Vingador

O Vingador era um espanto!

Em todo o lado, os militares estabeleciam amizades com um ou mais dos muitos cães que habitavam os quartéis. Havia cães para todos os gostos, mas um se destacou de todos os outros - o Vingador.

A Vamba era um pequeno conjunto de barracas no meio do mato, a dez quilómetros da Fazenda Santa Isabel. As condições de vida eram muito duras, e o risco elevado.

À noite, como era da praxe em todas as unidades, a segurança era reforçada, e havia na Vamba um posto de reforço que era crítico - no alto de uma colina ao lado das barracas, ainda dentro do arame mas suficientemente afastado para o militar para lá escalado se sentir a milhas do mundo e da segurança.

Aí entrava o Vingador, companheiro amigo e seguro das longas e duras noites de vigília.

Mas o Vingador era um militar - disciplinado e cumpridor, nunca falhava nas suas obrigações e horários, ao ponto dos furriéis nem precisarem de fazer a ronda para perceber atrasos na ocupação do posto. À hora marcada, o Vingador lá estava, e se o soldado não aparecia, ladrava furiosamente até que a siuação se normalizasse.

Quando a unidade mudou para Quiximba, o Vingador foi, naturalmente, com ela, e em Quiximba nova rotina se instalou.

Era divertida a cena do toque de ordem, às cinco da tarde, quando se procedia à cerimónia do arrear da bandeira, após o que o pessoal podia sair do quartel. Todos os cães se concentravam na parada e se alinhavam frente à bandeira, aguardando o toque do corneteiro. Mal ele começava, o coro de ganidos era de tal ordem que abafava o próprio cornetim. Assim que acabava, abalavam em louca correria para a porta de armas, de tal forma que eram sempre os primeiros a sair, aguardando depois na rua a chegada dos amigos humanos.

Mas em Quiximba o Vingador ganhou novas competências - caçar galinhas.

Não sei quem o treinou, mas o Vingador aprendeu a passar pelo arame, seguir discretamente para a sanzala ou os quintais do administrador de posto e do tendeiro, donde voltava com uma galinha para entregar aos amigos.

Mas em Zau Évoa o drama aconteceu - um condutor do Quiende, não se apercebeu da sua presença, e numa manobra dentro do quartel atropelou o Vingador, partindo-lhe uma perna.

De cabeça perdida alguns soldados decidiram matar o condutor, rapidamente afastado e protegido pelos seus camaradas do Quiende.

Instalou-se um clima de guerra, uns entrincheirados de um lado, outros do outro, enquanto oficiais e furriéis corriam de um lado para o outro, em intensas negociações e aconselhamentos que pudessem travar o conflito.

Os ânimos foram arrefecendo, a tensão dissipando-se, e tudo acabou em volta de umas Cucas, embora alguns soldados não tenham sido capazes de ir ao funeral do Vingador, que, face à gravidade das lesões teve de ser abatido.

Narrativa de Avelino Lopes