociedade) que poderia ser considerada uma forma de pensamento "contrailuminista". Sua abordagem continha em si as sementes do próximo grande movimento, o romantismo.
Ciência e arte corrompem
Hobbes tinha imaginado a vida em estado natural como "solitária, pobre, repugnante, brutal e curta". Em sua visão, o ser humano é instintivamente interessado e dedicado apenas a si mesmo, e a civilização seria necessária para colocar restrições nesses instintos. De sua parte, Rousseau considerava a natureza humana bem mais gentil e via a sociedade civil como uma força muito menos benevolente.
A ideia de que a sociedade pode ser uma influência nociva ocorreu a Rousseau pela primeira vez quando ele escreveu um ensaio para um concurso organizado pela Academia de Dijon, respondendo à questão: "O restabelecimento das ciências e das artes contribuiu para aperfeiçoar os costumes?". A resposta que se esperava de pensadores da época, e especialmente de um músico como Rousseau, era um entusiástico sim. Mas Rousseau sustentou o oposto. Seu Discurso sobre as ciências e as artes, que ganhou o primeiro prêmio, apresentava de maneira controversa a ideia de que as artes e as ciências corrompem e corroem a moral. Ele argumentou que, longe de desenvolver mentes e vidas, as artes e as ciências diminuem a virtude e a felicidade humana.
A desigualdade das leis
Tendo rompido com o pensamento estabelecido com seu texto, aclamado publicamente, Rousseau levou a ideia um passo além num segundo ensaio, Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. O tema condizia com o espírito da época, ecoando os apelos por reforma social de escritores como Voltaire — mas em sua análise novamente Rousseau contrariou o pensamento tradicional. O estado da natureza egoísta, selvagem e injusta retratado por Hobbes é, para Rousseau, uma descrição não do "homem natural", mas do "homem civilizado". Ele argumentou que a sociedade civil é que induz esse estado selvagem. O estado natural da humanidade, ele frisou, é inocente, feliz e independente: o homem nasce livre.
A sociedade corrompe
O estado de natureza que Rousseau descreveu é um idílio pastoril, no qual as pessoas em seu estado natural são fundamentalmente boas. (Em diversas línguas, a ideia do homem natural de Rousseau foi erroneamente interpretada como o "bom selvagem", devido à tradução do francês sauvage, que significa "natural", não selvagem). As pessoas seriam dotadas de virtudes inatas e, mais importante, com atributos de compaixão e empatia. Mas, uma vez que esse estado de inocência é destruído e o poder da razão começa a distinguir a humanidade do resto da natureza, as pessoas são apartadas de suas virtudes naturais. A imposição da sociedade civil sobre o estado de natureza, portanto, resulta em um afastamento da virtude em direção ao vício — e da felicidade idílica em direção à miséria.
Rousseau via a queda do estado de natureza e o estabelecimento da sociedade civil como algo lamentável mas inevitável, porque isso resultou da faculdade racional humana. Segundo Rousseau, o processo começou na primeira vez em que um homem circundou um pedaço de terra para si, introduzindo a noção de propriedade. Conforme grupos de pessoas começaram a viver lado a lado dessa forma, formaram sociedades que só podiam se manter por meio de um sistema de leis. Mas Rousseau afirmou que toda sociedade perde contato com as virtudes naturais da humanidade, inclusive a compaixão, e impõe leis injustas, feitas para proteger a propriedade e infligidas aos pobres pelos ricos. O deslocamento de um estado natural para um estado civilizado, portanto, ocasionaria um deslocamento não apenas da virtude para o vício, salientou Rousseau, mas também da inocência e da liberdade para a injustiça e a escravização. Embora naturalmente virtuosa, a humanidade é corrompida pela sociedade. E embora o homem nasça livre, as leis impostas pela sociedade condenam-no a uma vida "acorrentada".
O contrato social
O segundo Discurso de Rousseau causou ainda mais polêmica do que o primeiro, mas proporcionou-lhe maior reputação e até seguidores. Seu retrato do estado de natureza como desejável e não brutal constituiu uma base vital do emergente movimento literário romântico. A palavra de ordem de Rousseau ("de volta à natureza!") e sua análise pessimista sobre a sociedade moderna, cheia de desigualdades e injustiças, afinou-se com a crescente inquietação social da década de 1750, especialmente na França. Não contente em apenas apresentar o problema, Rousseau tratou de oferecer uma solução, no que parece ser sua obra mais influente, O contrato social.
Rousseau abriu sua obra com uma declaração desafiadora — "O homem nasce livre e por toda parte está acorrentado" — considerada uma convocação para uma mudança radical e que foi adotada como slogan da Revolução Francesa, 27 anos depois. Lançado seu desafio, Rousseau então explicou sua concepção de sociedade civil alternativa, governada não por aristocratas, monarquia e Igreja, mas por todos os cidadãos, que participariam da formulação das leis. Moldado nas clássicas ideias republicanas de democracia, Rousseau imaginou o corpo de cidadãos operando como uma unidade, prescrevendo leis de acordo com a volonté générale, ou vontade geral. As leis proviriam de todos e se aplicariam a todos — todos sendo considerados iguais. Em contraste ao contrato social imaginado por Locke, concebido para proteger os direitos e a propriedade dos indivíduos, Rousseau defendeu a cessão de poder legislativo ao povo como um todo, para o benefício de todos e administrado pela vontade geral. Ele acreditava que a liberdade de participar do processo legislativo levaria a uma eliminação da desigualdade e da injustiça e promoveria um sentimento de participação na sociedade — o que levaria ao trio liberté, égalité, fraternité (liberdade, igualdade, fraternidade), que tornou-se o mote da nova república francesa.
Os males da educação
Em outra obra escrita no mesmo ano, intitulada Emílio, ou Da educação, Rousseau expandiu seu tema, explicando que a educação era responsável por corromper o estado de natureza e perpetuar os males da sociedade moderna. Em outros livros e ensaios, ele se concentrou nos efeitos adversos tanto da religião quanto do ateísmo. No centro de todas as suas obras está a ideia de que a razão ameaça a inocência humana e, sucessivamente, a liberdade e a felicidade. Em vez da educação do intelecto, ele propõe uma educação dos sentidos e sugere que a fé religiosa seja guiada pelo coração, não pela cabeça.
Influência política
A maioria dos textos de Rousseau foi imediatamente proibida na França, proporcionando-lhe mais notoriedade e um número maior de seguidores. Por volta da época de sua morte, em 1778, a revolução na França e em outros lugares era iminente. Sua ideia de um contrato social no qual a vontade geral do corpo de cidadãos controlaria o processo legislativo ofereceu aos revolucionários uma alternativa viável ao sistema corrupto reinante. Mas a filosofia de Rousseau estava em desacordo com o pensamento corrente, e sua insistência de que um estado de natureza era superior à civilização levou-o a indispor-se com colegas reformistas, como Voltaire e Hume. A influência política de Rousseau foi sentida mais fortemente durante o período de revolução logo depois de sua morte, mas sua influência na filosofia (e na filosofia política em particular) teve maior alcance no século XIX. Georg Hegel integrou as ideias de contrato social de Rousseau a seu próprio sistema filosófico. Mais tarde, e de maneira mais notável, Karl Marx ficou impressionado com algumas das obras de Rousseau sobre desigualdade e injustiça. Diferentemente de Robespierre — um dos líderes da Revolução Francesa, que ajustara a filosofia de Rousseau a seus pr6prios fins durante o Terror —, Marx compreendeu-a com precisão, desenvolvendo a análise de Rousseau sobre a sociedade capitalista e os meios de substitui-la. O Manifesto comunista de Marx termina com um aceno a Rousseau, ao conclamar os proletários que "não têm nada a perder, exceto seus grilhões''.
“O maior aprimoramento das forças produtivas do trabalho parece ter sido resultado da divisão do trabalho.” Adam Smith
“A sociedade civilizada, em todas as épocas, necessita da cooperação e da assistência de grande número de pessoas.” Adam Smith
O escritor escocês Adam Smith é, com frequência, considerado o mais importante economista que o mundo já conheceu. Os conceitos de barganha e interesse próprio que ele explorou e a possibilidade de diferentes tipos de acordo e interesses — como o “interesse comum” — têm apelo recorrente para os filósofos. Seus textos também são importantes porque dão uma forma mais geral e abstrata à ideia da sociedade “comercial”, desenvolvida por seu amigo David Hume.
Como seu contemporâneo suíço Jean-Jacques Rousseau, Smith admitia que os motivos dos seres humanos são em parte benevolentes e em parte por interesse próprio, mas que este último é o traço mais forte, configurando-se então uma baliza melhor para o comportamento humano. Ele acreditava que isso se confirma pela observação social, e, de modo geral, sua abordagem não deixa de ser empírica. Num de seus mais famosos debates sobre a psicologia da barganha, ele sustentou que o movimento inicial mais comum na barganha é um lado instigar o outro: “a melhor maneira de conseguir o que você quer é me dar o que eu quero”. Em outras palavras, “dirigimo-nos não à humanidade [do outro], mas ao seu amor próprio”.
Smith afirmava que a troca de objetos úteis é uma característica distintamente humana. Ele notou que cães nunca são observados trocando ossos, e que, se um animal deseja obter algo, a única maneira pela qual pode conseguir isso é "conquistando o favor daqueles cujos préstimos ele necessita". Os humanos podem também depender desse tipo de "adulação ou atenção servil", mas não podem recorrer a isso quando precisam de ajuda porque a vida exige "cooperação e assistência de um grande número de pessoas". Por exemplo, para alguém permanecer confortável numa pousada por uma noite, mobilizam-se muitas pessoas para cozinhar e servir a comida, arrumar o quarto, e assim por diante. Pessoas cujos serviços não dependem somente de boa vontade. Por essa razão, "o homem é um animal que realiza barganhas", e a barganha é realizada ao se propor um trato que atenda ao interesse próprio de ambas as partes.
A divisão do trabalho
Em sua explanação sobre o surgimento das economias de mercado, Smith argumentou que nossa capacidade de fazer barganhas colocou fim à antiga exigência universal de que toda pessoa, ou pelo menos toda família, fosse economicamente autossuficiente. A barganha tornou possível que nós nos concentrássemos em produzir cada vez menos bens, até finalmente produzir um único bem, ou oferecer um único serviço, trocando-o pelo que quer que precisássemos. O processo foi modificado radicalmente pela invenção do dinheiro, que aboliu a necessidade de permuta. A partir de então, na visão de Smith, somente os incapazes de trabalhar tinham de depender da caridade. Todo o resto poderia ir ao mercado trocar seu trabalho (ou o dinheiro ganho por meio do trabalho) por produtos do trabalho de outras pessoas.
A eliminação da necessidade de autossuficiência produtiva levou ao surgimento de pessoas com um conjunto particular de habilidades (tais como o padeiro ou o carpinteiro), e depois ao que Smith chamou de "divisão de trabalho" entre as pessoas. Esse é o termo de Smith para a especialização, por meio da qual um indivíduo não apenas busca um tipo único de trabalho, mas realiza uma tarefa particular em um trabalho que é compartilhado por várias pessoas. Smith ilustrou a importância da especialização no início da obra-prima A riqueza das nações, mostrando como a produção de um simples alfinete de metal é radicalmente transformada com a adoção do sistema fabril. Um homem trabalhando sozinho encontraria dificuldade para produzir vinte alfinetes perfeitos em um dia. Já um grupo de dez homens, encarregados de diferentes tarefas (esticar o arame, endireitá-lo, cortá-lo e afiá-lo para uni-lo a uma cabeça), era capaz, na época de Smith, de produzir mais de 48 mil alfinetes por dia.
Smith estava impressionado com os grandes saltos na produtividade do trabalho durante a Revolução Industrial, devido a trabalhadores dotados de equipamento muito melhor e, muitas vezes, a máquinas substituindo homens. O trabalhador não especializado não podia sobreviver em tal sistema, e até os filósofos começaram a se especializar nos vários ramos de sua área, como lógica, ética, epistemologia e metafísica.
O mercado livre
Como a divisão de trabalho aumenta a produtividade e torna possível que todos se candidatem a algum tipo de tarefa, Smith argumentou que ela pode levar à riqueza universal numa sociedade bem ordenada. De fato, ele dizia que, em condições de perfeita liberdade, o mercado pode levar a um estado de perfeita igualdade — em que todo mundo é livre para buscar seus próprios interesses, desde que estejam de acordo com as leis da justiça. Por igualdade Smith não se referia à equidade de oportunidade, mas à igualdade de condição. Em outras palavras, seu objetivo era a criação de uma sociedade não dividida pela competição, mas unida pela barganha baseada no mútuo interesse próprio.
A questão de Smith, portanto, não é que as pessoas devam ter liberdade só porque a merecem. Seu argumento é que a sociedade como um todo se beneficia quando os indivíduos perseguem seus próprios interesses. A "mão invisível" do mercado, com suas leis de oferta e demanda, regularia a quantidade de bens disponíveis e os avaliaria de maneira muito mais eficiente do que qualquer governo.
Em tal sociedade, um governo pode limitar-se a desempenhar apenas funções essenciais — tais como garantir a defesa, a justiça criminal e a educação —, consequentemente as taxas e os impostos podem ser reduzidos. Assim como a barganha floresce dentro de limites nacionais, pode florescer também além deles, levando ao comércio internacional — fenômeno que se espalhava por todo o mundo na época de Smith.
Smith reconheceu que havia problemas com a noção de um mercado livre, em particular com o problema da remuneração por serviços, cada vez mais cornum. Também admitiu que, embora a divisão de trabalho trouxesse enormes benefícios econômicos, o trabalho repetitivo não apenas é entediante para o trabalhador como pode destruir um ser humano — e, por essa razão, propôs que os governos deveriam restringir a extensão do uso da linha de produção. Contudo, quando da primeira publicação de A riqueza das nações, sua doutrina de comércio livre e desregulamentado foi vista como revolucionária, não apenas pelo ataque aos privilégios comerciais e agrícolas e aos monopólios existentes, mas também por causa do argumento de que a riqueza de uma nação não depende de reservas em ouro, mas de seu trabalho — uma visão que contrariava todo o pensamento econômico da Europa da época.
A reputação "revolucionária" de Smith foi favorecida durante o longo debate sobre a natureza da sociedade que ocorreu após a Revolução Francesa de 1789, inspirando o historiador vitoriano H. T. Buckle a descrever A riqueza das nações como "provavelmente o mais importante livro já escrito".
O legado de Smith
Os críticos argumentaram que Smith estava errado ao supor que o “interesse geral” e o “interesse do consumidor” são o mesmo e que o mercado livre é benéfico para todos. A verdade é que, embora fosse solidário com as vítimas da pobreza, Smith nunca teve êxito completo em contrabalançar os interesses dos produtores e dos consumidores dentre de um modelo social, ou em incorporar nele o trabalho doméstico (desempenhado principalmente pelas mulheres), que ajudava a manter a sociedade funcionando de maneira eficaz.
Por essas razões, e com a ascensão do socialismo no século XIX, a reputação de Smith declinou, mas o interesse renovado na economia de livre mercado no final do século XX viu um renascimento de suas ideias. De fato, apenas hoje em dia podemos apreciar completamente sua alegação mais visionária — a de que um mercado é mais do que um lugar. O mercado é um conceito e, como tal, pode existir em qualquer lugar e não apenas físico, como a praça de uma cidade. Isso prenunciava um tipo de mercado “virtual” que só se tornou possível com o advento da tecnologia das telecomunicações. Os mercados financeiros atuais e o comércio on-line atestam a grande visão de Smith.
"Pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceitos são cegas ... somente a partir de sua união pode surgir a cognição." Immanuel Kant
"Só podemos falar de espaço do ponto de vista humano." Immanuel Kant
"A razão humana é atormentada por questões que não pode rejeitar, mas também não pode resolver." Immanuel Kant
"A razão só tem um insight sobre aquilo que ela cria depois de um plano próprio". Immanuel Kant
Immanuel Kant considerava "escandaloso" que em mais de 2 mil anos de pensamento filosófico ninguém tivesse sido capaz de apresentar um argumento para provar que realmente há um mundo lá fora, externo a nós. Ele tinha particularmente em mente as teorias de René Descartes e George Berkeley, que consideravam que a comprovação de um mundo externo era impossível.
No início de Meditações, Descartes argumentou que, exceto o conhecimento de nossa própria existência como seres pensantes, devemos duvidar de todo conhecimento — inclusive o de que há um mundo externo. Ele então prosseguiu para contrariar esse ponto de vista cético com um argumento que alega provar a existência de Deus e, por consequência, a realidade de um mundo externo. No entanto, muitos filósofos (incluindo Kant) não consideraram a comprovação de Deus feita por Descartes válida em sua dedução.
Berkeley, por outro lado, argumentou que o conhecimento é realmente possível, mas que ele provém das experiências que nossa consciência percebe. Não temos justificativa para acreditar que essas experiências têm qualquer existência externa fora de nossas próprias mentes.
Tempo e consciência
Kant queria demonstrar que há um mundo externo, material, e que sua existência não pode ser posta em dúvida. Seu argumento começa da seguinte forma: para que algo exista, deve ser determinável no tempo, isto é, devemos ser capazes de dizer quando ele existe e por quanto tempo. Mas como isso funciona no caso da consciência?
Embora a consciência pareça estar mudando constantemente com um fluxo contínuo de sensações e pensamentos, podemos usar a palavra "agora" para nos referirmos ao que está acontecendo neste momento em nossas consciências. Mas "agora" não é um tempo ou data determinada: toda vez que digo "agora", a consciência é diferente.
Aqui se encontra o problema: o que torna possível especificar o "quando" da minha própria existência? Não podemos experimentar o tempo em si, diretamente; em vez disso, experimentamos o tempo por meio das coisas que se movem, mudam ou permanecem iguais. Considere os ponteiros de um relógio, girando de maneira lenta. Os ponteiros que se movem são inúteis para determinar o tempo por si só — precisam de algo diante do qual mudar, como os números no mostrador do relógio. Todo recurso que tenho para medir o meu "agora" constantemente em mudança é encontrado nos objetos materiais fora de mim, no espaço (incluindo meu próprio corpo físico). Dizer que eu existo exige um determinado momento no tempo, e isso, por sua vez, exige um mundo externo realmente existente no qual o tempo ocorre. Meu nível de certeza sobre a existência do mundo externo é, por conseguinte, igual ao meu nível de certeza sobre a existência da consciência — o que Descartes acreditava que era absolutamente certo.
O problema da ciência
Kant também investigou como a ciência entendia o mundo exterior. Ele admirava o impressionante progresso das ciências naturais ao longo dos dois séculos precedentes, em comparação com a relativa estagnação da disciplina desde os tempos antigos até aquele momento. Kant, junto com outros filósofos, indagava-se sobre o que era feito de maneira correta na pesquisa científica. A resposta dada por muitos filósofos do período foi o empirismo. Os empiristas, tais como John Locke e David Hume, argumentavam que não há conhecimento, exceto aquele que chega a nós através de nossa experiência do mundo. Eles se opunham às visões de filósofos racionalistas como Descartes ou Gottfried Leibniz, que argumentavam que a capacidade da mente para raciocinar e lidar com conceitos é mais importante para o conhecimento do que a experiência.
Os empiristas afirmavam que o recente sucesso da ciência se devia ao fato de os cientistas dedicarem muito mais cuidado a suas observações sobre o mundo do que tinha sido previamente — também ao fato de fazerem menos suposições injustificadas baseadas apenas na razão. Kant argumentou que, embora tudo isso seja parcialmente verdadeiro, não podia ser a resposta completa: era falso dizer que não havia observação empírica detalhada e cuidadosa na ciência antes do século XVI.
A questão real, argumentou Kant, é que um novo método científico surgiu e validou as observações empíricas. Esse método envolve dois elementos. Primeiro, afirma que conceitos como força ou movimento podem ser perfeitamente descritos pela matemática. Segundo, testa seus próprios conceitos de mundo ao fazer perguntas específicas sobre a natureza e ao examinar as respostas. Por exemplo, o físico experimental Galileu Galilei queria testar a hipótese de que dois objetos de pesos diferentes cairiam pelo ar com a mesma velocidade — e criou um experimento para testar isso de tal maneira que a única explicação possível para o resultado observado seria a verdade ou falsidade da hipótese.
Kant identificou a natureza e a importância do método científico. Ele acreditava que esse método tinha colocado a física e outras disciplinas no "caminho seguro de uma ciência". No entanto, sua investigação não parou aí. A questão seguinte foi: "Por que razão nossa experiência de mundo é de tal forma que o método científico funciona?". Em outras palavras, por que nossa experiência científica de mundo é sempre matemática na natureza, e como é sempre possível para a razão humana apresentar questões à natureza?
Intuições e conceitos
Em sua obra mais famosa, Crítica da razão pura, Kant argumenta que nossa experiência de mundo envolve dois elementos. O primeiro é o que ele chama de "sensibilidade" — nossa capacidade de experimentar diretamente coisas particulares no espaço e no tempo, como este livro, por exemplo. Essa experiência direta ele chama de "intuições". O segundo é o que Kant chama de "entendimento", nossa capacidade de ter e usar conceitos. Para Kant, um conceito é uma experiência indireta com as coisas, como o conceito de "livro" em geral. Sem conceitos não saberíamos que nossa intuição era a de um livro; sem intuições, nunca saberíamos que existem livros.
Cada um desses elementos tem, por sua vez, dois lados. Na sensibilidade está a minha intuição de uma coisa particular no espaço e no tempo (como o livro) e minha intuição de espaço e tempo como tal (minhas experiências com o espaço e o tempo se assemelham, em geral). No entendimento está o meu conceito de uma "coisa" como tal (substância). Um conceito como substância define o que significa ser uma coisa em geral, em vez de definir algum tipo de coisa como um livro. Minha intuição de um livro e o conceito de um livro são empíricos como eu poderia saber qualquer coisa sobre livros a menos que tivesse deparado com eles no mundo? Mas minha intuição de espaço e tempo e o conceito de substância são a priori — o que significa que eles são conhecidos antes ou independentemente de qualquer experiência empírica.
Um empirista verdadeiro argumentaria contra Kant que todo o conhecimento provém da experiência dos sentidos — em outras palavras, nada é a priori. Eles poderiam dizer que aprendemos o que é o espaço ao observar as coisas no espaço, e que aprendemos o que é substância a partir da nossa observação de que as características das coisas mudam, sem que a própria coisa fundamental mude. Por exemplo, embora uma folha de árvore mude de verde para marrom, e finalmente caia da árvore, ainda é a mesma árvore.
Espaço e substância
Os argumentos de Kant mostraram que, ao contrário, o espaço é uma intuição a priori. A fim de conhecer as coisas fora de mim, preciso saber que elas estão fora de mim. Mas isso mostra que eu não poderia conhecer o espaço dessa forma: como posso localizar algo fora de mim sem saber anteriormente o que "fora de mim" significa? Algum conhecimento de espaço tem de ser admitido antes mesmo que eu possa estudar o espaço empiricamente. Devemos estar familiarizados com o espaço a priori.
Esse argumento tem uma consequência extraordinária. Como o próprio espaço é a priori, não pertence às coisas do mundo. Mas a experiência de coisas no espaço é uma característica da sensibilidade. Uma coisa em si — termo kantiano para algo que é considerado em separado da sensibilidade e, portanto, exterior às nossas mentes — pode não ter nada a ver com o espaço. Kant usou argumentos similares para provar o mesmo em relação ao tempo.
Kant então se dedicou a provar a existência de conceitos a priori — como a substância. Ele nos convida primeiro a distinguir dois tipos de alteração: variação e mudança. Variação diz respeito às propriedades que as coisas têm: por exemplo, as folhas de uma árvore podem ser verdes ou marrons. Mudança é o que a árvore faz: a mesma árvore muda suas folhas de verde para marrom. Fazer essa distinção já é usar a noção de substância: a árvore (como substância) muda, mas as folhas (como propriedades da substância) variam. Se não aceitamos essa distinção, então não podemos aceitar a validade do conceito de substância. Estaríamos dizendo que, em qualquer instante em que existe uma alteração, algo "aparece ou desaparece": a árvore com folhas verdes seria aniquilada no mesmo instante em que a árvore com folhas marrons começaria a existir a partir do nada.
Kant precisa provar que essa última visão é impossível. A chave para isso é a determinação do tempo. O tempo não pode ser sentido diretamente; em vez disso, sentimos o tempo através das coisas que se alteram ou não se alteram, como Kant já demonstrou. Se sentimos o tempo através da árvore com folhas verdes e também sentimos o tempo através da árvore com folhas marrons sem que exista qualquer conexão entre as duas, então estaríamos sentindo dois tempos reais separados. Já que isso é absurdo, Kant acreditou que tivesse demonstrado que o conceito de substância é absolutamente essencial antes de adquirirmos qualquer experiência de mundo. E já que é pela experiência dos sentidos que aprendemos qualquer coisa empírica, o conceito de substância não pode ser empírico: mais exatamente, é a priori.
Os limites do conhecimento
A posição filosófica que sustenta que certo estado ou atividade da mente é anterior e mais fundamental do que as coisas experimentadas é chamada de idealismo, e Kant nomeou sua própria posição de "idealismo transcendental". Ele insistiu que espaço, tempo e certos conceitos são características do mundo que experimentamos (o que Kant chamou de mundo fenomenal), em vez de características do mundo em si, considerado separadamente da experiência dos sentidos (o que Kant chama de mundo numênico).
As alegações sobre o conhecimento a priori têm consequências positivas e negativas. A positiva é que a natureza a priori de tempo, espaço e certos conceitos torna possível nossa experiência de mundo. Espaço e tempo tornam nossa experiência matemática na natureza: podemos medi-la segundo valores conhecidos. Conceitos a priori como substância tornam possível fazer perguntas sobre a natureza, tais como "Isso é uma substância?" e "Que propriedades ela exibe e de acordo com quais leis?" Em outras palavras, o idealismo transcendental de Kant torna possível que nossa experiência empírica seja considerada útil para a ciência.
Do lado negativo, certos tipos de pensamento intitulam-se ciência e até parecem ciência, mas fracassam completamente. Isso ocorre porque aplicam a coisas em si intuições sobre espaço e tempo ou conceitos como substância — o que, de acordo com Kant, deve ser válido para a experiência empírica, mas não tem validade em relação a coisas em si. Como se parecem com ciência, esses tipos de pensamento são uma tentação constante para nós e uma armadilha na qual muitos caem sem perceber. Por exemplo, podemos desejar afirmar que Deus é a causa do mundo, mas causa e efeito é outro conceito a priori, como substância, que Kant acredita ser válido apenas para o mundo percebido, mas não para coisas em si. Então a existência de Deus (considerado, como geralmente é, um ser independente do mundo conhecido) não é algo que possa ser conhecido. A consequência negativa da filosofia de Kant, então, é colocar restrições um tanto severas aos limites do conhecimento. O idealismo transcendental nos proporciona um meio radical de compreender a distinção entre nós mesmos e o mundo externo. O que é externo a mim é interpretado não apenas como externo a mim no espaço, mas externo ao próprio espaço (e ao tempo, e a todos os conceitos a priori que tornam nossa experiência do mundo possível). E existem dois mundos: o "mundo" da experiência, que inclui meus pensamentos e sentimentos, e também a experiência das coisas materiais, como meu corpo ou livros; e o "mundo" das coisas em si, que não é precisamente sentido e, assim, não pode de modo algum ser conhecido, e portanto devemos lutar constantemente para evitar que nos enganemos com ele.
Nossos corpos têm um papel curioso a desempenhar em tudo isso. Por um lado, meu corpo, como coisa material, é parte do mundo externo. Por outro lado, o corpo é parte de nós e o meio através do qual encontramos outras coisas (usando nossa pele, nervos, olhos, ouvidos e assim por diante). Isso nos dá uma oportunidade de compreender a distinção entre corpos e mundo externo: o corpo como o meio das minhas sensações é diferente de outras coisas externas e materiais.
Influência duradoura
Crítica da razão pura é, possivelmente, a obra individual mais significativa da história da filosofia moderna. De fato, toda disciplina da filosofia é com frequência dividida por muitos filósofos em tudo o que aconteceu antes e depois de Kant.
Antes de Kant, empiristas como John Locke enfatizaram o que Kant denominou sensibilidade, mas os racionalistas como Descartes tenderam a enfatizar o entendimento. Kant argumentava que nossa experiência de mundo sempre envolve ambos, então é dito com frequência que ele combinou o racionalismo e o empirismo. Depois de Kant, a filosofia alemã em particular progrediu rapidamente. Os idealistas Johann Fichte, Friedrich Schelling e Georg Hegel levaram as ideias kantianas a novas direções e, por sua vez, influenciaram todo o pensamento do século XIX, do romantismo ao marxismo. A crítica sofisticada de Kant ao pensamento metafísico também foi importante para o positivismo, que sustentava que toda assertiva justificável é passível de verificação científica ou lógica.
O fato de Kant localizar a priori até mesmo em nossas intuições sobre o mundo foi importante para os fenomenologistas do século XX, tais como Edmund Husserl e Martin Heidegger, que procuraram investigar os objetos da experiência independentemente de quaisquer suposições que possamos ter a respeito deles. O trabalho de Kant também permanece como importante ponto de referência para os filósofos contemporâneos, especialmente na metafisica e na epistemologia.
Os insatisfeitos tendem a bradar: "Não é minha culpa ... culpe a sociedade!". Mas o significado da palavra "sociedade" não é inteiramente claro e tem mudado ao longo do tempo. No século XVIII, quando viveu o filósofo e político irlandês Edmund Burke, a Europa cada vez mais se rnercantilizava, e a ideia de que a sociedade é um contrato mútuo entre seus membros, como uma companhia mercantil, foi entendida facilmente. Contudo, esse ponto de vista implica que apenas as coisas materiais importam na vida. Burke tentou reequilibrar as coisas, ao lembrar que os seres humanos também enriquecem suas vidas por meio da ciência, da arte e da virtude, e que, embora seja realmente um contrato ou parceria, a sociedade não se ocupa apenas da economia, ou daquilo que ele chamou de "vulgar existência animal". A sociedade personifica o bem comum (nosso acordo em relação a costumes, normas e valores), mas para Burke "sociedade" significava mais do que pessoas vivendo o agora: ela também inclui nossos ancestrais e descendentes. Além disso, como toda constituição política, é parte do "grande contrato primevo da sociedade eterna'', o próprio Deus seria o fiador supremo da sociedade.
A visão de Burke tem a doutrina do pecado original (a ideia de que nascemos pecadores) como seu núcleo. Ele demonstrou pouca simpatia por quem culpabiliza a sociedade pela própria conduta. Da mesma maneira, rejeitou a ideia proposta por John Locke de que podemos ser aperfeiçoados pela educação, como se nascêssemos inocentes e apenas precisássemos receber as influências corretas. Para Burke, a falibilidade do julgamento individual é a razão pela qual precisamos da tradição, para nos dar o sentido moral de que precisamos. O argumento ecoa David Hume, que afirmava que o "hábito é o grande guia da vida humana".
Tradição e mudança
Como a sociedade é uma estrutura orgânica com raízes se estendendo profundamente no passado, Burke acreditava que sua organização política devia se desenvolver naturalmente ao longo do tempo. Ele refutava a ideia de mudanças políticas amplas ou abruptas em meio a esse processo natural. Por essa razão, opôs-se à Revolução Francesa de 1789, prevendo seus riscos bem antes da execução do rei e do Período do Terror. Isso também o levou em diversas ocasiões a criticar Jean-Jacques Rousseau, cuja obra O contrato social argumentava que o contrato entre cidadãos e o Estado pode ser rompido a qualquer momento, dependendo da vontade do povo. Outro alvo regular de Burke foi o filósofo e cientista inglês Joseph Priestley, que aplaudiu a Revolução Francesa e ridicularizou a ideia de pecado original.
Apesar de seu ceticismo diante da moderna sociedade comercial, Burke foi grande defensor da propriedade privada e era otimista em relação ao mercado livre. Por essa razão, é com frequência saudado como o "pai do conservadorismo moderno", filosofia que valoriza tanto a liberdade econômica quanto a tradição. Hoje, até os socialistas concordariam com Burke que a propriedade privada é uma instituição social fundamental, mas discordariam sobre seu valor. Da mesma maneira, filósofos ecologicamente comprometidos compartilham de sua crença nas obrigações de uma geração em relação à próxima, em sintonia com a agenda de criação de uma sociedade sustentável.
Jeremy Bentham, filósofo e reformista legal, estava convencido de que toda atividade humana era governada por apenas duas forças motivadoras: evitar a dor e buscar o prazer. Em Uma introdução aos princípios da moral e da legislação (1789), ele argumentou que todas as decisões sociais e políticas devem ser feitas com o objetivo de alcançar a máxima felicidade possível para o máximo de pessoas possível. Bentham acreditava que o valor moral de tais decisões relaciona-se diretamente com sua utilidade, ou eficiência, em causar felicidade ou prazer. Numa sociedade governada por essa abordagem "utilitarista", ele afirmava, os conflitos de interesse entre indivíduos poderiam ser resolvidos pelos legisladores, guiados apenas pelo princípio da criação da mais ampla propagação possível de contentamento. Se podemos deixar todo mundo feliz, então, melhor ainda. Mas se uma escolha é necessária, deve-se preferir favorecer a maioria sobre a minoria.
Um dos principais benefícios do sistema proposto, frisava Bentham, é sua simplicidade Ao adotar tais ideias, evitam-se as confusões e interpretações equivocadas de sistemas políticos mais complexos, que podem muitas vezes levar a injustiças e ressentimento.
Calculando o prazer
De maneira controversa, Bentham propõe um "cálculo da felicidade" que possa expressar matematicamente o grau de felicidade sentida pelo indivíduo. Esse método proporcionaria uma plataforma objetiva para resolver disputas éticas, com decisões sendo tomadas a favor da visão que, pelo cálculo, produziria a maior quantidade de felicidade.
Bentham também insistiu que todas as fontes de prazer são de igual valor, de modo que a felicidade proveniente de uma boa refeição ou do relacionamento íntimo é igual àquela proveniente de uma atividade que possa exigir esforço ou educação, como um debate filosófico ou a leitura de poesia. Isso significa que Bentham admitia uma igualdade humana fundamental, com a felicidade plena sendo acessível a todos, independentemente de capacidade ou de classe social
"Deixe a mulher compartilhar dos direitos e ela emulará as virtudes do homem." Mary Wollstonecraft
Na maior parte da história registrada, as mulheres têm sido sido consideradas subordinadas aos homens. Durante o século XVIII, no entanto, a justiça dessa disposição começou a ser questionada abertamente. Entre as vozes discordantes mais proeminentes estava a da radical inglesa Mary Wollstonecraft.
Muitos pensadores anteriores tinham mencionado as diferenças físicas entre os sexos para justificar a desigualdade social entre mulheres e homens. No entanto, à luz de novas ideias formuladas no século XVII, como a visão de John Locke de que quase todo conhecimento era adquirido por meio da experiência e da educação, a validade de tal raciocínio entrou em xeque.
Educação igual
Wollstonecraft argumentou que, se ao homem e às mulheres é dada a mesma educação, ambos vão adquirir o mesmo caráter virtuoso e a mesma abordagem racional à vida, porque têm fundamentalmente cérebros e mentes similares. Sua obra A vindication of the rights of woman (Uma defesa dos direitos da mulher), publicada em 1792, foi uma espécie de resposta a Emílio (1762), de Jean-Jacques Rousseau, que recomendava que meninas fossem educadas de maneira diferente e que aprendessem a ter deferência em relação aos meninos. A exigência de Wollstonecraft de que as mulheres fossem tratadas como cidadãs iguais aos homens — com iguais direitos legais, sociais e políticos — ainda era desdenhada no final do século XVIII, mas semeou os movimentos sufragistas e feministas que floresceriam nos séculos XIX e XX.
"Considere o eu e observe o que está envolvido ao fazer isso." Johann Gottlieb Fichte
Johann Gottlieb Fichte foi um filósofo alemão do século XVIII, aluno de Irnmanuel Kant. Investigou como é possível para nós existir como seres éticos com livre-arbítrio, enquanto vivemos em um mundo que parece ser determinado de maneira causal. Em outras palavras, um mundo onde todo evento resulta necessariamente de acontecimentos e condições prévias, segundo leis invariáveis da natureza.
A ideia de que há um mundo como esse "lá fora", além e independente do "eu", é conhecida como dogmatismo. A ideia ganhou terreno no período iluminista, mas Fichte julgava que ela não deixa espaço para valores ou escolhas morais. Como podemos considerar que temos livre-arbítrio, ele perguntou, se tudo é determinado por algo além que existe fora de nós mesmos?
Fichte propôs, então, uma versão de idealismo similar à de Kant, na qual nossas próprias mentes criam tudo que pensamos como realidade. Nesse mundo idealista, o "eu'' é um ente ou essência ativa que existe fora das influências causais e é capaz de pensar e escolher com liberdade, independência e espontaneidade.
Fichte entendeu o idealismo e o dogmatismo como pontos de partida diferentes, que nunca poderiam ser "misturados" num único sistema filosófico — não haveria maneira de provar filosoficamente qual está correto, e um não poderia ser usado para refutar o outro. Por essa razão, alguém só pode "escolher" qual filosofia acredita não por razões objetivas e racionais, mas dependendo de "que tipo de pessoa se é".
O historiador e poeta alemão Friedrich Schlegel geralmente recebe o crédito de introdutor do uso de aforismos (afirmações curtas, ambíguas) na filosofia moderna posterior. Em 1798, percebeu que havia pouco filosofar sobre a filosofia (metafilosofia), sugerindo que devemos questionar tanto a maneira como a filosofia ocidental funciona quanto sua suposição de que um tipo linear de argumento é a melhor abordagem.
Schlegel discordava das abordagens de Aristóteles e René Descartes, dizendo que se equivocaram em supor que existam "primeiros princípios" sólidos como ponto de partida. Ele também considerou que não é possível alcançar quaisquer respostas definitivas, porque toda conclusão de um argumento pode ser aperfeiçoada infinitamente. Descrevendo sua própria abordagem, Schlegel dizia que a filosofia deve sempre "começar no meio... é um todo, e o caminho para reconhecer isso não é uma linha reta, mas um círculo".
A visão holística de Schlegel — a filosofia como um todo — se encaixa no contexto mais amplo de suas teorias românticas sobre arte e vida. Estas valorizavam a emoção humana individual acima da razão, em contraste com grande parte do pensamento iluminista. Embora sua crítica à filosofia mais antiga não estivesse necessariamente correta, seu contemporâneo Georg Hegel assumiu a causa da reflexividade — nome dado à aplicação de métodos filosóficos à própria disciplina da filosofia.
“Compreender o que é, esta é a tarefa da filosofia, pois o que é, é a razão.” Georg Hegel
“Cada parte da filosofia é um Todo filosófico, um círculo que se fecha sobre si mesmo.” Georg Hegel
“Cada estágio da história é um momento necessário da ideia do espírito do mundo.” Georg Hegel
“Do Absoluto deve ser dito que é essencialmente resultado, que apenas no fim é o que realmente é na verdade.” Georg Hegel
Hegel foi o filósofo mais famoso da Alemanha na primeira metade do século XIX. Sua ideia central era de que todos os fenômenos, da consciência às instituições políticas, são aspectos de um único espírito ("mente" ou "ideia", para ele) que ao longo do tempo reintegra esses aspectos em si mesmo. Esse processo de reintegração é o que Hegel chama de "dialética"; um processo que nós (enquanto aspectos do espírito) entendemos como "história". Hegel era, portanto, um monista (acreditava que todas as coisas são aspectos de uma única coisa) e um idealista (entendia a realidade essencialmente como algo não material (o espírito). A ideia de Hegel alterou radicalmente o panorama filosófico. Para apreender suas implicações, precisamos conferir o pano de fundo de seu pensamento.
História e consciência
Poucos filósofos negariam que os seres humanos são, em grande medida, históricos — herdamos coisas do passado, as modificamos e, depois, as legamos para as gerações futuras. A linguagem, por exemplo, é algo que aprendemos e modificamos ao usá-la, e o mesmo é verdadeiro em relação à ciência: os cientistas montam um conjunto teórico e depois tentam confirmá-lo ou desmenti-lo. O mesmo também se aplica às instituições sociais — família, Estado, bancos, igrejas, e assim por diante —, a maior parte das quais são formas modificadas de antigas práticas ou instituições. Os seres humanos, portanto, nunca começam sua existência do nada, mas sempre dentro de algum tipo de contexto, que às vezes muda radicalmente dentro de uma mesma geração. Entretanto, algumas coisas não parecem ser imediatamente históricas ou sujeitas a mudança.
Um exemplo de tal coisa é a consciência. Sabemos com certeza que algo sobre o que temos consciência vai mudar, mas o significado ser consciente (que tipo de coisa é estar desperto, estar ciente, ser capaz de pensar e tomar decisões) é algo que tendemos a acreditar que sempre foi igual para todos. Da mesma maneira, parece plausível afirmar que as estruturas do pensamento não são históricas — ou que o tipo de atividade do pensamento, com suas faculdades mentais (memória, percepção, compreensão etc.), sempre foi o mesmo para todos, ao longo da história. Isso era certamente o que o grande antecessor idealista de Hegel, Immanuel Kant, acreditava. E, para compreender Hegel, precisamos saber o que ele pensava sobre a obra de Kant.
As categorias de Kant
Para Kant, os processos básicos por meio dos quais o pensamento funciona e as estruturas básicas da consciência são a priori — existem antes (portanto, não derivam) da experiência. Isso significa que são independentes não apenas do que estamos pensando, ou do que estamos conscientes, mas também de qualquer influência histórica ou aperfeiçoamento.
Kant chamou essas estruturas de pensamento de "categorias", e elas incluem os conceitos "causa", "substância", "existência" e "realidade". Por exemplo, a experiência pode nos dar conhecimento sobre o mundo exterior, mas nada na própria experiência nos informa que o mundo exterior realmente existe, o que é algo que apenas admitimos. Para Kant, o conhecimento de que há um mundo exterior é, portanto, um conhecimento a priori. Ele só é possível porque nascemos com categorias que nos fornecem uma estrutura para a experiência — parte da qual é a suposição de que há um mundo exterior. No entanto, continua Kant, essa estrutura a priori só nos permite ver o mundo de um modo particular, mas pode haver outros modos de vê-lo, nenhum dos quais possivelmente representa o mundo como ele é realmente — ou como ele é em "si mesmo". Este "mundo como ele é em si mesmo" é o que Kant chamava de mundo numênico, que seria incognoscível. Tudo que podemos conhecer, de acordo com Kant, é o mundo como ele se revela a nós por meio da estrutura das categorias. Isso é o que Kant chama de mundo "fenomênico", ou o mundo da experiência cotidiana.
A crítica de Hegel a Kant
Hegel acreditava que Kant fez grandes avanços ao eliminar a ingenuidade na filosofia, mas que suas explanações sobre o "mundo em si" e as categorias ainda traíam suposições não críticas. Hegel argumentou que Kant fracassara ao menos em relação a dois aspectos em sua análise. Primeiramente, Hegel considerava a noção kantiana de "mundo em si" como uma abstração vazia sem significado. Para Hegel, o que existe é o que vem a ser manifestado na consciência — por exemplo, como algo sentido ou como algo pensado. O segundo fracasso de Kant, apontou Hegel, seria o excesso de suposições sobre a natureza e a origem das categorias.
A tarefa de Hegel foi entender essas categorias sem fazer qualquer suposição, e a pior suposição que Hegel viu em Kant diz respeito às relações das categorias umas com as outras. Kant supôs que as categorias são logicamente distintas (em outras palavras, não podem ser derivadas uma da outra). Para Hegel, elas são "dialéticas", ou seja, estão sempre sujeitas à mudança. Kant imaginara uma estrutura imutável da experiência, enquanto Hegel acreditava que a própria estrutura da experiência é sujeita à mudança, tanto quanto o mundo que experi1nentamos. A consciência, portanto, e não apenas algo sobre o qual estamos cientes, é parte de um processo em evolução. Um processo "dialético" — conceito que tem significado bem específico no pensamento de Hegel.
A dialética de Hegel
A noção de dialética é fundamental ao que Hegel chama de explanação imanente (interna) sobre o desenvolvimento das coisas. Ele declarou que sua explanação garantiria quatro coisas. Primeiro, que nenhuma suposição é feita. Segundo, que apenas as noções mais amplas possíveis são empregadas evitando afirmativas sem justificação. Terceiro, que ela mostra como uma noção geral produz outras noções, mais específicas. Quarto, que esse processo acontece inteiramente "dentro" da própria noção. Essa quarta exigência revela o cerne da lógica de Hegel: toda noção, ou "tese", contém dentro de si uma contradição, ou "antítese", que só é solucionada pelo surgimento de uma noção mais nova e mais rica, chamada "síntese", a partir da própria noção original. Uma consequência desse processo imanente é que, quando nos tornamos cientes da síntese, percebemos que o que havíamos considerado como contradição na tese era apenas aparente, causada por alguma limitação em nossa compreensão da noção original.
Um exemplo dessa progressão lógica aparece no início da Ciência da lógica de Hegel, na qual ele introduziu a noção mais geral e abrangente do "puro ser" — que significa qualquer coisa sobre a qual, em qualquer sentido, pode ser dito que exista. Ele então mostrou que esse conceito contém uma contradição — isto é, o "ser puro" exige o conceito oposto de "nada" ou "não ser" para ser compreendido inteiramente. Hegel revelou, então, que essa contradição é simplesmente um conflito entre dois aspectos de um conceito único, mais elevado, no qual eles encontram a solução. No caso do "ser" e do "não ser'', o conceito que os soluciona é "vir a ser". Quando dizemos que algo "vem a ser", queremos dizer que ele se desloca de um estado de não ser para um estado de ser. Assim, o conceito inicial de "ser" não era realmente um conceito único, mas apenas um aspecto da noção tripartite de "vir a ser". O ponto vital, aqui, é que o conceito de "vir a ser" não é introduzido a partir "de fora", por assim dizer, para resolver a contradição entre "ser" e "não ser". Ao contrário, a análise de Hegel afirmou que "tornar-se" foi sempre o significado de "ser" e "não ser" — basta analisar esses conceitos para ver emergir sua lógica subjacente.
Essa resolução de uma tese (ser) com sua antítese (não ser) numa síntese (vir a ser) é apenas o início do processo dialético, que prossegue em espiral, repetindo-se em níveis cada vez mais elevados. Isto é, qualquer nova síntese acaba, se aprofundarmos a análise, por envolver sua própria contradição, e isso, por sua vez, é solucionado por uma noção ainda mais rica ou "mais elevada". Todas as ideias, de acordo com Hegel, estão interconectadas dessa forma, e o processo de revelar essas conexões é o chamado "método dialético".
Ao afirmar que as estruturas de pensamento são dialéticas, portanto, Hegel queria dizer que elas não são distintas e irredutíveis, como Kant sustentava, mas que surgem a partir das noções mais amplas, por meio desse movimento de autocontradição e resolução.
A dialética e o mundo
A discussão sobre a dialética de Hegel usa termos corno "emergir", "desenvolvimento" e "movimento". Por um lado, esses termos refletem algo importante sobre esse método da filosofia: que ele começa sem suposições e a partir do ponto menos controverso, permitindo que conceitos mais ricos e verdadeiros se revelem ao longo do processo de desdobramento dialético. Por outro lado, no entanto, Hegel argumentava que esses desenvolvimentos não são apenas interessantes fatos da lógica, mas desenvolvimentos reais, que podem ser vistos em ação na história. Por exemplo, um homem da Grécia antiga e um homem do mundo moderno obviamente pensam sobre coisas diferentes, mas Hegel afirmou que suas próprias formas de pensar diferem, representando tipos diferentes de consciência — ou estágios diferentes no desenvolvimento histórico do pensamento e da consciência.
A primeira grande obra de Hegel, Fenomenologia do espírito, fornece uma explicação do desenvolvimento dialético dessas formas de consciência. O autor mapeou os tipos de consciência que um ser humano individual pode possuir e avançou gradualmente até as formas coletivas de consciência. Ele fez isso a fim de demonstrar que tais tipos de consciência se encontram externalizados em períodos históricos ou acontecimentos particulares — por exemplo, nas revoluções americana e francesa.
De fato, Hegel mencionou que em certas épocas o espírito usa individuas, como Napoleão Bonaparte, para forçar a história ao próximo passo de seu desenvolvimento independentemente dos motivos dos próprios indivíduos, que ignoram o modo pelo qual estão sendo usados pelo espírito. O progresso que esses indivíduos deflagram é sempre caracterizado pelo fato de libertar os aspectos do espírito (sob forma humana) dos estados recorrentes da opressão, superando tiranias que podem elas mesmas ser fruto da superação de tiranias anteriores.
Essa ideia extraordinária — de que a natureza da consciência tem mudado através do tempo e de acordo com um padrão visível na história — significa que não há nada sobre os seres humanos que não seja de caráter histórico. Mais além, esse desenvolvimento histórico da consciência não pode simplesmente ter acontecido ao acaso. Já que é um processo dialético, deve em algum sentido conter tanto um sentido particular de direção quanto uma finalidade. Hegel chama essa finalidade de "espírito absoluto": com isso, ele quer dizer um futuro estágio de consciência que já não pertence aos indivíduos, mas à realidade corno um todo.
Nesse ponto de desenvolvimento, o conhecimento seria completo como deve ser, de acordo com Hegel, já que o espírito abrange, pela síntese dialética, tanto aquele que conhece quanto aquilo que é conhecido. Além disso, o espírito apreende esse conhecimento como nada além do que sua própria essência concluída: a assimilação completa de todas as formas de "alteridade" que sempre foram partes de si mesmo, embora sem saber. Em outras palavras, o Espírito não existe simplesmente para abranger a realidade. Ele existe para estar ciente de si mesmo, como sempre sendo nada além do que o movimento rumo à abrangência da realidade. Como Hegel escreve na Fenomenologia do espírito, "a História é o vir a ser que sabe, e que se mediatiza — [é] espírito extravasado no tempo".
Espírito e natureza
Mas e o mundo em que vivemos e que parece ir por seu caminho um tanto apartado da história humana? O que significa dizer que a própria realidade é histórica? De acordo com Hegel, o que geralmente chamamos de "natureza" ou "o mundo" é também espírito. "A natureza tem de ser considerada um sistema de estágios, um surgindo necessariamente a partir do outro e sendo a verdade imediata do estágio do qual resulta." Hegel afirmou, ainda, que um dos estágios da natureza é a progressão daquilo que é "apenas Vida" (natureza como totalidade viva) para aquilo que tem "existência como espírito" (a totalidade da natureza revelada como sendo sempre, quand9 apropriadamente compreendida, espírito).
Nesse estágio da natureza, começa uma dialética diferente: aquela da própria consciência — das formas que o espírito absoluto assume em sua progressão dialética rumo à autorrealização. A explanação de Hegel sobre essa progressão começa com a consciência, que primeiro pensa em si como uma coisa individual entre outros indivíduos, ocupando um lugar separado da matéria ou do mundo natural. No entanto, os estágios posteriores da consciência não são mais os dos indivíduos, mas dos grupos sociais ou políticos — e assim continua a dialética, aperfeiçoando-se até alcançar o estágio de espírito absoluto.
Espírito e mente
Na época em que Hegel escreveu, havia uma visão filosófica dominante de que existem dois tipos de entes no mundo: coisas que existem no mundo físico e pensamentos sobre essas coisas (estes últimos sendo algo como retratos ou imagens das coisas). Hegel afirmou que todas as versões dessa distinção são equívocos, ao envolver nosso compromisso com um cenário ridículo em que duas coisas são ' absolutamente diferentes (coisas e pensamentos), mas também de algum modo similares (porque os pensamentos são imagens das coisas).
Hegel disse que é somente aparente a diferença entre os objetos do pensamento e o próprio pensamento. Para Hegel, a ilusão de diferença e separação entre esses dois mundos "aparentes" se mostra quando o pensamento e a natureza são revelados enquanto aspectos do espírito. Essa ilusão é superada no espírito absoluto, quando vemos que existe apenas uma realidade: aquela do espírito, que sabe e reflete em si, e é tanto pensamento quanto aquilo que é pensado. A "totalidade do espírito", ou "espírito absoluto", é o ponto final da dialética de Hegel. No entanto, os estágios anteriores não são deixados para trás, por assim dizer, mas revelados como aspectos insuficientemente analisados da totalidade do espírito. De fato, o que pensamos sobre uma pessoa individual não é um elemento separado da realidade, mas um aspecto de como o espírito se desenvolve — ou como ele "extravasa no tempo". Assim, Hegel escreveu: "A verdade é o todo. Mas o todo é somente a essência que se implementa por meio do seu desenvolvimento". A realidade é o espírito — tanto o pensamento quanto aquilo que é conhecido pelo pensamento — que sofre um processo de desenvolvimento histórico.
“A base e o solo sobre o qual todo o nosso conhecimento e aprendizado repousa, é o inexplicável.” Arthur Schopenhauer
Arthur Schopenhauer não se alinhava com a tendência dominante da filosofia alemã do início do século XIX. Reconhecia (e idolatrava) Immanuel Kant como uma grande influência, mas rejeitava os idealistas de sua própria geração, que sustentavam que a realidade consiste essencialmente de algo não material. Acima de tudo, detestava o idealista George Hegel pelo estilo literário seco e pela filosofia otimista.
Usando a metafisica de Kant como ponto de partida, Schopenhauer desenvolveu sua própria visão de mundo, que expressou em clara linguagem literária. Aceitou a visão kantiana de que o mundo se divide entre o que percebemos por meio dos sentidos (fenômeno) e as “coisas em si” (númenos), mas queria explicar a natureza dos mundos fenomênico e numênico.
Interpretando Kant
De acordo com Kant, cada um de nós constrói uma versão do mundo a partir das nossas percepções — o mundo fenomênico —, mas nunca experimentamos o mundo numênico como ele é “em si”. Então, cada um de nós tem visão limitada do mundo, já que as percepções são construídas a partir da informação adquirida por um conjunto limitado de sentidos. Schopenhauer acrescentou a isso que “todo homem aceita os limites de seu próprio campo de visão como os limites do mundo”.
A ideia de conhecimento limitado à experiência não era inédita. O antigo filósofo Empédocles tinha dito que "cada homem acredita apenas em sua experiência", e no século XVII John Locke afirmou que "nenhum conhecimento do homem pode ir além de sua experiência". Mas a razão que Schopenhauer forneceu para essa limitação era realmente nova, vinda de sua interpretação dos mundos fenomênico e numênico de Kant. A diferença importante entre Kant e Schopenhauer é que, para o último, o fenomênico e o numênico não são duas realidades ou mundos diferentes, mas o mesmo mundo, sentido de maneira diferente. Um mundo com dois aspectos. Vontade e Representação. Isso é mais facilmente evidenciado por nossos corpos: ora percebemos como objetos (Representações), ora experimentamos a partir de dentro (como Vontade).
Schopenhauer disse que um ato de vontade, como desejar levantar um braço, e o movimento resultante disso não estão em mundos diferentes — o numênico e o fenomênico —, mas são um mesmo acontecimento sentido de duas formas diferentes. Um é experimentado a partir de dentro, o outro observado a partir de fora. Quando vemos algo fora de nós mesmos, embora vejamos apenas sua Representação objetiva (e não a sua realidade interior ou Vontade), o mundo como um todo ainda tem as mesmas e simultâneas existências exterior e interior.
Vontade universal
Schopenhauer usou a palavra "vontade" para representar uma energia pura que não tem direção ativa e mesmo assim é responsável por tudo o que se manifesta no mundo fenomênico. Ele acreditava, como Kant, que o espaço e o tempo pertencem ao mundo fenomênico (são conceitos dentro das nossas mentes, e não coisas fora delas), e que a Vontade do mundo não indica o tempo nem segue leis causais ou espaciais. Isso significa que ela deve ser atemporal e indivisível — e da mesma forma devem ser nossas vontades individuais. Segue, então, que a Vontade do universo e a vontade individual são uma única coisa, e o mundo fenomênico está sob o controle dessa Vontade vasta e imotivada.
Influência oriental
Nesse ponto do argumento, o pessimismo de Schopenhauer se revelou. Contemporâneos como Hegel viam a vontade como força positiva. Já Schopenhauer enxergava a humanidade à mercê de uma Vontade universal despropositada e irracional. Ela estaria por trás de nossos desejos mais básicos, induzindo-nos a viver em constante desapontamento e frustração na tentativa de aliviar tais anseios. Para Schopenhauer, o mundo não é bom nem ruim, mas sem significado, e os humanos que lutam para encontrar a felicidade alcançam, na mell1or das hipóteses, satisfação — e na pior, dor e sofrimento.
A única saída dessa condição miserável, de acordo com Schopenhauer, é a não existência ou, pelo menos, uma privação da vontade de satisfação. Ele propôs que o alívio pode ser buscado por meio da contemplação estética, especialmente na música, a arte que não tenta representar o mundo fenomênico. Aqui, a filosofia de Schopenhauer ecoa o conceito budista do nirvana (estado transcendental livre do desejo e da dor): de fato, ele havia estudado em detalhes pensadores e religiões orientais.
A partir da ideia de Vontade universal, Schopenhauer desenvolveu uma filosofia moral um tanto surpreendente, considerando seu caráter misantrópico e pessimista. Ele entendeu que, se pudermos reconhecer que nossa separação do universo é essencialmente uma ilusão (porque as vontades individuais e a Vontade do universo são uma e única coisa), podemos descobrir uma empatia com o mundo e tudo o mais, e a bondade moral pode surgir de uma compaixão universal. Aqui, novamente, o pensamento de Schopenhauer reflete a filosofia oriental.
Legado duradouro
Amplamente ignorado por filósofos alemães do seu tempo, Schopenhauer teve suas ideias ofuscadas pela obra de Hegel. Contudo, inspirou escritores e músicos. No final do século XIX, a primazia que ele conferiu à Vontade tornou-se tema da filosofia novamente. Friedrich Nietzsche, em particular, reconheceu sua influência e Henri Bergson e os pragmatistas norte-americanos também devem algo à análise do mundo como Vontade. O maior legado de Schopenhauer, contudo, talvez esteja no campo da psicologia, em que suas ideias sobre desejos básicos e frustração influenciaram as teorias psicanalíticas de Sigmund Freud e Carl Jung.
Filósofo alemão do século XIX, Ludwig Feuerbach é mais conhecido pela obra A essência do cristianismo (1841), que inspirou pensadores revolucionários como Karl Marx e Friedrich Engels. O livro incorpora muito do pensamento de Georg Hegel, mas enquanto este via um espírito absoluto como força-guia na natureza, Feuerbach acreditava que a experiência humana bastava para explicar a existência. Para Feuerbach, os humanos não são uma forma externalizada de um espírito absoluto, mas o oposto: criamos a ideia de um espírito maior, um deus, a partir de nossos próprios desejos e aspirações.
Imaginando Deus
Feuerbach sugere que, em nosso anseio por tudo o que há de melhor na humanidade (amor, compaixão, bondade), imaginamos um ser que incorpora essas qualidades no mais alto grau possível e o chamamos "Deus". A teologia (o estudo sobre Deus) é, portanto, nada mais do que antropologia (o estudo sobre a humanidade). Não só nos iludimos em pensar que um ser divino existe como também esquecemos ou renunciamos ao que somos. Perdemos de vista o fato de que tais virtudes já existem em humanos, não em deuses. Por essa razão, devemos focar menos em integridade celestial e mais em justiça humana: são as pessoas nesta vida, nesta Terra, que merecem nossa atenção.
"É melhor ser um Sócrates insatisfeito, do que um tolo satisfeito." John Stuart Mill
"Uma pessoa com crença tem poder social igual a 99 que só têm interesses." John Stuart Mill
John Stuart Mill nasceu numa família de intelectuais e, desde cedo, esteve a par das tradições britânicas da filosofia surgidas no iluminismo do século XVIII. John Locke e David Hume haviam estabelecido uma filosofia cujo novo empirismo contrastava completamente com o racionalismo dos pensadores europeus continentais. Mas no final do século XVIII, as ideias românticas da Europa começaram a influenciar a filosofia moral e a política britânicas. O produto mais óbvio dessa influência foi o utilitarismo, uma interpretação bem britânica da filosofia política que moldara as revoluções do século XVIII na Europa e na América. Seu criador. Jeremy Bentham, amigo da família Mill, influenciou a educação doméstica de John.
Liberalismo vitoriano
Como filósofo, Mill estabeleceu para si a tarefa de sintetizar uma herança intelectual valiosa com o novo romantismo do século XIX. Sua abordagem é menos cética do que a de Hume (que argumentava que todo conhecimento vem da experiência dos sentidos e nada é certo) e menos dogmática do que a de Bentham (que insistia que tudo fosse julgado por sua utilidade), mas o empirismo e o utilitarismo de ambos instruiu seu pensamento. A filosofia moral e política de Mill — menos radical do que a de seus antecessores — mirava a reforma em vez da revolução, e formou a base do liberalismo vitoriano britânico.
Após completar sua primeira obra filosófica, o extenso Sistemas de lógica, em seis volumes, Mill voltou sua atenção para a filosofia moral, particularmente as teorias utilitaristas de Bentham. Ele tinha se impressionado com a elegante simplicidade do princípio da "máxima felicidade possível para o máximo possível de pessoas" de Bentham, acreditando firmemente em sua utilidade. Mill descreveu sua interpretação sobre como o utilitarismo podia ser aplicado de modo semelhante às "regras de ouro" de Jesus de Nazaré: tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o também a eles; e ama a teu próximo como a ti mesmo. Isso, ele dizia, constitui "a perfeição ideal da moralidade utilitarista".
Legislando pela liberdade
Mill apoiava o princípio da felicidade de Bentham, mas o considerava carente de praticidade. Bentham concebera a ideia como atrelada a um abstrato "cálculo de felicidade" (um algoritmo para calcular felicidade), mas Mill queria descobrir como ele poderia ser implementado no mundo real. Ele estava interessado nas implicações sociais e políticas do princípio, em vez de seu mero uso para tomar decisões morais. Como a legislação promotora da "máxima felicidade possível para o máximo possível de pessoas" realmente afetaria o indivíduo? É possível que as leis que buscam isso, ao instituir um tipo de regra majoritária, impeçam que algumas pessoas alcancem a felicidade?
Mill julgou que a solução é a educação, e a opinião pública trabalharem juntas para estabelecer uma "associação indissolúvel" entre a felicidade de um indivíduo e o bem-estar da sociedade. Como resultado, as pessoas estariam sempre motivadas a agir não apenas em favor do próprio bem-estar ou felicidade, mas para o de todos. Ele concluiu que a sociedade deve, portanto, permitir a todos os indivíduos a liberdade de buscar a felicidade. Além disso, ele acrescentou, tal direito deve ser assegurado pelo governo, e a legislação tem de proteger a liberdade individual para buscar objetivos pessoais. No entanto, alertou Mill, essa liberdade deve ser restringida no caso de a ação de uma pessoa violar a felicidade de outras. Esse é conhecido como "princípio do dano". Mill o sublinhou ao mostrar que, nesses casos, "o próprio bem [de uma pessoal, físico ou moral, não é uma garantia suficiente".
Quantificação da felicidade
Mill voltou sua atenção para a questão de como medir a felicidade. Bentham tinha considerado a duração e a intensidade dos prazeres em seu "cálculo da felicidade", mas Mill julgou que também é importante considerar a qualidade do prazer. Com isso, ele se referia à diferença entre uma simples satisfação de desejos e prazeres sensuais e a felicidade alcançada pela busca intelectual e cultural. Na "equação da felicidade", ele conferiu mais peso aos prazeres intelectuais, mais elevados, do que aos físicos, mais básicos.
Alinhado com sua formação empirista. Mill tentou identificar a essência da felicidade. O que é isso, ele perguntou, que cada indivíduo luta para alcançar? O que causa a felicidade? Ele decidiu que "a única evidência que é possível de ser apresentada de que algo é desejável é que as pessoas realmente a desejam". Isso parece uma explanação um tanto insatisfatória, mas ele prosseguiu com a distinção entre dois desejos diferentes: desejos imotivados (coisas que queremos que nos proporcionarão prazer) e ações conscienciosas (coisas que fazemos por senso de dever ou caridade, com frequência contra nossa inclinação imediata, mas que por fim nos dão prazer). No primeiro caso, desejamos algo como parte de nossa felicidade, mas no segundo desejamos como meio para nossa felicidade, que é sentida apenas quando o ato alcança seu fim virtuoso.
Utilitarismo prático
Mill não era um filósofo puramente acadêmico. Acreditava que suas ideias deviam ser colocadas em prática, e considerou o que isso poderia significar em termos de governo e legislação. Ele julgava tirânica qualquer restrição à liberdade do indivíduo para buscar a felicidade, fosse a tirania da maioria (exercida pela eleição democrática), fosse a tirania singular de um déspota. E sugeriu medidas práticas para restringir o poder da sociedade sobre o indivíduo e para proteger os direitos individuais à livre expressão.
Em seu período como parlamentar, Mill propôs muitas reformas que só vingariam muito tempo depois, mas seus discursos sobre as aplicações liberais de sua filosofia utilitária foram levados para um público amplo. Como filósofo e político, argumentou fortemente em defesa da livre expressão, pela promoção dos direitos humanos básicos e contra a escravidão — óbvias aplicações práticas do unitarismo. Fortemente influenciado pela esposa, Harriet Taylor-Mill, foi o primeiro parlamentar britânico a propor o voto feminino como parte das reformas de governo. Sua filosofia liberal também abrangia a economia e, contrário às teorias econômicas de seu pai, ele defendeu uma economia de mercado livre, com intervenção do governo mantida num nível mínimo.
Revolução suave
Mill colocou o indivíduo, e não a sociedade, no centro de sua filosofia utilitária. Importante é que os indivíduos sejam livres para pensar e agir como queiram sem interferência, mesmo que seus atos os prejudiquem. Todo indivíduo, escreveu Mill no ensaio Sobre a liberdade, é "soberano sobre seu próprio corpo e sua própria mente". Suas ideias deram corpo ao liberalismo vitoriano, abrandando as ideias radicais que tinham conduzido a revoluções na Europa e na América e combinando-as com a noção de indivíduo livre da interferência da autoridade. Essa para Mill, era a base para a justa governança e para o progresso social, importantes ideais vitorianos. Ele acreditava que, se a sociedade deixasse o indivíduo viver da forma que o fizesse feliz, isso lhe permitiria atingir todo o seu potencial. O que beneficiaria toda a sociedade, já que as realizações dos talentos isolados contribuem para o bem geral. Durante sua vida, Mill foi reconhecido como filósofo importante. Hoje, muitos o consideram o arquiteto do liberalismo vitoriano. Sua filosofia de inspiração utilitarista teve influência direta no pensamento social, político, filosófico e econômico até o século XX. A economia moderna foi moldada por várias interpretações de sua aplicação, do utilitarismo ao mercado livre, especialmente pelo economista britânico John Maynard Keynes. No campo da ética, filósofos como Bertrand Russell, Karl Popper, William James e John Rawls tomaram Mill como ponto de partida.
A filosofia de Soren Kierkegaard desenvolveu-se em reação ao pensamento idealista alemão que dominou a Europa continental em meados do século XIX, particularmente o de Georg Hegel. Kierkegaard queria refutar a ideia de sistema filosófico completo de Hegel (que definia a humanidade como parte de um desenvolvimento histórico inevitável) por meio da defesa de uma abordagem mais subjetiva. Ele desejava investigar o que "significa ser um ser humano", não como parte de um grande sistema filosófico, mas como indivíduo autônomo.
Kierkegaard acreditava que nossas vidas são determinadas por ações, que são elas próprias determinadas por escolhas, e o modo de fazer essas escolhas é crucial. Como Hegel, ele considerava as decisões morais como uma escolha entre o hedonístico (que gratifica a si mesmo) e o ético. Mas, enquanto Hegel julgou que essa escolha era determinada em grande parte por condições históricas e pelo ambiente da época, Kierkegaard disse que as escolhas morais são livres e, acima de tudo, subjetivas. É exclusivamente nossa vontade que determina nosso julgamento, ele dizia. No entanto, longe de ser uma razão para a felicidade, a liberdade total de escolha nos provoca um sentimento de angústia ou apreensão.
Kierkegaard explicou esse sentimento em O conceito de angústia. Como exemplo, ele citou um homem no alto de um penhasco ou edifício. Se esse homem olha para baixo, sente dois tipos de medo: o medo de cair e o medo causado pelo impulso de lançar-se no vazio. Esse segundo tipo de medo, ou angústia, surge a partir da compreensão de que ele tem liberdade absoluta para escolher se pula ou não, e esse medo é tão atordoante quanto sua vertigem. Kierkegaard sugeriu que sentimos a mesma angústia em todas as nossas escolhas morais, quando compreendemos que temos a liberdade de tomar até as mais terríveis decisões. Ele descreveu essa angústia como "a vertigem da liberdade", e foi além ao explicar que, embora ela cause desespero, pode também nos livrar de respostas impensadas, pois nos torna mais cientes das escolhas disponíveis. Tal angústia aumenta nossa consciência e senso de responsabilidade pessoal.
O pai do existencialismo
As ideias de Kierkegaard foram rejeitadas por seus contemporâneos, mas se mostraram muito influentes nas gerações posteriores. Sua insistência na importância da liberdade de escolha e em nossa continua busca por significado e propósito forneceria a estrutura para o existencialismo. Essa filosofia desenvolvida por Friedrich Nietzsche e Martin Heidegger foi, mais tarde, completamente definida por Jean-Paul Sartre. Ela explora as formas nas quais podemos viver com significado num universo sem deus, onde cada ato é uma escolha, exceto o ato do nosso próprio nascimento. Diferentemente de outros pensadores posteriores, Kierkegaard não abandonou a fé em Deus, mas foi o primeiro a reconhecer a percepção da autoconsciência e a "vertigem", ou medo, da liberdade absoluta.
“De cada um, de acordo com suas capacidades; para cada um, de acordo com suas necessidades.” Karl Marx
“As ideias dominantes de cada época sempre foram as ideias de sua classe dominante.” Karl Marx
“A abolição da religião como felicidade ilusória do povo é necessária para a felicidade real.” Karl Marx
“Um espectro ronda a Europa — o espectro do comunismo.” Karl Marx
A complexa história da espécie humana pode ser reduzida a uma única fórmula? Um dos maiores pensadores do século XIX, Karl Marx, acreditava que sim. Ele abriu o primeiro capítulo de sua célebre obra, o Manifesto comunista, com a alegação de que toda mudança histórica acontece como resultado de um conflito constante entre classes sociais dominantes (mais altas) e subordinadas (mais baixas), e que as raízes desse conflito estão na economia.
Marx acreditava que tinha alcançado um insight excepcionalmente importante sobre a natureza da sociedade através dos tempos. Abordagens anteriores da história tinham enfatizado o papel dos heróis e líderes individuais ou ressaltado o papel desempenhado pelas ideias, mas Marx focou numa longa sucessão de conflitos de grupo, incluindo aqueles entre antigos mestres e escravos, lordes medievais e servos, e empregadores modernos e seus empregados. Foram os conflitos entre essas classes, ele afirmou, que provocaram mudanças revolucionárias.
Manifesto comunista
Marx escreveu o Manifesto com o filósofo alemão Friedrich Engels, que ele tinha conhecido quando ambos estudaram filosofia acadêmica na Alemanha, no final da década de 1830. Engels contribuiu com ajuda financeira, ideias e habilidade literária, mas Marx foi reconhecido como o gênio por trás da publicação conjunta.
Em seus manuscritos privados do começo e de meados da década de 1840, Marx e Engels enfatizaram que a questão central de sua atividade era mudar o mundo, e não interpretá-lo, como havia sido o objetivo de filósofos anteriores. Nas décadas de 1850 e 1860, Marx aperfeiçoou suas ideias em vários textos menores, incluindo o Manifesto comunista, panfleto de cerca de 40 páginas.
O Manifesto procura explicar os valores e os planos políticos do comunismo — um sistema de crenças proposto por um pequeno e relativamente novo grupo de socialistas alemães radicais. O Manifesto alega que a sociedade tinha se reduzido a duas classes em conflito direto: a burguesia (a classe detentora do capital) e o proletariado (a classe trabalhadora).
A palavra "burguesia" é derivada do francês burgeois, ou burguês: o homem proprietário de negócios, que ascendeu socialmente em geral para dirigir o próprio empreendimento. Marx descreveu como a descoberta e a colonização da América, a abertura dos mercados indianos e chineses e o aumento do número de produtos que podiam ser trocados tinham, por volta de meados do século XIX, levado ao rápido desenvolvimento do comércio e da indústria. Os artesãos não produziam mais bens suficientes para as necessidades crescentes dos novos mercados, e então o sistema de manufatura tinha tomado seu lugar. Como o Manifesto relaciona, "os mercados se mantiveram crescendo, com a demanda sempre aumentando".
Valores da burguesia
Marx alegou que a burguesia, que controlava todo esse comércio, não deixou nenhuma ligação entre as pessoas "a não ser o interesse próprio escancarado, a não ser o desumano 'pagamento em dinheiro'". As pessoas antes eram valorizadas pelo que eram, mas a burguesia "tinha reduzido o valor pessoal a valor de troca". Valores morais, religiosos e até sentimentais tinham sido esquecidos, enquanto todo mundo (de cientistas e advogados a sacerdotes e poetas) tinha se transformado em nada mais do que trabalhares assalariados. Onde havia "ilusões" religiosas e políticas, Marx escreveu, a burguesia as "substituiu pela exploração escancarada, desavergonhada, direta, brutal". Decretos que antes protegiam a liberdade do povo tinham sido atropelados por uma "liberdade irracional — o livre comércio''.
A única solução, de acordo com Marx, era que todos os meios de produção econômica (como terra, matérias-primas, ferramentas e fábricas} se tornassem propriedade comum; então, todo membro da sociedade poderia trabalhar de acordo com sua capacidade e consumir de acordo com sua necessidade.
Mudança dialética
A filosofia por trás do raciocínio de Marx sobre o processo de mudança provém em grande parte de seu antecessor Georg Hegel, que tinha descrito a realidade não como um estado de coisas, mas como um processo de mudança contínua. A mudança era causada, segundo Hegel, pelo fato de que toda ideia ou estado de coisas (conhecido como "tese") contém dentro de si um conflito interno (a "antítese"), que finalmente força a ocorrência de uma mudança, levando a uma nova ideia ou estado de coisas (a "síntese"). Esse processo é conhecido como dialética.
Hegel acreditava que nunca podemos sentir as coisas no mundo como elas são, mas somente como elas se mostram a nós. Para ele, a existência consiste primordialmente de mente ou espírito, então a jornada da história, através de incontáveis ciclos dialéticos, é em essência o progresso do espírito, ou Geist, rumo a um estado de absoluta harmonia. É aqui que Hegel e Marx se separam. Marx insistiu que o processo não é uma jornada de desenvolvimento espiritual, mas de mudança histórica real. Ele afirmou que o estado final, livre de conflito, que está no fim do processo, não é a bem-aventurança espiritual hegeliana, mas a sociedade perfeita, onde todos trabalhariam harmoniosamente rumo ao bem-estar de um todo maior.
A formação de classes Em épocas anteriores, os humanos haviam sido inteiramente responsáveis por produzir tudo de que precisavam (vestuário, alimento e habitação) para si mesmos. Quando as primeiras sociedades começaram a se formar, as pessoas passaram a contar mais umas com as outras. Isso levou a uma forma de "barganha", descrita pelo economista escocês Adam Smith, conforme as pessoas trocavam bens ou trabalho. Marx concordava com Smith que esse sistema de troca levou as pessoas a se especializarem em seu trabalho, mas ressaltou que essa nova especialização (ou "ocupação") também veio a defini-las. Qualquer que seja a especialização ou ocupação, seja trabalhador agrícola ou proprietário hereditário de terras, ela veio para ditar onde essa pessoa viveria, o que comeria e o que vestiria. Também impunha com quem na sociedade ela compartilhava interesses e com quem seu interesse entrava em choque. Ao longo do tempo, isso levou à formação de distintas classes socioeconômicas, envolvidas em conflito.
De acordo com Marx, houve quatro grandes estágios na história humana, que ele entendeu como baseados em quatro diferentes formas de propriedade: o sistema tribal original de propriedade comum; o antigo sistema de propriedade comunal e estatal (em que tanto a escravidão quanto a propriedade privada começaram); o sistema feudal de propriedade; e o moderno sistema de produção capitalista. Cada um desses estágios representa uma forma diferente de sistema econômico, ou "modo de produção'', e as transições entre eles são marcadas na história por acontecimentos políticos turbulentos, como guerras e revoluções, quando uma classe governante toma o lugar de outra. O Manifesto comunista popularizou a ideia de que, pela compreensão do sistema de propriedade em qualquer sociedade, em qualquer época particular, podemos adquirir a chave para compreender suas relações sociais.
Instituições culturais
Marx também acreditava que uma análise da base econômica de qualquer sociedade nos permite ver que, quando seu sistema de propriedade se altera, também mudam as "superestruturas" — política, leis, arte, religiões e filosofias. Estas se desenvolvem para servir aos interesses da classe governante, promovendo seus valores e interesses e desviando a atenção das realidades políticas. No entanto, mesmo essa classe governante não está, de fato, determinando os acontecimentos ou as instituições. Hegel havia dito que toda época é governada pelo Zeitgeist, ou espírito da época, e Marx concordava. Mas onde Hegel via o Zeitgeist determinado por um espírito absoluto que se desenvolve ao longo do tempo, Marx o enxergava definido por relações sociais e econômicas de uma era. Estas determinariam as ideias ou a "consciência" de indivíduos e sociedades. Na visão de Marx, as pessoas não deixam uma marca em sua era, moldando-a de forma particular — a era é que define as pessoas.
A revisão da filosofia de Hegel por Marx, de uma jornada do espírito para uma jornada de modos de produção social e política, foi influenciada por outro filósofo alemão, Ludwig Feuerbach. Feuerbacb acreditava que a religião tradicional é intelectualmente falsa — não corroborada de modo algum pela razão — e contribui para a miséria humana. Ele alegava que as pessoas criam deuses à sua própria imagem a partir do amálgama das grandes virtudes da humanidade e, então, se aferram a esses deuses e religiões inventadas, preferindo "sonhos" ao mundo real. As pessoas se alienam de si mesmas por meio de uma comparação desfavorável entre seu próprio "eu" e um deus que elas tendem a esquecer que haviam criado.
Marx concordava que as pessoas se aferram à religião porque desejam um lugar em que o "eu" não é desprezado ou alienado, mas dizia que isso não se deve a algum deus autoritário, mas a fatos materiais em suas vidas diárias, reais. A resposta para Marx não está apenas no fim da religião, mas na total mudança social e política.
Utopia marxista
Além de sua explanação geral acerca da história humana rumo à ascensão das classes burguesas e proletárias, o Manifesto comunista faz diversas outras alegações sobre política, sociedade e economia. Marx argumentou, por exemplo, que o sistema capitalista não é apenas explorador, mas inerentemente instável em suas finanças, o que leva à recorrência de crises comerciais cada vez mais severas, à pobreza crescente da força de trabalho e ao surgimento do proletariado como a classe genuinamente revolucionária. Pela primeira vez na história, essa classe revolucionária representaria a vasta maioria da humanidade.
De acordo com Marx, esses acontecimentos são sustentados pela natureza cada vez mais complexa do processo de produção. Marx previu que, à medida que a tecnologia se desenvolve, leva a um progressivo desemprego, alienando cada vez mais pessoas de seus meios de produção. Isso dividiria a sociedade em dois grupos: de um lado um grande número de pessoas empobrecidas, de outro alguns poucos detentores dos meios de produção. Seguindo as regras da dialética, esse conflito resultaria numa revolução violenta para estabelecer uma nova sociedade sem classes. Esta seria a sociedade utópica, livre de conflitos, que marcaria o fim do processo dialético. Marx julgou que essa sociedade perfeita não exigiria governo, apenas administração, e isso seria realizado por líderes da revolução: o partido "comunista" (forma como Marx se referia àqueles que aderissem à causa revolucionária). Dentro desse novo tipo de Estado (que Marx chamou de "ditadura do proletariado"), o povo desfrutaria da democracia genuína e do controle social da riqueza. Logo depois dessa mudança final do modo de produção para uma sociedade perfeita, Marx previu, o poder político chegaria a um fim, porque não haveria razão para discordância política ou criminalidade.
Poder político
Marx previu que o resultado das intensas lutas de classe na Europa entre a burguesia e a classe trabalhadora assalariada se tornaria evidente apenas quando a grande massa do povo fosse destituída de propriedades, sendo obrigada a vender sua mão de obra por salários. A justaposição de pobreza de muitos com a grande riqueza de poucos se tornaria cada vez mais óbvia e o comunismo, cada vez mais atraente — raciocinou Marx.
No entanto, Marx não esperava que os adversários do comunismo desistissem de seus privilégios facilmente. Em todos os períodos da história, a classe governante desfrutou da vantagem de controlar tanto o governo quanto as leis como um meio de reforçar seu domínio econômico. O Estado moderno, ele disse, era na verdade um "comitê para administrar os interesses da classe burguesa", e os esforços dos grupos excluídos para ter seus próprios interesses respeitados (como a luta para estender o direito do voto) eram simplesmente expedientes de curto prazo nos quais o conflito econôm.ico mais fundamental encontrava expressão. Marx via os partidos e interesses políticos como meros veículos para os interesses das classes dominantes, obrigadas a dar a impressão de que atuavam pelo interesse geral a fim de manter o poder.
O caminho para a revolução
A originalidade de Marx está em sua combinação de ideias preexistentes, em vez da criação de novas. Seu sistema utiliza ideias de filósofos idealistas alemães, especialmente Georg Hegel e Ludwig Feuerbach; de teóricos políticos franceses, como Jean-Jacques Rousseau; e de economistas políticos britânicos, particularmente Adam Smith. O socialismo tinha se tomado uma doutrina política reconhecida na primeira metade do século XIX, e dele Marx extraiu vários insights sobre propriedade, classe, exploração e crises comerciais.
O conflito de classes estava no ar quando Marx escreveu o Manifesto. Ele foi produzido pouco antes da explosão de várias revoluções contra as monarquias em muitas nações europeias continentais, em 1848 e 1849. Nas décadas precedentes, um número significativo de pessoas migrara do campo para as cidades em busca de trabalho, embora a Europa continental ainda não tivesse visto o desenvolvimento industrial ocorrido na Grã-Bretanha. Uma onda de descontentamento dos pobres foi explorada por políticos liberais e nacionalistas, e as revoluções se espalharam pela Europa, embora, no fim, essas revoltas tenham sido derrotadas sem causar mudanças permanentes.
Entretanto, o Manifesto adquiriu status icónico no século XX, inspirando revoluções na Rússia, China e muitos outros países. O brilho das teorias de Marx provou-se falso na prática: a extensão da repressão na Rússia stalinista, na China de Mao Tsé-Tung e no Camboja de Pol Pot trabalhou contra suas ideias políticas e históricas.
Crítica ao marxismo
Embora Marx não tenha previsto o comunismo implantado de forma bárbara nessas sociedades primordialmente agrícolas, suas ideias ainda estão abertas a várias críticas. Primeiro, Marx sempre defendeu a inevitabilidade da revolução. Essa era uma parte essencial da dialética, mas peca pelo simplismo, visto que a criatividade humana é sempre capaz de produzir uma variedade de escolhas, e a dialética falha diante da possibilidade de progresso pela reforma gradual.
Em segundo lugar, Marx tendia a revestir o proletariado com atributos totalmente virtuosos e a sugerir que a sociedade comunista daria origem a um novo tipo de ser humano. Ele nunca explicou de que maneira a ditadura desse proletariado perfeito seria diferente de formas anteriores e brutais de ditadura, nem como ela evitaria os efeitos corruptores do poder.
Terceiro, Marx raramente discutiu a possibilidade de que novas ameaças à liberdade pudessem surgir depois de uma revolução bem-sucedida: ele supunha a pobreza como única causa real da criminalidade. Seus críticos também alegam que ele não compreendeu suficientemente as forças do nacionalismo e que não explicou o papel da liderança pessoal na política. De fato, o movimento comunista do século XX produziria cultos a personalidades poderosas em quase todos os países onde os marxistas chegaram ao poder.
Influência duradoura
Apesar das críticas e crises que as teorias de Marx provocaram, suas ideias foram muito influentes. Como crítico poderoso do capitalismo comercial e como teórico econômico e socialista, Marx ainda hoje é considerado relevante para a política e a economia. Muitos concordam com o filósofo russo-britânico do século XX, Isaiah Berlin, que o Manifesto comunista é "uma obra de gênio".
Quase um século depois de Jean-Jacques Rousseau afirmar que a natureza era essencialmente benigna, o filósofo norte-americano Henry Thoreau desenvolveu a ideia, argumentando que "todas as coisas boas são selvagens e livres" e que as leis do homem suprimem em vez de proteger as liberdades civis. Ele julgava que os partidos políticos eram necessariamente parciais e que suas políticas com frequência iam contra nossas crenças morais. Por essa razão, acreditava que era dever do indivíduo protestar contra as leis injustas, alegando que aceitar passivamente essas leis dava-lhes fundamento.
Em seu ensaio Desobediência civil, escrito em 1849, Thoreau propõe o direito do cidadão à objeção conscienciosa por meio da não cooperação e resistência não violenta — que ele pôs em prática ao recusar-se a pagar taxas que apoiassem a guerra no México e perpetuassem a escravidão. As ideias de Thoreau contrastavam de maneira pronunciada com as de seu contemporâneo Karl Marx e com o espírito revolucionário da Europa da época, que exigia ação violenta. Mas foram posteriormente adotadas por numerosos líderes de movimentos de resistência, como Mahatma Gandhi e Martin Luther King.
“Nada é vital para a ciência; nada pode ser.” Charles Sanders Peirce
Charles Sanders Peirce foi cientista, lógico e filósofo da ciência, pioneiro do movimento filosófico conhecido como pragmatismo. Profundamente cético em relação às ideias metafísicas — como a de que há um mundo real além do mundo que sentimos —, certa vez ele convidou seus leitores para julgar o que está errado na seguinte teoria: um diamante é realmente macio e somente se torna duro quando tocado.
Peirce argumentou que não há "falsidade" em tal pensamento, porque não há meios de refutá-lo. No entanto, afirmou que o significado de um conceito (como "diamante" ou "duro") é derivado do objeto ou da qualidade com os quais o conceito se relaciona e dos efeitos que ele tem sobre nossos sentidos. Se pensamos no diamante como "macio até ser tocado" ou "sempre duro" antes da nossa experiência, portanto, é irrelevante. Sob ambas as formulações, o diamante é sentido do mesmo modo e pode ser usado da mesma maneira. No entanto, a primeira teoria, muito mais difícil de ser absorvida, é de menor valor para nós. Essa ideia, de que o significado de um conceito é o efeito sensorial de seu objeto, é conhecida como máxima pragmática e tornou-se o princípio fundador do pragmatismo: a crença de que a "verdade" é a descrição da realidade que melhor funciona para nós.
Uma das coisas fundamentais que Peirce tentava realizar era mostrar que muitos debates na ciência, filosofia e teologia não têm sentido. Ele afirmava que muitas vezes são debates sobre palavras, e não sobre a realidade, uma vez que neles nenhum efeito sobre os sentidos pode ser especificado.
“O modo de classificar algo é apenas um modo de lidar com ele para algum propósito particular.” William James
“O método pragmático significa desviar os olhos dos princípios e mirá-los nas consequências.” William James
Ao longo do século XIX, quando os Estados Unidos começaram a se desenvolver como nação independente, os filósofos da Nova Inglaterra, como Henry David Thoreau e Ralp Waldo Emerson, conferiram um olhar reconhecidamente americano às ideias românticas europeias. Mas foi a geração seguinte de filósofos, que viveu quase um século depois da Declaração da Independência, que surgiu com algo de fato original.
O primeiro deles, Charles Sanders Peirce, propôs uma teoria do conhecimento que chamou de pragmatismo, mas sua obra não foi notada na época. Coube a seu amigo de toda a vida, William James, afilhado de Ralp Emerson, defender e desenvolver as ideias de Peirce.
Verdade e utilidade
Fundamental ao pragmatismo peirceano era a teoria de que não adquirimos conhecimento apenas observando, mas fazendo, e que contarmos com esse conhecimento somente enquanto ele nos é útil, no sentido de que explica adequadamente as coisas para nós. Quando esse conhecimento não cumpre mais essa função em explicações melhores tornam-no obsoleto, o substituímos. Compara a história do mundo se modificando: a Terra, por exemplo. As antigas suposições funcionaram de forma adequada em sua época, e o próprio universo não mudou. Isso demonstra como o conhecimento, como ferramenta explicativa, é diferente de fatos. Peirce investigou a natureza do conhecimento dessa forma, mas James aplicaria esse raciocínio à noção de verdade.
Para James, a verdade de uma ideia depende de quanto ela é útil — ou seja, se ela responde o que dela se exige. Se uma ideia não contradiz os fatos conhecidos — tais como as leis da ciência — e proporciona um meio de prever as coisas de forma precisa o suficiente para nossos objetivos, não pode haver razão para não considerá-la verdadeira, da mesma maneira que Peirce considerou o conhecimento como uma ferramenta útil, independente dos fatos.
Essa interpretação da verdade não apenas a distingue do fato, mas também leva James a propor que "a verdade de uma ideia não é uma propriedade estagnada inerente a ela. A verdade acontece a uma ideia. Ela torna-se verdadeira pelos acontecimentos. Sua veracidade é, de fato, um acontecimento, um processo''. Qualquer ideia, se trabalhada, é considerada como verdadeira pela ação que tomamos — colocar a ideia em prática é o processo pelo qual ela se torna verdadeira. James também julga que a crença numa ideia é um fator importante na escolha para agir sobre ela, e dessa forma a crença é parte do processo que torna uma ideia verdadeira. Se sou confrontado com uma decisão difícil, minha crença numa ideia particular me conduzirá a uma rota de ação particular e, então, contribuirá para seu sucesso. É por causa disso que James definiu "crenças verdadeiras" como aquelas que se provam úteis a quem acredita nelas. Novamente, ele foi cuidadoso para distingui-las dos fatos, os quais ele julgava que "não são verdadeiros. Eles simplesmente são. A verdade é função das crenças que começam e terminam entre eles".
O direito de acreditar
Toda vez que tentamos estabelecer uma nova crença, seria útil se tivéssemos toda evidência e tempo disponíveis para tomar uma decisão ponderada. Mas em muitos momentos da vida não nos damos a esse luxo: ou não há tempo suficiente para investigar os fatos conhecidos ou não há evidência suficiente, mesmo assim somos forçados a uma decisão. Temos de confiar em nossas crenças para guiar nossas ações. James disse que, nesses casos, temos "o direito de acreditar".
James explicou isso ao tomar o exemplo de um homem com fome, perdido na floresta. Quando ele vê uma trilha, é importante para ele acreditar que a trilha vai tirá-lo da floresta e levá-lo a uma habitação porque, se não acreditar nisso, não seguirá a trilha e permanecerá perdido e com fome. Mas se seguir, se salvará. Agindo de acordo com sua ideia de que a trilha o levará à salvação, isso se torna verdade. Dessa forma, nossas ações e decisões transformam nossa crença em uma ideia que se torna verdadeira. Por isso, James enunciou: "Aja como se o que você faz fizesse diferença" — ao qual ele acrescentou uma concisa e bem-humorada cláusula: "faz diferença''.
No entanto, devemos abordar essa ideia com precaução: uma interpretação superficial do que James afirmou pode dar a impressão de que qualquer crença, não importando o quanto seja bizarra, se tornaria verdadeira ao se agir sobre ela. Obviamente, não é o que ele quis dizer. Há certas condições que uma ideia tem de cumprir antes de poder ser considerada uma crença justificável A evidência disponível deve pesar em seu favor, e a ideia tem de ser provar resistente a críticas. No processo de influir sobre a crença, ela deve se justificar continuamente por meio de sua utilidade em aumentar nossa compreensão ou prever resultados. E, mesmo então, é somente em retrospecto que podemos dizer de maneira segura que a crença se tornou verdadeira por meio de nossa ação sobre ela.
A realidade como processo
James era psicólogo, assim como filósofo, e viu as implicações de suas ideias, em termos da psicologia humana, tanto quanto em termos da teoria do conhecimento. Ele reconheceu a necessidade psicológica dos humanos de manter certas crenças, em particular as religiosas. James considerou que, embora não seja justificável como um fato, a crença num deus é útil para quem acredita nela ao permitir que essa pessoa leve uma vida mais realizada ou supere o medo da morte. Essas coisas (realização existencial, confrontação destemida com a morte) tornam-se verdadeiras: acontecem como resultado de uma crença e das decisões e ações nela baseadas.
Ao lado dessa noção pragmática de verdade, e muito conectada a ela. James propôs uma espécie de metafísica que chamou de "empirismo radical". Essa abordagem supõe que a realidade seja um processo dinâmico e ativo, da mesma forma que a verdade é um processo. Como os empiristas tradicionais antes dele. James rejeitou a noção racionalista de que o mundo em mutação é de algum modo irreal, e também foi além, ao afirmar que "para o pragmatismo, [a realidade! ainda está em evolução", já que a verdade está constantemente sendo feita para acontecer. Esse "fluxo" de realidade tampouco é suscetível à análise empírica, porque está em fluxo continuo e porque o ato de observá-lo afeta a verdade analítica. No empirismo radical de James, no qual mente e matéria são formados, a matéria final da realidade é pura experiência.
Influencia duradoura
O pragmatismo proposto por Peirce e exposto por James estabeleceu a América como um centro significativo para o pensamento filosófico no século XX. A interpretação pragmática da verdade por James influenciou a filosofia de John Dewey e gerou uma escola do pensamento “neopragmática” que inclui filósofos como Richard Rorty. Na Europa, Bertrand Russell e Ludwig Wittgenstein se inspiraram na metafisica de James. Seu trabalho na psicologia foi igualmente influente e, muitas vezes, conectado com sua filosofia, em especial, o conceito de “fluxo de consciência”, que, por sua vez, influenciou escritores como Virginia Woolf e James Joyce.
“O homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem: uma corda sobre um abismo.” Friedrich Nietzsche
“O grau de introspecção alcançado por Nietzsche nunca foi atingido por ninguém.” Sigmund Freud
A ideia de Nietzsche de que o homem é algo a ser superado aparece em Assim falou Zaratustra, talvez sua obra mais famosa. Foi escrito em três partes, entre 1883 e 1884, com urna quarta parte acrescentada em 1885. O filósofo alemão usou-a para lançar um ataque sistemático contra a história do pensamento ocidental. Ele mirava três ideias ligadas, em particular: primeiro, a ideia que temos de "homem" ou natureza humana; segundo, a que temos de Deus; e terceiro, a que temos sobre moralidade, ou ética.
Em outra obra, Nietzsche escreveu sobre filosofar "com um martelo" e, aqui, ele certamente tentou estilhaçar muitas das visões mais estimadas da tradição filosófica ocidental, especialmente em relação àqueles três temas. Ele o fez num estilo impetuoso e febril, de modo que às vezes a obra parece mais próxima da profecia do que da filosofia. Foi escrita rapidamente, com a Parte I tomando-lhe apenas alguns dias para ser posta no papel. Ainda assim, embora a obra de Nietzsche não tenha o tom sereno e analítico comum a obras filosóficas, o autor conseguiu expor uma visão extraordinariamente desafiadora e consistente.
Zaratustra desce
O nome do profeta de Nietzsche, Zaratustra, é a denominação alternativa do antigo profeta persa Zoroastro. A obra começa contando-nos que, aos trinta anos, Zaratustra vai viver nas montanhas. Durante dez anos deleita-se na solidão, mas certa manhã acorda para descobrir que está cansado da sabedoria que acumulou. Então, decide descer ao mercado para compartilhar sua sabedoria com o resto da humanidade.
No caminho para a cidade, ao pé da montanha, encontra-se com um velho eremita. Os dois homens já tinham se encontrado, dez anos antes, quando Zaratustra subira para seu retiro. O eremita vê que Zaratustra mudou durante a década que se passou: quando subiu, o eremita diz, Zaratustra carregava cinzas, mas agora, ao descer, está carregando fogo.
Então, o eremita pergunta a Zaratustra por que ele está se dando ao trabalho de compartilhar sua sabedoria. E aconselha Zaratustra a permanecer nas montanhas, advertindo-o que ninguém entenderá sua mensagem. Zaratustra então questiona: o que o eremita faz nas montanhas? O eremita responde que canta, chora, ri, resmunga e louva Deus. Ao ouvir isso, o próprio Zaratustra ri. Deseja boa sorte ao eremita e continua em sua descida da montanha. Enquanto avança, Zaratustra diz para si mesmo: "Como é passivei! Esse velho eremita ainda não ouviu falar que Deus está morto''.
Super-homem
A ideia da morte de Deus talvez seja a mais famosa de toda a obra do autor. Está intimamente relacionada com a ideia de que o homem é algo a ser superado e com a concepção característica de moralidade de Nietzsche. A relação entre essas coisas torna-se clara quando a história de Zaratustra continua.
Quando alcança a cidade, Zaratustra vê que há uma multidão em volta de um acrobata prestes a se apresentar na corda bamba. O sábio junta-se ao povo. Antes que o acrobata caminhe pela corda, Zaratustra se levanta e fala: "Vejam, vou ensiná-los o que é o Super-homem! ". E prossegue, tentando transmitir à multidão a questão central: "O homem é algo a ser superado ... " e Zaratustra continua com um longo discurso. Quando chega ao fim, a multidão apenas ri, imaginando que o profeta é apenas outro artista ou até mesmo que estivesse abrindo o espetáculo do acrobata.
Ao começar o livro dessa forma, Nietzsche pareceu trair sua própria inquietação com a recepção que sua filosofia mereceria, como se temesse ser visto como um showman filosófico sem nada real para dizer. Para evitar cometer o mesmo erro da multidão reunida ao redor de Zaratustra e entender realmente o que Nietzsche diz, é necessário explorar algumas de suas crenças essenciais.
Subvertendo valores antigos
Nietzsche acreditava que certos conceitos tornaram-se indissociavelmente emaranhados: humanidade, moralidade e Deus. Quando seu personagem Zaratustra diz que Deus está morto, não apenas lançou um ataque contra a religião, mas fez algo muito mais audacioso. "Deus", aqui, não significa apenas o deus sobre o qual os filósofos falam ou para o qual os religiosos rezam: ele significa a soma total dos valores mais elevados que podemos ter. A morte de Deus não é apenas a morte de uma deidade. É também a morte de todos os valores ditos elevados que herdamos.
Um dos objetivos centrais da filosofia de Nietzsche é o que ele chamou de "revaloração de todos os valores'', uma tentativa de questionar todas as maneiras habituais de pensar sobre ética e sobre os sentidos e objetivos da vida. Nietzsche insistiu que, ao fazer isso, estava inaugurando uma filosofia da alegria — que, embora subverta tudo o que imaginamos até agora sobre bem e mal, procura afirmar a vida. Ele defendia que muitas das coisas que pensamos que sejam "boas", são, de fato, maneiras de limitar a (ou afastar as pessoas da) vida Podemos pensar que não é ''bom" bancar o tolo em público e, assim, resistir ao impulso de dançar alegremente na rua.
Podemos acreditar que os desejos da carne são pecaminosos e, então, punirmo-nos quando eles se manifestam. Podemos ficar em empregos tediosos, não porque precisamos, mas porque julgamos nosso dever aturá-los. Nietzsche quer pôr fim a tais filosofias que negam a vida, de modo que a humanidade possa se ver de maneira diferente.
Blasfemando contra a vida
Depois de proclamar a vinda do Super-homem, Zaratustra passa a conder1ar a religião. No passado, ele diz, a maior blasfêmia era contra Deus, mas agora a maior blasfêmia é contra a própria vida. Este é o erro que Zaratustra acredita que cometeu na montanha: ao afastar-se do mundo, e ao oferecer orações a um Deus que não está lá, ele pecou contra a vida.
A história por trás dessa morte de Deus, ou da perda da fé em nossos mais elevados valores, é relatada no ensaio de Nietzsche Como o "mundo verdadeiro" se tornou finalmente fábula, publicado em Crepúsculo dos ídolos. O ensaio tem o subtítulo "História de um erro" — e é a história da filosofia ocidental condensada em uma página. A história começa, diz Nietzsche, com o filósofo grego Platão.
O mundo real
Platão dividiu o mundo em um mundo "aparente", que se revela a nós por meio de nossos sentidos, e em um mundo "real", que podemos apreender pelo intelecto. Para Platão, o mundo percebido pelos sentidos não é "real", porque mutável e sujeito ao declínio. Platão sugeriu que há também um mundo "real" imutável, permanente, alcançável com o auxílio do intelecto. Essa ideia provém do estudo de matemática de Platão. A forma ou ideia de um triângulo, por exemplo, é eterna e pode ser apreendida pelo intelecto. Sabemos que um triângulo é uma figura de três lados, bidimensional, cujos ângulos somam 180º. e que isso sempre será verdadeiro, esteja alguém pensando sobre ele ou não e por mais que existam triângulos no mundo. Por outro lado, as coisas triangulares existentes no mundo (sanduíches, pirâmides ou formas triangulares desenhadas num quadro negro} só são triangulares na medida em que constituem reflexos da ideia ou forma do triângulo geométrico.
Influenciado pela matemática dessa forma, Platão propôs que o intelecto pode conseguir acesso a um mundo de Formas Ideais, que é permanente e imutável, enquanto os sentidos só têm acesso a um mundo de aparências. Então, por exemplo, se quisermos conhecer a bondade, precisamos ter uma avaliação intelectual da Forma de Bondade, da qual os vários exemplos de bondade no mundo são apenas reflexos. Essa é uma ideia que teve amplas consequências para a nossa compreensão do mundo: como Nietzsche salientou, essa maneira de dividir o mundo transforma o "mundo real" do intelecto no lugar onde residem todos os valores. Em contraste, o "mundo aparente" dos sentidos é transformado num mundo sem importância, em termos relativos.
Valores cristãos
Nietzsche traçou o destino dessa tendência de dividir o mundo em dois e encontrou a mesma ideia dentro do pensamento cristão. Em lugar do "mundo real" das Formas de Platão, o cristianismo sugere "um mundo real" alternativo, um mundo futuro do céu prometido ao virtuoso. Nietzsche acreditava que o cristianismo julga o mundo em que vivemos agora menos real do que o céu, contudo, nessa versão da ideia de "dois mundos" o "mundo real" é ' atingível, ainda que após a morte e sob a condição de que sigamos as regras cristãs em vida. O mundo presente é desvalorizado, como em Platão, salvo na medida em que age como degrau para o mundo do além. Nietzsche afirmou que o cristianismo nos pede para negar a vida presente em favor da promessa da vida por vir.
Tanto as versões platônicas quanto cristãs da ideia de divisão do mundo em "real" e "aparente" afetaram profundamente nossas concepções sobre nós mesmos. A sugestão de que tudo de valor está de algum modo "além" do alcance deste mundo leva a um modo de pensar que nega fundamentalmente a vida. Corno resultado dessa herança platônica e cristã, fo1nos levados a considerar o mundo em que vivemos como um mundo do qual devemos nos ressentir e desdenhar. Um mundo do qual devemos nos afastar, transcender, e certamente não desfrutar. Mas, ao fazer isso, afastamo-nos da própria vida em favor de um mito ou invenção: um "mundo real" imaginário, situado em outro lugar. Nietzsche chama os sacerdotes de todas as religiões de "pregadores da morte", porque seus ensinamentos nos encorajam a abandonar este mundo e a abandonar a vida pela morte. Mas por que Nietzsche insistiu que Deus: está morto? Para responder isso, temos de conferir a obra do filósofo alemão do século XVIII Immanuel Kant, cujas ideias são cruciais para compreender a filosofia por trás da obra de Nietzsche.
Um mundo além do alcance
Kant estava interessado nos limites do conhecimento. Na obra Crítica da razão pura, argumentou que não podemos conhecer o mundo como ele é "em si". Não podemos alcançá-lo com o intelecto, como Platão acreditava, nem é prometido a nós como na visão cristã. Ele existe, mas está para sempre fora do alcance. As razões que Kant usou para sugerir essa conclusão são complexas, mas o que importa, do ponto de vista de Nietzsche, é que se o mundo real é considerado absolutamente inatingível — mesmo ao sábio ou ao virtuoso, em vida ou após a morte —, então trata-se de "uma ideia que tornou-se inútil, supérflua". Como resultado, é uma ideia a ser posta de lado. Se Deus está morto, Nietzsche topou com o cadáver, mas são as impressões digitais de Kant que estão na arma do deicídio.
O erro mais duradouro
Uma vez que renunciarmos à ideia do "mundo real", a distinção duradoura entre "mundo real" e "mundo aparente" começará a sucumbir. Em Como o "mundo verdadeiro" se tornou finalmente fábula, Nietzsche foi adiante para explicar isso da seguinte maneira: "Abolimos o mundo real — que mundo restou? O mundo aparente, talvez? ... Mas não! Com o mundo real também abolimos o mundo aparente". Nietzsche via, então, o início do fim do "erro mais duradouro" da filosofia; sua fascinação pela distinção entre "aparência" e "realidade", pela ideia de dois mundos. O fim desse erro, Nietzsche escreveu, é o zênite de toda humanidade. E nesse ponto — em um ensaio escrito seis anos depois de Assim falou Zaratustra que Nietzsche elaborou "Zaratustra começa".
Esse é um momento-chave para Nietzsche, porque quando apreendemos o fato de que existe apenas um mundo, subitamente verificamos o erro de transferir todos os valores para além desse mundo. Somos, então, forçados a reconsiderar nossos valores, até mesmo o significado do que é ser humano. E, quando olhamos através dessas ilusões filosóficas, a antiga ideia de "homem" pode ser superada. O super-homem, na visão de Nietzsche, é um modo de ser que fundamentalmente afirma a vida. E alguém que pode se tornar o portador de sentido não no mundo do além, mas aqui: o super-homem é "o sentido da Terra".
Criando a nós mesmos
Nietzsche não alcançou em vida um grande público para seus textos. Tanto que teve de pagar pela publicação da parte final de Assim falou Zaratustra. Contudo, cerca de trinta anos após sua morte, em 1900, o conceito de super-homem entrou na retórica do nazismo através das leituras de Nietzsche por Hitler. As ideias de Nietzsche sobre o tema, e particularmente sua convocação para a erradicação da moralidade judaico-cristã que dominava a Europa, soaram para Hitler como validação de seus próprios objetivos. Mas, ao passo que Nietzsche buscava um retorno aos valores mais rústicos e estimulantes da vida da Europa pagã, Hitler manipulou seus textos como pretexto para a violência desenfreada em larga escala. O consenso entre os estudiosos é que o próprio Nietzsche teria ficado horrorizado com essa distorção. Escrevendo numa época de extraordinário nacionalismo, patriotismo e expansão colonial, Nietzsche havia sido um dos poucos pensadores a desafiar tais pretensões. Em certo ponto de Assim falou Zaratustra, ele deixou claro que considerava o nacionalismo uma forma de alienação ou fracasso. "Apenas onde o Estado termina", Zaratustra disse, "começa o ser humano que não é supérfluo."
A noção de Nietzsche acerca da ilimitada possibilidade humana foi importante para muitos filósofos depois da Segunda Guerra Mundial. Suas ideias sobre a religião e a importância da autoavaliação ecoaram especialmente nas obras dos existencialistas subsequentes, como Jean-Paul Sartre. Como o super-homem de Nietzsche, Sartre disse que cada um de nós deve definir o significado de nossa existência. As críticas de Nietzsche contra a tradição filosófica ocidental tiveram enorme impacto não apenas na filosofia, mas também na cultura europeia e mundial, influenciando incontáveis artistas e escritores no século XX.
Ahad Ha'am era o pseudônimo literário do filósofo judeu, nascido na Ucrânia, Asher Ginzberg, importante pensador sionista que defendia um renascimento espiritual judeu. Em 1890, ele afirmou em um ensaio semissatírico que, embora veneremos a sabedoria, a autoconfiança importa mais.
Em qualquer situação difícil ou perigosa, ele disse, os sábios são aqueles que se contêm, pesando as vantagens e desvantagens de qualquer ação. Enquanto isso (e para grande desaprovação dos sábios) é o autoconfiante que toma a dianteira e, com frequência, ganha o dia. Ha'am quis sugerir — e quando o lemos devemos lembrar que essa é uma sugestão ambígua — que a insensatez individual pode, muitas vezes, produzir resultado, simplesmente por causa da autoconfiança que a acompanha.
Sabedoria e confiança Embora em seu ensaio original Ha'am dê a impressão de celebrar as vantagens potenciais da insensatez, essa foi uma visão da qual ele depois se distanciou, talvez temeroso de que outros pudessem ler com seriedade o que era essencialmente um exercício de sátira. A autoconfiança só é justificada, ele deixou claro mais tarde, quando as dificuldades de um empreendimento são totalmente compreendidas e avaliadas.
Ha'am gostava de citar um antigo provérbio ídiche: "Um ato de insensatez que acaba bem continua sendo um ato de insensatez" Em algumas ocasiões, agimos de maneira insensata, sem compreender plenamente as dificuldades da tarefa que estamos empreendendo, mas vencemos as dificuldades porque a sorte está do nosso lado. No entanto, diz Ha'am, isso não torna nossa insensatez inicial de forma alguma recomendável.
Se queremos que nossas ações tragam resultados, pode realmente ser o caso de precisarmos desenvolver e utilizar o tipo de autoconfiança que ocasionalmente acompanha os atos de insensatez. Ao mesmo tempo, devemos sempre moderar essa autoconfiança com sabedoria, ou faltará aos nossos atos uma verdadeira eficácia no mundo.
“Na vida dos indivíduos e da sociedade, a linguagem é um fator de importância maior do que qualquer outro.” Ferdinand de Saussure
Saussure foi um filósofo suíço do século XIX que considerava a linguagem como sendo composta por sistemas de "signos", os quais atuam co1no unidades básicas da linguagem. Seus estudos fundamentaram uma nova teoria, conhecida como semiótica. Essa teoria de signos foi desenvolvida por outros filósofos durante o século XX, como o filósofo russo Roman Jakobson, que resumiu a abordagem semiótica quando disse que "toda mensagem é composta de sinais."
Saussure afirmou que um signo é composto de duas coisas. Em primeiro lugar, um. "significante", que é uma imagem acústica: não é o som real, mas a "imagem" mental que temos do som. Em segundo lugar, o "significado", ou conceito. Aqui, Saussure abandonou uma longa tradição que diz que a linguagem trata das relações entre palavras e coisas. Ele inovou ao dizer que ambos os aspectos de um signo são mentais (nosso conceito de "cão", por exemplo, e a imagem acústica do som "cão"). Saussure afirma que qualquer mensagem — por exemplo, "meu cão se chama Fred" — é um sistema de relações entre imagens acústicas e conceitos. No entanto, Saussure afirma que a relação entre significado e significante é arbitrária; não há nada particularmente "canino" em relação ao som "cão" — daí que a palavra pode ser chien em francês ou gou em chinês.
A obra de Saussure sobre linguagem tornou-se a base da linguística moderna e influenciou muitos filósofos e teóricos literários.
“Carecemos inteiramente de uma ciência racional do homem e da comunidade humana.” (Edmund Husserl)
Husserl foi um filósofo perseguido por um sonho que ocupam a mente dos pensadores desde a época do antigo filósofo Sócrates: o sonho da certeza. Para Sócrates, o problema era esse: embora alcancemos facilmente a concordância em questões sobre coisas que podemos medir (por exemplo, “quantas azeitonas estão neste pote?”), quando se trata de questões filosóficas como “o que é a justiça?” ou “o que é a beleza?” não há maneira clara de se alcançar a concordância. E, se não podemos saber com certeza o que é a justiça, então como podemos discuti-la?
O problema da certeza
Husserl começou a vida como matemático. Ele imaginou que problemas como “o que é a justiça?” podiam ser solucionados com o mesmo grau de certeza com o qual resolvemos problemas matemáticos, como “quantas azeitonas há no pote?” Em outras palavras, ele esperava colocar todas as ciências — que para ele incluíam todos os ramos do conhecimento e das atividades humanas, da matemática, química e física à ética e política — numa base completamente segura.
As teorias científicas baseiam-se na experiência. Essas teorias estão eivadas de suposições, predisposições e equívocos. Suprimindo esses aspectos, queria dar à ciência bases absolutamente incontestáveis.
Fenomenologia
Husserl assumiu abordagem similar a Descartes, mas a utilizou de modo diferente. Ele sugeriu que, se adotarmos uma atitude científica em relação à experiência, deixando de lado toda suposição particular (incluindo a suposição de que um mundo externo existe fora de nós), então poderemos começar a filosofar numa lousa limpa, livre de todas as inferências. Husserl chamou essa abordagem de fenomenologia: uma investigação filosófica sobre os fenômenos da experiência. Podemos olhar para a experiência com atitude científica, deixando de lado (ou “colocando entre parênteses”, como diz Husserl) cada uma de nossas suposições. E, se olharmos cuidadosa e pacientemente, poderemos criar uma base segura de conhecimento para nos ajudar a lidar com problemas filosóficos que têm nos acompanhado desde o início da filosofia.
No entanto, diferentes filósofos que seguiram o método de Husserl chegaram a resultados diferentes: houve pouca concordância sobre o que realmente era o método ou como se colocaria em prática. No final da carreira, Husserl escreveu que o sonho de conferir bases sólidas para as ciências tinha acabado. Mas, embora a fenomenologia de Husserl tenha fracassado em fornecer aos filósofos uma abordagem científica à experiência ou em solucionar os problemas mais duradouros da filosofia, ela deu origem a uma das mais ricas tradições do pensamento do século XX.
A obra de Henri Bergson de 1910, A evolução criadora, explorou o vitalismo, ou teoria da vida. Nela, Berson queria descobrir se é possível realmente conhecer algo — não apenas conhecer sobre esse algo, mas, sim, como ele realmente é.
Desde que o filósofo Immanuel Kant publicou a Crítica da razão pura, em 1781, muitos filósofos alegaram que é impossível conhecer as coisas como elas realmente são. Isso ocorre porque Kant mostrou que podemos apenas conhecer como as coisas são quando relacionadas a nós mesmos, dado o tipo de mente que temos, mas não podemos sair de nós mesmos para alcançar uma visão absoluta das reais “coisas em si mesmas” do mundo.
Duas formas de conhecimento
Bergson não concordava com Kant. Ele dizia que existem dois tipos diferentes de conhecimento: conhecimento relativo, que envolve conhecer algo a partir de nossa perspectiva única e particular; e conhecimento absoluto, que é conhecer as coisas como elas realmente são. Bergson acreditava que as duas formas de conhecimento são alcançadas por vias diferentes: o primeiro, pela análise ou pelo intelecto; o segundo, pela intuição. O equívoco de Kant, acreditava Bergson, é que ele não reconhece toda a importância da faculdade da intuição, que nos permite apreender a singularidade de um objeto por conexão direta. Nossa intuição liga-se ao que Bergson chamou de nosso elan vital, força vital (vitalismo) que interpreta o fluxo da experiência em termos de tempo, em vez de espaço.
Suponha que você queira conhecer uma cidade. Você poderia compilar um registro dela tirando fotografias de toda parte, de todas as perspectivas possíveis, antes de reconstituir essas imagens para se ter uma ideia da cidade como um todo. Mas você estaria apreendendo-a a distância, não como cidade viva. Se, por outro lado, você simplesmente passeasse pelas ruas prestando atenção, poderia ter um conhecimento da própria cidade: um conhecimento direto como ela realmente é. Esse conhecimento direto, para Bérgson, é o conhecimento da essência da cidade. Mas como praticar a intuição? Trata-se de uma questão de ver o mundo em termos do nosso senso de desdobramento do tempo. Enquanto caminhamos pela cidade, temos a sensação de nosso próprio tempo interno — e também a sensação interna dos vários tempos que se desdobram na cidade em que caminhamos. Como esses tempos se sobrepõem, Bérgson acreditava que podemos fazer uma concepção direta com a essência da própria vida.
“Não solucionamos problemas filosóficos, nós os superamos.” JobnDewey
“Educação não é uma questão de falar ou ouvir, mas um processo ativo e construtivo.” John Dewey
John Dewey pertence à escola filosófica conhecida como pragmatismo, surgida nos Estados Unidos no final do século XIX. Considera-se como seu fundador Charles Sanders Peirce, que em 1878 escreveu um ensaio inovador chamado Como tornar claras as nossas ideias.
O pragmatismo parte do princípio de que o propósito da filosofia, ou “pensamento”, não é proporcionar um retrato verdadeiro do mundo, mas nos ajudar a agir de maneira mais eficaz dentro dele. Ao assumir uma perspectiva pragmática, não devemos ficar perguntando “é dessa forma que as coisas são?”, mas quais são as implicações práticas ao se adotar essa perspectiva?
Para Dewey, os problemas filosóficos não são questões abstratas divorciadas da vida das pessoas. Ele os via como problemas que ocorrem porque os humanos são seres vivos buscando sentido no mundo, lutando para decidir como agir nele da melhor maneira. A filosofia começa a partir das esperanças, das aspirações humanas cotidianas e dos problemas que surgem no curso da vida. Sendo este o caso, Dewey considerou que a filosofia devia também ser um meio de encontrar respostas práticas a tais questões.
Criaturas em evolução
Dewey foi influenciado pelo pensamento evolucionista do naturalista Charles Darwin, que publicara A origem das espécies em 1859. Darwin descreveu os humanos como seres vivos que fazem parte do mundo natural. Como outros animais, os humanos evoluíram em resposta aos ambientes em transformação. Para Dewey, uma das implicações do pensamento de Darwin é que ele exige que pensemos sobre seres humanos não como essências fixas criadas por Deus, mas como seres naturais. Não somos almas pertencentes a um outro mundo não material, mas organismos desenvolvidos que tentam fazer o melhor para sobreviver num mundo no qual inevitavelmente somos parte.
Tudo muda
Dewey também tomou de Darwin a ideia de que a natureza como um todo é um sistema em estado constante de mudança, ideia que, em si, ecoa a filosofia do antigo grego Heráclito. Quando é levado a pensar sobre quais são os problemas filosóficos, e como eles surgem, Dewey toma essa ideia como ponto de partida.
Dewey discutiu a ideia de que pensamos somente quando confrontados com problemas num ensaio intitulado Kant e o método filosófico (1884). Segundo ele, somos organismos que têm de responder a um mundo sujeito a constante mudança e fluxo. A existência é um risco, ou um jogo, e o mundo é fundamentalmente instável. Dependemos do ambiente para ser capazes de sobreviver e prosperar, mas os muitos ambientes nos quais nos encontramos estão sempre mudando. Não apenas isso: tais ambientes não mudam de forma previsível. Durante vários anos pode haver boas colheitas de trigo, mas então a safra se esgota. Um marinheiro iça as velas com tempo bom, para descobrir logo depois que uma tempestade se avizinha. Somos saudáveis durante anos e, então, a doença nos atinge quando menos esperamos.
Diante da incerteza, Dewey dizia que existem duas estratégias diferentes a adotar: apelar para seres mais elevados e forças ocultas do universo em busca de auxilio ou procurar entender o mundo e adquirir o controle sobre o ambiente.
Apaziguando os deuses
A primeira dessas estratégias envolve tentar agir sobre o mundo por meio de ritos mágicos, cerimônias e sacrifícios. Essa abordagem à incerteza do mundo, Dewey acreditava, forma a base tanto da religião quanto da ética.
Na história que Dewey contou, nossos ancestrais cultuavam os deuses e espíritos como modo de tentar se aliar aos "poderes que concedem a fortuna". Esse roteiro foi encenado em fábulas de todo o mundo, em mitos e lendas, como aquelas sobre marinheiros desventurados que oram aos deuses para acalmar a tempestade que ameaça o navio. Da mesma maneira, Dewey acreditava que a ética surgiu das tentativas de nossos ancestrais para apaziguar as forças ocultas — contudo, enquanto eles ofereceram sacrifícios, nós barganhamos com os deuses, prometendo agir com bondade se formos salvos dos males.
A resposta alternativa às incertezas do mundo mutável é desenvolver várias técnicas para controlá-lo, de modo que possamos nele viver mais facilmente. Podemos aprender a prever o tempo, a construir casas para nos proteger dos extremos do clima, e assim por diante. Em vez de tentar nos aliar às forças ocultas do universo, essa estratégia envolve encontrar meios para revelar como o ambiente funciona para, então, nos empenhar para transformá-lo em nosso benefício.
Dewey ressaltava a importância de compreender que nunca podemos controlar completamente o ambiente ou transformá-lo a tal ponto que seja possível eliminar toda incerteza. No melhor dos casos, podemos modificar a natureza ameaçadora, incerta, do mundo no qual nos encontramos. Mas a vida é inevitavelmente perigosa.
Uma filosofia luminosa
Durante grande parte da história humana, escreveu Dewey, essas duas abordagens para lidar com os riscos da vida existiram em tensão recíproca, dando origem a dois tipos de conhecimento: de um lado, ética e religião; de outro, arte e tecnologia. Ou, dito de modo mais simples, tradição e ciência. A filosofia, na visão de Dewey, é o processo pelo qual tentamos superar as contradições entre esses dois tipos de resposta aos problemas da vida. Essas contradições não são apenas retóricas, mas práticas. Por exemplo, posso ter herdado incontáveis crenças tradicionais sobre ética, sentido e o que constitui uma "vida de bem", mas, ainda assim, descobrir que essas crenças estão em choque com o conhecimento e o pensamento que adquiri com o estudo das ciências. Nesse contexto, a filosofia pode ser vista corno a arte de encontrar respostas tanto práticas quanto teóricas para esses problemas e contradições.
Há duas maneiras para julgar se uma forma de filosofia é bem-sucedida. Primeiro, devemos perguntar se ela tornou o mundo mais inteligível. Nos termos de Dewey, a questão seria: essa teoria filosófica particular tornou a nossa experiência "mais luminosa" ou "mais opaca"? Aqui, ele concordava com Peirce que o objetivo da filosofia é tornar ideias e experiência cotidiana mais claras e fáceis de compreender. Ele criticava qualquer abordagem filosófica que, ao fim, tornasse nossa experiência mais confusa ou o mundo mais misterioso. Segundo, Dewey considerava que devemos julgar uma teoria filosófica segundo seu êxito em ser aplicada aos problemas da vida. Ela nos é útil na vida cotidiana? Ela, por exemplo, "produz o enriquecimento e o aumento de poder" que esperaríamos das teorias científicas?
Uma influência prática
Vários filósofos, como Bertrand Russell, criticaram o pragmatismo por entendê-lo como a desistência da longa busca filosófica pela verdade. Todavia, a filosofia de Dewey foi muito influente na América. Uma vez que Darwin enfatizou a busca de respostas aos problemas práticos da vida, não é surpresa que grande parte de sua influência esteja em terrenos práticos, como educação e política.
Em A vida da razão (1905), o filósofo hispano-americano George Santayana escreveu que aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo. A abordagem naturalística de Santayana indicava que o conhecimento e a crença não surgem da razão, mas da interação entre a mente e o ambiente material. Santayana é muitas vezes citado, equivocadamente, como tendo dito que aqueles que não se recordam do passado estão condenados a repeti-lo — o que gera a interpretação de que devemos fazer nosso melhor para lembrar das atrocidades do passado. Mas, na verdade, Santayana enfatizava o progresso. Para que o progresso seja possível, devemos não apenas lembrar de experiências passadas, mas também sermos capazes de aprender com elas — ver diferentes maneiras de fazer as coisas. A psique estrutura as novas crenças por meio das experiências, e é assim que evitamos a repetição dos erros.
O progresso real, acreditava Santayana, é menos uma questão de revolução do que de adaptação, de usar o que aprendemos com o passado para construir o futuro. A civilização é cumulativa, sempre se fundamentando a partir do que aconteceu antes, da mesma forma que uma sinfonia se desenvolve nota por nota até formar um todo.
O filósofo, romancista e poeta espanhol Miguel de Unamuno é talvez mais conhecido pela obra Do sentimento trágico da vida (1913). Nela, escreveu que toda consciência é consciência da morte (estamos dolorosamente cientes de nossa privação de imortalidade) e do sofrimento. O que nos torna humanos é o fato de que sofremos.
À primeira vista, essa ideia parece próxima daquela de Sidarta Gautama, o Buda, que também disse que o sofrimento é parte inevitável da vida humana. Mas a resposta de Unamuno ao sofrimento é muito distinta. Diferentemente de Buda, Unamuno não vê o sofrimento como um problema a ser superado pela prática do desprendimento. Em vez disso, ele argumentou que o sofrimento é parte essencial do que significa existir como ser humano e uma experiência vital.
Se toda consciência equivale à consciência da mortalidade e do sofrimento humano, como Unamuno afirmava, e se a consciência é o que nos torna distintamente humanos, então a única maneira de conceder às nossas vidas algum tipo de peso e substância é abraçar esse sofrimento. Se nos afastarmos disso, estaremos nos afastando não apenas do que nos torna humanos, mas também de nossa própria consciência.
Amor ou felicidade
Há também uma dimensão ética nas ideias de Unamuno sobre o sofrimento. Ele afirma que é essencial reconhecer a dor, porque somente ao encararmos o nosso próprio sofrimento nos tornamos capazes de amar verdadeiramente outros seres que sofrem. Isso nos apresenta uma dura escolha. De um lado, podemos escolher a felicidade e fazer tudo para nos afastar do sofrimento. De outro, podemos escolher sofrer e amar.
A primeira alternativa pode ser mais fácil, mas é uma escolha limitante, ao final — de fato, separa-nos de uma parte essencial de nós mesmos. A segunda alternativa, mais difícil, abre o caminho para a possibilidade de uma vida de profundidade e importância.
“O problema do século XX é o problema da segregação racial.” William du Bois
Em 1957, perto do fim de sua longa vida, o acadêmico, político radical e ativista dos direitos civis norte-americano William du Bois, escreveu o que se tornou conhecida corno sua última mensagem ao mundo. Sabendo que não tinha muito ainda por viver, redigiu um texto curto para ser lido em seu funeral. Na mensagem, Du Bois expressou sua esperança de que qualquer bem que tivesse feito sobrevivesse tempo suficiente para justificar sua vida, e que as coisas que deixou por fazer, ou fez de maneira imprópria, pudessem encontrar aperfeiçoamento e conclusão pelas mãos de outros.
"Sempre", escreveu Du Bois, "os seres humanos irão viver e progredir para uma vida maior, mais ampla e mais completa". Esta é uma declaração de convicção, em vez de uma declaração de fato. É como se Du Bois estivesse dizendo que devemos acreditar na possibilidade de uma vida mais completa ou na possibilidade do progresso, de sermos capazes de progredir. Nessa ideia, Du Bois mostrou a influência do movimento filosófico americano conhecido como pragmatismo, que afirma que o que importa não são apenas nossos pensamentos e crenças, mas também as implicações práticas deles.
Du Bois disse, ainda, que a "única morte possível" é perder a crença na perspectiva do progresso humano. Há também, aqui, alusões a raízes filosóficas mais profundas, voltadas para a antiga ideia grega de eudaimonia ou "florescimento humano" — para o filósofo Aristóteles, isso envolvia viver uma vida de excelência baseada na virtude e na razão.
Ativista político
Du Bois considerava o racismo e a desigualdade social dois dos principais obstáculos a uma vida de excelência. Ele rejeitava o racismo científico — a ideia de que negros são geneticamente inferiores aos brancos —, predominante durante a maior parte de sua vida. Como a desigualdade racial não tem base na ciência biológica, ele a considerava um problema puramente social, que só poderia ser tratado por meio do compromisso e do ativismo político e social.
Du Bois foi incansável em sua busca por soluções para o problema de todas as formas de desigualdade social. Ele argumentava que ela era uma das principais causas da criminalidade, afirmando que a carência de educação e emprego está relacionada com os altos níveis de atividade criminal. Em sua mensagem, Du Bois lembrou-nos que a tarefa de alcançar uma sociedade mais justa está incompleta. Ele a:firrnou que cabe às gerações futuras acreditar na vida, a fim de que possamos contribuir para a concretização do "florescimento humano".
“Um dano imenso é causado pela crença de que o trabalho é virtuoso.” Bertrand Russell
“A moralidade do trabalho é a moralidade de escravos, e o mundo moderno não precisa da escravidão.” Bertrand Russell
O filósofo britânico Bertrand Russell não estranhava o trabalho árduo. Suas obras reunidas preenchem volumes incontáveis, tendo ele sido responsável por alguns dos desenvolvimentos importantes da filosofia no século XX, incluindo a criação da escola de filosofia analítica. E, ao longo de seus 97 anos de vida, foi um ativista social incansável. Então, por que justamente ele, entre os mais ativos pensadores sugeriu que trabalhássemos menos?
O ensaio de Russell, Elogio ao ócio foi publicado pela primeira vez em 1932, no meio da Grande Depressão, período de crise econômica global, após a quebra da bolsa de 1929. Podia parecer inadequado promover as virtudes do ócio em tal época, quando o desemprego atingia um terço da força de trabalho em algumas partes do mundo. No entanto, para Russell, o próprio caos econômico da época era resultado de um conjunto de atitudes profundamente enraizadas e equivocadas em relação ao trabalho. De fato, ele afirmou que muitas de nossas ideias sobre o trabalho são pouco menos do que superstições que deveriam ser eliminadas pelo pensamento rigoroso.
O que é trabalho?
Russell definiu o trabalho classificando-o em dois tipos. Primeiro, existe o trabalho que visa "alterar a posição da matéria na, ou perto da, superfície da terra em relação a outra matéria". Esse é o sentido mais fundamental de trabalho — o de trabalho braçal. O segundo tipo é "dizer às outras pessoas para alterar a posição da matéria em relação a outra matéria". Este segundo tipo de trabalho, disse Russell, pode ser estendido indefinidamente. Você pode ter pessoas empregadas para supervisionar pessoas que movem a matéria. Ou empregar outras pessoas para supervisionar os supervisores ou dar conselhos sobre como empregar pessoas. Ou, ainda, empregar pessoas para gerir aqueles que dão conselhos sobre como empregar pessoas, e assim por diante. O primeiro tipo de trabalho, ele diz, tende a ser desagradável e mal "remunerado, enquanto o segundo tende a ser mais agradável e mais bem remunerado. Os dois tipos de trabalho definem dois tipos de trabalhadores — o operário e o supervisor —, e estes, por sua vez, relacionam-se a duas classes sociais: a classe operária e a classe média. A elas Russell acrescenta uma terceira classe — o proprietário ocioso, que evita qualquer trabalho e que depende do trabalho dos outros para manter sua ociosidade.
De acordo com Russell, a história está cheia de exemplos de pessoas trabalhando duro toda a vida, sendo-lhes permitido ter apenas o suficiente para manter a si e a sua família, ao passo que qualquer excedente que produzam é apropriado por guerreiros, sacerdotes ou classes dominantes ociosas. E são sempre esses beneficiários do sistema, apontou Russell, que costumam exaltar as virtudes da "labuta honesta'', dando lustre moral a um sistema injusto. É exclusivamente esse fato, de acordo com Russell, que deve nos estimular a reavaliar a ética do trabalho, porque, ao aceitar a "labuta honesta'', aceitamos e até mesmo legitimamos nossa própria opressão.
A explanação de Russell acerca da sociedade, com sua ênfase na luta de classes, deve algo ao pensamento do filósofo do século XIX Karl Marx, embora Russell não ficasse sempre à vontade com o marxismo — seu ensaio é tão crítico dos Estados marxistas quanto dos países capitalistas. Sua visão também deve muito à obra de Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, de 1905, particularmente ao exame de Weber sobre as alegações morais que fundamentam nossas atitudes em relação ao trabalho — alegações que deviam ser contestadas, segundo Russell.
Por exemplo, além de considerar o trabalho um dever e uma obrigação, também inferimos que diferentes tipos de trabalho ocupam uma hierarquia de virtude. O trabalho braçal, em geral, é tido corno menos virtuoso do que o trabalho especializado ou intelectual, e tendemos a recompensar as pessoas de acordo com essa suposta virtude. E, supondo que consideramos o próprio trabalho como sendo inerentemente virtuoso, tendemos a enxergar o desempregado como carente de virtude.
Quanto mais pensamos sobre isso, mais parece que nossas atitudes em relação ao trabalho são complexas e incoerentes. O que, então, pode ser feito? A sugestão de Russell é que olhemos para o trabalho não em termos de curiosas ideias morais, que são relíquias de tempos antigos, mas em termos daquilo que contribui para uma vida plena e satisfatória. Quando fazemos isso, acreditava Russell, é difícil evitar a conclusão de que devemos todos trabalhar menos. E se, questionou Russell, o dia de trabalho tivesse apenas quatro horas? Nosso sistema atual é tão desequilibrado que parte da população trabalha demais, mas é tão miserável quanto outra parte que não tem emprego ou ocupação. Isso, ao que parece, não beneficia ninguém.
A importância da recreação
A visão de Russell era de que a redução nas horas de trabalho nos liberaria para buscar interesses mais criativos. "Mover a matéria", escreve Russell, "não é absolutamente um dos propósitos da vida humana." Se permitirmos que o trabalho ocupe todas as horas de vigília, não viveremos plenamente. Russell acreditava que o lazer, algo antes conhecido apenas por poucos privilegiados, é necessário para uma vida rica e significativa. Pode-se objetar que ninguém saberia o que fazer com seu tempo se as pessoas trabalhassem apenas quatro horas por dia, o que Russell achava lamentável. Se isso fosse verdade, ele disse, "é uma condenação da nossa civilização", pois sugeriria que nossa capacidade para a recreação e a despreocupação foi eclipsada pelo culto da eficiência. Uma sociedade que levasse o lazer a sério, acreditava Russell, seria uma sociedade que levaria a educação a sério — porque a educação é, com certeza, muito mais do que treinamento para o trabalho. Seria uma sociedade que também levaria as artes a sério, porque haveria tempo para produzir obras de qualidade sem a luta que os artistas enfrentam por independência financeira. Além do mais, seria uma sociedade atenta à necessidade de prazer. Russell acreditava que em tal sociedade perderíamos o gosto pela guerra, porque, no mínimo, a guerra envolveria trabalho longo e penoso para todos".
A vida equilibrada
O ensaio de Russell pode dar a impressão de que apresenta algo de visão utópica de um mundo em que o trabalho é reduzido ao mínimo. Não está inteiramente claro, ainda que fosse possível reduzir o dia de trabalho para quatro horas, como essa mudança levaria à revolução social imaginada por Russell. Também inconvincente é a crença de Russell na ideia de que a industrialização pode nos liberar do trabalho braçal. As matérias-primas para a produção industrial ainda precisam vir de algum lugar: têm de ser extraídas, refinadas e exportadas ao local de produção, tudo o qual depende de mão de obra. Apesar desses problemas, a advertência de Russell de que precisamos considerar mais atentamente nossas atitudes no trabalho é uma advertência que permanece relevante. Consideramos "natural" a duração da semana de trabalho e o fato de que alguns tipos de atividade são mais recompensados do que outros. Para muitos de nós, nem nosso trabalho nem nosso lazer são tão satisfatórios quanto acreditamos que possam ser, mas, ao mesmo tempo, não conseguimos deixar de sentir que a ociosidade é um vício. A ideia de Russell nos lembra de que não apenas precisamos examinar nossas vidas profissionais, mas que há uma virtude e uma utilidade em relaxar, passar o tempo e ficar sem fazer nada. Como Russell disse: ''Até agora continuamos a ser tão enérgicos quanto éramos antes que existissem as máquinas; em relação a isso, temos sido tolos, mas não há razão para que essa tolice continue sempre".
“A filosofia é um movimento determinado pelo amor rumo à participação na realidade essencial de todas as possibilidades.” MaxScheler
O filósofo alemão Max Scheler pertence ao movimento filosófico conhecido como fenomenologia, que tenta investigar todos os fenômenos da nossa experiência interior — é o estudo da consciência e suas estruturas.
Scheler disse que a fenomenologia tende a se concentrar no intelecto ao investigar as estruturas da consciência, passando ao largo de algo fundamental: a experiência do amor ou do coração humano. Ele introduziu a ideia de que o amor cria uma ponte do conhecimento mais pobre para o mais rico no ensaio intitulado Amor e conhecimento (1923).
O ponto de partida de Scheler, emprestado do filósofo francês do século XVII Blaise Pascal, é que há uma lógica específica ao coração humano. Um lógica diferente da lógica do intelecto.
Parteira espiritual
É o amor, acreditava Scheler, que torna as coisas manifestas à experiência, tornando possível o conhecimento. Scheler escreveu que o amor é "um tipo de parteira espiritual", capaz de nos puxar em direção ao conhecimento — tanto o conhecimento sobre nós mesmos quanto o conhecimento sobre o mundo. É o "determinante primário" da ética, das possibilidades e do destino de uma pessoa.
Na essência, na visão de Scheler, o ser humano não é "uma coisa que pensa", como disse o filósofo Descartes no século XVII, mas um ser que ama.
Para alguns, a filosofia é um meio de descobrir verdades objetivas sobre o mundo. Para o filósofo e psiquiatra alemão Karl Jaspers, por outro lado, a filosofia é uma luta pessoal. Fortemente influenciado pelos filósofos Kierkegaard e Nietzsche, Jaspers é um existencialista que sugere: a filosofia é uma questão de nossas próprias tentativas para compreender a verdade. Já que a filosofia é uma luta individual — escreveu ele em 1941 no ensaio Sobre minha filosofia —, podemos filosofar apenas enquanto indivíduos. Não podemos depender de ninguém que nos diga a verdade: devemos descobri-la por meio de nosso próprio esforço.
Comunidade de indivíduos
Embora nesse sentido a verdade seja algo que compreendemos sozinhos, é na comunicação com os outros que compreendemos os frutos do nosso esforço e elevamos a consciência para além de seus limites. Jaspers considerou sua própria filosofia "verdadeira" apenas na medida em que ela auxilia na comunicação com os outros. E, embora as outras pessoas não possam nos dar qualquer forma de "verdade pronta", a filosofia permanece um esforço coletivo. Para Jaspers, cada busca individual pela verdade é realizada em comunidade com todos os "companheiros de pensamento" que passaram pela mesma luta pessoal.
“Eu sou eu e minhas circunstâncias.” José Ortega y Gasset
A filosofia de Ortega y Gasset é sobre a vida. Ele não está interessado em analisar o mundo de modo frio e desprendido. Em vez disso, quer explorar como a filosofia pode se engajar criativamente com a vida. A razão, acredita Ortega, não é algo passivo, mas ativo — algo que nos permite entender como lidar com as circunstâncias nas quais nos encontramos e mudar nossas vidas para melhor.
Em Meditações do Quixote, publicado em 1914, Ortega escreveu: "Sou eu mesmo e minha circunstância". Descartes dissera que era impossível imaginar nós mesmos como seres pensantes e ainda duvidar da existência do mundo exterior, incluindo nossos próprios corpos Mas Ortega afirmou que não faz sentido ver a nós mesmos separados do mundo. Se quisermos pensar seriamente sobre nós mesmos, temos de considerar que estamos sempre imersos em circunstâncias particulares, muitas vezes opressivas e limitadoras. Tais limitações não são apenas do ambiente físico, mas também de nossos pensamentos, que contêm preconceitos, e de nosso comportamento, moldado pelo hábito.
Enquanto muitas pessoas vivem sem refletir sobre a natureza de suas circunstâncias, Ortega disse que os filósofos não só devem se empenhar para entender suas circunstâncias como buscar ativamente mudá-las. De fato, ele afirmou que o dever do filósofo é expor as pressuposições subjacentes a todas as nossas crenças.
A energia da vida
A fim de efetuar essa mudança, Ortega defendeu que os filósofos devem primeiro reconsiderar suas crenças, entender de onde elas vêm e, então comprometer-se em criar novas possibilidades. A opinião de Ortega tem muito em comum com Edmund Husserl o pai da fenomenologia, que via a realidade como um processo em evolução no qual o indivíduo e o mundo são dependentes um do outro. Da mesma forma, Ortega afirmou que nascemos num mundo que nos molda, mas que podemos mudar o nosso mundo modificando o modo como o percebemos.
Ortega reconheceu que, não importa o quanto nos liberemos para imaginar novos futuros, a circunstância sempre limitará a extensão da realização desses futuros. A realidade do mundo sempre colidirá com nossos sonhos, mas mesmo assim devemos sonhar em libertar a nós mesmos desde o presente. É por isso que Ortega vê a vida como uma série de colisões com o futuro.
A ideia de Ortega é desafiar as circunstâncias tanto no nível pessoal quanto no político. Ela supõe que toda tentativa de mudança será desafiada, mas que temos o dever de continuar avançando contra as circunstâncias limitadoras. Em A rebelião das massas, ele advertiu que a democracia carrega em si a ameaça da tirania pela maioria, e que viver pelo império da maioria — ou "como todo mundo" — é viver sem visão pessoal ou código moral. A menos que nos engajemos criativamente com nossas próprias vidas, dificilmente estaremos vivendo. É por isso que, para Ortega, a razão é vital: ela mantém a energia da vida.
“Para um problema pertencer à filosofia, deve haver algo inconcebível nele.” Hajime Tanabe
Antes de continuar lendo, confesse! Isso pode parecer uma ideia estranha, mas é uma noção que o filósofo japonês Hajirne Tanabe queria que levássemos a sério. Tanabe acreditava que, se quisermos filosofar, não podemos fazê-lo sem uma confissão prévia. Mas o que devemos confessar e por quê?
Para responder essas questões, precisamos examinar as raízes da filosofia de Tanabe tanto na tradição filosófica europeia quanto na japonesa. Em relação a suas raízes europeias, Tanabe remontou seu pensamento ao filósofo grego Sócrates, que viveu no século V a.C. Sócrates é importante para Tanabe por causa da maneira que confessou francamente que nada sabia. De acordo com a história, o oráculo de Delfos disse que Sócrates era o homem mais sábio de Atenas. Sócrates, que estava certo de sua própria ignorância, tentou provar que o oráculo se equivocara. Após incontáveis conversas com sábios atenienses, ele chegou à conclusão de que era mesmo a pessoa mais sábia na cidade, porque só ele aceitava que não sabia nada.
As raízes japonesas da filosofia de Tanabe remontam ao pensamento do monge budista Shinran, que pertencia à escola chamada Terra Pura. A inovação de Shinran foi sua sentença de que a iluminação é impossível se confiamos apenas em nosso próprio poder. Em vez disso, devemos confessar nossas limitações e ignorância, de modo que estejamos abertos ao que tanto Shinran quanto Tanabe chamam de tariki, ou "outro poder". No contexto da escola Terra Pura, esse outro poder é aquele do Buda Amitabha. No contexto da filosofia de Tanabe, a confissão leva ao reconhecimento do "nada absoluto", que, por fim, leva ao próprio despertar e à sabedoria.
Renunciando a nós mesmos
Para Tanabe, então, filosofia não é discutir pontos mais refinados de lógica ou argumentar ou debater qualquer coisa — não se trata, de fato, de uma disciplina "intelectual''. Para Tanabe, é algo muito mais fundamental, um processo para se relacionar, no sentido mais profundo possível, com nosso próprio ser — ideia parcialmente moldada por sua leitura de Martin Heidegger.
É apenas pela confissão, acreditava Tanabe, que podemos redescobrir nosso verdadeiro ser — um processo que ele descreveu em termos religiosos, como uma forma de morte e ressurreição. Essa morte e ressurreição é o renascimento da mente através do "outro poder" e sua passagem da visão limitada do "eu" para a perspectiva da iluminação. No entanto, essa mudança não é apenas uma preparação para a filosofia. Ao contrário, é a própria função da filosofia, enraizada no ceticismo e na "renúncia de nós mesmos pela graça do outro poder". A filosofia, em outras palavras, não é uma atividade na qual nos engajamos, mas algo que acontece em nós quando adquirimos acesso ao verdadeiro "eu" por meio da renúncia do "eu" — fenômeno que Tanabe chama de "ação sem um sujeito atuante".
A confissão contínua é, escreveu Tanabe, "a conclusão definitiva" para a qual o reconhecimento de nossas limitações nos conduz. Em outras palavras, Tanabe nos solicita não a procurar novas respostas a velhas questões filosóficas, mas a reavaliar a própria natureza da filosofia.
“A solução do problema da vida é vista no desaparecimento do problema.” Ludwig Wittgenstein
“A lógica não é um conjunto de doutrinas, mas uma imagem-espelho do mundo.” Ludwig Wittgenstein
“Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar.” Ludwig Wittgenstein
O Tratado lógico-filosófico de Wittgenstein é, talvez, um dos textos mais intimidadores da história da filosofia do século XX. Com cerca de apenas setenta páginas na célebre tradução inglesa (intitulada Tractatus logico-philosophicus), a obra é composta de uma série de observações altamente condensadas e técnicas.
Para apreciar o significado pleno do Tractatus é importante situá-lo em seu contexto filosófico. O fato de Wittgenstein falar sobre os "limites" da minha linguagem e do mundo o coloca dentro da tradição filosófica que remonta ao filósofo alemão do século XVIII Immanuel Kant. Em Crítica da razão pura, Kant começa a explorar os limites do conhecimento ao apresentar questões como "o que posso saber?" e "o que permanecerá para sempre fora do alcance da compreensão humana?". Uma razão para que Kant fizesse tais perguntas é que ele acreditava que muitos problemas surgiam na filosofia porque fracassamos em reconhecer as limitações da compreensão humana. Ao voltar a atenção a nós mesmos e inquirir sobre os limites necessários do nosso conhecimento, podemos então resolver, ou talvez até dissolver, quase todos os problemas filosóficos do passado.
O Tractatus enfrenta o mesmo tipo de tarefa de Kant, mas o faz de modo muito mais radical. Wittgenstein afirmou que estava começando a esclarecer o que pode ser dito significativamente. Da mesma forma que Kant se empenhou em definir os limites da razão, Wittgenstein quis definir os limites da linguagem e, por consequência, de todo o pensamento. Ele o fez porque suspeitava que grande parte da discussão e da discordância filosófica baseia-se em erros fundamentais no modo como lidamos com o pensamento e na maneira de discutir o mundo.
Estrutura lógica
Apesar da aparente complexidade, as ideias centrais de Wittgenstein no Tractatus são essencialmente baseadas num princípio simples: o de que tanto a linguagem quanto o mundo são formalmente estruturados, e essas estruturas podem ser decompostas em suas partes componentes. Wittgenstein buscou revelar as estruturas tanto do mundo quanto da linguagern para, então, elucidar o modo como elas se relacionam entre si. Feito isso, tentou extrair diversas conclusões filosóficas de longo alcance.
Para compreender o que Wittgenstein quis dizer quando afirmou que os limites da minha linguagem são os limites do mundo, precisamos perguntar o significado que ele atribuiu às palavras "mundo" e "linguagem", uma vez que não usou tais termos com o sentido ao qual estamos habituados. Quando Wittgenstein fala de linguagem, seu débito com o filósofo britânico Bertrand Russell torna-se evidente. Para Russell, figura importante no desenvolvimento da lógica filosófica, a linguagem cotidiana era inadequada para falar clara e precisamente sobre o mundo. Ele acreditava que a lógica constituía uma "linguagem perfeita" por excluir todos os traços de ambiguidade e, então, desenvolveu um modo de traduzir a linguagem cotidiana em algo que considerou urna forma lógica.
A lógica ocupa-se do que é conhecido na filosofia como proposições. Podemos pensar em proposições como asserções que têm possibilidade de ser consideradas verdadeiras ou falsas. Por exemplo, a afirmação "o elefante está muito bravo" é uma proposição, mas a palavra "elefante" não é. De acordo com o Tractatus, a linguagem significativa deve consistir apenas de proposições. "A totalidade de proposições”, segundo Wittgenstein, "é linguagem."
Sabendo um pouco mais sobre o que Wittgenstein entendia como linguagem, podemos explorar o que ele quis dizer com "mundo". O Tractatus começa com a afirmação de que "o mundo é tudo que é o caso". Isso pode parecer ser uma questão de fato, direta e robusta, mas não está inteiramente claro o que Wittgenstein quis dizer com essa afirmação. Ele foi além ao escrever que "o mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas". Aqui podemos ver um paralelo entre o modo como Wittgenstein tratou a linguagem e o modo como tratou o mundo. Pode ser um fato, por exemplo, que o elefante está bravo, ou que há um elefante no recinto, mas um elefante, por si só, não constitui um fato.
A partir desse ponto, começa a ficar claro como as estruturas da linguagem e do mundo podem se relacionar. Wittgenstein disse que a linguagem "retrata" o mundo. Ele formulou a ideia durante a Primeira Guerra Mundial, quando leu no jornal sobre um caso judicial em Paris. O caso dizia respeito a um acidente de carro, e os acontecimentos foram reencenados para os presentes no julgamento, usando-se miniaturas de carros e pedestres para representar os carros e pedestres do mundo real. As miniaturas de carros e pedestres puderam representar seus correlatos porque estavam relacionadas umas às outras, exatamente da forma como os carros e pedestres estiveram envolvidos. De maneira semelhante, todos os elementos representados num mapa estão relacionados uns aos outros, da mesma forma que estão na localidade representada pelo mapa. O que uma imagem compartilha com aquilo que representa, disse Wittgenstein, é uma forma lógica.
É importante compreender aqui que estamos falando sobre imagens lógicas, e não sobre imagens visuais. Wittgenstein apresentou um exemplo útil para se explicar. As ondas de som geradas pela execução de uma sinfonia, a partitura daquela sinfonia e o padrão formado pelos sulcos do disco numa gravação da sinfonia reproduzida por gramofone compartilham, entre eles, a mesma forma lógica. Wittgenstein afirma: ''A imagem se enlaça com a realidade como um padrão de medida". Dessa forma, ela pode representar o mundo.
Obviamente, nossa imagem também pode estar incorreta. Ela pode não concordar com a realidade, por exemplo, ao dar a impressão de que o elefante não está bravo, quando o elefante está, de fato, furioso. Não há meio-termo aqui para Wittgenstein. Como ele começou com proposições que são, por sua própria natureza, verdadeiras ou falsas, as imagens também são verdadeiras ou falsas.
A linguagem e o mundo, então, têm uma forma lógica: a linguagem pode falar sobre o mundo retratando o mundo, e retratando-o de um modo que concorde com a realidade. É nesse ponto que a ideia de Wittgenstein se torna realmente interessante. E é aqui que podemos ver por que Wittgenstein estava interessado pelos limites da linguagem. Considere a seguinte ideia. "Você deve doar metade de seu salário para a caridade". Isso não retrata nada no mundo, no sentido expresso por Wittgenstein. O que pode ser dito (o que Wittgenstein chamou de "totalidade das proposições verdadeiras") é meramente a soma de todas as coisas que são o caso, ou seja, as ciências naturais.
A discussão sobre religião e valores éticos é, para Wittgenstein, estritamente sem sentido. Como as coisas sobre as quais estamos tentando falar quando discutimos tais tópicos estão além dos limites do mundo, elas também estão além dos limites da nossa linguagem. Wittgenstein escreveu: "Está claro que a ética não pode ser colocada na linguagem".
Além das palavras
Alguns leitores de Wittgenstein, nesse ponto, afirmam que ele é um defensor das ciências, expulsando os conceitos vagos envolvidos nos debates sobre ética, religião e temas do gênero. Mas o caso envolve algo mais complexo. Wittgenstein não considerou que os problemas da vida" sejam absurdos. Ao contrário, acreditou que esses são os problemas mais importantes entre todos — mas simplesmente não podem ser colocados em proposições e, por isso, não podem se tornar parte da filosofia. Wittgenstein escreveu que essas coisas, mesmo que não possamos falar delas, tornam-se manifestas, acrescentando que "elas são o que é místico".
Tudo isso, contudo, tem sérias repercussões para as proposições contidas no próprio Tractatus. Tais proposições não retratam o mundo. Mesmo a lógica, uma das principais ferramentas de Wittgenstein, não diz nada sobre o mundo. Portanto, o Tractatus é sem sentido? O próprio Wittgenstein não teve medo de seguir esse argumento até sua conclusão, reconhecendo que a resposta para tal questão deve ser sim. Qualquer pessoa que entenda o Tractatus adequadamente, ele afirmou, verá no final que as proposições nele usadas também são sem sentido. Elas são como degraus de uma escada filosófica que nos ajuda a ascender para além dos problemas da filosofia, mas que podemos descartar uma vez que tenhamos subido.
Mudança de direção
Após completar o Tractatus, Wittgenstein concluiu que não havia mais problemas filosóficos para resolver e abandonou a disciplina. No entanto, ao longo das décadas de 1920 e 1930 começou a questionar seu próprio pensamento, tornando-se um de seus críticos mais ferozes. Em particular, questionou sua antiga crença, solidamente mantida, de que a linguagem consiste unicamente em proposições, uma visão que ignora muito do que fazemos em nossa linguagem diária, de contar piadas a adular ou resmungar.
No entanto, apesar de todos os seus problemas, o Tractatus permanece como uma das obras mais desafiadoras e poderosas da filosofia ocidental — além de, essencialmente, uma das mais misteriosas.
“A questão da existência nunca é explícita, exceto pelo próprio existir.” Martin Heidegger
“Devemos levantar novamente a questão do sentido do ser.” Martin Heidegger
“Morrer não é um acontecimento; é um fenômeno a ser compreendido existencialmente.” Martin Heidegger
Dizem que na antiga Atenas os seguidores de Platão se reuniram certo dia para discutir a seguinte pergunta: "O que é um ser humano?". Depois de grande reflexão, chegaram a uma resposta: "É um bípede implume". Todos pareciam contentes com essa definição até Diógenes, o Cínico, irromper na sala com uma galinha viva depenada, gritando "Vejam! Eis um ser humano!". Depois que o tumulto diminuiu, os filósofos reuniram-se novamente e aperfeiçoaram sua definição. O ser humano, eles disseram, é um bípede implume com unhas largas.
Esse fato curioso da história da antiga filosofia mostra o tipo de dificuldade que os filósofos às vezes enfrentavam ao tentar criar definições gerais, abstratas, do que é ser humano. Mesmo sem a intervenção de Diógenes, parece claro que descrever a nós mesmos como bípedes implumes não expressa realmente muito do que significa ser humano.
Perspectiva interna
É essa questão — corno podemos analisar o que é ser humano — que interessava ao filósofo Martin Heidegger. Quando Heidegger surgiu para decifrar o tema, ele o fez de uma maneira surpreendentemente diferente de seus antecessores. Em vez de tentar uma definição abstrata, que examina a vida humana a partir do exterior, ele arriscou uma análise muito mais concreta do "ser" a partir do que poderíamos chamar de perspectiva interna. Ele afirmou que, já que existimos entre as coisas — em meio à vida —, se quisermos entender o que é ser humano, temos de fazer isso examinando a vida humana a partir do interior dessa vida.
Heidegger foi aluno de Husserl, de quem seguiu o método fenomenológico. Essa abordagem filosófica investiga os fenômenos (como as coisas aparecem) pelo exame de nossa experiência em relação a eles. À fenomenologia, por exemplo, não interessaria examinar o tema "o que é um ser humano?'', mas, sim, a questão "como é ser humano?"
A existência humana
Para Heidegger, isso constitui a questão fundamental da filosofia. Ele estava interessado principalmente no ramo filosófico da ontologia (do grego ontos, "ser"), que examina as questões sobre o ser ou a existência. Exemplos de questões ontológicas são "o que significa dizer que algo existe?" ou "quais são os diferentes tipos de coisas que existem?". Heidegger queria usar a pergunta "como é ser humano?" como meio de responder a indagações mais profundas sobre a existência em geral. Na obra Ser e tempo, Heidegger alegou que, quando outros filósofos fizeram perguntas ontológicas, usaram abordagens muito abstratas e superficiais. Se quisermos saber o que significa dizer que algo existe, precisamos examinar a questão a partir da perspectiva daqueles seres para os quais ser é um tema. Podemos admitir que, embora gatos, cachorros e cogumelos sejam seres, eles não se indagam a respeito de sua existência: não se preocupam com questões ontológicas, não perguntam "o que significa dizer que algo existe?", Mas há, Heidegger ressaltou, um ser que se indaga sobre essas coisas: o ser humano. Ao dizer que somos nós os entes a ser analisados, Heidegger defendeu que, se quisermos explorar as questões do ser, temos de começar com nós mesmos, examinando o que significa, para nós, existir.
Ser e tempo
Quando Heidegger perguntou sobre o sentido do ser, não tinha em mente ideias abstratas, mas algo bem direto e imediato. Nas páginas de abertura de sua obra, ele disse que o sentido do nosso ser deve estar atado ao tempo: somos essencialmente seres temporais. Quando nascemos, ingressamos no mundo como se fôssemos aqui jogados, numa trajetória que não escolhemos. Simplesmente descobrimos que viemos a existir num mundo em progresso, que preexistia antes de nós, de modo que, no momento do nascimento, somos apresentados a um ambiente histórico particular, material e espiritual. Tentamos dar sentido a esse mundo envolvendo-nos em vários passatempos — por exemplo, aprendendo latim, buscando o amor verdadeiro ou construindo uma casa para nos abrigar. Por meio desses projetos, que consomem tempo, nós projetamos literalmente rumo a diferentes futuros possíveis: nós definimos nossa existência. No entanto, às vezes, tornamo-nos cientes de que há um limite extremo de todos os nossos projetos, um ponto no qual tudo que planejamos chegará a um fim, concluído ou não. Esse ponto é a morte. A morte, disse Heidegger, é o horizonte mais afastado do nosso ser: tudo que podemos fazer, ou ver, ou pensar, tem lugar dentro desse horizonte. Não podemos ver além dele.
O vocabulário técnico de Heidegger tem fama de ser de difícil compreensão, mas isso ocorre em grande parte porque ele tentou explorar questões filosóficas complexas de modo concreto ou não abstrato: ele queria estabelecer uma relação com a nossa experiência efetiva. Dizer que "o horizonte mais afastado do nosso ser é a morte" é dizer algo sobre como é viver uma vida humana, e isso expressa uma certa ideia do que somos de um modo insuspeitado a muitas definições filosóficas — de "bípede implume" a "animal político".
Vivendo de modo autêntico
A Heidegger devemos a distinção filosófica entre existência autêntica e não autêntica. A maior parte do tempo estamos absortos em projetos em andamento e nos esquecemos da morte. Mas, ao ver nossa vida apenas em termos dos projetos nos quais estamos envolvidos, perdemos uma dimensão mais fundamental da existência e, desse modo, para Heidegger, vivemos de maneira não autêntica. Quando nos tornamos cientes da morte como limite final de nossas possibilidades, começamos a alcançar uma compreensão mais profunda do que significa existir.
Quando um amigo morre, por exemplo, é possível que examinemos nossas próprias vidas e percebamos que os vários projetos que nos absorvem parecem não ter sentido, e que há uma dimensão mais profunda na vida que está sendo perdida. Então é possível até que mudemos nossas prioridades, buscando futuros diferentes.
Linguagem mais profunda
A filosofia posterior de Heidegger continuou a tratar de questões do ser, mas se afastou de sua abordagem anterior, severa, para assumir um olhar mais poético sobre os mesmos tipos de questões. A filosofia, ele começou a suspeitar, simplesmente não pode refletir isso profundamente em nosso ser. A fim de fazer perguntas sobre a existência humana, devemos usar a linguagem mais rica, mais profunda, da poesia, que nos envolve de um modo que vai muito além da simples troca de informação.
Heidegger foi um dos filósofos mais influentes do século XX. Suas primeiras tentativas de analisar o que significa ser humano, e como alguém pode viver uma vida autêntica, inspirou filósofos como Sartre, Levinas e Gadamer e contribuiu para o nascimento do existencialismo. Seu pensamento posterior, mais poético, também teve influência poderosa sobre os filósofos ecológicos, que acreditam que ele oferece um modo de pensar sobre o que significa ser um ser humano num mundo sob ameaça da destruição ambiental.
Tetsuro Watsuji foi um dos principais filósofos do Japão na primeira metade do século XX e escreveu tanto sobre filosofia oriental quanto ocidental. Estudou no Japão e na Europa e, a exemplo de muitos pares japoneses da época, sua obra mostra uma síntese criativa dessas duas tradições diferentes.
Esquecendo o eu
Os estudos de Watsuji sobre as abordagens ocidentais da ética convenceram-no de que os pensadores no Ocidente tendem a assumir uma abordagem individualista da natureza humana — e, assim, também da ética. Mas, para Watsuji, os indivíduos só podem ser compreendidos como expressões de suas épocas, suas relações e seus contextos sociais particulares, que, juntos, constituem um “clima". Ele explorou a ideia de natureza humana em termos das nossas relações com uma comunidade mais ampla, que forma uma rede dentro da qual existimos — Watsuji chamou isso de "estar entre". Para ele, a ética não é uma questão de ação individual, mas de esquecimento ou sacrifício do próprio eu, de modo que o indivíduo possa trabalhar em benefício de uma comunidade mais ampla.
A ética nacionalista e a crença na superioridade racial japonesa levaram Watsuji a perder apoio após a Segunda Guerra. Mais tarde ele se distanciou dessas concepções.
“Na lógica não há moral.” Rudolf Carnap
Um dos problemas filosóficos do século XX é determinar um papel para a filosofia, dado o sucesso das ciências naturais. Essa é uma das principais preocupações do alemão Rudolf Carnap em A linguagem física como a linguagem universal da ciência (1932), que sugere que a função própria da filosofia — e sua contribuição principal para a ciência — é a análise lógica e o esclarecimento de conceitos científicos.
Carnap afirmou que muitos problemas filosóficos aparentemente profundos, como os metafísicos, são sem sentido, porque não podem ser comprovados ou refutados pela experiência. Acrescentou que também são, de fato, pseudoproblemas causados por confusões lógicas no modo como usamos a linguagem.
Linguagem lógica
O positivismo lógico aceita como verdadeiras apenas afirmações estritamente lógicas passíveis de verificação empírica. Para Carnap, o dever real da filosofia é, portanto, a análise lógica da linguagem (a fim de descobrir e excluir aquelas questões que, falando estritamente, não têm sentido) e a descoberta de modos de falar sem ambiguidade sobre as ciências.
Alguns filósofos, como Willard Quine e Karl Popper, argumentaram que os padrões de Carnap para o que pode ser dito significativamente são muito rígidos e apresentam uma visão idealizada, que não se verifica na prática, sobre como a ciência opera. No entanto, segue importante a advertência de Carnap de que a linguagem pode nos levar a enxergar problemas que realmente não existem.
“A construção da vida, no momento, está muito mais no poder de fatos do que das convicções.” Walter Benjamin
O filósofo alemão Walter Benjamin foi filiado à Escola de Frankfurt, grupo de teóricos sociais neomarxistas que exploraram a importância da cultura de massa e da comunicação. Benjamin era também fascinado pelas técnicas do cinema e da literatura e seu ensaio de 1926, Rua de mão única, é um experimento de construção literária. Aqui ele reúne um conjunto de observações — intelectuais e empíricas — que aparentemente lhe ocorrem enquanto caminha por uma rua imaginária.
No ensaio, Benjamin não iniciou uma grande teoria. Em vez disso, ele quis nos surpreender com ideias, da mesma maneira que podemos ser surpreendidos por algo que atrai nossa atenção durante uma caminhada. Perto do final do ensaio, ele afirmou que as "citações em meu trabalho são como salteadores no caminho que irrompem armados e roubam ao passeante a convicção".
Iluminando o amor
A ideia de que o único meio de conhecer o ser humano é amá-lo sem esperança aparece na metade do ensaio, sob o tópico "Lâmpada de arco". Sob o brilho da luz, Benjamin para e pensa apenas isso e nada mais — e o ensaio prossegue imediatamente para uma nova seção. Somos forçados a imaginar o que ele quis dizer. Que o conhecimento surge por amor? Ou que é apenas quando cessamos de aguardar algum resultado que podemos ver claramente o amado? Não podemos saber. Tudo que nos resta é caminhar pela rua ao lado de Benjamin, sentindo o brilho da luz desses pensamentos passageiros.
À primeira vista, nada parece ser mais irracional do que a alegação de Marcuse de que "aquilo que é" não pode ser verdadeiro, que aparece em sua obra de 1941, Razão e revolução. Se aquilo que é não pode ser verdadeiro, o leitor tem o direito de perguntar: então, o que é verdadeiro? Todavia a ideia de Marcuse era, em parte, uma tentativa de subverter a alegação feita pelo filósofo alemão Hegel de que o que é racional é real — e também de que o que é real é racional.
Marcuse acreditava que essa era uma ideia perigosa, pois nos leva a pensar que coisas reais — como o sistema político existente — são necessariamente racionais. E nos lembrou que aquelas coisas que aceitamos corno racionais podem ser muito mais irracionais do que gostaríamos de admitir. Ele também quis nos fazer compreender a natureza irracional de muito daquilo que aceitamos como verdadeiro.
Razão subversiva
Em particular, Marcuse estava incomodado com as sociedades capitalistas e com o que ele chamou de "terrível harmonia de liberdade e opressão, produtividade e destruição, crescimento e regressão". Supomos que as sociedades estão baseadas na razão e na justiça, mas, quando olhamos mais atentamente, descobrimos que elas não são nem justas nem racionais.
Marcuse não menosprezou a razão, mas tentou mostrar que ela é subversiva e que podemos usá-la para pôr em dúvida a sociedade em que vivemos. O objetivo da filosofia, para Marcuse, é uma "teoria racionalista da sociedade".
“Como uma experiência está ela própria dentro da totalidade da vida, a totalidade da vida também nela está presente”. Hans-Georg Gadamer
Gadamer é associado a uma forma de filosofia, a "hermenêutica". Derivada da palavra grega hermeneuo, que significa "interpretar", este é o estudo sobre como os seres humanos interpretam o mundo.
Gadamer estudou filosofia sob a orientação de Martin Heidegger, que disse que o dever da filosofia é interpretar nossa existência. Essa interpretação é sempre um processo de aprofundamento da nossa compreensão, começando com o que já sabemos. O processo é similar ao modo como interpretamos um poema. Começamos lendo-o cuidadosamente à luz de nossa compreensão atual. Chegando a uma linha que parece estranha, pode ser necessário um nível mais profundo de compreensão. Quando nossa interpretação da linha muda, muda-se todo o sentido ulterior do poema e, isto, denomina-se "círculo hermenêutico".
A abordagem da filosofia por Heidegger movia-se dessa maneira circular, que foi a abordagem explorada por Gadamer mais tarde em Verdade e método. Gadarner foi além para mostrar que nossa compreensão é sempre a partir da perspectiva de um ponto particular na história. H
Nossos preconceitos e crenças, os tipos de perguntas que julgamos que valem a pena ser feitas e o tipo de respostas com as quais ficamos satisfeitos, tudo é produto da nossa história. Não podemos ficar do lado de fora da história e da cultura Então, nunca podemos alcançar uma perspectiva absolutamente objetiva.
Mas tais preconceitos não devem ser vistos como algo ruim. Eles são, afinal, nosso ponto de partida: nossa compreensão e sentido de significado atuais baseiam-se em predisposições. Mesmo que fosse possível livrarmo-nos de todos os preconceitos, nós não veríamos as coisas mais claramente. Sem qualquer sistema determinado para a interpretação, não seríamos capazes de ver nada.
Conversando com a história
Gadamer vê o processo de compreensão das nossas vidas e do nosso "eu" como similar a uma "conversa com a história". Quando lemos textos históricos que existem há séculos, as diferenças em suas tradições e pressuposições revelam nossas próprias normas culturais e preconceitos, levando-nos a ampliar e a aprofundar a compreensão sobre nossas vidas no presente Por exemplo, se leio uma obra de Platão cuidadosamente, posso descobrir que não apenas estou aprofundando minha compreensão a respeito de Platão, mas também que meus próprios preconceitos e predisposições tornam-se claros e, talvez, comecem a mudar. Não apenas leio Platão, mas também sou lido por Platão. Por meio desse diálogo, ou do que Gadamer chama de "fusão de horizontes", minha compreensão do mundo alcança um nível mais profundo e mais rico.
Toda solução para um problema cria novos problemas não solucionados. Karl Popper
A ciência pode ser descrita como a arte da sistemática simplificação. Karl Popper
Com frequência, pensamos que a ciência trabalha "provando" verdades sobre o mundo. Tendemos a imaginar que uma boa teoria científica é aquela que podemos provar conclusivamente que seja verdadeira. O filósofo Karl Popper, contudo, insistiu que esse não é o caso. Ao contrário, ele dizia que o que constitui uma teoria científica é que ela seja capaz de ser falsificada ou demonstrada como errônea pela experiência.
Popper se interessou no método pelo qual a ciência decifra o mundo. A ciência depende de experimento e experiência e, se quisermos fazer boa ciência, precisamos prestar bastante atenção ao que o filósofo David Hume chamou de "regularidades " da natureza: o fato de os eventos se desdobrarem no mundo conforme padrões e sequências particulares, passíveis de exploração sistemática. A ciência, em outras palavras, é empírica, ou baseada na experiência, e para compreender como ela funciona precisamos compreender como a experiência em geral leva ao conhecimento.
Considere a seguinte frase: "Se você soltar uma bola de tênis da Janela do segundo andar, ela cairá no chão". Deixando de lado qualquer casualidade (como a bola ser agarrada por uma águia em pleno voo), podemos ter certeza suficiente de que essa alegação é razoável. Seria estranho uma pessoa dizer: "Tem certeza de que ela vai cair no chão?". Mas como sabemos que é isso que acontecerá quando largarmos a bola de tênis? Que tipo de conhecimento é esse?
A resposta simples é que sabemos que ela cairá porque é isso o que sempre acontece. Deixando de lado casualidades, ninguém nunca viu uma bola de tênis flutuar ou subir quando solta. Sabemos que ela cai porque a experiência nos mostrou que isso acontece. E não apenas podemos ter certeza de que a bola cairá no chão, mas também podemos ter certeza sobre como ela cairá. Por exemplo, se soubermos qual é a força da gravidade e a distância da janela ao solo podemos calcular com que velocidade a bola cairá. Nada em relação ao evento é misterioso.
Todavia, a questão permanece: podemos ter certeza de que, da próxima vez que largarmos a bola, ela cairá no chão? Não importa quantas vezes façamos a experiência, e não importa o quanto nos tornemos confiantes em relação a seu resultado, nunca podemos provar que o resultado será sempre o mesmo no futuro.
Raciocínio indutivo
Essa incapacidade de falar sobre o futuro com alguma certeza é chamada de problema da indução e foi reconhecida pela primeira vez por Hume, no século XVIII. Então, o que é raciocínio indutivo?
A indução é o processo de deslocar-se de um conjunto de fatos observados para conclusões mais gerais sobre o mundo. Esperamos que ao soltar a bola ela atinja o solo porque, de acordo com Hume, estamos generalizando a partir de incontáveis experiências de ocasiões similares, nas quais descobrimos que coisas como bolas caem ao solo quando as soltamos.
Raciocínio dedutivo
Outra forma de raciocínio, que os filósofos contrastam com a indução, é o raciocínio dedutivo. Enquanto a indução se desloca do caso particular para o geral, a dedução se desloca do geral para o particular. Por exemplo, um caso de raciocínio dedutivo pode começar a partir de duas premissas, tais como: "se é uma maçã, então é uma fruta (já que todas as maçãs são frutas)" e "isso é uma maçã". Admitida a natureza dessas premissas, a afirmação "isso é uma maçã" leva inevitavelmente à conclusão "é uma fruta".
Os filósofos gostam de simplificar os argumentos dedutivos escrevendo-os em notação. Assim, a forma geral do argumento acima seria: "se P, então Q; uma vez P, portanto Q". Em nosso exemplo, "P" é "isso é uma maçã" e "Q", "é uma fruta". Admitidos os pontos de partida "se P, então Q", então, uma vez "P", a conclusão "Q" é necessária ou inevitavelmente verdadeira. Outro exemplo seria: "se está chovendo, o gato miará (já que todos os gatos miam durante a chuva}. Está chovendo, logo o gato miará".
Todos os argumentos desse tipo são considerados pelos filósofos como sendo válidos, porque suas conclusões seguem inevitavelmente suas premissas. No entanto, o fato de que um argumento é válido não significa que suas conclusões sejam verdadeiras. Por exemplo, o argumento "se é um gato, então tem gosto de banana — isso é um gato, portanto, tem gosto de banana" é válido porque segue uma forma válida. Mas a maioria das pessoas concorda que a conclusão é falsa. E um olhar mais atento mostra que há um problema, da perspectiva empírica, com a premissa "se é um gato, então tem gosto de banana", porque gatos, ao menos em nosso mundo, não têm gosto de banana. Em outras palavras, como a premissa é falsa, mesmo que o argumento em si seja válido, a conclusão também é falsa. Outros mundos podem ser imaginados, nos quais gatos tenham, de fato, gosto de banana, e por essa razão diz-se que a afirmação "gatos não têm gosto de banana" é contingentemente verdadeira, em vez de lógica ou necessariamente verdadeira — isso exigiria que a afirmação fosse verdadeira em todos os mundos possíveis. Contudo, argumentos válidos com premissas verdadeiras são chamados de argumentos "sólidos''. O argumento "gato com gosto de banana", como vimos, é válido mas não sólido. Já o argumento "maçãs e frutas" é tanto válido quanto sólido.
Falsificabilidade
Pode-se dizer que os argumentos dedutivos são como programas de computadores: as conclusões a que chegam são tão satisfatórias quanto as informações que recebem. O raciocínio dedutivo tem papel importante nas ciências, mas, por si só, não diz nada sobre o mundo. Ele só pode dizer "se isto, então aquilo". E se queremos usar tais argumentos nas ciências, ainda temos de contar com a indução para nossas premissas — e assim a ciência continuaria com o fardo do problema da indução.
Por essa razão, de acordo com Popper, não podemos provar que nossas teorias são verdadeiras. Além disso, o que faz uma teoria ser ciência não é o fato de que ela pode ser provada, mas de que pode ser testada na realidade e demonstrada como potencialmente falsa. Em outras palavras, uma teoria falsificável não é uma teoria que é falsa, mas uma que só pode ser demonstrada como falsa por meio da observação.
As teorias impossíveis de ser testadas (por exemplo, que cada um de nós tem um espírito-guia invisível ou que Deus criou o universo) não fazem parte das ciências naturais. Isso não significa que não tenham valor, mas apenas que não são o tipo de teoria de que as ciências tratam.
A ideia da falsificabilidade não invalida que acreditemos em teorias que não podem ser falsificadas. As crenças que resistem a testes repetidos, e que resistem às nossas tentativas de falsificação, podem ser admitidas como seguras. Mas mesmo as melhores teorias estão sempre abertas à possibilidade de que um novo resultado demonstre sua falsidade.
O trabalho de Popper recebeu muitas críticas. Alguns alegam que ele apresentou uma visão idealizada de como os cientistas empreendem seu trabalho, e que a ciência é praticada de maneira muito diferente do que sugere Popper. Contudo, sua ideia de falsificabilidacle ainda é usada para distinguir entre alegações científicas e não científicas. Popper permanece, talvez, como o mais importante filósofo da ciência do século XX.
“A faculdade de julgar é medida pela firmeza do eu.” Tbeodor Adorno
A ideia do louco sagrado tem longa tradição no Ocidente, remontando à Epístola de São Paulo aos Coríntios, na qual ele convida seus seguidores a serem "loucos por amor a Cristo". Durante toda a Idade Média, essa ideia foi desenvolvida na popular figura cultural do santo ou do prudente, que era tolo ou pouco inteligente, mas moralmente virtuoso ou puro.
Em sua obra Minima moralia, o filósofo alemão Theodor Adorno pôs em dúvida essa longa tradição. Ele duvidava das tentativas de (como ele disse) "absolver e beatificar o estúpido" e defendeu a tese de que o bem envolve nosso ser inteiro, tanto nosso sentimento quanto nossa compreensão.
O problema com a ideia do louco sagrado, afirmou Adorno, é que ela nos divide em partes diferentes e, ao fazê-lo, nos incapacita para agir criteriosamente. Na realidade, o julgamento é justo na medida em que logramos coerência entre sentimento e entendimento. A visão de Adorno implicava que os atos perversos não são apenas insuficiência de sentimento, mas também de inteligência e entendimento.
Adorno era membro da Escola de Frankfurt, grupo de filósofos atento ao desenvolvimento do capitalismo. Ele condenou os meios de comunicação de massa, tais como a televisão e o rádio, alegando que levaram à erosão tanto da inteligência quanto do sentimento e ao declínio da capacidade de fazer escolhas e julgamentos morais. Se escolhemos desligar nossos cérebros ao assistir a filmes blockbuster (na medida em que podemos escolher, admitindo as condições culturais em que vivemos), para Adorno essa é uma escolha moral. A cultura de massa, ele acredita, não apenas nos torna estúpidos, mas também incapazes de agir moralmente.
Emoções essenciais
Adorno acreditava que equívoco oposto àquele de imaginar que possa existir tal coisa como um louco sagrado era imaginar que podemos julgar baseados exclusivamente na inteligência, sem emoção. Isso pode ocorrer num tribunal — juízes costumam instruir o júri para deixar a emoção de lado, de modo que possam chegar a uma decisão serena e ponderada. Mas, na visão de Adorno, fazer julgamentos criteriosos abandonando a emoção é tão improvável quanto julgar criteriosamente sem o uso da inteligência.
Quando o último traço de emoção for eliminado de nosso pensamento, Adorno escreveu, não restará nada para pensarmos — e a ideia de que a inteligência possa se beneficiar "do declínio das emoções" é simplesmente equivocada. Por essa razão, Adorno acreditava que as ciências — enquanto forma de conhecimento que não faz referência às emoções — tiveram um efeito desumanizador sobre nós, como a cultura popular.
Ironicamente, é possível que as ciências, afinal, demonstrem a sabedoria das preocupações principais de Adorno acerca da ruptura entre inteligência e sentimento. Desde a década de· 1990, cientistas como Antonio Damasio têm estudado as emoções e o cérebro, fornecendo cada vez mais evidências sobre muitos mecanismos por meio dos quais as emoções guiam a tomada de decisão. Então, se quisermos julgar de maneira sábia, ou mesmo só julgar, convém empregar tanto a emoção quanto a inteligência.
“Primeiramente, o homem existe, se descobre, surge no mundo e só depois se define.” Jean-Paul Sartre
“Quanto aos homens, não é o que eles são que me interessa, mas o que eles podem se tornar.” Jean-Paul Sartre
Desde a antiguidade, a questão sobre o que é ser humano e o que nos torna distintos de todos os outros tipos de seres tem sido uma das principais preocupações dos filósofos. A abordagem da questão supõe que existe algo chamado natureza humana, ou uma essência do que é ser humano. Também tende a admitir que essa natureza humana é fixa ao longo do tempo e do espaço. Em outras palavras, assume-se que há uma essência universal do que é ser humano, e que essa essência pode ser encontrada em cada humano que já existiu ou existirá. De acordo com essa visão, todos os seres humanos, independentemente de suas circunstâncias, possuem as mesmas qualidades fundamentais e guiam-se pelos mesmos valores básicos. Para Sartre, contudo, pensar a natureza humana desse modo expõe ao risco de perder aquilo que nos é mais precioso: nossa liberdade.
Para deixar mais claro o que ele quis dizer, Sartre deu o seguinte exemplo. Ele nos convidou a imaginar um abridor de cartas, aquele tipo de lâmina própria para envelopes. Essa lâmina nasceu das mãos de um artesão que teve a ideia de criar tal ferramenta e que teve claro entendimento sobre o que é necessário para um abridor de cartas: afiado o suficiente para cortar papel, mas não a ponto de ser perigoso. Deve ser fácil de manejar, feito de substância apropriada (metal, bambu ou madeira, talvez, mas não manteiga, cera ou penas) e talhado para cortar de maneira eficaz. Sartre disse que é inconcebível um abridor de cartas existir sem que seu fabricante saiba qual a sua finalidade. Portanto, a essência do abridor de cartas (ou todas as coisas que o tornam um abridor de cartas, e não uma faca de cortar carne) vem antes da existência de qualquer abridor de cartas específico.
Os humanos, claro, não são abridores de cartas. Para Sartre, não há plano predeterminado que nos transforma no tipo de seres que somos. Não somos feitos para qualquer finalidade específica. Existimos, mas não por causa de nossa finalidade ou essência, como um abridor de cartas: nossa existência precede nossa essência.
Definir a nós mesmos
É aqui que começamos a ver a conexão entre a alegação de Sartre de que "a existência precede a essência" e seu ateísmo. Sartre mostrou que as abordagens religiosas da questão da natureza humana com frequência funcionam por meio de uma analogia com o artesanato humano: a natureza humana na mente de Deus seria análoga à natureza do abridor de cartas na mente do artesão. Muitas teorias não religiosas sobre a natureza humana, alegou Sartre, ainda têm suas raízes no modo religioso de pensar, porque insistem que a essência vem antes da existência, ou que somos feitos para uma finalidade específica. Ao alegar que a existência vem antes da essência, Sartre explicou uma posição que ele acreditava mais consistente com seu ateísmo. Não há natureza humana fixa, universal, ele declarou, porque não existe um Deus que possa estabelecer tal natureza.
Aqui, Sartre se valeu de uma definição bem específica da natureza humana, identificando a natureza de algo com sua finalidade. Ele rejeitou o conceito que os filósofos chamam de teleologia da natureza humana, que é algo como uma finalidade da existência humana. Todavia, há um sentido indicado por Sartre em sua teoria da natureza humana, ao afirmar que somos seres compelidos a determinar um propósito para nossas vidas. Sem um poder divino para prescrever esse propósito, devemos definir a nós mesmos.
Definir a nós mesmos, contudo, não é apenas uma questão de ser capaz de dizer o que somos como seres humanos. Em vez disso, é uma questão de assumirmos a forma de qualquer tipo de ser que escolhemos nos tornar. Isso é o que nos faz, na essência, diferentes de todos os outros tipos de seres no mundo: podemos nos tornar aquilo que escolhemos fazer de nós mesmos. Uma pedra é só uma pedra, uma couve-flor não passa de uma couve--flor. e um rato é simplesmente um rato. Já os seres humanos têm a capacidade de ativamente formar a si mesmos.
Como nos libera da coerção da natureza humana predeterminada, a filosofia de Sartre é também uma filosofia da liberdade. Somos livres para escolher como dar forma a nós mesmos, embora tenhamos de aceitar algumas limitações. Nenhuma vontade de que cresçam asas em mim, por exemplo, fará isso acontecer. Mas, mesmo dentro do âmbito das escolhas realistas, com frequência descobrimos que, quando coagidos, tomamos decisões simplesmente baseadas no hábito ou na visão habitual que temos de nós mesmos.
Sartre sugeriu que nos libertemos das maneiras habituais de pensar, incentivando-nos a encarar as implicações de se viver num mundo em que nada é predeterminado. Para evitar cair em padrões inconscientes de comportamento, ele defendeu que devemos continuamente encarar as escolhas em nossas ações.
Liberdade responsável
Ao fazer escolhas, também criamos um modelo para imaginarmos corno uma vida humana deve ser. Se decido me tornar filósofo, então, não estou apenas decidindo por mim mesmo. Implicitamente afirmo que ser filósofo é uma atividade que vale a pena. Isso significa que a liberdade é a maior das responsabilidades. Não somos responsáveis apenas pelo impacto de nossas escolhas sobre nós mesmos, mas também por seu impacto sobre toda a humanidade. E, sem princípios ou regras externas para justificar nossas ações, não temos desculpas que nos eximam das escolhas feitas. Por essa razão, Sartre declara que estamos "condenados a ser livres".
A filosofia de Sartre, ao unir liberdade com responsabilidade, foi tachada de pessimista, o que ele rejeitou. De fato, ele disse que se trata da filosofia mais otimista possível, porque, apesar de assumir a responsabilidade pelo impacto de nossas ações sobre os outros, podemos escolher exercer um controle estrito sobre o modo como moldamos nosso mundo e a nós mesmos.
As ideias de Sartre foram particularmente influentes nos textos ele sua companheira e colega filósofa Simone de Beauvoir, mas também agitaram a vida cotidiana e cultural francesa. Os jovens, especialmente, ficaram entusiasmados com sua convocação para o uso da liberdade a fim de dar feitio à própria existência. Sartre os inspirou a desafiar as atitudes tradicionalistas e autoritárias dominantes na França nas décadas de 1950 e 1960. Sartre é citado como influência crucial nos protestos de Paris em maio de 1968, que ajudaram a derrubar o governo conservador e a instaurar um clima mais liberal em toda a França.
O engajamento em questões políticas foi parte importante da vida de Sartre. Suas mudanças constantes de afiliação partidária, assim como seu movimento perpétuo entre política, filosofia e literatura, foram talvez a afirmação de uma vida orientada pela ideia de que a existência precede a essência.
Em 1961, a filósofa Hannah Arendt testemunhou o julgamento de Adolph Eichmann, um dos arquitetos do Holocausto. Em sua obra Eichmann em Jerusalém, ela escreveu sobre a aparente "cotidianidade" de Eichmann. A figura diante dela no banco dos réus não parecia o tipo de monstro que poderíamos imaginar. De fato, ele não daria a impressão de estar fora de lugar se visto num café ou na rua.
Falha de julgamento
Depois de assistir ao julgamento, Arendt chegou à conclusão de que o mal não provém da malevolência ou do desejo de fazer o mal. Em vez disso, ela sugeriu, as razões pelas quais as pessoas agem de certa maneira é que elas sucumbem a falhas de pensamento e julgamento. Sistemas políticos opressivos são capazes de tirar vantagem da nossa tendência para tais falhas, possibilitando que pareçam normais certos atos que possivelmente consideraríamos "impensáveis".
A ideia de que o mal é banal não priva os atos maléficos de seu horror. Em vez disso, a recusa em ver as pessoas que cometem atos terríveis como "monstros" traz esses atos para mais perto da nossa vida cotidiana, desafiando-nos a considerar o mal como algo de que todos somos capazes. Assim, devemos nos precaver contra as falhas de nossos regimes políticos, disse Arendt, mas também das possíveis falhas em nossos próprios pensamentos e julgamentos.
As ideias de Levinas são compreendidas mais facilmente examinando-se um exemplo. Imagine que, ao caminhar pela rua numa noite fria de inverno, você vê uma pedinte encolhida diante de uma porta. Ela pode até não estar pedindo esmolas, mas você não consegue deixar de sentir uma espécie de obrigação em responder às necessidades dessa estranha. Você pode escolher ignorá-la, mas, mesmo que faça isso, algo já lhe foi comunicado: o fato de que ela é uma pessoa que precisa de sua ajuda.
Comunicação inevitável
Levinas era um judeu lituano que viveu o Holocausto. Ele disse que a razão vive na linguagem em Totalidade e infinito (1961), explicando que a "linguagem" é o meio com o qual nos comunicamos com os outros entes mesmo de começar a falar. Quando vejo o rosto de outra pessoa, o fato de que este é outro ser humano e que tenho responsabilidade por ele é instantaneamente comunicado. Posso me desviar dessa responsabilidade, mas não escapar dela. É por isso que a razão surge dos relacionamentos cara a cara que temos com outras pessoas. E porque somos confrontados com as necessidades de outros seres humanos que devemos oferecer justificativas para nossas ações. Mesmo que você não dê esmola para a pedinte, se verá tendo de justificar sua escolha para si mesmo.
“O homem está no mundo, e é no mundo que ele se conhece.” Maurice Merleau-Ponty
A ideia de que a filosofia começa na nossa capacidade de nos espantarmos diante do mundo remonta à antiga Grécia. Geralmente, não damos o devido valor à vida diária, mas Aristóteles afirmou que, se quisermos compreender o mundo de maneira mais profunda, temos de deixar de lado nossa aceitação habitual das coisas. E em nenhum lugar, talvez, isso seja mais difícil do que no reino da experiência. Afinal, o que pode ser mais confiável do que os fatos da percepção direta?
O filósofo francês Merleau-Ponty estava interessado em investigar mais atentamente nossa experiência de mundo e em questionar nossas pressuposições cotidianas. Isso o incluiu na tradição da fenomenologia, abordagem da filosofia iniciada por Edmund Husserl no início do século XX. Husserl queria explorar a experiência em primeira pessoa de modo sistemático, deixando de lado todas as pressuposições.
O corpo-sujeito
Merleau-Ponty adotou a abordagem de Husserl, mas com uma diferença importante. Ele considerou que Husserl ignora o que é mais importante em relação à nossa experiência: o fato de que ela consiste não apenas em experiência mental, mas também corporal. Em sua obra mais importante, Fenomenologia da percepção, Merleau-Ponty explorou essa ideia e chegou à conclusão de que a mente e o corpo não são entes separados — pensamento que contradiz uma longa tradição filosófica defendida por Descartes. Para Merleau-Ponty, temos de entender que o pensamento e a percepção são incorporados e que o mundo, a consciência e o corpo são todos parte de um único sistema. Sua alternativa à mente incorpórea proposta por Descartes é o que ele chamou de "corpo-sujeito". Em outras palavras, Merleau-Ponty rejeitou a visão dualista de que o mundo é composto de dois entes separados, denominados mente e matéria.
Ciência cognitiva
Ao dedicar-se a ver o mundo de outra forma, Merleau-Ponty interessou-se por casos de experiências incomuns. Por exemplo, ele acreditava que o fenômeno do membro fantasma (no qual um amputado "sente" seu membro perdido) mostra que o corpo não pode simplesmente ser uma máquina. Se fosse, o corpo não mais reconheceria a parte que falta — mas ela ainda existe para o indivíduo, porque o membro sempre foi ligado à vontade do indivíduo. Em outras palavras, o corpo nunca é "apenas" um corpo, é sempre um corpo "vivido''.
A ênfase de Merleau-Ponty no papel do corpo na experiência e suas intuições sobre a natureza da mente como fundamentalmente incorporada levaram a uma retomada do interesse por sua obra entre os cientistas cognitivos. Muitos avanços recentes na ciência cognitiva parecem corroborar sua ideia de que, uma vez que rompemos com nossa aceitação habitual do mundo, a experiência é realmente muito estranha.
“A representação do mundo é obra dos homens; eles o descrevem a partir de seu próprio ponto de vista.” Simone de Beauvoir
A filósofa francesa Simone de Beauvoir escreveu em O segundo sexo que, ao longo da história, o padrão de medida do que entendemos como humano — tanto na filosofia quanto na sociedade em geral — passa por uma visão peculiarmente masculina. Alguns filósofos, como Aristóteles, foram explícitos em igualar a humanidade plena com a masculinidade. Outros não chegaram a tanto, mas empregaram o masculino como o padrão segundo o qual a humanidade deve ser julgada. É por essa razão que Beauvoir dizia que o Eu do conhecimento filosófico é masculino por falta de oposição, e seu par binário, o feminino, é, portanto, algo além, que ela chama de Outro. O Eu é ativo e consciente, enquanto o Outro é tudo o que o Eu rejeita: passivo, sem voz e sem poder.
Beauvoir se preocupava com a forma como as mulheres são julgadas como iguais apenas na medida em que agem como os homens. Mesmo aqueles que escreveram pela igualdade das mulheres, ela disse, o fizeram argumentando que a igualdade significa que as mulheres podem ser e fazer o mesmo que os homens. Ela afirmou que essa ideia é equivocada, pois ignora o fato de que mulheres e homens são diferentes. A formação filosófica de Beauvoir era a fenomenologia, o estudo sobre como as coisas se manifestam à nossa existência. Essa visão sustenta que cada um de nós constrói o mundo a partir da estrutura de nossa própria consciência: organizamos coisas e sentidos a partir do fluxo das nossas experiências. Consequentemente, Beauvoir sustentava que a relação que cada pessoa tem com o próprio corpo, com os outros, com o mundo e com a própria filosofia é fortemente influenciada pelo gênero sexual.
Feminismo existencial
Simone de Beauvoir foi também urna existencialista, acreditando que nascemos sem objetivo e que devemos criar uma existência autêntica para nós mesmos, escolhendo o que queremos nos tornar. Ao aplicar essa ideia à noção de "mulher", ela demandou a separação do ente biológico (a forma corporal com a qual nascem as mulheres) da feminilidade (que é urna construção social). Já que qualquer construção é aberta a mudança e interpretação, isso significa que existem várias maneiras de "ser mulher": há lugar para escolha existencial. Na introdução de O segundo sexo, Beauvoir notou a percepção dessa fluidez pela sociedade: "Exortam-nos: sejam mulheres, permaneçam mulheres, tornem-se mulheres. Todo ser humano do sexo feminino não é, portanto, necessariamente mulher". Em seguida, ela explicitou sua posição: "Ninguém nasce mulher, torna-se mulher".
Beauvoir disse que as mulheres devem se libertar tanto da ideia de que devem ser como os homens quanto da passividade que a sociedade lhes atribuiu. Viver uma existência verdadeira1nente autêntica traz mais riscos do que aceitar um papel transmitido pela sociedade, mas é o único caminho para a igualdade e a liberdade.
Alguns filósofos afirmam que a linguagem trata da relação entre palavras e coisas. Quine discordava: a linguagem não trata da relação entre objetos e significados verbais, mas de saber o que dizer e quando dizer. A linguagem é — disse ele em seu ensaio de 1968, A relatividade ontológica — uma arte social.
Quine sugere a seguinte experiência de pensamento. Imagine que nos sentamos junto de algumas pessoas, talvez nativos de outro país, que falam uma língua que não compartilhamos. De repente, quando um coelho aparece, um dos nativos diz "gavagai". Imaginamos que pode haver alguma conexão entre o acontecimento — o surgimento do coelho — e o fato de o nativo dizer "gavagai". A medida que o tempo passa, notamos que toda vez que um coelho aparece alguém diz "gavagai", e daí concluímos que "gavagai" pode seguramente ser traduzido como coelho. Quine alegou que não. "Gavagai" pode significar todo tipo de coisa — "oh, vejam, jantar!", por exemplo, ou "vejam, uma criatura fofa!"
Para determinar o significado de "gavagai", é preciso tentar outro método. Podemos apontar para outras criaturas fofas (ou outras coisas no cardápio do jantar) e dizer "gavagai", verificando se há concordância ou discordância da parte dos nativos. Mas mesmo que esse método nos conduzisse a acreditar que o que eles chamam de "gavagai" nós chamamos de "coelho", ainda assim não teríamos certeza da adequação dessa tradução. "Gavagai" poderia significar "conjunto de partes do coelho" ou "coelho que vive no bosque" ou "lebre" — poderia até mesmo se referir a uma pequena oração que deve ser dita quando um coelho é avistado.
Linguagem instável
Ao tentar estabelecer o significado preciso desse misterioso "gavagai", portanto, podemos imaginar que a solução seria aprender inteiramente a língua de nossos amigos, de modo a ter certeza absoluta dos contextos nos quais a palavra é dita. Mas isso só resultaria em multiplicar o problema, porque não podemos ter certeza de que as outras palavras que usamos para explicar o significado de "gavagai" sejam elas mesmas traduções precisas.
Quine se referiu a esse problema como a "indeterminação da tradução", o que tem implicações incômodas. Ele sugeriu que, essencialmente, as palavras não têm significado. O sentido de alguém dizer "gavagai" (ou coelho), e essa declaração ser significativa, não provém de alguma ligação misteriosa entre palavras e coisas, mas de padrões do nosso comportamento e do fato de que aprendemos a participar da linguagem como uma arte social.
O que significa ser Livre? Essa é a questão explorada pelo filósofo britânico lsaiah Berlin em seu famoso ensaio Dois conceitos da liberdade, escrito em 1958, em que ele distinguiu entre o que chamou de liberdade "positiva" e "negativa". Embora não fosse o primeiro a usar essa distinção, ele o fez com grande originalidade e a utilizou para expor inconsistências aparentes em nossa noção cotidiana de liberdade.
Para Berlin, liberdade "negativa" é o que chamou de nosso "sentido fundamental" de liberdade. É a liberdade de obstáculos externos: sou livre porque não estou acorrentado a uma rocha, porque não estou na prisão, e assim por diante. Trata-se de urna liberdade em relação a alguma outra coisa. Mais Berlin mostra que quando falamos dela geralmente queremos nos referir a algo mais sutil. A liberdade também é uma questão de autodeterminação, de ter esperanças e intenções — e propósitos que nos são próprios. Essa liberdade "positiva" refere-se ao controle do próprio destino. Afinal, não sou livre só porque as portas da minha casa estão destrancadas. E essa liberdade positiva não é exclusivamente individual, porque a autodeterminação também pode ser desejada em nível de grupo ou de Estado.
Para Berlin, o problema é que essas duas formas de liberdade muitas vezes entram em conflito. Pense, por exemplo, na liberdade que provém da disciplina de aprender a tocar tuba. Como iniciante, pouco posso fazer além de lutar contra minha própria inabilidade, mas, ao fim, consigo tocar com um tipo de prazer desprendido. Ou pense no fato de que as pessoas com frequência exercitam sua liberdade "positiva" ao votar em um partido específico, sabendo que sua liberdade "negativa" será restringida quando este chegar ao poder.
Os objetivos da vida
Berlin apontou para outro problema. Quem diz qual deve ser o objetivo adequado da liberdade "positiva''? Regimes autoritários e totalitários, com frequência, têm uma visão inflexível do propósito da vida e, então, restringem as liberdades "negativas" para maximizar seu ideal de felicidade humana. De fato, a opressão política em geral surge a partir de uma ideia abstrata sobre o que é uma vida de bem, seguida pela intervenção do Estado para tornar essa ideia uma realidade.
A resposta de Berlin para isso foi dupla. Primeiro, é importante reconhecer que as várias liberdades que possamos desejar sempre estarão em conflito, porque não existe um "objetivo da vida" — apenas os objetivos de indivíduos específicos. Este fato, ele afirmou, é obscurecido pelos filósofos que procuram uma base universal para a moralidade, mas confundem "ação correta" com o próprio propósito da vida. Segundo, precisamos manter vivo o sentido fundamental da liberdade enquanto ausência de "intimidação e dominação", para que nossos ideais não se transformem em grilhões para nós mesmos e para os outros.
“O pensamento pelo futuro tem que ser leal à natureza.” ArneNaess
A injunção de pensar como uma montanha se tornou intimamente associada com o conceito de "ecologia profunda" — termo cunhado em 1973 pelo filósofo e ecologista norueguês Arne Naess. Ele usou o termo para ressaltar sua crença de que devemos primeiro reconhecer que somos parte da natureza, e não separados dela, se pretendemos evitar a catástrofe ecológica. Mas a noção de "pensar como uma montanha" remonta a 1949, quando foi formulada pelo ecologista norte-americano Aldo Leopold no livro de mesmo nome na tradução em português. Trabalhando corno guarda-florestal no início do século XX, Leopold atirou numa fêmea de lobo na montanha. "Alcançamos a velha loba a tempo de ver um brilho verde selvagem morrendo em seus olhos", ele escreveu. "Percebi então, e sei desde então, que havia algo de novo naqueles olhos, algo conhecido apenas pela loba e pela montanha." A partir dessa experiência, Leopold chegou à ideia de que devemos pensar como uma montanha, reconhecendo não apenas nossas necessidades ou as dos seres humanos, mas as de todo o mundo natural. Ele sugeriu que, com frequência, não percebemos as implicações mais amplas de nossas ações, considerando apenas o benefício próprio e imediato. "Pensar como uma montanha" significa se identificar com o ambiente mais vasto e estar consciente do seu papel em nossas vidas.
Harmonia com a natureza
Naess adotou a ideia de Leopold ao propor sua "ecologia profunda". Ele afirmava que somente protegeremos o meio ambiente passando pelo tipo de transformação que Leopold descreveu. Naess nos conclamou a ver a nós mesmos como parte da biosfera. Em lugar de ver o mundo como apartado de nós, devemos descobrir nosso lugar na natureza, reconhecendo o valor intrínseco de todos os elementos do mundo em que vivemos.
Naess introduziu o "eu ecológico", uma percepção de "si" enraizada na consciência de nossa relação com uma "comunidade maior de todos os seres vivos". Ele afirmou que a ampliação de nossa identificação com o mundo para incluir lobos, sapos, aranhas, e talvez até montanhas, leva a uma vida mais prazerosa e significativa.
A "ecologia profunda" de Naess teve um efeito poderoso na filosofia ambiental e no desenvolvimento do ativismo ecológico. Para quem vive na cidade, pode parecer difícil ou mesmo impossível se conectar com um "eu ecológico". Contudo, pode ser possível. Como escreveu o mestre zen Robert Aitken Roshi em 1984, "quando pensamos como uma montanha, pensamos também como um urso negro, de modo que o mel escorre por sua pele enquanto você toma o ônibus pata o trabalho''.
“A luta para atingir as alturas basta para encher o coração humano.” Albert Camus
Algumas pessoas dizem que o dever da filosofia é a busca pelo sentido da vida. O filósofo e escritor francês Albert Camus julgava que a filosofia devia reconhecer, em vez disso, que a vida é sem sentido. Embora à primeira vista pareça uma visão pessimista, Camus acreditava que ao adotarmos essa ideia nos habilitamos a viver tão plenamente quanto possível.
Essa ideia de Camus apareceu no ensaio O mito de Sísifo. Sísifo foi um rei grego que, perdendo o apoio dos deuses, acabou condenado a um destino terrível no inferno. Sua tarefa era rolar uma pedra enorme até o topo de um monte, só para vê-la rolar de volta ao solo. Sísifo tinha, então, de caminhar penosamente de volta ao solo para recomeçar, repetindo isso por toda a eternidade. Fascinado por Sisifo, Camus acreditava que o mito parecia encerrar algo da falta de sentido e do absurdo de nossas vidas. E considerou a vida como uma luta infinita para realizar tarefas essencialmente sem sentido.
Camus reconhecia que muito do que fazemos certamente parece sem sentido, mas o que ele sugeriu era mais sutil. De um lado, somos seres conscientes que não conseguem deixar de viver suas vidas como se elas tivessem um sentido. De outro, esse sentido não existe no universo exterior, mas somente em nossas mentes. O universo como um todo não tem sentido e propósito — ele simplesmente é. Mas por termos consciência diferentemente dos outros seres vivos —, somos o tipo de ser que encontra sentido e propósito em todo lugar.
Abraçar o absurdo
O absurdo, para Camus, é o sentimento que experimentamos ao reconhecer que os sentidos conferidos à vida não existem para além da nossa própria consciência. É o resultado de uma contradição entre a nossa percepção do sentido da vida e o nosso conhecimento de que, não obstante, o universo como um todo é sem sentido.
Camus explorou o significado de viver à luz dessa contradição. Ele afirmou que, para chegar à posição de poder viver plenamente, temos antes de aceitar o fato de que a vida é sem sentido e absurda. Ao abraçar o absurdo, nossas vidas tornam-se uma revolta constante contra a falta de sentido do universo — e então podemos viver livremente.
Essa ideia foi desenvolvida depois pelo filósofo Thomas Nagel, que disse que o absurdo da vida está na natureza da consciência, porque, por mais seriamente que encaremos a vida, sempre sabemos que existe alguma perspectiva a partir da qual essa seriedade pode ser questionada.
“Todo amante é louco.” Roland Barthes
A mais estranha, e mais popular, obra escrita pelo filósofo e crítico literário Roland Barthes é Fragmentos de um discurso amoroso. Como o título sugere, a obra compõe-se de fragmentos e instantâneos, sendo um tanto parecida com o ensaio Rua de mão única, do filósofo alemão Walter Benjamin. Fragmentos de um discurso amoroso é menos um volume filosófico do que uma história de amor — mas uma história de amor sem qualquer trama real. Não há personagens nem nada parecido com um enredo. Apenas reflexões de um amante em "extrema solidão", como frisou Barthes.
No início do texto, Barthes deixou claro que um enredo não é possível, porque os pensamentos solitários de um amante surgem em acessos, com frequência contraditórios, e carecem de qualquer ordem clara. Como alguém que ama, sugeriu Barthes, posso até me encontrar tramando contra mim mesmo. O amante é alguém que pode ser descrito afetuosamente como tendo "perdido o enredo". Assim, em lugar de usar uma trama ou narrativa, Barthes dispôs sua obra como uma extraordinária enciclopédia de acessos dissonantes e desordenados; qualquer um deles pode servir como ponto com o qual o leitor se identifica e exclama: "Isso é tão verdadeiro! Reconheço essa cena ....
A linguagem do amor
É nesse contexto que Barthes sugeriu que "a linguagem é uma pele". A linguagem — pelo menos a do amante — não é algo que fala do mundo de modo neutro, mas, sim, algo que "treme de desejo", nas palavras do autor. Barthes escreveu sobre como "esfrego minha linguagem no outro. E como se eu tivesse palavras em vez de dedos, ou dedos na ponta das palavras". Mesmo que escrevesse uma filosofia distanciada e desprendida sobre o amor, Barthes alegou que estaria enterrado em sua frieza filosófica um discurso secreto para alguém específico, um alvo de seu desejo, ainda que esse alguém fosse "um fantasma ou uma criatura ainda por vir."
Barthes exemplificou esse discurso secreto (embora não no contexto de uma discussão filosófica desprendida) com um diálogo de Platão, O banquete. Trata-se do relato de uma discussão sobre o tema do amor ocorrida na casa do poeta Agatão. Um cidadão chamado Alcebíades, embriagado, participa do diálogo, sentando-se num divã com Agatão e o filósofo Sócrates. Seu discurso ébrio é cheio de louvor a Sócrates, mas na verdade o político deseja Agatão — é nele que por assim dizer, a linguagem de Alcebíades se esfrega.
Mas e quanto à linguagem que usamos quando falamos de outras coisas? Só a linguagem do amante é uma pele que treme de desejo oculto? Ou isso também é verdadeiro em relação a outros tipos de linguagem? Barthes não nos respondeu, deixando tais especulações em aberto.
“Nós equivocadamente nos isolamos dos outros animais, tentando não acreditar que temos uma natureza animal.” Mary Midgley
Na obra Beast and man, publicado em 1978, a filósofa britânica Mary Midgley avaliou o impacto das ciências naturais sobre nosso entendimento da natureza humana. Alega-se muitas vezes que as descobertas das ciências, particularmente as da paleontologia e da biologia evolutiva, prejudicam nossa visão sobre o que é ser humano. Midgley quis tratar desses temores, ressaltando tanto as coisas que nos separam dos outros animais quanto as coisas que compartilhamos com eles.
Uma das questões que ela tratou foi a da relação entre natureza e cultura na vida humana. Seu interesse consistiu em abordar o fato de que muitas pessoas veem a natureza e a cultura como opostas por alguma razão, como se a cultura fosse algo não natural acrescentado à nossa natureza animal.
Midgley discordava da ideia de que a cultura é algo de ordem totalmente diversa da natureza. Segundo ela, a cultura é um fenômeno natural. Em outras palavras, evoluímos para ser o tipo de criatura que tem cultura. Poderia ser dito que tecemos cultura tão naturalmente quanto as aranhas produzem teias. Se é assim, então não podemos ficar sem cultura, assim corno a aranha não pode ficar sem teia: nossa necessidade de cultura é inata e natural. Dessa forma, Midgley esperava justificar a singularidade humana e também nos colocar no contexto mais amplo do nosso passado evolucionário.
O físico e historiador da ciência norte-americano Thomas Kuhn é mais conhecido pela obra A estrutura das revoluções científicas, publicada em 1962. A obra é tanto uma investigação sobre momentos decisivos na história científica quanto uma tentativa de explicar uma teoria sobre como as revoluções ocorrem na ciência.
Mudança de paradigma
A ciência, na visão de Kuhn, alterna períodos de “normalidade” e de “crise”. A ciência normal é o processo rotineiro no qual cientistas trabalhando dentro de um sistema teórico, ou “paradigma”, acumulam resultados que não questionam as escolas teóricas desse sistema. Às vezes, obviamente, resultados anômalos ou não familiares aparecem, mas estes são geralmente considerados como erros dos cientistas — provas, de acordo com Kuhn, que a ciência normal não visa às novidades. Ao longo do tempo, contudo, resultados anômalos podem se acumular até que um ponto de crise seja atingido. Após a crise, se uma nova teoria é formulada, há uma mudança no paradigma e um novo sistema teórico substitui o antigo. No fim, esse sistema é admitido como certo, e a ciência normal prossegue até outras anomalias surgirem. Um exemplo de tal mudança foi o desmoronamento da visão clássica de espaço e tempo com a confirmação das teorias da relatividade de Einstein.
Em Uma teoria da justiça, publicada em 1971, o filósofo político John Rawls defende uma reavaliação da justiça em termos do que chama de "justiça como equidade". Sua abordagem recaiu na tradição conhecida como teoria do contrato social, que vê o controle da lei como uma forma de contrato celebrado pelos indivíduos porque rende benefícios superiores aos bens obtidos individualmente. A versão de Rawls envolve uma experiência na qual as pessoas são levadas a esquecer seu lugar na sociedade, ou são colocadas no que ele chamou de "posição original" na qual o contrato social é feito. A partir disso, Rawls estabeleceu princípios de justiça em relação aos quais, ele afirmava, todos os seres racionais devem concordar.
A posição original
Imagine um grupo de estranhos abandonado numa ilha deserta. Depois de perderem as esperanças de ser resgatados, decidem começar uma nova sociedade a partir do zero. Cada sobrevivente quer promover seu próprio interesse, mas cada um também percebe que só pode fazer isso trabalhando de alguma forma em conjunto — em outras palavras, mediante um contrato social. A questão é: como eles vão estabelecer os princípios de justiça? Que regras vão formular? Se estiverem interessados numa justiça verdadeiramente racional e imparcial, então existem incontáveis regras a ser descartadas imediatamente. Por exemplo, a regra "se o seu nome é John, sempre comerá por último", não é racional nem imparcial, mesmo que possa ser vantajoso para você se seu nome não for "John".
Em tal situação, disse Rawls, o que precisamos fazer é lançar um "véu de ignorância" sobre os fatos das nossas vidas (quem somos, onde nascemos etc.) e perguntar que tipo de regra seria melhor para nossas vidas. O ponto de Rawls é que apenas as regras acordadas racionalmente por todas as partes são as que genuinamente honram a imparcialidade — e não levam em consideração, por exemplo, raça, classe social. credo, talento natural ou incapacidade. Em outras palavras, se não sei qual será meu lugar na sociedade, meu interesse racional me força a escolher um mundo no qual todos são tratados de maneira justa.
Racionalidade ou bondade
É importante notar que, para Rawls, essa não é uma história sobre como a justiça realmente surgiu no mundo. Em vez disso, ele nos forneceu um meio de testar nossas teorias de justiça com uma referência imparcial. Se elas fracassam no teste, é sinal de fracasso da nossa razão, e não da nossa bondade.
O filósofo da arte britânico Richard Wollheim acredita que devemos resistir à tendência de ver a arte como uma ideia abstrata que precisa ser analisada e explicada. Se quisermos compreender totalmente a arte, ele acredita, devemos sempre defini-la em relação a seu contexto social. Ao descrever a arte como uma "forma de vida" em A arte e seus objetos (1968), ele usou um termo cunhado pelo filósofo nascido na Áustria, Ludwig Wittgenstein, para descrever a natureza da linguagem. Para Wittgenstein, a linguagem é uma "forma de vida", porque o modo como a usamos é sempre um reflexo de nossas experiências individuais, hábitos e habilidades. Ele tentava, assim, resistir à tendência da filosofia de fazer generalizações simplistas sobre a linguagem: em vez disso, apontou para os vários papéis diferentes que a linguagem desempenha em nossas vidas.
Contexto social
Wollheim disse o mesmo que Wittgenstein, mas em relação às obras de arte. Os artistas, ele afirmou, são condicionados por seu contexto social (crenças, histórias, disposições emocionais, necessidades físicas) e o mundo que eles interpretam está em constante mudança. Para Wollheim, uma implicação disso é que não pode haver um "impulso artístico" geral ou um instinto para a criação da arte que seja totalmente independente das instituições nas quais opera.
"Ciência e mito se sobrepõem de muitas maneiras." (Paul Feyerabend)
Nascido na Áustria, Feyerabend tornou-se aluno de Karl Popper na London School of Economics, mas depois se afastou de maneira significativa do modelo de ciência racional do mestre. Durante seu período na Universidade da Califórnia, nas décadas de 1960 e 1970, Feyerabend tornou-se amigo do filósofo nascido na Alemanha Thomas Kuhn, que argumentava que o progresso científico não é gradual, mas move-se abruptamente em "mudanças de paradigma", que levam a novos sistemas para o pensamento científico. Feyerabend foi ainda mais além, sugerindo que, quando isso ocorre, todos os conceitos e termos científicos são alterados, e assim não há um sistema permanente de sentido.
Anarquia na ciência
A obra mais famosa de Feyerabend, Contra o método, foi publicada em 1975. Nela ele explicou sua visão sobre o que chamou de "anarquia epistemológica". Epistemologia é o ramo da filosofia que trata das questões e das teorias sobre o conhecimento, e a "anarquia" de Feyerabend se baseava na ideia de que todas as metodologias utilizadas nas ciências estão limitadas em seu alcance. Como resultado, não existiria tal coisa chamada "método científico". Se examinarmos como as ciências se desenvolveram e progrediram na prática, o único método discernível seria o "vale tudo". A ciência, sustentou Feyerabend, nunca progrediu de acordo com regras estritas, e se a filosofia da ciência exigir tais regras, limitará o progresso científico.
A ideia de que o conhecimento é produzido para ser vendido aparece na obra A condição pós-moderna, de Jean-François Lyotard. A obra foi originalmente escrita para o Conselho de Universidades de Ouebec, Canadá, e o uso de "pós-moderno" no título é significativo. Embora Lyotard não tenha inventado o termo, já utilizado por vários críticos de arte desde a década de 1970, sua obra foi responsável pela ampliação de seu alcance e pelo aumento de sua popularidade. Com frequência, diz-se que o uso da palavra no título dessa obra marca o início do pensamento pós-modernista.
O termo "pós-modernismo" tem sido utilizado desde então de maneiras tão diferentes que se tornou difícil saber exatamente o que ele significa. Mas a definição de Lyotard é bem clara. O pós-moderno, ele escreveu, é uma questão de "incredulidade em relação a metanarrativas". Metanarrativas são histórias singulares, abrangentes, que tentam resumir a totalidade da história humana ou que buscam incluir todo o nosso conhecimento em u1n único sistema. O marxismo (a visão de que a história pode ser vista como uma série de Lutas entre classes sociais) é um exemplo de metanarrativa. Outro exemplo a ideia de que a história da humanidade é a história do progresso rumo ao conhecimento e à justiça social mais profundos, ocasionado por melhor conhecimento científico.
Conhecimento exteriorizado
Nossa incredulidade em relação a essas metanarrativas implica um novo ceticismo. Lyotard sugeriu que isso se deve a uma mudança no modo como nos relacionamos com o conhecimento desde a Segunda Guerra Mundial e a mudança extrema nas tecnologias que utilizamos. Os computadores transformaram nossas atitudes, ao mesmo tempo em que o conhecimento se tornou informação que pode ser arquivada em bancos de dados, deslocada, comprada e vendida. Isso é o que Lyotard chama de "mercantilização" do conhecimento.
Isso tem várias implicações. A primeira, ressaltou Lyotard, é que o conhecimento se exterioriza. Não é mais algo que ajuda no desenvolvimento da mente, algo capaz de nos transformar. O conhecimento também se desconecta das questões sobre a verdade — ele é julgado não em termos do quanto é verdadeiro, mas em termos do quão bem serve a certos fins. Quando deixamos de fazer perguntas sobre o conhecimento, tais como "isso é verdadeiro?", e começamos a questionar "como isso pode ser vendido?", o conhecimento torna-se um produto. Lyotard alertou que, uma vez que isso comece, as corporações privadas podem começar a tentar controlar o fluxo de conhecimento, decidindo quem pode acessar qual tipo de conhecimento, e quando.
“Há um fato: os brancos se consideram superiores aos negros.” Frantz Fanon
O filósofo e psiquiatra Frantz Fanon publicou pela primeira vez seu estudo sobre colonialismo e racismo, Pele negra, máscaras brancas, em 1952. Na obra, Fanon tentou explorar o legado psicológico e social do colonialismo entre as comunidades não brancas ao redor do mundo.
Ao dizer que "para o negro, há somente um destino" e que esse destino é branco, Fanon revelou ao menos duas coisas. Primeiro, que "o negro quer ser como o branco", isto é, as aspirações de muitos povos colonizados foram formadas pela cultura colonial dominante. As culturas coloniais europeias tendiam a identificar "negritude" com impureza, o que moldou a própria visão daqueles que estavam sujeitos à dominação colonial, de modo que chegaram a considerar a cor da própria pele como sinal de inferioridade.
A única saída para essa situação parece ser o desejo em alcançar uma "existência branca", o que é impossível, porque o fato de ter a pele negra sempre significará que ele fracassará em ser aceito como branco. Para Fanon, esse desejo em obter uma "existência branca" não só fracassa ao lidar com o racismo e a desigualdade, mas também mascara ou até tolera essas coisas, ao insinuar que há uma "superioridade incontestável" na existência branca.
Ao mesmo tempo, Fanon afirmou algo mais complexo. Poder-se-ia pensar que, admitida a tendência a aspirar a algum um tipo de "existência branca", a solução seria defender uma visão independente do significado de ser negro — ainda que isso também esteja sujeito a todos os tipos de problemas. Em outro trecho de sua obra, Fanon escreveu que "a alma do homem negro é um artefato do homem branco". Em outras palavras, a ideia do que significa ser negro é resultado de padrões do pensamento europeu fundamentalmente racista.
Aqui, Fanon, em parte, respondia ao que ficou conhecido na França como o movimento da négritude, que na década de 1930 havia congregado escritores negros franceses e de língua francesa em torno da rejeição ao racismo e ao colonialismo da cultura predominante e da defesa de uma cultura negra compartilhada, independente. Fanon acreditava que essa noção de négritude fracassa em tratar verdadeiramente dos problemas do racismo que ela procura superar, porque o modo como ela pensa sobre "negritude" repete os pressupostos da cultura branca.
Direitos humanos
Em certo sentido, Fanon acreditava que a solução só poderá vor quando formos além do pensamento racial: se permanecermos aprisionados dentro da ideia de raça, jamais trataremos dessas injustiças. "Encontro-me no mundo e reconheço que tenho apenas um direito", escreveu Fanon no final de seu texto, "aquele de exigir um comportamento humano do outro". O pensamento de Fanon teve grande importância nos movimentos anticolonialistas e antirracista, influenciando ativistas sociais como o sul-africano Steve Biko e intelectuais como Edward Said.
“O homem não é nem o mais antigo nem o mais constante problema que tem desafiado o conhecimento humano.” Michel Foucault
A ideia de que o homem é uma invenção recente aparece em As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas, do filósofo francês Michel Foucault. Para entender o que Foucault quis dizer, precisamos saber o que ele entendia como arqueologia e por que ele julgou que devemos aplicá-la à história do pensamento.
Foucault concentrou-se no modo como nosso discurso (a maneira pela qual falamos e pensamos sobre as coisas) é formado por um conjunto de regras, em grande parte inconscientes, fixadas pelas condições históricas em que nos encontramos. O que julgamos como "senso comum" por trás do modo como pensamos e falamos sobre o mundo é, de fato, moldado por essas regras e condições. No entanto, estas mudam ao longo do tempo e, por consequência também nossos discursos. Por essa razão, uma "arqueologia" é necessária para desenterrar tanto os limites quanto as condições do modo como as pessoas pensavam e falavam sobre o mundo em tempos antigos. Não podemos olhar para os conceitos usados no presente (por exemplo, o conceito de "natureza humana") e supor que eles são de algum modo eternos e que tudo de que necessitamos é ele uma "história das ideias" para traçar sua genealogia. Para Foucault, é simplesmente errado supor que nossas ideias atuais possam ser aplicadas de maneira útil a qualquer ponto prévio na história. As maneiras como usamos as palavras "homem", "humanidade" e "natureza humana", acreditava Foucau!t, são exemplos disso.
As raízes dessa ideia fundam-se na filosofia de Immanuel Kant, que fez a filosofia dar um salto evolutivo ao abandonar a velha questão "Por que o mundo é como é?" para fazer a pergunta "Por que vemos o mundo do modo como vemos?". Supomos a ideia de ser humano como fundan1ental e imutável, mas ela é, de fato, apenas uma invenção recente. Foucault situou o início de nossa ideia particular de "homem" no começo do século XIX, por volta da época do nascimento das ciências naturais. Essa ideia de "homem" é, segundo Foucault, paradoxal: vemo-nos como objetos no mundo (e, dessa forma, como objetos de estudo) mas também como sujeitos que sentem e estudam o mundo. Somos criaturas estranhas olhando para duas direções diferentes ao mesmo tempo.
A imagem própria do humano
Foucault sugeriu que essa ideia de "homem" não apenas é uma invenção recente, mas que também pode estar perto do fim: logo pode se apagar "como um rosto desenhado na areia da praia".
Foucault estava certo? Numa época de rápidos avanços na computação e nas interfaces homem-máquina, em que filósofos informados pela ciência cognitiva (como Daniel Dennett e Dan Wegner) questionam a própria natureza da subjetividade, é difícil não sentir que, mesmo que o rosto continue rabiscado na areia, a maré está subindo de maneira preocupante.
“Os Estados não são agentes morais; as pessoas são.” Noam Chomsky
Embora originalmente famoso por sua obra em linguística, Noaim Chomsky é mais conhecido boje como analista do poder político. Desde a publicação de sua primeira obra política, O poder americano e os novos mandarins, em 1969, tem afirmado que muitas vezes há uma incompatibilidade entre as alegações retóricas do Estado e sua maneira de exercer o poder. Chomsky sustenta que as argumentações dos governos não são por si suficientes para que alcancemos a verdade sobre o poder político. Os governos podem usar a linguagem dos fatos como meio de justificar suas ações, mas, a menos que suas alegações sejam sustentadas pela evidência, são apenas ilusões, e as ações que acarretam carecem de justificação. Se quisermos entender mais claramente como opera o Estado, é necessário ir além da batalha entre formas rivais de retórica. Em vez disso, convém examinar a história, as estruturas institucionais, os documentos políticos oficiais, e assim por diante.
Ética e universalidade
As análises éticas de Chomsky baseiam-se no que ele chama de "princípio de universalidade". Na essência, esse princípio é relativamente simples. Ele diz que devemos aplicar a nós mesmos os padrões que aplicamos aos outros Trata-se de um princípio que Chomsky defende como fundamental para qualquer sistema de ética responsável. A principal intuição psicológica, aqui, é que gostamos de usar a linguagem ética para reclamar dos outros, mas somos menos inclinados a condenar a nós mesmos. Contudo, se alegamos defender qualquer conjunto de padrões éticos ou morais, e também se quisermos ser consistentes, então devemos aplicar aos outros os padrões que aplicamos a nós mesmos. Em termos de governo, isso significa analisar nossas ações políticas rigorosamente, em vez de permitir que a retórica nos cegue.
Esse é um imperativo moral e intelectual. Para Chomsky, ambos estão intimamente relacionados. Ele ressalta que se alguém faz uma reivindicação moral e também viola a universalidade, então sua reivindicação não pode ser levada a sério.
Se quisermos ultrapassar a retórica e examinar a moralidade política de maneira rigorosa, a universalidade é um ponto de partida necessário. Algumas das alegações especificas de Chomsky sobre a natureza do poder global têm causado considerável controvérsia, mas isso não invalida sua ideia fundamental. Até podemos pôr em dúvida suas alegações especificas, mas temos de fazê-lo à luz da universalidade e de toda evidência disponível. Se suas alegações mostrarem falsas, devem ser rejeitadas ou modificadas — caso se mostrem verdadeiras, então devem ser efetivadas.
De acordo com o filósofo alemão Jürgen Habermas, a sociedade moderna depende não apenas de avanços tecnológicos, mas também da nossa capacidade de criticar e pensar coletivamente sobre nossas próprias tradições. A razão, diz Habermas, está no centro das nossas comunicações cotidianas. Alguém diz ou faz algo e perguntamos "Por que você fez isso?" ou "Por que disse isso?". Continuamente, pedimos justificativas — e é por isso que Habermas fala de razão "comunicativa". A razão, para ele, não trata de descobrir verdades abstratas, mas reflete a necessidade que temos de nos justificar uns aos outros.
Criar uma esfera pública
Nas décadas de 1960 e 1970. Habermas concluiu que havia uma ligação entre a razão comunicativa e o que ele chamou de "esfera pública". Até o século XVIII, a cultura europeia era em grande parte "representativa", ou seja, as classes dominantes procuravam "representar" a si mesmas aos seus súditos com demonstrações de poder que não exigiam justificativa, tais como grandes desfiles ou grandiosos projetos arquitetônicos. Mas no século XVIII surgiu uma variedade de espaços públicos fora do controle do Estado, incluindo salões literários e cafés. Estes eram lugares onde individuos podiam se reunir para se engajar em conversas ou debates ponderados. Essa ampliação da esfera pública abriu oportunidades cada vez maiores para questionar a autoridade da cultura representativa do Estado. A esfera pública tornou-se um "terceiro espaço", um moderador entre a esfera privada dos amigos próximos e da família e o espaço ocupado pelo controle do Estado.
Ao estabelecer uma esfera pública, também abrimos mais oportunidades para reconhecer que temos interesses em comum com outros indivíduos privados — interesses que o Estado pode falhar em servir. Isso pode levar ao questionamento das ações do Estado. Habermas acreditava que a ampliação da esfera pública ajudou a desencadear a Revolução Francesa em 1789.
A expansão da esfera pública, a partir do século XVIII, levou a um crescimento das instituições políticas democraticamente eleitas, tribunais independentes e declaração de direitos. Mas Habermas acredita que muitos desses freios contra o uso arbitrário do poder estão agora ameaçados. Os jornais, por exemplo, podem oferecer oportunidades para diálogos ponderados entre indivíduos privados, mas se a imprensa é controlada por grandes corporações, tais oportunidades podem diminuir. Os debates qualificados sobre questões relevantes são substituídos pela fofoca de celebridades — de agentes críticos e racionais somos transformados em consumidores irracionais.
“Somos todos mediadores, tradutores.” Jacques Derrida
“Pensamos apenas por signos.” Jacques Derrida
“Nunca cedo à tentação de ser difícil só para ser difícil.” Jacques Derrida
Jacques Derrida permanece como um dos filósofos mais controversos do século XX. Seu nome é associado, antes de mais nada, com a "desconstrução", uma abordagem complexa e cheia de nuances sobre o modo como lemos e entendemos a natureza dos textos escritos. Se quisermos entender o que Derrida quer dizer quando fala em sua célebre obra Gramatologia que não há nada fora do texto (o original em francês é "il n’y a pas de hors-texte", também traduzido como "não há o fora-texto"), precisamos examinar sua abordagem desconstrutivista.
Com frequência, diante de um livro, seja uma obra filosófica ou um romance, acreditamos que o que temos em nossas mãos é algo que podemos entender ou interpretar como um todo relativamente autossuficiente. Quando se trata de textos filosóficos, inferimos que eles sejam particularmente sistemáticos e lógicos. Suponha que você vai a urna livraria e compra uma cópia de Gramatologia. Você imagina que, se ler o Livro, ao final terá uma ideia razoável do que possa ser "gramatologia", quais são as principais ideias de Derrida sobre o assunto e o que este diz sobre o mundo. Mas, para Derrida, os textos não funcionam dessa maneira
Aporia e diferência
Mesmo os textos mais diretos (e Gramatologia não é um deles) estão crivados com o que Derrida chama de "aporias". A palavra "aporia" vem do grego antigo: significa algo como "contradição", "dificuldade” ou "impasse”. Para Derrida, todos os textos escritos têm tais hiatos, buracos, contradições, e seu método de desconstrução é um modo de lê-los prestando atenção a essas dificuldades e impasses. Ao explorar essas aporias quando aparecem em textos diferentes, Derrida visa ampliar nosso entendimento sobre o que são os textos e sobre o que eles fazem, além de demonstrar a complexidade que está por trás até de obras aparentemente simples. A desconstrução é um modo de ler os textos para trazer à luz paradoxos e contradições ocultas. Isso não é, contudo, apenas uma questão sobre como lemos filosofia e literatura —existem implicações muito mais amplas na abordagem de Derrida que põem em dúvida a relação entre linguagem, pensamento e ética.
Nesse ponto, é útil introduzir um termo técnico importante do vocabulário de Derrida: diferência. Isso pode parecer um erro tipográfico — de fato, quando o termo original différance entrou pela primeira vez no dicionário francês, a história diz que até a mãe de Derrida disse-lhe de maneira severa: "Mas Jacques, não é assim que se soletra isso! ". Diferência, de fato, é uma palavra cunhada pelo próprio Derrida para destacar um aspecto curioso da linguagem.
Em francês, "différance'' (com "a") é um jogo entre "différence" (com "e", que significa "diferir") e "deférrer" (que significa "adiar"). Para entender como essa palavra funciona, seria útil considerar como esse adiar e diferir pode realmente ocorrer na prática. Primeiro imagine que eu diga "o gato... " e então acrescente "que meu amigo viu...” Após uma pausa, digo "no jardim era preto e branco ... ", e assim por diante O significado preciso da palavra "gato" conforme a estou usando é continuamente adiado, ou protelado, ao mesmo tempo que mais informação é transmitida. Se eu tivesse sido interrompido depois de dizer "o gato ... " e não mencionasse meu amigo ou o jardim, o significado de "gato" teria sido diferente. Em outras palavras, quanto mais acrescento algo ao que digo, mais o significado do que já disse é revisado. O significado é adiado na linguagem.
Mas há outra coisa acontecendo também. O significado de "gato", acreditava Derrida, não pode ser considerado algo que repousa na relação entre as minhas palavras e as coisas reais no mundo. A palavra assume seu sentido a partir de sua posição em um sistema de linguagem total. Então, quando digo "gato", isso faz sentido não por causa de alguma ligação misteriosa entre a palavra e o gato real, mas porque esse termo difere de, por exemplo, "cachorro" ou "leão" ou "zebra".
Tomadas em conjunto com diferência, as ideias de adiar e diferir dizem algo um tanto estranho sobre a linguagem em geral. De um lado, o significado de qualquer coisa que dizemos é, essencialmente, sempre adiado, porque depende do que acrescentamos — e o significado disso, por sua vez, depende do que acrescentamos, e assim por diante. Por outro lado, o sentido de qualquer termo particular que usamos depende de todas as coisas diferentes que não exprimimos. Assim, o sentido não é autossuficiente, nem mesmo dentro do próprio texto.
A palavra escrita
Para Derrida, diferência é um aspecto da linguagem do qual nos tornamos cientes graças à escrita. Desde a antiga era grega, os filósofos desconfiam da linguagem escrita. No diálogo Fedro, de Platão, Sócrates conta uma lenda sobre a invenção da escrita e diz que ela fornece apenas a "aparência de sabedoria", e não sua realidade. Escrever, quando os filósofos: pensavam sobre isso, tendia a ser visto como um pálido reflexo da palavra falada — esta última tida como o meio de comunicação principal. Derrida quis reverter isso. De acordo com ele, a palavra escrita nos mostra algo sobre a linguagem que a palavra falada não mostra.
A ênfase tradicional na fala como meio de transmitir ideias filosóficas nos iludiu a todos, segundo Derrida, para pensar que temos acesso imediato ao significado. Pensamos que o significado se relaciona com "presença~ — quando falamos com alguém, imaginamos que ele torna seus pensamentos "presentes" para nós, e vice-versa. Se há qualquer confusão, pedimos ao outro que esclareça E se existem quaisquer dificuldades, ou aporias, pedimos esclarecimento ou elas simplesmente passam despercebidas por nós. Isso nos leva a pensar que o significado em geral é sobre presença — pensar, por exemplo, que o significado real de "gato" pode ser encontrado na presença de um gato no meu colo.
Mas, quando lidamos com um texto escrito, somos liberados dessa crença ingênua na presença. Sem o autor presente para pedir desculpas e nos explicar, começamos a notar as complexidades, dificuldades e impasses. Subitamente, a linguagem começa a parecer algo um pouco mais complicado.
Questionando o significado
Quando Derrida diz que não há nada fora do texto, ele não quer dizer que tudo o que importa é o mundo dos livros, e que o mundo "de carne e osso" não importa. Tampouco está tentando menosprezar a importância de qualquer interesse social que possa estar por trás do texto. Então, o que exatamente ele está dizendo?
Primeiro, Derrida sugeriu que, se considerarmos seriamente a ideia de que o significado é uma questão de diferência, de adiar e de diferir, se quisermos nos envolver na questão do modo como pensamos sobre o mundo, devemos sempre manter vivo o fato de que o significado nunca é tão direto quanto pensamos que é, e que esse significado está sempre sujeito a ser descerrado pela desconstrução.
Segundo, Derrida propôs que em nosso pensamento, nossa escrita e nossa fala, estamos sempre implicados em todo tipo do questões políticas, históricas e éticas que não podemos nem mesmo reconhecer ou admitir. Por essa razão, alguns filósofos sugeriram que a desconstrução é essencialmente uma prática ética. Ao ler um texto de maneira desconstrutivista, questionamos as alegações expostas e desvelamos as questões éticas difíceis que podem ter ficado ocultas. Certamente, num período posterior de sua vida, Derrida voltou sua atenção para algumas dificuldades e contradições éticas concretas que são levantadas por ideias como "hospitalidade" e "perdão".
Críticos de Derrida
Admitindo que a ideia de Derrida é baseada na noção de que o significado nunca pode estar completamente presente no texto, talvez não surpreenda que sua obra possa muitas vezes parecer difícil. Michel Foucault, um de seus contemporâneos, criticou o pensamento de Derrida por ser intencionalmente obscuro, a ponto de, às vezes, ser impossível entender qual era sua tese real A resposta de Derrida para isso, talvez, poderia ser que a própria ideia de tese é baseada na noção de "presença" que ele tentou confrontar. Isso pode parecer um tanto evasivo, mas, se consideramos Derrida seriamente, temos de admitir que a própria ideia de que "não há nada fora do texto" não está fora do texto. Considerar essa ideia seriamente, então, é tratá-la de forma cética, desconstruí-la, e explorar as dificuldades, impasses e contradições que — de acordo com o próprio Derrida se ocultam dentro dela.
"A filosofia progride não ao se tornar mais rigorosa, mas ao se tornar mais imaginativa." Richard Rorty
"Que tipo de mundo podemos preparar para os nossos bisnetos?" Richard Rorty
"Se podemos contar uns com os outros, não precisamos depender de mais nada." Richard Rorty
A alma é uma coisa curiosa. Mesmo que não possamos à dizer muito sobre nossas almas ou descrever como é uma alma, muitos de nós, apesar de tudo, sustentam firmemente a crença de que, em algum lugar lá no íntimo, cada um de nós tem tal coisa. Não apenas isso, podemos reivindicar que essa coisa é o "eu" fundamental, ao mesmo tempo conectado com a verdade ou com a realidade.
A tendência para retratar a nós mesmos possuindo um tipo de "duplo — uma alma ou um "eu" profundo que "usa a própria linguagem da Realidade" — foi explorada pelo filósofo norte-americano Richard Rorty na introdução de Consequências do pragmatismo (1982). Rorty argumentou que, na medida em que temos tal coisa, a alma é uma invenção humana — é algo que nós mesmos colocamos lá.
Conhecimento como espelho
Rorty foi um filósofo que trabalhou dentro da tradição americana do pragmatismo. Ao considerar uma afirmação, a maioria das tradições filosóficas pergunta "isso é verdadeiro?", no sentido de "isso representa corretamente o modo como são as coisas?". Já o pragmático considera as afirmações de modo diferente, perguntando: "quais são as implicações práticas de aceitar isso como verdadeiro?"
A primeira grande obra de Rorty, A filosofia e o espelho da natureza, publicada em 1979, foi uma tentativa de refutar a ideia de que o conhecimento é um modo de representar corretamente o mundo, como uma espécie de espelho mental. Rorty argumentou que essa visão de conhecimento não se sustenta, por duas razões. Primeiro, admitimos que a nossa experiência do mundo é algo "dado" a nós diretamente — o que sentimos é informação bruta do mundo tal como ele é. Segundo, admitimos que, uma vez que essa informação bruta é captada, nossa razão (ou alguma outra faculdade da mente) começa então a trabalhar nela, reconstruindo o modo como esse conhecimento se encaixa num todo e espalha o que é o mundo.
Rorty segue o filósofo Wilfrid Sellars no afirmar que a ideia de experiência como algo "dado" é um mito. Não podemos jamais acessar nada igual a informação bruta: não nos é possível experimentar um cão, por exemplo, fora do pensamento ou da linguagem. Só nos tornamos cientes de algo por meio de sua conceituação e os nossos conceitos são aprendidos pela linguagem. Nossas percepções estão, portanto, indissociavelmente enredadas com os modos habituais como usamos a linguagem para distinguir o mundo.
Rorty sugere que o conhecimento é mence um modo de refletir a natureza do que "uma questão de diálogo e prática social". Quando decidimos o que vale como conhecimento, nosso julgamento não se assenta no quão fortemente um "fato" se correlaciona com o mundo, mas se é algo "que a sociedade nos deixa dizer". O que podemos avaliar ou não como conhecimento é, portanto, limitado por contextos sociais, por nossas histórias e por aquilo que os outros ao nosso redor nos permitem afirmar. "A verdade", diz Rorty, "é o que os seus contemporâneos deixam você dizer impunemente."
Razões para julgamento
Mas a verdade realmente se reduz a algo que podemos fazer impunemente? Aqui, Rorty está ciente de que existem implicações perturbadoras especialmente em questões relacionadas à ética. Imagine, por exemplo, que eu sequestre o hamster de estimação do meu vizinho e o submeta a todas as formas de tortura cruel, pelo prazer de ouvi-lo guinchar. Todos concordaríamos que fazer tal coisa ao hamster (ou, na verdade, ao meu vizinho) é um ato moralmente censurável. Podemos alegar que há algo absoluta e fundamentalmente errado em fazer tal coisa a outro ser vivo — e todos concordaríamos que não devemos deixar alguém fazê-lo impunemente.
Mas, ao examinamos as razões que damos para dizer que esse é um ato inaceitável, as coisas ficam interessantes. Por exemplo, Imagine que você é indagado por um filósofo moral por que é errado tratar hamsters (ou cavalos, ou humanos) dessa maneira. A princípio, você pode sugerir todo tipo de razões. Mas sendo a filosofia o que é, você pode descobrir que para toda razão que possa imaginar, seu amigo filósofo tem um contra-argumento ou o leva a algum tipo de contradição.
Isso é, do fato, precisamente o que Sócrates fazia na antiga Atenas. Sócrates queria descobrir o que realmente eram conceitos como "bondade" e "Justiça", então ele questionava as pessoas costumavam usar esses conceitos para descobrir se realmente sabiam o que eram esses coisas. Como mostram os diálogos de Platão, a maior parte das pessoas com as quais Sócrates conversou era surpreendentemente ambígua sobre o que falava, apesar de sua convicção prévia de que compreendia inteiramente os conceito relevantes. Assim, após uma ou duas horas sendo interrogado por um Sócrates moderno sobre como tratar hamsters, você talvez diga, frustrado sem pensar, a seguinte sentença: "Só sei, do fundo do coração, que é errado!"
Do fundo do coração
Dizemos ou pensamos esse tipo de coisa de maneira frequente, mas não fica instantaneamente claro o que de fato queremos dizer. Para examinar essa ideia mais de perto, podemos dividi-la em três partes. Primeiro, parece que quando dizemos "sei, do fundo do coração, que é errado", estamos falando como se existisse algo externo, no mundo, que seria o "erro", sendo essa coisa reconhecível. Ou, como dizem alguns filósofos, falamos como se existe uma essência de "erro", à qual corresponde esse caso particular de injustiça.
Segundo, ao dizer que só "sabemos" do fundo do coração, estamos insinuando que esse ente misterioso — nosso "fundo do coração" — é uma coisa que, por razões desconhecidas, tem uma apreensão particular da verdade.
Terceiro, damos a impressão de estar falando como se existisse uma relação direta entre o nosso "fundo do coração" e esse "erro" que existe no mando, de tal forma que, se conhecemos algo de fundo do coração podemos ter acesso a um tipo absolutamente certo de conhecimento Em outras palavras, essa é apenas outra versão da ideia de que o conhecimento é um modo de refletir o mundo. E isso, segundo Rorty, é inaceitável.
Um mundo sem absolutos
Para que suas crenças fossem consistentes, Rorty desistiu da ideia de verdades morais Fundamentais Não pode haver certo ou errado absolutos se o conhecimento é "o que a sociedade nos deixa dizer". Rorty admitiu que isso é uma coisa difícil de aceitar. Mas é necessário acreditar que ao fazer algo moralmente errado você esteja traindo algo no seu mais profundo eu? Deve-se crer que existe "alguma verdade sobre a vida ou alguma lei moral absoluta que eu esteja violando", a fim de manter ao menos um pedaço de dignidade humana? Rorty julgou que não. Ele sustentou que somos seres finitos, cuja existência é limitada a um curto período na Terra, e nenhum de nós tem canal direto com nenhuma verdade moral mais fundamental, mais profunda. No entanto, isso não significa que os problemas da vida desapareceram ou deixaram de ter importância. Esses problemas ainda estão em nós, e na ausência de leis morais absolutas, temos de recorrer novamente aos nossos próprios recursos. Somos deixados, escreve Rorty, com a "nossa lealdade aos outros seres humanos, unidos contra a escuridão". Não há sentido absoluto de integridade ou injustiça a ser descoberto. Então, temos de simplesmente nos agarrar às nossas esperanças e lealdades, e continuar a participar de conversas difíceis, nas quais falamos sobre essas questões complicadas.
Talvez, segundo Rorty, essas coisas sejam o suficiente: a humildade que advém do reconhecimento de que não há padrão absoluto de verdade; a solidariedade que temos com os outros, e as nossas esperanças de que poderemos ser capazes de contribuir para — e deixar como legado àqueles que vêm depois de nós — um mundo digno de se viver.
"É preciso assumir deliberadamente o papel feminino." Luce Irigaray
A filósofa e analista belga Luce Irigaray dedica-se acima de tudo à ideia de diferença sexual. Ex-aluna de Jacques Lacan, psicanalista que de maneira célebre explorou a estrutura linguística do inconsciente, Irigaray afirma que toda linguagem é essencialmente masculina na natureza.
Em Sex and genealogies (Sexo e genealogias, 1987), ela escreveu: "Em todo lugar, em tudo, o discurso, os valores, os sonhos e os desejos masculinos são lei". A obra feminista de Irigaray pode ser vista como uma luta para descobrir maneiras de falar, sonhar e desejar autenticamente femininas, livres do "másculo-centrismo".
Sabedoria e desejo
Para tratar desse problema, Irigaray sugere que todo pensamento — mesmo a filosofia mais aparentemente sóbria e objetiva, com seu discurso sobre sabedoria, certeza, retidão e moderação — é sustentado pelo desejo. Ao fracassar em reconhecer o desejo que a sustenta, a filosofia tradicional centrada no homem também fracassou em reconhecer que, sob sua aparente racionalidade, fervilham todas as intensidades de impulsos irracionais.
Irigaray afirma que cada sexo tem sua própria relação com o desejo e, como resultante, cada sexo tem uma relação com a loucura. Isso põe em dúvida a longa tradição de identificar a masculinidade com a racionalidade e a feminilidade com a irracionalidade. Também abre caminho para a possibilidade de novas formas de escrever e pensar a filosofia, tanto para os homens quanto para as mulheres.
O escritor palestino Edward Said foi um dos primeiros críticos do imperialismo no século XX. Em 1978, publicou Orientalismo, que demonstrava como as descrições das sociedades islâmicas por estudiosos europeus do século XIX estão intimamente relacionadas com as ideologias imperialistas das nações europeias.
Em sua obra posterior, Said manteve a postura em relação a todas as formas de imperialismo, passado e presente. Ele ressaltou que, embora possamos ser críticos em relação a impérios do passado, esses impérios viam a si mesmos como portadores da civilização ao mundo — visão não compartilhada pelos povos supostamente "ajudados". Impérios saqueiam e controlam, enquanto mascaram seus abusos de poder citando missões "civilizatórias". Se este é o caso, advertiu Said, devemos ter cuidado com as alegações atuais de qualquer nação que intervenha em outros países.
"A mulher deve escrever sobre si própria e levar mulheres a escrever." Hélène Cixous
Em 1975, a poeta, romancista, dramaturga e filósofa francesa Hélène Cixous escreveu Sorties (Saídas), sua influente investigação das oposições que com frequência definem o modo como pensamos sobre o mundo. Para Cixous, uma linha que atravessa séculos de pensamento é nossa tendência de agrupar elementos do mundo em pares opostos, tais como cultura/natureza, dia/noite e cabeça/coração. Cixous alegou que esses pares de elementos são sempre classificados hierarquicamente, sustentados por uma tendência de considerar um elemento dominante, ou superior, associado com masculinidade e atividade, enquanto o outro elemento, ou aspecto mais fraco, é associado com feminilidade e passividade.
Tempo de mudança
Cixous acredita que a autoridade desse padrão hierárquico de pensamento é agora questionada por um novo florescimento do pensamento feminista. Ela pergunta quais podem ser as implicações dessa mudança, não apenas para os sistemas filosóficos, mas também para as instituições sociais e políticas. No entanto, a própria Cixous recusa o jogo de repropor oposições binárias, de vencedores e vencidos, como um sistema estrutural ao pensamento. Em vez disso, evocou a imagem de "milhões de espécies de toupeiras até hoje não reconhecidas", escavando sob os edifícios de nossa visão de mundo. O que acontecerá quando esses edifícios começarem a ruir? Cixous não diz. Ela apenas adverte que não podemos fazer suposições: a única coisa que podemos fazer é esperar e ver.
A filósofa e psicanalista nascida na Bulgária Julia Kristeva é, com frequência, considerada uma das principais vozes do feminismo francês. No entanto, a questão sobre se, ou de que modo, Kristeva é uma pensadora feminista está sujeita a considerável debate. Isso porque, para Kristeva, a própria noção de feminismo é problemática. O feminismo surgiu do conflito que as mulheres tiveram com as estruturas associadas com o domínio ou poder masculino. Por causa dessas raízes, Kristeva adverte, o feminismo tende a manter algumas das mesmas pressuposições centradas no masculino que busca questionar.
Se o movimento feminista quer compreender inteiramente seus objetivos, Kristeva acredita que para isso é essencial mais autocrítica. Ela adverte que, ao lutar contra o que ela chama de "princípio de poder" de um mundo dominado pelo masculino, o feminismo corre o risco de adotar apenas outra forma desse princípio. Kristeva está convencida de que, para qualquer movimento alcançar a verdadeira emancipação, ele deve questionar constantemente sua relação com o poder e os sistemas sociais estabelecidos — e, se necessário, "renunciar à crença na sua própria identidade". Se o feminismo fracassar nesses passos, Kristeva teme que o movimento corra o perigo de se transformar apenas numa tendência a mais no atual jogo de poder.
Henry Odera Oruka nasceu no Quênia, em 1944, e se interessou por metafilosofia, ou filosofar sobre filosofia. Em sua obra Sage philosophy (Filosofia sábia, 1994), examinou por que a filosofia na África subsaariana muitas vezes foi esquecida e concluiu que é porque se trata de uma tradição primordialmente oral, enquanto os filósofos em geral tendem a trabalhar com textos escritos. Algumas pessoas alegam que a filosofia está conectada com registros escritos, do que Oruka discordava.
A fim de explorar a filosofia dentro das tradições orais da África, Oruka propôs uma abordagem que chamou de "sagacidade filosófica". Tomou emprestada a abordagem etnográfica da antropologia, em que as pessoas são observadas em seus ambientes cotidianos, com seus pensamentos e ações registrados no contexto. Oruka viajou para vilas e registrou conversas com pessoas consideradas sábias pela comunidade local. Seu objetivo era descobrir se elas tinham uma visão sistemática que sustentasse suas perspectivas. Aqueles sábios que haviam examinado de maneira crítica suas ideias sobre temas filosóficos tradicionais, como Deus ou liberdade, e encontrado uma base racional para elas, podiam, acreditava Okura, ser considerados sábios filosóficos. Essas visões sistemáticas merecem ser exploradas à luz de relações e questões filosóficas mais amplas.
"O valor da vida é uma questão ética notoriamente difícil." Peter Singer
O filósofo australiano Peter Singer tornou-se conhecido como um dos mais ativos defensores dos direitos dos animais após a publicação de Libertação animal, em 1975. Singer adota uma abordagem utilitarista à ética, seguindo a tradição desenvolvida pelo inglês Jeremy Bentham no final do século XVIII.
O utilitarismo nos convida a julgar o valor moral de um ato por suas consequências. Para Bentham, o modo de fazer isso é calculando a soma de prazer ou dor que resulta de nossas ações, como numa equação matemática.
Seres sencientes
O utilitarismo de Singer é baseado no que ele se refere como uma "consideração igual de interesses". Dor, ele diz, é dor, seja a sua, a minha ou a de qualquer outra pessoa. O âmbito no qual animais não humanos podem sentir dor é o âmbito no qual devemos levar seus interesses em consideração quando tomamos decisões que afetam suas vidas — abstendo-nos de atividades que causem tal dor. No entanto, como todo utilitarista, Singer aplica o "princípio da máxima felicidade passivei", que diz que devemos tomar decisões que resultem na máxima felicidade possível para o máximo de pessoas possível Singer ressalta que nunca disse que experimentos com animais são injustificáveis. Mais exatamente, ele apenas afirma que devemos julgar as ações por suas consequências, e "os interesses dos animais contam entre essas consequências" — eles são parte da equação.
A ideia de que todas as melhores análises marxistas foram tradicionalmente análises do fracasso apareceu numa entrevista com o filósofo esloveno Slavoj Zizek concedida em 2008. Na ocasião, Zizek foi indagado sobre os acontecimentos na Tchecoslováquia em 1968, quando um período de reforma, com vistas à descentralização e à democratização do pais, foi brutalmente interrompido pela União Soviética e seus aliados.
A alegação de Zizek é que a aniquilação das reformas tornou-se a coisa mais importante que, mais tarde, sustentou um mito mantido pela esquerda — se elas tivessem ido adiante, o resultado seria algum tipo de paraíso social e político. De acordo com Zizek, os esquerdistas são propensos a remoer seus fracassos, porque isso permite que se criem mitos sobre o que teria acontecido caso fossem bem-sucedidos. Zizek diz que tais fracassos permitem à esquerda manter uma "posição moralista segura", uma vez que nunca chega ao poder nem é verdadeiramente testada pela ação. Ele descreve essa postura como "confortável posição de resistência'" que permite evitar questões reais, tais como reavaliar a natureza da revolução política. Para Zizek, um marxista dedicado, as questões sérias sobre a natureza do poder político são obscurecidas pela eterna tentativa de justificar a intangibilidade da utopia.
Absoluto, o Realidade suprema, concebida como um princípio único. que tudo abrange. Alguns pensadores identificaram esse princípio com Deus; outros acreditaram no Absoluto, mas não em Deus; outros não acreditaram em nenhum dos dois. O filósofo mais intimamente associado com a ideia é Georg Hegel.
Agente O ser atuante, distinto do ser conhecedor. O "eu" que decide, escolhe ou age.
Análise A busca por uma compreensão mais profunda de algo, dividindo-o em partes e examinando cada uma delas. A abordagem oposta é a síntese.
Antropomorfismo A atribuição de características humanas a algo que não é humano — por exemplo, a Deus ou ao clima.
A posteriori Algo que pode ser considerado válido apenas por meio da experiência.
A priori Algo conhecido como sendo válido antes da {ou sem necessidade da) experiência.
Argumento Um processo de raciocínio em lógica que se propõe a demonstrar sua conclusão como verdadeira.
Argumento analítico Uma afirmação cuja verdade ou falsidade pode ser estabelecida pela análise da própria afirmação. O oposto é argumento sintético.
Argumento sintético Afirmação que tem de ser comparada com fatos fora de si mesma para que sua verdade seja determinada. O oposto é argumento analítico.
Categoria A mais ampla classe (ou grupo) na qual as coisas podem ser divididas. Aristóteles e Immanuel Kant tentaram fornecer uma lista completa de categorias.
Ceticismo Concepção de que é impossível que conheçamos algo com absoluta certeza.
Coisa em si Outro termo para númeno, do alemão Ding·an·sich.
Conceito Pensamento ou ideia; o significado de uma palavra ou termo.
Condições necessárias e suficientes Para X ser um marido é uma condição necessária X ser casado. No entanto. esta não é uma condição suficiente — e se X for feminino? Uma condição suficiente para X ser um marido é que X seja tanto homem quanto casado. Uma das formas mais comuns de equivoco no pensamento é confundir condições necessárias com condições suficientes.
Conhecimento empírico Conhecimento do mundo empírico.
Contingente Pode ou não ser o caso; as coisas podem ser de um modo ou de outro. O oposto é necessário.
Contraditório Duas proposições são contraditórias se uma deve ser verdadeira e a outra falsa: elas não podem ser ambas verdadeiras, nem podem ser ambas falsas.
Contrário Duas afirmações são contrárias se ambas não podem ser verdadeiras, mas ambas podem ser falsas.
Contrato social Acordo implícito de cooperação entre os membros de uma sociedade, a fim de alcançar objetivos que beneficiem todo o grupo — por vezes, em detrimento dos indivíduos.
Corroboração Evidência que confere apoio a uma conclusão, sem necessariamente prová-la.
Cosmologia O estudo de todo o universo, o cosmos.
Dedução Raciocínio do geral para o particular. Por exemplo, "se todos os homens são mortais, então Sócrates, sendo homem, deve ser mortal". É universalmente aceito que a dedução é válida. O processo oposto é chamado indução.
Determinismo A visão de que nada pode acontecer exceto o que realmente acontece, porque todo evento é o resultado necessário das causas que o precedem — e elas próprias foram o resultado necessário das causas que as precederam. O oposto é indeterminismo.
Dialética Habilidade em questionar ou argumentar; ou a ideia de que qualquer afirmação, seja em palavras ou em ação, provoca sua oposição, e as duas reconciliam-se numa síntese que inclui elementos de ambas.
Dualismo Uma concepção de algo como sendo composto por duas partes irredutíveis. como a ideia de seres humanos constituídos de corpos e mentes, os dois! sendo radicalmente distintos.
Emotivo O que expressa emoção. Na filosofia, o termo é frequentemente usado de maneira pejorativa para declarações que fingem ser objetivas ou imparciais, quando de fato expressam atitudes emocionais, como, por exemplo, em "definição emotiva".
Empirismo Concepção de que todo conhecimento sobre qualquer coisa que realmente exista deve ser derivado da experiência.
Epistemologia Ramo da filosofia que trata do tipo de coisa que podemos conhecer; como o conhecemos; o que é o conhecimento. Na prática, é o ramo dominante da filosofia.
Essência A essência de algo é aquilo que lhe é característico e o torna o que é. Por exemplo, a essência de um unicórnio é que ele é um cavalo com um único chifre na cabeça. Unicórnios não existem, obviamente; então, essência não implica existência. Essa distinção é importante na filosofia.
Estética Divisão da filosofia que trata dos princípios da arte e da noção de beleza.
Ética Ramo da filosofia que trata de questões sobre como devemos viver e, portanto, sobre a natureza de certo e errado, bem e mal, dever, obrigação e outros conceitos.
Existencialismo Filosofia que parte da existência contingente do ser humano individual, considerando isso como o enigma primordial. É desse ponto de partida que se busca o entendimento filosófico
Falácia Um argumento seriamente equivocado, ou conclusão falsa baseada em tal argumento.
Falsificabilidade Uma afirmação, ou conjunto de afirmações, é falsificável se pode ser demonstrado como falso por meio de um teste empírico. De acordo com Karl Popper, a falsificabilidade é o que distingue a ciência da não ciência.
Fenômeno Experiência que é imediatamente presente. Se olho para um objeto, o objeto, experimentado por mim, é um fenômeno. Immanuel Kant distinguiu isso do objeto como ele é em si, independentemente da experiência; a isso, ele denominou nôumeno.
Fenomenologia Abordagem da filosofia que investiga os objetos da experiência (conhecidos como fenômenos) apenas na medida em que eles próprios se manifestam à nossa consciência, sem fazer qualquer suposição sobre sua natureza como algo independente.
Filosofia Literalmente, "o amor pela sabedoria". A palavra é amplamente utilizada para qualquer reflexão racional e sistemática sobre princípios gerais que visam a atingir um entendimento aprofundado. A filosofia clássica pôs uma ênfase na análise disciplinada e no encadeamento de argumentos, teorias, métodos e declarações de todos os tipos – assim como os conceitos utilizados. Tradicionalmente, seu objetivo maior é o de alcançar uma compreensão ampla do mundo, embora no século XX boa parte da filosofia tenha se dedicado a analisar seus próprios procedimentos.
Filosofia analítica Ramo da filosofia que considera como seu objetivo o esclarecimento de conceitos, afirmações, métodos, argumentos e teorias, analisando-os cuidadosamente.
Filosofia da ciência Ramo da filosofia que trata da natureza do conhecimento científico e da prática do empreendimento científico.
Filosofia da religião Ramo da filosofia que examina os sistemas de crença do homem e os objetos reais ou imaginários, como deuses, que formam a base dessas crenças.
Filosofia linguística Também conhecida como análise linguística. A visão de que os problemas filosóficos surgem do uso confuso da linguagem e devem ser solucionados, ou decompostos, segundo uma análise cuidadosa da linguagem na qual foram expressos.
Filosofia política Ramo da filosofia que questiona a natureza e os métodos do Estado, tratando de temas como justiça, lei, hierarquias sociais, poder político e constituições.
Hipótese Teoria cuja verdade é admitida provisoriamente, pois constitui um ponto de partida útil para investigação adicional, apesar da limitada evidência para provar sua validade.
Humanismo Abordagem filosófica baseada na suposição de que a humanidade é a coisa mais importante que existe e que não pode haver conhecimento de um mundo sobrenatural — caso ele exista.
Idealismo Concepção de que a realidade consiste essencialmente de algo não material — a mente, os conteúdos da mente, espíritos, ou um espírito. O ponto de vista oposto é o materialismo.
Indeterminismo Concepção de que nem todos os eventos são consequências necessárias dos eventos que podem tê-los precedido. O ponto de vista oposto é o determinismo.
Indução Raciocínio do particular para o geral. Um exemplo seria "Sócrates morreu, Platão morreu, Aristóteles morreu e todo indivíduo que nasceu há mais de 130 anos está morto. Portanto, todos os homens são mortais". A indução não produz necessariamente resultados verdadeiros; então, é discutível se ela é um processo genuinamente lógico. O processo oposto é chamado dedução.
Intuição Conhecimento direto, por meio da percepção sensorial ou do pensamento imediato; forma de conhecimento que não faz uso da razão.
Irredutível Algo irredutível é o que não pode ser induzido a uma forma mais simples ou reduzida.
Lógica Ramo da filosofia que estuda o próprio argumento racional, seus termos, conceitos, regras e métodos.
Materialismo Concepção de que toda existência real é essencialmente de algo material. O ponto de vista oposto é o idealismo.
Metafilosofia Ramo da filosofia que examina a natureza e os métodos da própria filosofia.
Metafísica Ramo da filosofia que trata da natureza do que existe. Ela questiona o mundo natural "a partir de fora"; suas questões não podem ser respondidas pela ciência.
Metodologia O estudo dos métodos de investigação e argumentação.
Misticismo Conhecimento intuitivo que transcende o mundo natural.
Monismo Concepção de algo como se formado por um único elemento; por exemplo, a concepção de que os seres humanos não consistem de elementos que são essencialmente separativos, como corpo e alma, mas de uma única substância.
Mundo Em filosofia, a palavra "mundo" recebeu um sentido especial, significando "a totalidade da realidade empírica"; portanto, pode também ser igualada à totalidade da experiência real e possível. Os verdadeiros empiristas acreditam que o mundo é tudo o que há; mas filósofos com visões diversas acreditam que o mundo não abrange a totalidade do real. Tais filósofos acreditam que há um campo transcendental tanto quanto um campo empírico — e que ambos são igualmente reais.
Mundo empírico O mundo como revelado a nós por nossa experiência real ou possível.
Não contraditório As afirmações são consideradas não contraditórias se os seus valores-verdade são independentes um do outro.
Naturalismo Concepção de que a realidade é cognoscível sem referência a qualquer coisa fora do mundo natural.
Necessário O oposto de contingente. Hume acreditava que conexões necessárias existiam apenas na lógica, não no mundo real, visão sustentada por muitos filósofos desde então.
Númeno Realidade incognoscível subjacente ao que se apresenta à consciência humana, sendo este último conhecido como fenômeno. Uma coisa como ela é em si, independentemente de ser sentida, diz-se que é um númeno. O imanentismo tornou-se, portanto, um termo para a natureza da realidade.
Numinoso Qualquer coisa considerada misteriosa e espantosa, trazendo indicações externas ao campo natural. Não confundir com o numênico — ver númeno.
Ontologia Ramo da filosofia que indaga o que realmente existe, enquanto distinto da natureza do nosso conhecimento sobre ele — essa natureza é investigada pelo ramo da epistemologia. Ontologia e epistemologia, conjuntamente, constituem a tradição central da filosofia.
Positivismo lógico Concepção de que as únicas afirmações empíricas significativas são aquelas verificáveis.
Pós-modernismo Perspectiva que sustenta uma desconfiança geral de teorias, narrativas e ideologias que tentam colocar todo conhecimento num único sistema.
Pragmatismo Teoria da verdade. Sustenta que uma afirmação é verdadeira se cumpre todas as tarefas exigidas dela: descreve precisamente uma situação, estimula-nos a antecipar a experiência corretamente, obriga-nos a definições já demonstradas corretas ou verdadeiras, e assim por diante.
Premissa Ponto de partida de um argumento. Qualquer argumento tem de começar a partir de ao menos uma premissa. Mesmo assim, não prova suas próprias premissas. Um argumento válido prova que suas conclusões decorrem dessas premissas, mas isso não é o mesmo que provar que as conclusões são verdadeiras — algo que nenhum argumento pode fazer.
Pressuposição Algo dado como certo, mas não expresso. Todas as declarações têm pressuposições, e elas podem ser conscientes ou inconscientes. Se uma pressuposição é equivocada, uma declaração baseada nela pode também ser equivocada, embora o equívoco possa não estar evidente na declaração em si. O estudo da filosofia nos ensina a ficar mais cientes acerca das pressuposições.
Proposição O conteúdo de uma afirmação que confirma ou nega algo — e é passível de ser verdadeiro ou falso.
Proposição empírica Uma afirmação sobre o mundo empírico — o que é ou pode ser sentido.
Propriedade Em filosofia, essa palavra é geralmente usada para indicar uma característica; por exemplo, "pele ou pelo são propriedades que definem um mamífero". Ver também qualidades primárias e secundárias.
Qualidades primárias e secundárias John Locke dividiu as propriedades de um objeto físico entre as que são possuídas pelo objeto, independentemente de serem experimentadas, tais como sua localização, dimensão, velocidade, massa e assim por diante (que ele chamou de qualidades primárias) e as que envolvem a interação de um sujeito consciente, tais como a cor e o gosto do objeto (que ele chamou de qualidades secundárias).
Racional Baseado ou de acordo com os princípios da razão ou da lógica.
Racionalismo Concepção de que podemos adquirir conhecimento sobre o mundo por meio do uso da razão, sem contar com a percepção dos sentidos, considerados como duvidosos pelos racionalistas. A concepção oposta é conhecida como empirismo.
Semântica O estudo dos significados nas expressões linguísticas.
Semiologia Estudo dos signos e dos símbolos, em particular sua relação com as coisas que pretendem significar.
Síntese Busca de uma compreensão maior do algo compondo as partes. O oposto é análise.
Sofista Alguém cujo objetivo no debate não é buscar a verdade, mas vencê-lo. Na antiga Grécia, os jovens aspirantes à vida pública aprendiam com os sofistas os vários métodos para vencer debates.
Solipsismo Concepção de que apenas a existência do "eu" pode ser conhecida.
Teleologia Estudo dos fins ou objetivos. Uma explicação teleológica é aquela que explica algo em termos da finalidade à qual ele serve.
Teologia Investigação sobre questões eruditas e intelectuais a respeito da natureza de Deus. A filosofia, em contraste, não nega a existência de Deus, embora alguns filósofos tenham tentado provar sua existência.
Transcendental Além do mundo da experiência sensível. Alguém que acredita que a ética seja transcendental acredita que ela tem sua origem fora do mundo empírico. Empiristas conscienciosos não acreditam que algo transcendental exista — tampouco acreditavam Friedrich Nietzsche ou os existencialistas humanistas.
Universal Conceito de aplicação geral. como "vermelho" ou "mulher". É motivo de controvérsia se os universais têm existência própria. A "vermelhidão" existe ou existem apenas objetos vermelhos? Na Idade Média, os filósofos que sustentavam que a "vermelhidão" tinha uma existência real eram denominados "realistas", enquanto os filósofos que afirmavam que não passava de uma palavra eram denominados "nominalistas".
Universalismo Crença de que devemos aplicar a nós os mesmos padrões e valores que aplicamos aos outros. Não confundir com universal, acima.
Utilitarismo Teoria política e ética que julga a moralidade das ações por suas consequências. O utilitarismo considera que a consequência mais desejável de qualquer ação é o maior bem possível para o maior número possível de pessoas, definindo o "bem" em termos de prazer e ausência de dor.
Validade Um argumento é válido se sua conclusão é consequência de suas premissas; isso não significa necessariamente que a conclusão seja verdadeira: pode ser falsa se uma das premissas é falsa, embora o argumento ainda seja válido.
Valor de verdade Um entre dois valores, isto é, verdadeiro ou falso, que pode ser aplicado a uma afirmação.
Verificabilidade Uma afirmação, ou conjunto de afirmações, é verificável se pode ser demonstrada como verdadeira mediante o exame da evidência empírica. Os positivistas lógicos sustentavam que as únicas afirmações empíricas significativas eram as verificáveis. David Hume e Karl Popper demonstraram que as leis científicas eram inverificáveis.