Introdução
Neste trabalho são apresentados fragmentos ou sínteses das leis, dos decretos, dos atos e dos documentos citados no correr do texto, enfocando somente as questões relativas às condições para implantação das edificações, sejam elas para habitação de uso geral, ou específicas para habitação social.
Durante a elaboração deste texto foi utilizada tanto a legislação municipal, da cidade de São Paulo, quanto a do estado de São Paulo.
Do município de São Paulo foram usados: o Códigos de Posturas de 1886 e os Padrões Municipais de 1886 (mas com vigência a partir de 1889) e 1920, de forma mais intensa, por serem os documentos mais completos do período. Além destas fontes, diversas outras leis e atos foram consultados, todos eles listados na bibliografia.
No tocante à legislação estadual foram adotados, como referência, os Códigos Sanitários de 1894, 1911 e 1918.
Uso
Na legislação pesquisada, desde a publicação dos primeiros Padrões e Posturas Municipais e dos primeiros Códigos Sanitários, eram apresentados requisitos diferentes para os diversos tipos de habitações.
Geralmente, nos capítulos iniciais daquelas leis, eram especificadas as características e exigências a serem cumpridas nas habitações em geral, e na sequência do texto, em capítulos específicos, eram apresentadas as restrições para as casas de uso proletário (cortiços, casas de operários e cubículos, como eram chamadas na época) e, até mesmo, para as habitações coletivas.
As primeiras definições encontradas na legislação pesquisada foram para cortiços e afins, localizadas na Lei no. 286 (1896) e no Acto Executivo no. 20 (1897) [1]. Em 1916, tais definições foram resgatadas pelo Acto no. 849 (1916) [2] (no Capítulo IV - Casas para Operários), são elas:
Cortiço - “o conjunto de duas ou mais habitações que se communiquem com as ruas publicas por uma ou mais entradas communs, para servir de residencia a mais de uma familia.”;
Cubículo ou quarto - “cada uma das habitações do cortiço”;
Cubículos de cortiços - “commodos de casa que não sejam cortiços, mas que estejam divididos em differentes fogões e os que lhes forem accrescidos nas mesmas condições”.
O Acto no. 849 (1916) e a lei no. 375 (1898) indicavam que as casas de operários ou das famílias pobres não se enquadravam na definição de cortiços, desde que possuíssem mais de um compartimento, e em ambientes separados a cozinha e a latrina. Estas habitações também deveriam respeitar as recomendações de higiene e asseio contidas nos regulamentos sanitários.
No Código Sanitário, de 1894, havia um capítulo específico sobre “Habitações das Classes Pobres”, com apenas 8 artigos. Entre eles constava a proibição de construção de cortiços, e que não deveriam ser toleradas subdivisões de casas grandes, como forma de moradia para um grande número de pessoas.
E, acordo com este Código Sanitário, habitações coletivas eram aquelas que: “domiciliam grande número de indivíduos”.
Nos Códigos Sanitários de 1911 e de 1918 a descrição era um pouco mais ampla, eram consideradas habitações coletivas: “casas que abrigarem ou servirem de dormitório, ainda que temporário, a varias famílias ou a muitas pessoas de famílias diferentes”.
O Padrão Municipal, de 1920, apresenta definições mais amplas para habitação e a classificava as habitações múltiplas em categorias distintas:
“Habitação é edificio ou fracção de edificio occupado no todo ou em parte, como domicilio ou como técto, sob o qual dorme, habitualmente uma ou mais pessôas:
a) - Habitação particular é a occupada por uma familia e mais ninguem; “familia” é o grupo de pessôas vivendo em “communhão”, sendo para os efeitos da lei, um individuo morando só representa uma “familia”;
b) - habitação dupla é a occupada por duas familias e mais ninguem;
c) - habitação multipla é a occupada por modo diferente das duas anteriores; ha duas classes de habitação multipla:
Classe A - de carater permanente - ocupada seguidamente por familias a quem os compartimentos são alugados, indistintamente, sob fórma de aposentos (série de dois ou mais) ou em separado.
Classe B - de carater temporario - ocupada de passagem em geral, e sempre mais ou menos transitoriamente, por hospedes entre os quais prepondere o individuo em compartimento separado.”
Tipologia
No Padrão Municipal, de 1920, havia a indicação de que, toda a vez que a Prefeitura julgasse conveniente, as fachadas seriam submetidas à crítica de uma Comissão de Estética, que possuía poderes para negar a aprovação das que fossem rejeitadas por aquela Comissão.
Em determinadas ruas ou quarteirões da cidade (conforme especificado no Acto no. 849 de 1916) as casas deveriam seguir as recomendações de que as linhas mestras dos elementos arquitetônicos deveriam ser as horizontais, e a referência seria a das construções que fossem mais altas. Caso, em algum quarteirão, não fosse possível adotar tal recomendação, devido a grande variedade de alturas, o mesmo seria dividido em grupos, de modo que, nos limites de cada grupo as linhas arquitetônicas não sofressem grandes saltos. Tal preocupação visava criar harmonia.
O Padrão Municipal, de 1920, apresentavam recomendações semelhantes, que visavam garantir a harmonia visual, para determinadas ruas ou quarteirões da cidade [3]. Para estes casos as recomendações eram as seguintes:
Quantidade de pavimentos – seriam permitidos, no mínimo 4, sem contar o embasamento. A Prefeitura poderia autorizar construções com números menores de pavimentos, desde que os alicerces e paredes pudessem resistir, no futuro, ao aumento de altura da edificação, devido ao acréscimo dos pavimentos faltantes;
Linhas arquitetônicas – seriam estabelecidas linhas mestras, delimitadas por cornijas, molduras, ou outro elemento similar, para que se constituíssem no mesmo motivo arquitetônico, para dois prédios que fossem contíguos. Quando tal coincidência não fosse possível, deveria ser previsto um arremate conveniente, no limite dos prédios, para que fossem evitadas diferenças bruscas de nível.
Ainda no intuito de garantir harmonia, no Padrão Municipal, havia indicações de que nenhuma planta de edifício urbano fosse aprovada caso não houvesse janelas ou que as mesmas estivessem em desacordo com as recomendações contidas na legislação. Fachadas que possuíssem um único “motivo arquitetônico” não poderiam serem pintadas com cores diferentes, que pudessem vir a desfazer a harmonia do conjunto. Também era obrigatória que as fachadas secundárias (se pudessem ser visualizadas das vias públicas) recebessem o mesmo tratamento arquitetônico das fachadas principais.
No Padrão Municipal (1886), era determinado que, para a construção de cortiços, casas de operários e cubículos, deveria haver uma área, de 30 m² para cada habitação, na frente das edificações, podendo ser uma parte reservada a um pequeno jardim e o restante calçado. Ainda era determinado que as áreas comuns, na frente das edificações, e as ruelas de passagem fossem arborizadas. Estas mesmas indicações estavam presentes no Acto no. 849 (1916), mas no Capítulo sobre casas para operários, sem citar, explicitamente, os cortiços ou cubículos.
No Código de Posturas do Município de São Paulo, de 1886, existia uma proibição de construir casas térreas, que possuíssem aberturas para fora (postigos, cancelas, portas e janelas). Também estavam proibidas, para este tipo de edificação rótulas e sacadas de madeira. Conforme o Padrão Municipal, de 1886, nenhuma edificação poderia ter aberturas cujas folhas abrissem para ruas ou praças, a menos que estivessem a uma altura superior a 3 m, tal determinação foi reiterada no Acto no. 849, de 1916.
No Código Sanitário (1894), para a construção de habitações coletivas, o princípio dominante, sempre que possível, era a multiplicação dos pavilhões, em prejuízo aos andares. Estes pavilhões deveriam ser contíguos, e não contínuos. E, para as casas destinadas às classes pobres, as construções realizadas em grupos de, no máximo, 4 a 6 casas.
Quantidade Mínima e Tipos de Compartimentos, Dimensões e Áreas Mínimas, e Lotação Máxima
Para a construção de cortiços, no Código de Posturas,1886, a indicação era de que se o cortiço fosse composto por apenas 1 cômodo, este deveria ter, no mínimo, 5 m2.
Era indicado, no Padrão Municipal, 1886, que cada habitação de cortiços, casas de operários e cubículos, deveria conter pelo menos 3 cômodos, cada um deles não poderia ter área inferior a 7,50 m². Outra recomendação, muito importante, contida no Padrão Municipal era de que, para as habitações operárias, todos os cômodos deveriam dispor amplamente de ar e luz.
No Padrão Municipal, de 1920, havia a indicação de que toda habitação particular deveria ter pelo menos um aposento, uma cozinha, e um compartimento para latrina e banheiro. Também havia a recomendação de que não deveria haver trânsito obrigatório dentro dos dormitórios, seja para acesso a um deles ou às latrinas.
Conforme o Código Sanitário, 1894, as dimensões das habitações coletivas deveriam ser proporcionais ao número de habitantes e ao tipo de estabelecimento. Não eram permitidos, em habitações de uso geral, ou para as classes pobres, dormitórios com menos de 14 m³ livres por habitante. No Código de 1911 era definido que o volume mínimo de qualquer cômodo deveria ser de 30 m3.
Em qualquer tipo de habitação, nenhum compartimento, conforme definido no Padrão Municipal, de 1920, poderia ser subdividido, sem que as partes resultantes possuíssem as características explicitadas naquelas leis.
Em 1911 e em 1918 (nos Códigos Sanitários) a indicação, quanto às características mínimas das habitações coletivas, era que o número de moradores fosse proporcional às dimensões do edifício e à natureza do estabelecimento. No Código de 1918 (e na Lei no. 1.596, de 1917) o artigo citado era complementado com a ressalva de que a lotação dos dormitórios deveria ser prefixada pela autoridade sanitária.
Ainda, conforme os Códigos Sanitários de 1894, de 1911 e de 1918, era necessária a existência de banheiros para os moradores, sendo que, deveria haver uma latrina para cada 20 moradores. Além disso, no Código de 1911 havia indicação de que lavabos também eram indispensáveis. No Código de 1918 a indicação era que lavabos e mictórios eram indispensáveis.
Já, no Padrão Municipal, de 1920, a indicação era de que, nos andares destinados à habitação diurna e noturna, houvesse uma latrina em cada pavimento (em conformidade com as condições especificadas naquelas leis). No caso de grupos de dois pavimentos imediatamente sobrepostos, a instalação da latrina em um dos pavimentos poderia ser dispensada, se naquele pavimento não houvesse menos do que três compartimentos de habitação noturna.
Outra indicação contida nos Códigos Sanitários era que a lavagem de roupas, no interior das habitações das classes pobres, não era permitida. A recomendação, no Código de 1894, era para que os municípios criassem lavanderias públicas para evitar tal prática. Por outro lado, nos Códigos de 1911 e de 1918 a responsabilidade passou para os construtores, que eram obrigados a construir tanques de lavagem em número suficiente, nas casas de habitação coletiva para operários.
Quanto ao número mínimo de compartimentos, a lei no. 498 de (1900) específica que, para habitações operárias, eram exigidos pelo menos três, sendo necessário haver previsão de cozinha. E, a área mínima de cada compartimento deveria ser de 10 m2, sendo que a largura mínima de cada ambiente deveria ser maior do que 2 metros. Em 1916, o Acto no. 849, passou as exigências para todo o tipo de edificação, manteve o número mínimo de compartimentos (3, sendo necessária a cozinha), e continuou com a especificação da área mínima de 10 m2, apenas para as salas, os escritórios e os dormitórios. Já, para cozinhas, copas, banheiros ou latrinas as áreas poderiam ser menores, mas nunca inferiores a 2,00 x 2,60 m.
No Código Sanitário, de 1918, a área mínima de 10 m², para todos os aposentos foi mantida, uma vez que era exigida capacidade de 30 m³ por aposento, e o pé direito mínimo foi reduzido para 3 m.
Tanto na Lei no. 498 (1900) quanto no Acto no. 849 de (1916) – no capítulo específico sobre casas para operários – havia a indicação de que, em cada casa, deveria haver pelo menos uma latrina, e caso não houvesse água canalizada, a latrina deveria ser instalada fora da habitação, distante pelo menos 3 metros de qualquer parede, muro ou cerca divisória, deveriam ser tomadas precauções para que a latrina fosse completamente estanque e arejada.
Bibliografia
BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. 4ª. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2004.
CAMPOS, Eudes. Casas e vilas operárias paulistanas. Informativo Arquivo Histórico Municipal, 4 (19): jul/ago.2008. Disponível em: <http://www.arquiamigos.org.br/info/info19/i-estudos.htm>. Acesso em: 18 mar. 2011.
LEMOS, Carlos A. C. A República ensina a morar (melhor). São Paulo: Hucitec, 1999.
MORANGUEIRA, Vanderlice de Souza. Vila Maria Zélia: Visões de uma vila operária em São Paulo (1917-1940). 2006. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
SÃO PAULO (Estado). Decreto no. 233, de 2 de março de 1894. Estabelece o Codigo Sanitario. Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Estado). Decreto no. 2.141, de 14 de novembro de 1911. Reorganiza o Serviço Sanitario do Estado. Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Estado). Decreto no. 2.918, de 9 de abril de 1918. Dá execução ao Codigo Sanitario do Estado de São Paulo. Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, São Paulo, SP.
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SÃO PAULO (Município). 11 de agosto de 1889. Padrão Municipal de São Paulo. Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, SP.
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SÃO PAULO (Município). Acto no. 849, de 27 de janeiro de 1916. Regulamenta a lei n. 1.874, de 12 maio de 1915, e as disposições legaes referentes a construcções por essa lei não revogadas. Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Município). Lei no. 286, de 10 de novembro de 1896. Manda vigorar de 1º. De janeiro de 1897 em diante a tabella sobre impostos de Industrias e Profissões. Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Município). Lei no. 375, de 12 de dezembro de 1898. Orça a receita e despesa para o anno de 1889. Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Município). Lei no. 493, de 26 de outubro de 1900. Fixa a despesa e orça a receita do municipio para o anno financeiro de 1º. de janeiro a 31 de dezembro de 1901. Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Município). Lei no. 498, de 14 de dezembro de 1900. Estabelece prescripções para construcção de casas de habitação operaria. Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Município). Lei no. 1.874, de 12 de maio de 1915. Divide o Municipio em quatro perímetros e dá outras providencias. Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Município). Lei no. 2.332, de 9 de novembro de 1920. Estabelece o “PADRÃO MUNICIPAL”, para as construções particulares no Municipio. Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, SP.
[1] O conteúdo principal da lei e do ato citados é a regulamentação de cobrança de impostos, e como cortiços pagavam impostos era apresentada a definição detalhada dos mesmos.
[2] Neste mesmo ato, o artigo 116 proibia habitações coletivas com a configuração de cortiços, em casas que não tivessem sido construídas para aquela finalidade ou que não estivessem em conformidade com as leis municipais. O artigo citado também constava da Lei Municipal no. 493 de 1900. Ainda no ato no. 849 o artigo 118 indicava a demolição ou reconstrução dos cortiços “infectos e insalubres”. Tal indicação já constava na lei no. 375 de 1898.
[3] Na região do triângulo comercial e suas imediações.