Uma das maiores fraudes médicas do mundo.
História
Em sua edição de fevereiro de 1998, a revista The Lancet, uma das revistas médicas mais influentes no mundo (The Lancet) veiculou os resultados aparentemente alarmantes de um estudo feito pelo cirurgião gástrico Andrew Wakefield. No artigo ele e outros 12 autores relatavam que, uma semana após receber a vacina tríplice viral, 12 crianças da Inglaterra passaram a apresentar distúrbios gastrointestinais acompanhados de prejuízos no desenvolvimento mental semelhantes aos do autismo.
Wakefield afirmou na época que os sintomas apresentados pelas crianças caracterizavam uma nova síndrome, à qual deu o nome de autismo regressivo, por se instalar depois de uma fase de desenvolvimento normal.
Embora no texto da The Lancet afirmasse “não provamos a associação entre a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola e a síndrome descrita” e que isso era baseado nas lembranças dos pais das crianças, Wakefield se engajou em confirmar a ligação. Com apoio da instituição em que trabalhava, o Royal Free Hospital, em Londres, preparou uma entrevista coletiva e distribuiu um vídeo para as redes de televisão nos quais defendia a conexão entre a vacina e o autismo.
“O principal motivo da entrevista coletiva não era a possível conexão entre o distúrbio intestinal e o de desenvolvimento – era a suposição de Wakefield de que a vacina MMR [tríplice viral], usada nos Estados Unidos desde o início dos anos 1970 e na Grã-Bretanha desde a década anterior, poderia ser a responsável pelo aumento dramático nas taxas de autismo”, conta o jornalista Seth Mnookin no livro The panic vírus: a true story about medicine, Science, and fear. Mnookin afirma, na obra lançada este ano, que Wakefield se ateve à afirmação de ter encontrado vírus de sarampo – algo refutado por outros estudos – no trato intestinal de crianças com síndrome do intestino irritável para mostrar uma possível via biológica ligando a vacina ao distúrbio intestinal e ao autismo.
Apesar de especialistas terem questionado os dados à época, o estrado estava feito. O medo de que a vacina causasse autismo se alastrou por vários países com o apoio de grupos antivacinação e do trabalho pouco cuidadoso da imprensa. Resultado: a proporção de crianças vacinadas caiu para 80% na Grã-Bretanha em 2003, bem abaixo dos 95% recomendado pelo Organização Mundial da Saúde, e em 2008 o sarampo voltou a ser uma doença endêmica na Inglaterra e no País de Gales.
Investigando o caso, Brain Deer conseguiu em 2004, os primeiros indícios de fraude no trabalho de Wakefield e publicou no jornal Sunday Times. A partir disso, o Conselho Médico iniciou um processo contra Wakefield e os outros autores, o que permitiu reconstruir a farsa.
Deer obteve provas de que Wakefield agiu deliberadamente o tempo todo. Os casos descritos no artigo são de crianças cujos pais acreditavam que seus filhos tivessem desenvolvido autismo após a vacinação, mas que não haviam recebido diagnóstico médico. Elas tinham sido encaminhadas a Wakefield por uma associação contra a vacinação, a Justice Awareness and Basic Suports, quando o adequado seria buscar os casos a partir de uma amostra aleatória da população ou receber os encaminhados por outros centros médicos. O cirurgião também recebeu dinheiro (80 mil dólares) do advogado Richard Barr, que procurava provas para abrir um processo contra fabricantes de vacina.
Segundo reportagens, Wakefield não era contrário à vacinação infantil – e sim ao uso da vacina tríplice viral -, já que ele próprio tinha patente de uma vacina contra o sarampo. “Sem evidência, Wakefield afirmou por anos que no mundo todo os médicos, incluindo as autoridades de saúde pública, não só sabiam que as vacinas causavam problemas terríveis às crianças, mas que encobriam essas informações em benefício próprio”, contou Brian Deer.
Anulação do artigo
Embora o conselho médico tenha julgado a adequação ética da pesquisa de Wakefield, foi Deer quem demonstrou que os sinais clínicos apresentados no artigo da Lancet não correspondiam aos relatados pelos pais das crianças. Apesar das evidências de fraude, só após a decisão do conselho, que cassou a licença médica de Wakefield em fevereiro de 2010, a Lancet anulou o artigo de 1998 – ele ainda pode ser lido on-line, mas exibe em vermelho a palavra retracted. A The Lancet também exonerou Wakefield e colaboradores por acusações de violações éticas e má conduta científica.
Autores não assumiram conflito de interesses
A The Lancet admitiu que Wakefield et al. não assumiram conflito de interesses e não divulgou os interesse financeiros por trás do estudo. Por exemplo, Wakefield foi financiado por um advogado para realização do estudo para comprovar uma hipótese que suportava um processo na justiça de pais com ações judiciais contra empresas produtoras de vacinas.
Conclusões
As vacinas não causam autismo.
Inúmeros estudos já analisaram essa questão e nenhum deles encontrou qualquer evidência sobre uma suposta relação entre a vacina e o autismo. Uma das maiores pesquisas sobre o assunto foi divulgada em 2015 no Journal of the American Medical Association e avaliou 95.727 crianças norte-americanas entre 2001 e 2012. A análise dos dados mostrou que a vacinação com uma ou duas doses da vacina tríplice viral (para sarampo, caxumba e rubéola), não estava associada ao risco aumentado de transtorno do espectro do autismo em qualquer idade.
Principais problemas
Manipulação dos dados;
Amostra por conveniência de crianças que os pais tinham desconfiado sobre a hipótese;
Conflito de interesses não declarados;
Divulgação de dados errados;
Crime contra a saúde pública.