COORDENADORES:
- Alexandre André Nodari - Universidade Federal do Paraná
- João Camillo Barros de Oliveira Penna - UFRJ
- Flávia Letícia Biff Cera - SPECIES - Núcleo de Antropologia Especulativa
RESUMO: Todo texto literário, para se constituir enquanto experiência literária, precisa do leitor (mesmo que seja o leitor virtual ao qual o autor se dirige), precisa, portanto, ser performado: formado através (do outro), por meio de uma travessia. O gesto da leitura coloca, assim, o corpo em cena, o corpo na cena da literatura: a visão, o movimento dos lábios, a respiração, o manuseio das páginas (mesmo – no caso da leitura silenciosa, mental - que se trate da virtualização de tais movimentos corporais), e os afetos, sensações, do espanto à identificação, do enfado ao êxtase. E o mesmo não se daria no gesto da escrita (e o escritor é sempre antes um leitor, mesmo que seja do mundo e da própria linguagem)? O circuito do texto (potencialmente infinito, já que aberto sempre a novas leituras - o mesmo leitor nunca lê o mesmo texto duas vezes, já que nem ele nem o texto são os mesmos) produziria assim o atravessamento de corpos, fazendo do corpo do texto um texto do corpo, em que se cruzam não só autor e leitor (este escuta e ecoa, isto é, repete de forma diferida, o corpo daquele), mas também os corpos virtuais de personagens, narradores, bem como os corpos anônimos que compuseram a linguagem (do tempo) da escrita e (do tempo) da leitura. Ler é sempre escutar e traduzir, e toda tradução é uma performance (Augusto de Campos). Desse modo, a experiência literária não só necessita do outro, como envolve um “outrar-se” (Fernando Pessoa), uma modificação a um só tempo existencial e corporal: uma perversão, versão enviesada, transversal, e um performar (etimologicamente: uma formação atravessada; no limite, um atravessamento ou extravasamento das formas - corporais, artísticas, textuais, etc. -, ou seja, uma travessia do corpo). Corpos atravessados pela linguagem performam gêneros (no plural), corpos machucados por atos de fala, diz Judith Butler. Eis a proposta: fazer a literatura dialogar com as proposições da body art e da performance, como ela é entendida no circuito das artes contemporâneas, como “eventos não ensaiados e abertos ao público” (Ana Bernstein). Qual seria o interesse de introduzir na crítica textual o vocabulário extrínseco das artes contemporâneas? Se a noção de “performativo” abriu a caixa fechada da representação de acontecimentos para fazer a frase agir, a performance visa menos à ação de transformação do mundo do que à transformação do próprio corpo do mundo. Nesse sentido, Hélio Oiticica entendia a performance como um “EXPERIMENTAR-MUNDO”, ou seja, uma forma de criação de multiplicidades que dessubjetivam na medida em que está em jogo nela uma descoberta do corpo, mas pelo corpo, através dele (“descoberta CORPO/PERFORMANCE (...) q revele: invente: descubra”). Portanto, o objetivo da performance é levar as situações e os corpos ao limite, deixar marcas nos corpos e é através da contestação deste limite que se abre a possibilidade da experiência e do experimental e as possibilidades de inventar mundos. A performance, por isso, nunca é individual; antes, obedece à mesma lógica da escrita barthesiana ou a do travestimento, apontada por Sarduy: não é um autor que escreve a obra, não é um corpo que realiza a performance, mas sim uma relação que se estabelece com o outro, uma relação de devir. O escritor-performer sofre o mundo em seu corpo, estimula o expectador/leitor a escrever/mexer em seu corpo, escreve ou “excreve”, para citar o neologismo de Jean-Luc Nancy, imprimindo o mundo na pele de seu corpo (ou o corpo na pele do mundo). Na performance a arte sai do palco italiano, não produz resultados, ou objetos fechados, como a literatura sai do relato, ela busca o seu limite, saindo da literatura? No lugar ela expõe um corpo (com artigo indefinido), vulnerável, que sofre, presente. “O artista está presente”, diz Marina Abramovic, o artista é presença. O programa, script ou contrato performático deslocam a arte para o limiar que a separa da não arte, e ali a faz viver. Perfomar, em suma, a literatura significa ler a literatura como uma ontologia do corpo. O que encena e o que pode ele?, repetindo a pergunta célebre de Spinoza. Ressensibilizar assim o corpo da literatura, retomando a sua capacidade de afetar e ser afetado, perguntando-se o que e como ele é afetado. Como entender essa performance em que experimentamos não somente que “nosso corpo é apenas uma estrutura social de muitas almas”, como dizia Nietzsche, mas que nossa alma é apenas uma estrutura fictícia de muitos corpos? O simpósio pretende discutir essas questões por meio de enfoques os mais variados - teóricos, históricos, análise poética ou de prosa, dança e outras artes.
PALAVRA-CHAVE: Performance, Experiência, Corpo
LOCALIZAÇÃO: Pavilhão João Lira Filho | Bloco F | 11º andar | Sala 11.111[d]
PROGRAMAÇÃO:
Terça, 20/9, Tarde
Mesa 1: “No corpo do texto”
Adriana Bolite Frant: Linhas de errância / traços de vida nos cadernos de Tatsumi Hijikata
Flávia Letícia Biff Cera: Corpo do texto, corpo no texto.
Luciana María di Leone: A economia do leite: o corpo e as trocas da poesia latino-americana
Clarissa Loyola Comin: Confluências: experiência, corpo e linguagem em galáxias e fragmentos de um discurso amoroso
Debate
Quarta, 21/9, Manhã
Mesa 2: “Movimentos da escrita (de si)”
Rodrigo Ielpo: As máscaras de si: performances do autor em Jean-Benoît Puech
Nathalia Greco de Freitas Cardoso: “na asa do vento corre o melancólico corpo”, escrita e performance em Diários, de Al Berto
Ana Paula Veiga Kiffer: A agitação de uma folha de papel
Adriana Sucena Maciel: Variações – poéticas em movimento
Lia Duarte Mota: Escrita em movimento
Debate
Quarta, 21/9, Tarde
Mesa 3: “A politicidade das poéticas performáticas”
Juliana Caldas: Vozes dotadas de silêncios: a comunicação e a incomunicabilidade em Hilda Hilst e Lygia Clark
Fábio Roberto Lucas: Nu como um grego, ouço um músico negro – o kairos político da desagregação poético-corporal de Paulo Leminski
João Camillo Penna: Pragmática e poética do programa
Mariana Patrício Fernandes: Onde esta a paixão? Onde está a política? Manifestações (in)tensas) da relação entre corpo e política na contemporaneidade
Debate
Quinta, 22/9, Manhã
Mesa 4: “Diante do tempo”
Mariana Lage Miranda: A temporalidade suspensa e a contingência do estético como performance
Lucius Provase: A performance como produção de lastro
Juliana Pereira: Susana Thénon e Angélica Freitas: poesia, corpo e excesso
Fernanda Ribeiro Marra: A escritura curadora de Verônica Stigger
Debate
Quinta, 22/9, Tarde
Mesa 5: “O ruído dos textos nos ruídos dos corpos”
Cecilia Cavalieri: jardim do corpo
Alexandre Nodari: “Quasi-corpus”: indeixificação e texterioridade literárias
Marcelo Reis de Mello e Khalil Andreozzi: Poesia: O ilegível da escrita e a escrita do ilegível
Marilia Librandi Rocha e Sergio Bairon Blanco Santanna: Usina de ruídos: Machado de Assis e o eco fonográfico.
Debate
Sexta, 23/9, Manhã
Mesa 6: “A gambiarra da terra e os recados dos outros”
Sabrina Sedlmayer Pinto: Jacuba é gambiarra
Érika Rodrigues Corrêa: Dar com a língua nos dentes: o conto sertão.
Roberto Zular: No fluxo dos recados: ler a fala escrita em A queda do céu de Bruce Albert e Davi Kopenawa e O Recado do morro de Guimarães Rosa.
Guilherme Gontijo Flores: Perder o espírito - a tradução como poética nas performances dos Kisêdjê
Debate