AS "RADIUM GIRLS" 

Embora os avanços em tecnologia de radiação tenham ocorrido rapidamente a partir das descobertas dos raios X em 1895 e da radioatividade espontânea em 1896, pouco se conhecia sobre radiações ionizantes e seus danos no tecido biológico. Vamos acompanhar aqui como o uso inconsequente de radiação mudou as leis trabalhistas dos Estados Unidos.

UM POUCO MAIS DE HISTÓRIA

Após a descoberta do rádio pela madame Curie, este elemento foi amplamente usado. Isso abriu caminho para que os efeitos nocivos das radiações fosse logo percebido: em 1896 foi reportado o primeiro caso de queimadura de pele radio induzida.

Em 1897, foram reportados casos de danos na pele (que hoje sabemos ser devido à exposição radioativa frequente e sem precaução). No entanto, era difícil saber que essas injúrias eram causadas pela radiação, em especial, pelos fantásticos efeitos dos raios X / gama que eram usados de forma inadvertida e, muitas vezes, exagerada. 

Em 1902 apareceu o primeiro caso de câncer induzido por radiação. Mas, novamente, como dizer que o câncer foi devido à radiação? Não há teoria física que forneça esse resultado, mas podemos pensar através de comparação. Vamos supor dois indivíduos de mesmos hábitos de vida. O indivíduo "teste" se expõe desenfreadamente à radiação, e outro, indivíduo "controle" que não se expõe. Comparando os dois é possível perceber que a exposição inadvertida à radiação é prejudicial. Em 1911 foi reportado o primeiro caso de leucemia em humanos e câncer de pulmão devido à exposição ocupacional, isto é, de trabalhadores que usam radiação frequentemente. Também nessa época foram constatados 94 casos de tumores em indivíduos alemães, sendo 50 deles, médicos radiologistas. Neste momento, a comunidade científica percebeu que a radiação oferecia, além de benefícios (como a possibilidade de fazer diagnósticos médicos e tratar doenças), risco significativamente alto se seu uso fosse exagerado.

AS "GAROTAS DO RÁDIO"

Um sinal de alerta que se acendeu acerca dos efeitos biológicos ocorreu entre 1917 e 1922, na United States Radiation Corporation (USRC), na cidade de Orange, Nova Jersey. A USRC era uma fábrica de relógios que pintava os ponteiros com tinta à base de rádio, para que eles brilhassem a noite. 

Em função da primeira guerra mundial, as fábricas que outrora empregavam homens, passaram a contratar mulheres. O alto salário que as moças receberiam foi um grande atrativo: para a pintura de relógio as mulheres passavam a ganhar muitas vezes mais. Além disso, elas executavam um excelente trabalho de pintura, sendo muito mais precisas e refinadas do que os homens.

O grande problema, porém, estava no fato de que as moças foram instruídas a afinarem os pinceis com a boca. A USRC não as comunicou sobre os possíveis efeitos nocivos do rádio (que, na época, já eram conhecidos) O rádio ainda era vendido como um produto milagroso. A luminosidade do rádio fazia parte do fascínio da sociedade. Em função disso, ele era usado de maneira indiscriminada: muitas vezes, as mulheres trabalhavam usando vestidos de festa, para que brilhassem nos salões dos bailes (Moore, 2017). As moças também usavam rádio para pintar suas unhas e até mesmo, seus dentes, para atrair pretendentes.

Os problemas associados a esse contato com o rádio foram logo observados. No início de 1922, uma trabalhadora da fábrica chamada Mollie Maggia foi afastada do trabalho por estar doente. A queixa inicial era de dor dente, que persistiu após o primeiro dente ser extraído. Após a remoção de vários dentes, surgiram feridas em sua boca que se tornaram uma infecção se espalhando pela mandíbula, pelo palato (céu da boca) e até mesmo para alguns dos ossos de suas orelhas. O osso de sua mandíbula chegou a se quebrar com um toque do dentista, sendo removida por completo sem cirurgia, apenas com as mãos. Mollie faleceu em 12 de setembro de 1922.

Mas por que Molly teve problemas nos ossos? Você provavelmente já deve ter ouvido falar da TABELA PERIÓDICA DOS ELEMENTOS certo? Se não ouviu, ela é mostrada na próxima figura:

TABELA PERIÓDICA DOS ELEMENTOS

É uma forma de classificar os elementos químicos de acordo com propriedades semelhantes. Cada coluna da tabela representa uma família, indo de 1A até 8A, 1B até 8B e as séries dos actinídeos e dos lantanídeos

Voltemos ao caso de Molly: o rádio pertence à família 2A (segunda coluna da tabela periódica), da mesma forma que o cálcio (elemento presente nos nossos ossos). Isso significa que, por serem da mesma família, eles apresentam propriedades químicas semelhantes (Okuno & Yoshimura, 2010). E agora podemos entender o problema das garotas do rádio: o rádio que elas ingeriam ao afinar os pinceis com a boca estava sendo depositado nos seus ossos. A quantidade era tão grande que elas passaram a se tornar radioativas, chegando até mesmo, a brilharem a noite.

MAIS MORTES E A LUTA

Mollie Maggia não foi a única a sofrer com o envenenamento por rádio e morrer. Várias trabalhadoras - chamadas agora de "garotas do rádio" (radium girls) tinham o mesmo destino. A USRC encomendou estudos para verificar o perigo do rádio, mas acabou escondendo os resultados. Foi apenas depois da morte do primeiro funcionário homem da USRC que os especialistas finalmente admitiram a verdade (Moore, 2017). Em 1925, um médico chamado Harrison Martland criou testes que provaram que o rádio era a causa do envenenamento das mulheres. Embora a indústria do rádio tentasse desacreditar o trabalho de Martland, a empresa não contava com o movimento das próprias meninas que começaram a se unir para lutar por justiça.

Uma das trabalhadoras, a jovem Grace Fryer de 18 anos tomou a frente da luta judicial. Foi um processo difícil, uma vez que o prazo para se entrar com uma ação trabalhista na época era de até dois anos, e os sintomas do envenenamento por rádio só se manifestavam após cerca de cinco anos de trabalho. Além disso, era questão de tempo até que o envenenamento fosse fatal. De fato, algumas delas depunham em seu leito de morte.

DEPOIMENTO DE CATHERINE DONOHUE EM SEU LEITO DE MORTE

O caso das "radium girls" deixou um legado: foi um dos primeiros em que uma empresa foi responsabilizada pela saúde de seus funcionários (Moore, 2017). Isso levou a regulamentações que salvaram vidas e, em última análise, ao estabelecimento da Occupational Safety and Health Administration (OSHA), órgão do governo federal americano que regula as condições de segurança do trabalho.

A história das garotas do rádio foi transformada em filme! "RADIUM GIRLS" (2020) conta o drama vivido pelas irmãs Bessie e Josephine Cavallo, que trabalhavam para a fictícia American Radium, pintando ponteiros de relógio com tinta de rádio. Uma das irmãs apresenta os sintomas do ENVENENAMENTO POR RÁDIO,  o que motiva a outra a lutar contra a empresa, para que nenhuma outra trabalhadora sofresse o mesmo. Vale à pena conferir!

CONCLUSÃO

As Radium Girls não mudaram apenas as leis trabalhistas dos EUA, mas nossa própria concepção de uso consciente de radiação. Para que as radiações sejam usadas da melhor maneira, é preciso considerar que elas também geram risco. 

Agora você vai poder testar o que aprendeu sobre as radium girls no nosso primeiro RadQuiz, um pequeno teste de conceitos que abordamos nessa seção. Não se preocupe, pois não iremos perguntar nada que não foi dito aqui. 

Na próxima seção iremos entrar nos conceitos sobre as radiações, abordaremos o que é o DANO BIOLÓGICO, mostraremos como usar as radiações de modo consciente, através da PROTEÇÃO RADIOLÓGICA e daremos exemplos de APLICAÇÕES DE RADIAÇÃO.

PROFESSOR (A): Nossa sugestão para essa seção é uma aula expositiva ou trabalho de pesquisa. O filme "Radium Girls" de 2020 é uma obra interessante para assistir com seus alunos e debater os efeitos biológicos das radiações. Em especial, o filme pode ser usado como auxílio para a habilidade EM13CNT103 focada em acidentes radioativos.

REFERÊNCIAS

MOORE, Kate. A história esquecida das "radium girls" cujas mortes salvaram as vidas de milhares de trabalhadores. Buzzfeed, 2017. Disponível em: https://buzzfeed.com.br/post/a-historia-esquecida-das-radium-girls-cujas-mortes-salvaram-as-vidas-de-milhares-de-trabalhadores Acesso: 14/ 07/ 21. 

OKUNO, Emico; YOSHIMURA, Elisabeth Mateus. Física das radiações. Oficina de Textos, 2016. 

SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Currículo Paulista Etapa Ensino Médio. São Paulo, 2020, 301 p. 

SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Habilidades Essenciais de Ciências da Natureza e suas Tecnologias 2020-2021. São Paulo, 2020, 10 p.