ATIVIDADE E MEIA VIDA

Tendo entendido como o decaimento radioativo segue uma lei exponencial, vamos olhar para o tempo de meia-vida com um pouco mais de atenção. Também iremos definir o conceito de atividade, que, juntamente com a meia-vida, podem ser muito importantes para a segurança radiológica.

MEIA-VIDA E VIDA MÉDIA

Se você leu a seção anterior deve estar se perguntando por que o tempo de meia-vida varia para cada núcleo. Se não leu, deve estar se perguntando o que é tempo meia-vida. Bom, o TEMPO DE MEIA-VIDA FÍSICA (T1/2fis) é o tempo necessário para que metade dos núcleos de uma amostra radioativa decaiam.

Vimos na seção de desintegração nuclear que o decaimento é causado pela instabilidade do núcleo atômico. Então, para núcleos com quantidades diferentes de nucleons teremos instabilidades diferentes e, consequentemente, decaimentos diferentes. Em função disso, cada isótopo radioativo terá um tempo de meia-vida físico único, variando de poucas horas a milhões de anos. O Fluor-18, por exemplo, usado em medicina nuclear tem meia vida física de 110 min, já o Plutônio-239 tem meia vida de 24300 anos.

Se você for uma pessoa observadora, deve ter notado a palavra "físico" logo após de "tempo de meia-vida" correto? Se não notou, olhe de novo. Essa distinção precisa ser feita porque também existe o que chamamos de TEMPO DE MEIA-VIDA BIOLÓGICA (T1/2bio). Ele é definido simplesmente como o tempo necessário para que um determinado núcleo seja removido de um órgão (Okuno & Yoshimura, 2010).

TEMPO DE MEIA-VIDA EFETIVA: É um conceito bastante importante em medicina nuclear, área que usa radiofármacos em de baixa atividade para fins diagnósticos e terapêuticos. Esses radiofármacos vão decair emitindo a radiação (T1/2fis) ao mesmo tempo em que vão ser eliminados pelo organismo do paciente (T1/2bio). Neste caso, falamos de TEMPO DE MEIA-VIDA EFETIVA como sendo uma combinação de ambos:

TEMPO DE MEIA-VIDA EFETIVA

Outra grandeza temporal importante em física nuclear diz respeito ao tempo médio de vida da população de núcleos radioativos, ou, simplesmente, VIDA MÉDIA (Tmédio). Se pensarmos em uma população de núcleos radioativos o conceito de vida média seria como uma expectativa de vida.

Muito bem, a vida média de um núcleo é definida como o INVERSO DA CONSTANTE DE DECAIMENTO, aquela constante λ que usamos para definir a lei de decaimento exponencial, lembra? A partir disso, podemos relacionar a meia-vida com a vida média com algumas continhas. Primeiro, escrevemos a relação entre o tempo de meia-vida física (que a partir de agora chamaremos apenas de meia-vida) e a constante de decaimento do núcleo:

Agora, como Tmédio = 1 / λ, podemos escrever T1/2 em função de Tmédio. Em seguida, vamos isolar Tmédio para obter a relação:

Pronto: a vida média é cerca de 1,44 vezes o tempo de meia-vida.

ATIVIDADE

Até agora vimos de tudo sobre o funcionamento da radiação, mas ainda não abordamos um tópico muito importante: como quantificar a radiação proveniente de uma fonte?

Para responder essa pergunta podemos tentar medir o quão "ativa" está a fonte. Isso pode ser expresso em termos da grandeza ATIVIDADE. É um conceito bastante simples: trata-se de uma TAXA DE DECAIMENTO (ou, taxa de desintegrações nucleares) isto é, o número de decaimentos por unidade de tempo (em segundos).

A atividade (A) de um material radioativo pode ser escrita como um produto, entre o NÚMERO DE NÚCLEOS (N) e a CONSTANTE DE DECAIMENTO (λ) de um isótopo:

DEFINIÇÃO DE ATIVIDADE

Essa é uma equação importante!

Mas o número de núcleos da nossa amostra radioativa se altera, certo? Sim! Ele decai exponencialmente como já vimos através da lei de decaimento. Podemos incorporá-la na expressão da atividade:

Podemos aplicar a definição de atividade e escrever a atividade inicial (A0) como sendo o produto de λ por N0. Isso nos deixa com uma expressão muito parecida com a da lei de decaimento, só que para a atividade:

ATIVIDADE EM FUNÇÃO DO TEMPO

O QUE ISSO SIGNIFICA?

Significa que a atividade de uma amostra varia de forma exponencial da mesma maneira que os núcleos conforme decaem. Guarde bem: isso será importante mais a diante...

Henri Becquerel

A unidade de medida utilizada no Sistema Internacional de Unidades é o becquerel (Bq), nomeado a partir do físico francês o físico Henri Becquerel, ganhador do prêmio Nobel de Física em 1903, juntamente com Marie e Pierre Curie.

Um becquerel equivale a uma desintegração nuclear por segundo. Essa unidade foi usada para substituir o curie (Ci) primeira unidade de atividade, dada em homenagem à madame Curie. O curie é definido como a atividade (número de desintegrações por segundo) de um grama do isótopo Ra-226, o equivalente a 37 bilhões de decaimentos por segundo.

EQUIVALÊNCIA ENTRE BECQUEREL E CURIE

USANDO A ATIVIDADE PARA CLASSIFICAR O PERIGO DE UMA FONTE RADIOATIVA

Já vimos que uma fonte radioativa é qualquer material, natural ou artificial, que emite radiação. Podemos usar o conceito de atividade para classificar as fontes radioativas conforme sua periculosidade.

Antes disso, porém, compensa classificarmos as fontes radioativas em duas categorias. As fontes radioativas SELADAS são aquelas cujo material radioativo está isolado do ambiente através de um lacre. Se o lacre não for rompido, essas fontes causam apenas IRRADIAÇÃO *, isto é, o meio ambiente no entorno da fonte recebe apenas a radiação emitida pela fonte no seu processo de decaimento. Caso o lacre seja rompido o cenário muda: as fontes passam a ser chamadas de NÃO SELADAS e, além da irradiação, podem causar também CONTAMINAÇÃO **.

* IRRADIAÇÃO: Contato com a radiação emitida pela fonte em seu processo de decaimento.

** CONTAMINAÇÃO: Consiste no contato direto com uma fonte radioativa não selada. A contaminação pode ser externa (fonte em contato com a pele, cabelos ou roupas) ou interna, após uma ingestão, inalação ou contato acidental de material radioativo com a pele, por cortes ou por absorção superficial;

A fonte ser selada ou não é importante porque, para cada caso, afere-se a ela um número relativo a sua periculosidade. Esse número que é representado com a letra D (de danger) tem a unidade de atividade, em TBq (1012 Becquerel) e é tabelado para cada isótopo radioativo. Os valores recomendados estão disponíveis na tabela 1 do documento "Dangerous quantities of radioactive material (D-values)", da Agência Nacional de Energia Atômica.

A classificação de perigo de uma fonte radioativa é feita dividindo atividade dessa fonte pelo seu respectivo número D. O resultado dessa divisão leva a faixas de valores classificados em 5 categorias:

AVALIANDO A PERICULOSIDADE DE UMA FONTE RADIOATIVA


Vamos usar como exemplo de avaliação de perigo o acidente radiológico ocorrido em Goiânia em 1987. Ele ocorreu em função de um descarte incorreto de um aparelho de radioterapia. Na época, os aparelhos ainda usavam fontes radioativas, em especial, pastilhas contendo cloreto de césio (137CsCl). As pastilhas de césio no interior do aparelho estavam seladas com chumbo, que por ter relativo valor financeiro, foram vendidas para um depósito de ferro-velho. A fonte foi violada e seu conteúdo, um pó azul brilhante, despertou a curiosidade das pessoas, que o mostravam para amigos e familiares. Isso acabou gerando a contaminação de cerca de 250 pessoas e a irradiação de outras 1000 (Okuno & Yoshimura, 2010).

Como você classificaria essa fonte? Com certeza categoria 1 por causa da proporção do acidente correto? Não! Lembre-se de que o perigo é avaliado conforme explicamos acima: é preciso calcular a razão A/D e ver em que faixa se encontra o resultado. Sabemos que a fonte de césio tinha atividade de aproximadamente 51 TBq. Buscando o menor valor do D na tabela para o Cs-137, encontramos D = 0,1 TBq, e nossa razão A/D é 510, ou seja, essa fonte radioativa é da categoria 2, ou seja, uma fonte muito perigosa.

Mas agora note uma coisa interessante: é de se imaginar que uma fonte não selada, em função do seu potencial de contaminação, seja mais perigosa do que uma selada, certo? Não é bem assim. É fato que uma fonte não selada pode levar a uma contaminação, mas sua periculosidade está associada à radiação que ela emite. Note por exemplo o Cs-137: o menor valor de D é referente a fonte selada. Já para o Po-210, o menor valor de D é para a fonte não selada. O Cs-137 é uma emissor gama, uma partícula muito mais penetrante do que a alfa, emitida pelo Po-210. Agora imagine que as duas fontes foram inaladas e estão emitindo radiação no interior de uma pessoa. O gama do Cs-137 pode sair do corpo da pessoa, já a partícula alfa do Po-210... não. Isso significa que toda energia da fonte é depositada no interior da pessoa, causando um grande estrago. Por isso que um isótopo emissor de partículas carregadas (como partículas alfa e beta) tem um valor de D menor para o caso da fonte não selada. Isso resulta em um razão A/D maior, e consequentemente, a fonte é considerada mais perigosa.

IMPORTANTE: Sempre avalie qualquer situação com os dados disponíveis. Conclusões sem dados são apenas opiniões.

MEIA VIDA: ENTENDENDO O PROBLEMA DOS RESÍDUOS RADIOATIVOS

Agora vamos pensar no tempo de meia vida. "Decair pela metade" pode nos levar a pensar que, transcorridas 1 ou 2 meias-vidas, a quantidade de material radioativo se reduz a uma quantidade segura não é? Não, não é bem assim... Tudo depende da quantidade de material radioativo para decair. Em uma contaminação, por exemplo, essa quantidade é muito grande. Dessa forma, mesmo após uma ou duas meias-vidas, a quantidade de material radioativo ainda é muito elevada. E se somar com os tempos de meia-vida geralmente elevados, bem, teremos um grande problema.

Um exemplo disso foi o já citado acidente radiológico de Goiânia. Além da contaminação interna das pessoas também ocorreu contaminação de objetos e do meio ambiente, o que acabou por gerar uma uma quantidade enorme de RESÍDUOS RADIOATIVOS. Resíduo radioativo é, simplesmente, qualquer material que foi contaminado e passou a emitir radiação.

E por que falamos do Cs-137? Adivinhem... Ele também faz parte dos resíduos radioativos em usinas nucleares. Como sabemos, usinas nucleares usam urânio enriquecido (com maior concentração do isótopo U-235) para converter energia térmica, proveniente da fissão, em energia elétrica. Mas, a fissão do U-235 produz fragmentos de fissão que também são radioativos e se apresentam como pequenas séries de 2 a 4 decaimentos (beta menos e gama) com meias vidas bastante variáveis e que podem chegar a ser muito longas, por exemplo: Cs-137 (T1/2 ~ 30 anos), o Sr-90 (T1/2 ~ 28,7 anos), o Se-79 (T1/2 ~ 6,5 x 10 5 anos) ou o Cs-135 (T1/2 ~ 2,3 x 10 6 anos).

Felizmente, existem alternativas para o resíduo radioativo. A mais imediata é armazená-lo para evitar contaminação e reduzir a irradiação do ambiente e dos seres vivos. Assim que a haste de U-235 sai da usina ela é enviada para uma piscina de água. A água absorve os nêutrons e impede a reação em cadeia. Porém, a energia liberada da fissão esquenta a água, o que requer o uso de bombas hidráulicas para trocar a água da piscina. Essa solução não é permanente, e após 30 ou 40 anos, o urânio é levado para o armazenamento seco. Lá ele é guardado em um recipiente especial, de chumbo e concreto para blindar a radiação emitida. Para mais detalhes, assistam ao vídeo a seguir, do canal CIÊNCIA TODO DIA, que trata exatamente, da questão do resíduo radioativo.

SOLUÇÃO: USAR RADIAÇÃO CONTRA ELA MESMA!

Outra alternativa ainda em pesquisa é transmutar o resíduo radioativo de modo a reaproveitá-lo. Isso parece mágica, mas é possível! A transmutação de materiais radioativos pode ser feita ao bombardear os resíduos radioativos com hádrons de alta energia. HÁDRONS são partículas sujeitas à força nuclear forte (Halliday et al, 2012), como o próton e o nêutron.

Quando o hádron de alta energia (da ordem de GeV) colide com um núcleo pesado ocorre a chamada ESPALAÇÃO. Nesse processo o núcleo absorve a partícula de alta energia incidente e se desintegra emitindo radiação na forma de raios gama de desexcitação nuclear e várias outras partículas, como nêutrons, prótons, partículas alfa e fragmentos de núcleos mais leves. Um esquema é mostrado a seguir:

Agora imagine bombardear os resíduos radioativos provenientes das usinas nucleares com hádrons de altas energias. Prótons de altas energias, por exemplo, são eficientes para transmutar Cs-137 e Sr-90 em produtos com meias vidas menores (Wang et al, 2016).

INDO UM POUCO ALÉM...


Caso queira se aprofundar mais nesses conceitos (inclusive, de forma matemática) recomendamos essa vídeo-aula do PROFESSOR SÉRGIO ROBERTO DE PAULO. No vídeo, ele explica a lei de decaimento radioativo, além dos conceitos de atividade e meia-vida.

PROFESSOR (A): Essa seção pode ser usada para complementar a habilidade EM13MAT305 mostrando outras possibilidades para aplicar os conceitos de logaritmo / logaritmo natural, inclusive, para propor exercícios contextualizados. Além disso, os conceitos de atividade e meia vida podem ser usados para reforçar tópicos já abordados em acidentes radioativos (EM13CNT103) e acidentes nucleares (EM13CNT306)

REFERÊNCIAS

HALLIDAY, David; RESNICK, Robert; WALKER, Jearl. Fundamentos de Física: Óptica e Física Moderna. Vol. 4, 9th Edition, ed. LTC, 2012.

OKUNO, Emico; YOSHIMURA, Elisabeth Mateus. Física das radiações. Oficina de Textos, 2016.

SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Currículo Paulista Etapa Ensino Médio. São Paulo, 2020, 301 p.

SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Habilidades Essenciais de Ciências da Natureza e suas Tecnologias 2020-2021. São Paulo, 2020, 10 p.

WANG, H. et al. Spallation reaction study for fission products in nuclear waste: Cross section measurements for 137Cs and 90Sr on proton and deuteron. Physics Letters B, v. 754, p. 104-108, 2016.