RADIAÇÃO FAZ MAL?

ENTENDER ISSO É MUITO IMPORTANTE: existe risco de dano biológico em toda exposição à radiação. No entanto, seguindo os critérios adequados de uso, esse risco será extremamente baixo, devendo não gerar nenhum dano. Aqui, iremos explicar o que é o dano biológico usando alguns conceitos explicados na seção anterior. Em seguida, vamos mostrar alguns exemplos para que você saiba o que realmente acontece quando somos expostos à radiação.

DANOS BIOLÓGICOS

Embora todas as exposições à radiação ofereçam risco, muitas vezes esse risco é baixo, de modo que não vai gerar um dano biológico. Mas o que é esse dano? Quais as consequências caso ele ocorra? Para entendermos bem essa parte é preciso lembrar das AULAS DE BIOLOGIA.Quando estudamos biologia celular vemos que as células tem uma estrutura. Vamos pensar apenas nas células animais. Tratam-se de células eucarióticas, isto é, com núcleo celular definido. No interior deste núcleo estão os CROMOSSOMOS, estruturas que encerram os GENES, unidades básicas do código genético. Os genes são segmentos de uma estrutura muito importante: o DNA.
O DNA é uma sigla para ácido desoxirribonucleico (só que em inglês). Trata-se de um polímero de nucleotídeos enrolados por uma dupla fita em forma de hélice, como mostrado na figura anterior. A fita é formada por ligações de fosfato e pentose, e ligadas, uma na outra, por BASES NITROGENADAS. O dano biológico por radiação é, a nível molecular, a quebra das ligações do DNA, seja das fitas ou das bases nitrogenadas.As ligações do DNA podem ser danificadas (ou quebradas) por algumas radiações. Elas são capazes de retirar um ou mais elétrons das camadas de valência dos átomos. Esse processo é chamado de IONIZAÇÃO e depende da estrutura atômica de um elemento, isto é, do número de prótons e de elétrons de cada átomo da TABELA PERIÓDICA
Como já vimos, os prótons (carga positiva) dos núcleos atraem os elétrons (carga negativa) e vice versa. Quanto mais prótons no núcleo, maior a atração com os elétrons de valência, e, consequentemente, é mais difícil de tirar este elétron do átomo. Dizemos, neste caso, que há maior ENERGIA DE IONIZAÇÃO. Quando há muitos elétrons entre o próton e o elétron de valência, os elétrons das camadas intermediárias funcionam como uma BLINDAGEM: ao mesmo tempo que o elétron é atraído pelo próton nuclear, ele é repelido pelos demais elétrons. Isso diminui a energia de ionização.

TIPOS DE DANO NA MOLÉCULA DE DNA

Agora já sabemos que algumas radiações conseguem quebrar as ligações do DNA em consequência de terem energia suficiente para ionizar átomos do nosso corpo. Vamos dar um passo a mais e entender um pouco mais sobre os danos biológicos. Já vimos que a ionização depende da estrutura atômica e as células do corpo humano tem átomos muito específicos. De fato, cerca de 70% das células do corpo humano são constituídas por moléculas de água. Assim, teremos dois tipos de dano, sendo um relacionado à ionização da molécula de água:
DANO DIRETO: ocorre quando a radiação ioniza diretamente a fita do DNA. Corresponde à 33% dos danos de radiação ionizante.
DANO INDIRETO: é o dano mais frequente (67%). Trata-se da ionização da molécula de água, formando produtos instáveis, chamados RADICAIS LIVRES. Esses produtos são altamente reativos e OXIDAM a célula e o DNA.
Como o corpo humano não é a tabela periódica, não são todas as radiações que irão causar dano por ionização. Aliás, aqui cabe uma nova classificação para as radiações:
UMA NOVA CLASSIFICAÇÃO PARA AS RADIAÇÕES
  • IONIZANTES: tem energia suficiente para retirar elétrons dos átomos e torná-los íons;
  • NÃO-IONIZANTES: não tem energia suficiente para ionizarem átomos;
Para o corpo humano, os principais átomos das moléculas são o hidrogênio, o oxigênio e o carbono. Esses átomos tem energias de ionização superiores à energia da radiação ultravioleta (UV). Assim, para ionizar um átomo no ser humano são necessários raios X, raios gama e qualquer partícula (alfa, beta, próton ou nêutron) com ENERGIA SUPERIOR À ENERGIA DA RADIAÇÃO UV.A título de curiosidade, essa energia é igual à 12.4 eV (elétron-volts). Usamos essa unidade de energia em física nuclear porque o Joule, unidade do SI seria muitas vezes menor. (1 elétron-volt é aproximadamente 1,6 · 10-19 Joules, mas não se preocupe em decorar esses valores)
CONSEQUÊNCIAS BIOLÓGICAS DAS QUEBRAS DE DNA?
Entender isso também é muito importante para desmistificar a radiação. Nós vimos que a radiação ionizante induz quebras nas fitas de DNA, seja de forma direta, ou por radicais livres. Essas quebras, individualmente, não são um problema. Nosso corpo tem a CAPACIDADE DE REPARAR eventuais danos no DNA, se esses danos ocorrerem em pequena quantidade ou se danificarem apenas uma das fitas (do inglês SSB: Single Strand Break). Danos nas duas fitas são mais difíceis de serem reparados.Mas como sabemos a quantidade de danos que podem ocorrer sem fazer mal? Neste caso usamos uma grandeza própria da física das radiações, a DOSE.
DOSE
  • DEFINIÇÃO: Energia por unidade de massa. Existem algumas variantes dessa grandeza, que veremos mais adiante. Por hora, a grandeza mais importante é a DOSE ABSORVIDA, isto é, a energia da radiação absorvida que pode ser relacionada aos danos biológicos (Okuno & Yoshimura, 2010).
  • UNIDADE: A unidade de dose absorvida é o Gray [Gy] que equivale, no S.I. (Sistema Internacional de Unidades) a 1 Joule [J] por 1 quilograma [Kg].
Muito bem, mas o que significa o Gray em termos de danos nas fitas de DNA? Uma dose de 1 a 2 Gy é suficiente para causar mais de 500 quebras simples no DNA e cerca de 1000 a 2000 alterações nas bases nitrogenadas. Isso parece muito, não é mesmo? E realmente, é muito! 4 Gy seria suficiente para matar, em até 30 dias, 50% de seres humanos que tiveram o corpo inteiro exposto (Okuno & Yoshimura, 2010).Até agora estamos falando de quebras de DNA, a nível molecular. Mas e a nível de organismo? Quais são os sintomas de uma exposição à radiação? Vamos mostrar a seguir alguns valores de dose e seus efeitos. Esses resultados são estimados a partir de modelos matemáticos que relacionam dose e efeito e foram baseados em dados reais dos sobreviventes das bombas de Hiroshima e Nagasaki.
CLASSIFICAÇÃO DO DANO DE ACORDO COM A DOSE
Podemos classificar os efeitos biológicos das radiações de acordo com a dose em dois tipos:
  • DETERMINÍSTICOS: são os efeitos que ocorrem acima de um limiar de dose. Alguns exemplos de efeitos determinísticos são a necrose, no caso de uma exposição de pele e a catarata, no caso da exposição do cristalino.
  • ESTOCÁSTICOS: não tem um limiar de dose específico, tendo uma probabilidade de ocorrer mesmo em baixas doses. Essa probabilidade, no entanto, será maior quanto maior for a dose.
O exemplo mais conhecido de efeito estocástico é o CÂNCER. Trata-se de uma condição de descontrole na reprodução celular, consequência de uma série de danos no DNA que não são reparados corretamente. Sim, os mecanismos de reparo podem falhar, e tudo depende se você tem hábitos saudáveis no longo prazo ou não. E a razão disso é simples: as radiações não são as únicas formas de se produzir radicais livres no corpo humano. O consumo de bebidas alcóolicas, cigarro, frituras e a inalação de poluição também formam radicais livres que danificam nosso DNA. E nós vemos as pessoas com muito mais medo de radiação do que de cigarros!
MAS E AS RADIAÇÕES NÃO-IONIZANTES? ELAS NÃO IONIZAM A CÉLULAS, TAMBÉM PODEM GERAR DANO?
Sim! Toda exposição à radiação gera risco de dano biológico, até mesmo as radiações não-ionizantes. A diferença neste caso é que a quebra do molécula de DNA sé dá pelo aquecimento do meio intracelular, que faz a molécula de DNA se torcer e se quebrar. Mas isso não é motivo para pânico. Embora toda exposição configure um risco, existem formas de tornar essas exposições seguras e até mesmo benéficas. Quer um exemplo?
RADIAÇÃO NÃO-IONIZANTE: FAZ BEM E FAZ MAL
A radiação ultravioleta (UV) emitida pela sol é uma radiação não-ionizante para os átomos do corpo humano.
  • FAZ BEM: Na proporção correta, a radiação UV ajuda na conversão de vitamina D pelo corpo humano

  • FAZ MAL: Na proporção errada, a radiação UV causa sérias queimaduras e pode induzir um câncer de pele.
O QUE É IMPORTANTE: Embora todas as radiações ofereçam risco de dano biológico, em baixa quantidade, os danos no DNA são reparados. Além disso, há critérios para tornar as exposições seguras, isto é, evitar os efeitos determinísticos e reduzir ao mínimo a probabilidade de ocorrência dos efeitos estocásticos. Esse é justamente o objetivo da área de PROTEÇÃO RADIOLÓGICA, tópico que estudaremos na próxima seção.

PROFESSOR (A): O conteúdo mostrado nesse capítulo pode auxiliar professores de biologia a desenvolver em seus alunos a habilidade EM13CNT103, no que diz respeito aos efeitos biológicos das radiações. Sugerimos uma aula expositiva envolvendo os conceitos de ionização e os conceitos de biologia molecular, até mesmo uma aula conjunta. Os temas a seguir podem ser aprofundados conforme conhecimento de biologia molecular dos alunos.

REFERÊNCIAS

OKUNO, Emico; YOSHIMURA, Elisabeth Mateus. Física das radiações. Oficina de Textos, 2016.

SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Currículo Paulista Etapa Ensino Médio. São Paulo, 2020, 301 p.

SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Habilidades Essenciais de Ciências da Natureza e suas Tecnologias 2020-2021. São Paulo, 2020, 10 p.