A visita à Amazónia estava prevista desde que descobrimos que vínhamos para o Peru. Prevista, semi planeada e muitas vezes adiada, Iquitos, no coração da Amazónia peruana, foi - muito provavelmente - o nosso último destino dentro do Peru.
A cidade de Iquitos é uma cidade portuária (a maior metrópole da Amazónia peruana) e está rodeada pelos rios Amazonas, Nanay, Itaya e pelo Lago Moronacocha. É considerada a cidade mais povoada do mundo sem acesso por via terrestre ao mar e a sua importante localização portuária permite a ligação (através do Amazonas) entre o Oceano Pacífico e o Oceano Atlântico.
Na cidade existem muitos edifícios de estilo colonial - herança da época da “fiebre del caucho” (como ficou conhecida em países como o Peru, Equador ou Venezuela) ou o “boom” da extração de borracha da selva amazónica que ocorreu durante a última década do século XIX e a primeira década do século XX. Nessa altura, a cidade de Iquitos, à semelhança de outras cidades amazónicas como Manaus, passou por um período de desenvolvimento económico, social e cultural e ainda existem muitos dos edifícios que foram construídos nessa época. A maioria desses edifícios estão na zona central da cidade.
Viajámos para Iquitos em maio deste ano. Saímos de Lima ao final da tarde, passámos essa noite no centro da cidade e, no dia seguinte, depois de uma manhã de exploração, deixámos a cidade numa pequena embarcação. Muitos turistas optam por ficar alojados na cidade, onde se encontram os hotéis com mais condições, com a desvantagem de terem de viajar várias horas por dia para entrar verdadeiramente na selva. Os turistas que conseguem prescindir do conforto por uns dias, costumam optar por ficar alojados em “lodges” mais básicos dentro da selva, podendo assim experimentar mais de perto a vida e a cultura dos povos indígenas. Se bem nos conhecem, já sabem por qual é que optámos. Mas já lá vamos a essa aventura de 3 dias na selva. Antes disso, queria falar-vos de alguns lugares que não devem deixar de visitar em Iquitos.
O que visitar em Iquitos:
Mercado Belém: a razão pela qual ficámos uma noite extra na cidade - para poder visitar este mercado de manhã. Imaginem o mercado mais caótico, com os produtos mais estranhos e os cheiros mais intensos…esse é o principal mercado de Iquitos. Uma explosão de cor e cheiros (nem todos agradáveis) imperdível. O ideal é ter um guia que conheça bem o mercado e vos leve a ver os recantos menos turísticos também. Nós não contratámos ninguém antecipadamente, mas ali mesmo no mercado encontrámos um vendedor que se dispôs a acompanhar-nos. Vale muito a pena explorar. Foi um dos pontos altos desta viagem.
Plaza de Armas: é a parte central de qualquer cidade ou povoado no Peru. No caso particular de Iquitos, nesta praça encontram-se alguns edifícios importantes, nomeadamente a Catedral e a Casa de Fierro (edifício criado por Gustave Eiffel).
Antigo Hotel Palace: a poucos metros da Plaza de Armas, este edifício tem características “art nouveau” e foi construído em 1912.
Complexo artesanal turístico de San Juan (a 5 minutos de carro do aeroporto) para comprar aquelas lembranças de viagem feitas por artesãos locais e a excelentes preços.
Sair da cidade e explorar a Amazónia - o único e verdadeiro motivo para passar por Iquitos.
Selva Amazónica Peruana:
Depois de passarmos a manhã a explorar o mercado, seguimos viagem deixando a cidade para trás. Embarcámos numa aventura de cerca de duas horas pelos rios Nanay e Amazonas que nos levou ao nosso próximo alojamento, dentro da selva, onde passámos 3 dias.
A única maneira de chegar a estes pequenos alojamentos no meio da selva é através de pequenas embarcações que percorrem os vários braços do rio Amazonas. Foi exatamente isso que fizemos. Primeiro numa embarcação maior, depois tivemos de percorrer a pé uma pequena povoação (San Juan de Huashalado) e na outra ponta da povoação encontrámos um barco mais pequenino que nos deixou à porta do nosso lodge. Chégamos ao final da manhã, por isso aproveitámos para organizar as nossas coisas nos quartos, descansar um pouco e adaptar-nos ao intenso calor do meio dia. De referir que nestes alojamentos não há ar condicionado nem ventoinhas e só tínhamos eletricidade durante algumas horas do dia graças a um gerador. Bem, a ideia era descansar um pouco antes do almoço ser servido, no entanto, ao fim de dez minutos no lodge, deparei-me com uma tarântula mesmo à porta do quarto dos miúdos. Esta sempre foi a verdadeira razão pela qual esta viagem foi sendo adiada. A minha aracnofobia não me deu para gritar nem fugir porque estava mais focada em não assustar a mais nova, por isso chamei a atenção do meu mais velho e ele chamou o pai. Enquanto este afastava a aranha da zona dos quartos e o filho filmava, mãe e filha puseram-se a ver de longe. O meu maior medo ali à minha frente, logo nas nossas primeiras horas na selva. Que pontaria! Escusado será dizer que a partir daí nunca mais tive descanso. Andei sempre com os sentidos apurados à procura daquela ou de novas tarântulas em todos os cantos. Ir à casa de banho de noite foi penoso, deitar-me, sentar-me à mesa, caminhar na selva…mas só voltei a ver outra (ou seria a mesma?) no último dia, durante o almoço, na sala de refeições. Faz tudo parte da aventura de se explorar a selva amazónica.
Os 3 dias que passámos no lodge foram preenchidos com várias atividades. À nossa escolha estavam as seguintes, já incluídas no preço final:
Visita a uma comunidade indígena
Isla de los monos (visita a um centro de resgate animal)
Observação de golfinhos cinzentos e rosados (estes últimos só existem no Rio Amazonas)
Caminhadas pela selva em busca de fauna e flora típicas da região
Excursão noturna
Pesca de piranhas
Avistamento de aves
Observação do amanhecer e pôr do sol no Amazonas
Visita ao Engenho Encanto de Ronny
Observação da Victoria Régia no seu habitat natural (nenúfar gigante nativo das águas pouco profundas do Amazonas)
Classificação de árvores gigantes
Observação do cruzamento das águas dos rios Amazonas, Itaya e Nanay
De todas as atividades propostas, só não fizemos duas: a visita a uma comunidade indígena pareceu-nos (depois de conversarmos com o guia e de sondarmos as experiências de outros viajantes) bastante artificial uma vez que a comunidade está lá só durante o dia para os turistas verem mas não é autêntica; a outra atividade que passámos foi a caminhada noturna. Confesso que a chuva e o cansaço nos demoveu um pouco e a mim, particularmente, o encontro com uma tarântula na escuridão.
Todas as atividades que fizemos foram enriquecedoras e bastante educativas. Os melhores momentos foram ao nascer e ao pôr do sol. Testemunhar a selva a acordar e os magníficos pores do sol foi indescritível. O contacto de perto com a natureza é muito gratificante. Durante os 3 dias que estivemos na selva pudemos ver uma enorme variedade de árvores e plantas típicas da região. O nosso guia explicou-nos com detalhe as suas características e sentimo-nos bem pequeninos ao lado de algumas árvores gigantes e centenárias.
Miúdos e graúdos divertiram-se a pescar piranhas (que depois servimos de refeição às aves de rapinas que observavam atentamente os “pescadores”) e eu até tive a experiência extra de ter sido mordida por uma. Garanto-vos que esta experiência não estava na minha “bucket list”, mas não foi nada de grave. Interagimos com tucanos curiosos, várias espécies de macacos, araras, papagaios, preguiças e diferentes insetos. Vimos também cobras venenosas (com a devida distância de segurança), aranhas, lagartos gigantes a cruzar o rio, golfinhos cinzentos e rosados, papa-formigas e um pica-pau.
Conselhos úteis:
Reservem um dia para visitar a cidade (obrigatório ir ao mercado) de Iquitos;
Passem pelo menos 3 dias/2 noites na selva;
Usem roupa especial para caminhadas na selva (manga comprida, calças em vez de calções) por causa das picadas dos mosquitos e outros insetos; para proteger de queimaduras solares, dos arranhões das plantas, etc; a roupa de algodão tem tendência a colar ao corpo com a humidade e não é recomendável;
Apliquem bastante repelente, a qualquer hora do dia, com uma elevada percentagem de DEET; lembrem-se que na Amazónia há malária e dengue;
Rede mosquiteira (se o vosso lodge não tiver); acreditem que os lodges são construídos de maneira bastante rudimentar e existem imensos espaços por onde entrar mosquitos e outros insetos - a melhor proteção é a rede mosquiteira;
Apliquem bastante protetor solar;
Bebam muita água, engarrafada; e, já agora, usem as vossas próprias garrafas de água e encham-nas no vosso lodge em vez de passar o tempo a comprar garrafas de plástico e a produzir mais lixo;
Chapéu e óculos de sol;
Fato de banho;
Mesmo na época seca há chuva, por isso levem um impermeável. Vai ser útil para as vossas caminhadas diurnas e noturnas;
Lanternas e pilhas
Carregador de telemóvel solar
Pequena farmácia
Galochas (caminhar na selva envolve galochas; muitos lodges fornecem, mas é importante que perguntem antes de ir e que sacudam bem as galochas antes de meter o pézinho lá dentro - nunca se sabe o que lá está escondido!)
Binóculos
Câmara fotográfica (ou um bom telemóvel, com um zoom decente)
Para terminar este texto, que já vai longo: eu sei que as tarântulas são parte da natureza, inofensivas e bastante úteis para o ecossistema em que estão inseridas, no entanto, é uma limitação que tenho, um medo incompreensível que não sei como ultrapassar. Apesar disso, fico feliz por ter tido coragem suficiente para ir e por ter sabido controlar o meu medo. Teria sido uma pena não ter testemunhado toda a beleza da Amazónia só por causa de um medo infundado.
Se tiverem a oportunidade de visitar a selva amazónica, façam-no. Não hesitem porque vale mesmo a pena. Não precisa de ser na vossa visita ao Peru ou ao Brasil. Felizmente a Amazónia é muito grande e pode ser visitada em outros 7 países da América do Sul. O mais importante é ir. Vão e deixem a selva mais limpa do que a encontraram. Levem convosco o lixo que fizerem, não cortem flores, plantas ou árvores, não matem ou maltratem animais. Contribuam para o desenvolvimento das comunidades autóctones e ajudem a conservar o pulmão da terra e a manter limpo um dos maiores rios do mundo.