Quem era?

Na altura eu tocava viola, e fazia umas canções, centradas nos temas sociais da época, e que "se finaram" quando o 25 de Abril, veio mudar as coisas e tirar sentido a muitas delas. Não se perdeu grande coisa, mas devo confessar que ainda gosto muito daquela que considero a minha melhor criação, feita em Angola e que baptizei "Carta da Vamba". Era assim:

Dum calor de pó, prenhe de verde em tons sem cor

Duma brisa de água, em correria sem futuro

Duma flor de insecto, dança em sede

Duma casa, branco podre, sem sentido

Duma mata baile, em seda, sussurro grave

Cabelos-lianas, em pente, escorridos... velho

Ninhos secos, fugas, pardais em temor do novo

Uma guerra grito, fogo, faca, medo

De tábuas torcidas, cravadas no céu

Da farda de ausência, camuflada em terra

Dos novelos, fios sem cor desta guerra

Do inchaço de meses, mosquito em dúvida lenta

Do cansaço de vezes, filho de corpos sem fé

Do tempo em surdina, espaço gasto

Na palavra necessária

Oferta da mão que fica

Numa guerra grito, fogo, faca, medo

De tábuas torcidas, cravadas no céu

Da farda de ausência, camuflada em terra

Dos novelos, fios sem cor desta guerra

Alguns serões passámos com esta e outras canções, mas não posso esquecer aquele soldado franzino que, às tantas, lavado em lágrimas depois de mais uma "Carta da Vamba", me confidenciava:

- Oh meu alferes... isso é tão bonito... eu não compreendo mas entendo!

Como eu o compreendo e entendo! Quem era?

Narrativa de Avelino Lopes