Física e metafísica das artes verbais e gestuais: pesquisas para uma redefinição do literário
Coordenadores: Luciana María di Leone (UFRJ), Alexandre Nodari (UFPR), João Camillo Penna (UFRJ)
"Trata-se de criar uma metafísica da palavra, do gesto, da expressão, de modo a arrancá-los de sua estagnação psicológica e humana" (A. Artaud)
Resumo: Seria possível e revelante falar de uma virada ontológica nos estudos literários? Admiramos o roteiro das viradas (linguística, afetiva…), que parece acompanhar a sequência de modas no circuito da pesquisa acadêmica internacional. Assiste-se à virada ontológica na filosofia contemporânea, na filosofia política, na antropologia, na crítica de arte, na crítica musical. A crítica literária, por vocação mais tradicionalista, tem se mostrado quase impermeável, ou no melhor dos casos, tímida, ao articular o que estamos denominando de virada ontológica. Este Simpósio sustenta uma hipótese contrária: não se trata de uma “moda”, mas da oportunidade de debruçar-se sobre os “modos de existência” (a expressão é de Souriau) da literatura e da experiência literária: não uma simples virada, e sim uma viração. Grosso modo, a problemática ontológica na literatura poderia se desdobrar em uma ontologia dos objetos literários, que investiga os modos de existência da literatura enquanto “particular concreto” (segundo a terminologia aristotélica), ou singularidade, que se multiplica em tantas possibilidades de produção, circulação, publicação, reprodução, gravação, digitalização, enunciação, performance, recepção das obras, no momento em que elas perdem a sua textura substancial (essas ontologias do objeto estão em geral ligadas à pesquisa de Goodman: Genette, Pouivet). E em uma ontologia da experiência literária, em suas múltiplas vertentes, envolvendo diferentes elos da cadeia de significantes mobilizados pelo acontecimento literário, e pela literatura como acontecimento: identificação, obliquação, corpo, transformação, sonho, diferimento, tradução, multiposicionalidade. Tal deslocamento da sempiterna problemática do sujeito e seu arsenal característico (representação, cultura, linguagem, mediação, negatividade…) permite refletir sobre que tipos de acontecimento a experiência literária produz ao fazer movimentar corpos e que modos e metamorfoses da subjetividade esse movimento introduz. Nesse sentido, a politicidade da experiência literária (e de tais movimentos e transformações), assim como a relação entre termos tradicionalmente excludentes, ontologia e práxis, tornam-se questões centrais da reflexão literária. Para dizê-lo de outro modo: o que se abre é a possibilidade de tomar a relação entre literatura e vida não como dada, mas como a questão – por excelência – que os modos da experiência literária exploram e experimentam: cada um, a seu modo, recoloca a questão sobre o que é a vida, o que é e pode um corpo, o que é a linguagem, o que é a subjetividade, o que é um humano (e como – e se – todos se articulam numa cadeia de sentido). Assim, é possível pensar que os dispositivos e procedimentos poéticos, literários, teóricos e críticos disputados ao longo da história não foram meras contraposições e disputas formais, mas principalmente questionamentos e reformulações do horizonte antropológico da literatura e da poesia, seu modo de existir e se relacionar com o mundo. Foi talvez nesse sentido que Juan José Saer tenha definido a literatura como uma “antropologia especulativa”: “É uma antropologia porque toda literatura de ficção propõe uma visão do homem. E especulativa, porque não é uma antropologia afirmativa. É uma especulação em torno das possíveis maneiras de ser do homem, do mundo, da sociedade. Mas também especulativa pela noção de espelho que está implícita. Não segundo Stendhal, que sugere que o romance é um espelho que o narrador passeia para refletir os acontecimentos, mas no sentido dos espelhos deformantes”. Um espelho que não nos devolve a nossa própria imagem, que nos faz estranhá-la, colocá-la em questão: essa definição da literatura, tão semelhante a formulações de Pierre Clastres e Patrice Maniglier a respeito da antropologia, parece demandar, assim, ao pensamento sobre a literatura, o esforço de espelhar esse espelhamento e especular novas metafísicas da literatura, a partir de aproximações e confrontos com distintas artes verbais e experimentos da linguagem e dos gestos. Sem ignorar o pensamento filosófico e político das últimas décadas, pelo contrário, propomos pensar uma ontologia do objeto literário e da experiência literária que não seja uma ontologia do fechamento, da detenção, da autoafirmação, mas da abertura, da “desobra”, do contato, do questionamento, uma ontologia variável (Zular, Provase) ou instável (Dimock). Convidamos, para isso, pesquisadores das diversas áreas dos estudos literários, mas também de outras disciplinas, a refletir sobre os diversos modos de existência da literatura, seja interrogando e contrapondo textos literários, performances, traduções, oralizações, seja interrogando a própria questão teórica da ontologia do literário, e as suas dimensões antropológica, psicanalítica, filosófica, política, histórica.
Primeira sessão: A práxis dos corpos (terça, dia 8, 14:30-16:30)
1 e 2) Luciana María di Leone e Camila Caux: A casa que vaza: economia, corpo e linguagem
3) Lia Duarte Mota: O salto na experiência literária
4) Mariana Patrício Fernandes: Cinelândia, Canindé, Engenho de Dentro, Copacabana: 4 regimes de nudez.
Segunda sessão: Modos da performance, performance dos modos (quarta, dia 9, 09:00-11:00)
1) Pedro de Niemeyer Cesarino: Considerações em torno do problema da multimodalidade
2) Otávio Guimarães Tavares: Experimentalismos performáticos: agir, ação e ato
3) André Barbugiani Goldfeder: A peste oculta: O quarto, Club Noir
4) Jamille Pinheiro Dias: Dennis Tedlock e a voz tipográfica na tradução de narrativas indígenas
Terceira sessão: Ritmos da escuta: quem fala, quem cala (quarta, dia 9, 14:00-16:00)
1) Marilia Librandi Rocha: O romance aural e a cosmopolítica da escuta.
2) Clarissa Loyola Comin: O grau zero da ficção e seus perigos: desmolduramento enunciativo em Delírio de damasco
3) Vinicius Portella Castro: Ritmo e modulação em Schelling e no Platô do Refrão
4) Hugo Simões: O que se cala e o que se escuta: tradução entre genocídios
Quarta sessão: A fala (diante) do mundo (quinta, dia 10, 09:00-11:00)
1) Roberto Zular: Variações ontológicas: o morro e a montanha nos recados de Guimarães Rosa e em A queda do céu de Davi Kopenawa e Bruce Albert.
2) Ligia Gonçalves Diniz: Habitar o mundo-coisa: proposta para um novo conceito de representação
3) Yuri Kulisky: A juridicidade subversiva da literatura
4) Sérgio Bairon: Texturas Sonoras: O Recado do Morro
Quinta sessão: Sob o sujeito (quinta, dia 10, 14:30-16:30)
1) João Camillo Penna: A sujeira do sujeito
2) Adriana Bolite Frant: Os rastros de gestos de Janmari ou Iekariukedjutu, que coisa estranha a escrita!
3) Marília Westin Oliveira Garcia: A derivação do olhar: alteridade e animalidade na literatura de Murilo Rubião e Lygia Fagundes Telles
4) Rondinelly Gomes Medeiros: Literatura/s e Cosmopolítica/s: uma aproximação experimental
Sexta sessão: Transições cosmontológicas (sexta, dia 11, 09:00-11:00)
1) Alexandre André Nodari: O que é fazer um programa? A transicionalidade ontológica da experiência literária
2) Eric Silva Macedo: Nós, os terráqueos: algumas hipóteses de colonização alienígena
3) Luiz Guilherme Fonseca: “Toda metafísica é uma mitofísica”: da literatura como construção e contaminação de mundo
4) Lucas de Jesus Santos Hidroespeculação – ou o mundo (s)em reflexo
Sétima sessão: O gesto da poesia (sexta, dia 11, 14:00-16:00)
1) Sabrina Sedlmayer: Relatos da subjetividade na poesia do contemporâneo
2) Juliana Pereira: Passagem de Marília Garcia: experiência poética e cidade em "Paris não tem centro"
3) Julia Almeida Alquéres: “Poesia e cinema na literatura de Herberto Helder e Ruy Duarte de Carvalho: a produção de novos mundos”
4) Ramon Guillermo Mendes: Alejandra Pizarnik: a poética do gesto alquímico e a imagem extemporânea