Introdução
Neste trabalho são apresentados fragmentos ou sínteses das leis, dos decretos, dos atos e dos documentos citados no correr do texto, enfocando somente as questões relativas aos elementos e métodos construtivos que deveriam ser utilizados, seja nas habitações de uso geral, ou nas de cunho social.
Durante a elaboração deste texto foi utilizada tanto a legislação municipal, da cidade de São Paulo, quanto a do estado de São Paulo.
Do município de São Paulo foram usados: o Códigos de Posturas de 1886 e os Padrões Municipais de 1886 (mas com vigência a partir de 1889) e 1920, de forma mais intensa, por serem os documentos mais completos do período. Além destas fontes, diversas outras leis e atos foram consultados, todos eles listados na bibliografia. E, da legislação estadual os Códigos Sanitários de 1894, 1911 e 1918.
Altura das Edificações
Uma das características mais presentes na legislação consultada é a altura das edificações. Geralmente, eram apresentados os valores mínimos por pavimento, e de acordo com o uso da edificação.
No primeiro Código de Posturas do Município de São Paulo (1886) os valores mínimos das alturas dos edifícios foram estabelecidos por pavimento e para o valor total da edificação:
Para o 1o. Pavimento: 5 m (sem contar a soleira);
Para o 2o. Pavimento: 4,88 m;
Para o 3o. Pavimento: 4,56 m;
Total para a edificação: 14,44 m.
Como os valores citados são mínimos, também havia a indicação, naquele Código de Posturas, de que os edifícios de 3 pavimentos poderiam ter até 17 m de altura.
Para os cortiços, naquele Código de Posturas, a indicação era que a altura dos mesmos poderia variar entre 4 a 4,5 m, medido do solo à cimalha.
O Padrão Municipal (1886) apresenta valores ligeiramente diferentes do Código de Posturas, são eles:
Para o 1o. Pavimento, ou para casas térreas [1]: 5 m (a medida, para casas térreas, deveria ser realizada da soleira até a grande cornija de coroamento);
Para o 2o. Pavimento: 4,80 m;
Para o 3o. Pavimento: 4,5 m.
Para cortiços, casas de operários e cubículos, os valores permitidos no Padrão Municipal citado eram inferiores. Quando a edificação possuísse apenas um pavimento o pé direito mínimo aceito era de 4 m, e se possuísse dois pavimentos, para o 2° seria aceito o valor mínimo de 3,50 m.
No Código Sanitário (1894), havia uma restrição sobre a altura máxima das casas, que não deveria ultrapassar a largura da rua. Porém, no mesmo artigo eram descritas as exceções permitidas: para casas construídas fora do alinhamento das ruas, ou se a construção fosse realizada em ruas estreitas e antigas.
Quanto a altura dos edifícios, no Padrão Municipal, de 1920, foram definidos valores mínimos e máximos, para edificações junto ao alinhamento das vias públicas:
Altura mínima – 5 m;
Altura máxima – duas vezes a largura da rua (ruas com menos de 9 m de largura);
Altura de duas vezes e meia a largura da rua (ruas com largura de 9 m a 12 m);
Altura de três vezes a largura da rua – (ruas com mais de 12 m de largura).
Construções em esquinas – deveria ser considerada a via mais larga, para determinar a altura.
Na sequência havia a indicação de como aumentar o número de pavimentos nas edificações, em vias públicas com menos de 15 m de largura:
Alinhamento – edificação recuada do respectivo alinhamento, de modo que o valor obtido da soma do recuo com a largura da rua, fosse de 9, 12 ou 15 m.
Obrigações do proprietário – construir um eirado descoberto, apoiado sobre pilares ou colunas, e nivelado com o piso da primeira sobreloja (ou do primeiro andar), que cobriria toda a superfície recuada; a área de recuo deveria ser incorporada à via pública, sendo que não haveria qualquer indenização para esta finalidade.
O pé direito mínimo, para edificações de até três andares, no Código Sanitário (1894), era especificado em 4m. A partir de três pavimentos, a altura deveria ser proporcional à largura total da edificação.
No Código Sanitário de 1911, a altura mínima do pé direito, para qualquer aposento, passou a ser 3,75 m. Já, na lei no. 1.585, de 1912, e no Acto no. 849, de 1916, o pé direito mínimo, para os pavimentos nas construções era de 3,70 m [2]. No Acto no. 849 passaram a ser aceitos pés direitos mínimos de 3 m, nos “puxados”, desde que fossem construídos de forma independente dos pavimentos e recuados dos alinhamentos e destinados apenas para cozinhas, despensas, latrinas ou banheiros.
No Código Sanitário de 1918 o pé direito mínimo, para todos os aposentos passou a ser de 3 m.
Em 1920, no Padrão Municipal, os valores mínimos para pé-direito foram definidos da seguinte maneira:
Compartimentos de dormir – 3 m;
Compartimentos de permanência diurna – 2,5 m;
Lojas – 4 m;
Sobrelojas – 2,5 m, e nunca superior a 3 m, senão seria considerado como um andar;
Ático – 2,5 m, exigido em apenas metade da superfície do compartimento.
Alicerces e Fundações
Tanto na Lei no. 38, de 1893, quanto no Acto no. 849, de 1916, era determinado que, quando se fizesse o alinhamento, o engenheiro responsável deveria indicar ao proprietário, ou ao empreiteiro quais era os trabalhos preliminares a serem executados, assim como qual tipo de fundação deveria ser utilizada para garantir a estabilidade da construção.
Na Lei no. 498, de 1900, e no Acto no. 849, de 1916, havia a indicação de que os muros de alicerces tivessem 45 cm de largura, até o nível do primeiro pavimento, a partir daí passariam a ter 30 cm. Além disso, no Acto no. 849 também havia a indicação de que os alicerces fossem separados das paredes por material impermeável, afim de evitar umidade.
Nos Códigos Sanitários de 1911 e de 1918 havia a indicação de que as fundações fossem construídas sobre solo regularizado (firmado) por uma camada de concreto ou qualquer outro material conveniente.
Pisos e Assoalhos
Tanto no Padrão Municipal (1889), como no Código de Posturas (1886), quanto nos Códigos Sanitários de 1894 e de 1911 e no Acto no. 849 (1916), para a construção de assoalhos havia a indicação de que os mesmos devessem estar, pelo menos, 50 cm acima do solo.
Para o caso específico dos cortiços, no Código de Posturas (1886) a indicação era que todos os cortiços deveriam ser construídos elevados do solo em, pelo menos 20 cm, sendo este espaço completamente livre e ventilado. Já o Padrão Municipal (1886) indicava que, mesmo para cortiços, casas de operários e cubículos, o nível do assoalho do primeiro pavimento fosse de, pelo menos, 50 cm acima do solo.
Pela Lei no. 498, de 1900, e pelo Acto no. 849, de 1916 (no capítulo específico sobre casas para operários), as habitações operárias poderiam ter piso de madeira, cimentado ou ladrilhado (Figura 1). Se fosse adotada a opção da madeira, o pavimento deveria ser elevado pelo menos 50 cm do solo, que também deveria ser cimentado ou ladrilhado, o porão também deveria receber atenção especial, sendo “convenientemente ventilado”, sem haver qualquer especificação sobre esta característica.
Figura 1 – Propaganda de ladrilho nacional e outros materiais. Fonte: Il Pasquino Coloniale. São Paulo, 18 de julho de 1925, p. 22.
Caso os soalhos não fossem desmontáveis, o entrevão entre forro e soalho deveria ser completamente cheios de coque ou material similar, conforme estabelecido nos Códigos Sanitários de 1911 e de 1918. Nestes códigos foi estabelecido que, se os porões não apresentassem “condições higiênicas” os soalhos deveriam ser pregados em barrotes ou abas grossas imersas em concreto de cal, areias e fragmentos “duros” (de pedra, de telha, de ladrilho, de manilha ou de tijolo bem queimado).
Paredes
O Padrão Municipal, de 1886, indicava que casas térreas deveriam ter paredes com espessura de 30 cm. Para as edificações com mais de um pavimento, as paredes das frentes deveriam ter acréscimo de 15 cm para cada pavimento, sendo que, a do primeiro pavimento teria maior espessura. Também era indicado que as paredes de cortiços, casas de operários e cubículos, na parte interior deveriam ser rebocadas e caiadas.
A Lei Municipal no. 38, de 1893, indicava que as paredes principais, de casas isoladas de um pavimento em alvenaria de pedra ou tijolo, deveriam ter espessura de pelo menos 30 cm. E, no caso de edificações, também isoladas, com mais de um pavimento, deveria ser acrescentado 15 cm à espessura das paredes, para cada pavimento além do térreo.
A questão da espessura mínima das paredes externas com, pelo menos, 30 cm foi retomada nos três Códigos Sanitários e no Acto no. 849, de 1916.
No Acto no. 849 eram apresentadas outras especificações:
Os valores mínimos de espessuras só eram obrigatórios para as fachadas, se os edifícios vizinhos fossem construídos possuindo contato direto;
As outras paredes deveriam ter, no mínimo, 0,15 m;
As paredes divisórias internas com, no mínimo, 0,07 m.
Os Códigos Sanitários de 1911 e de 1918 também apresentavam outras restrições:
Na construção de paredes não poderiam ser usadas argamassas de argila e saibro;
Nas paredes internas, não poderiam ser empregados materiais, de cuja composição entrassem substâncias tóxicas;
As paredes deveriam ser isoladas dos alicerces por placas de asfalto, lâminas de chumbo, duas ou três fieiras de tijolos vitrificados ou esmaltados, fiadas de tijolos assentados com argamassa de cimento ou de cal, areia e alcatrão;
As paredes contíguas a terrenos, em nível superior, deveriam ser revestidas com material impermeável, para que fossem evitadas infiltrações e umidades [3].
Na lei no. 498, de 1900, e no Acto no. 849, de 1916 (no capítulo específico sobre casas para operários) se falava em espessura mínima de paredes apenas para aquelas que eram divisórias entre casas contíguas, que deveriam ter, no mínimo, 30 cm e se chegassem até o telhado.
Na lei no. 1.011, de 1907, e no Acto no. 849, de 1916, ficaram proibidas as construções, dentro do perímetro urbano, com argamassa de barro ou saibro.
Tetos e Forros
No Padrão Municipal, de 1886, havia a indicação de que primeiro pavimento de um edificação sempre fosse forrado.
Conforme a lei no. 498, de 1900, e o Acto no. 849, de 1916 (no capítulo específico sobre casas para operários) os cômodos poderiam não ser forrados, mas se fossem os forros deveriam ser pintados à óleo.
Coberturas
No perímetro da cidade [4], conforme do Padrão Municipal, de 1886, e no Acto no. 849, de 1916, não eram permitidos, se pudessem ser vistos da rua, telhados de uma água (mesmo que dentro do terreno) e sótãos (com ou sem aberturas). Ainda, conforme este Acto, em construções novas, dentro da cidade, não eram permitidos sótãos de cumeeira para frente. Porém, no mesmo Padrão Municipal, e também no Acto no. 849 eram permitidos tetos em “la Mansard”, com as aberturas que são típicas deste tipo de construção.
Na lei no. 498, de 1900, e no Acto no. 849, de 1916 (no capítulo específico sobre casas para operários) havia a especificação de que nas habitações operárias, caso não fossem adotadas platibandas, o beiral do telhado deveria ter pelo menos 30 cm.
Entradas, Aberturas e Janelas
No Padrão Municipal, de 1886, e no Acto no. 849, de 1916, havia a indicação das dimensões mínimas das aberturas a serem adotadas:
Portas – 3,20 m x 1,30 m;
Janelas de peitoril – 2,20 m x 1,10 m;
Janelas-portas – 3,20 m x 1,30 m.
Ainda eram citadas portas denominadas porte cochére [5], e portões com 2 m de largura e 3,20 m a 4 m de altura.
No mesmo Padrão Municipal, para cortiços, casas de operários e cubículos, as recomendações mínimas apresentadas para as aberturas eram outras:
Portas do 1° pavimento – 2,75 m x 1,10 m;
Janelas de peitoril – 1,85 m x 1,00 m;
Janelas de peitoril do 2° pavimento – 1,70 m x 1,00 m.
Sendo que, todas as aberturas exteriores (com exceção da porta de entrada), para as habitações de uso comum, conforme definido no Padrão Municipal, deveriam possuir caixilhos envidraçados.
A entrada comum dos cortiços, casas de operários ou cubículo, conforme o Padrão Municipal, caso a Câmara julgasse conveniente, deveria ser fechada por muro, com portão de ferro ou madeira.
No Padrão Municipal, de 1920, havia a indicação de que porta ou portão, a entrada principal de qualquer edificação, junto ao alinhamento, deveria ter, pelo menos abertura de 1,30 m.
De acordo com o Código de Posturas (1886), as janelas deveriam ter, descontando humbreiras, vergas e peitoris, 2,20 m sobre 1,10 m de largura. As vergas das portas deveriam estar no mesmo nível das janelas. Nos cortiços, com uma ou mais peças, todos os cômodos deveriam ter portas e janelas, com largura de 90 cm a 1 m e o dobro de altura.
Para as habitações operárias, na lei no. 498, de 1900, havia a indicação de que cada compartimento tivesse pelo menos uma porta ou janela que abrisse para o exterior, ou para uma área aberta com no mínimo 10 m2 de área, sendo um dos lados com pelo menos 2 m.
Tanto na lei no. 498, quanto no Acto no. 849, de 1916 (no capítulo específico sobre casas para operários) havia a indicação de que as portas e as janelas fossem pintadas à óleo (Figura 2).
Figura 2 – Propaganda: importação de tintas, óleos, vernizes e outros. Fonte: Architectura no Brasil. Rio de Janeiro, junho e julho de 1926, n. 29, p. XIV.
O Acto no. 849 retomou a indicação de que cada compartimento tivesse pelo menos uma porta ou janela para o exterior, indicou também as mesmas dimensões da área aberta contida na Lei no. 498 e no Acto no. 849 (superfície mínima de 10 m2 e dimensão mínima de 2 m). Porém, esta recomendação passou a ser para qualquer tipo de habitação e não apenas para aquelas destinadas a classe operária, além disso, as dimensões citadas eram apena para edifícios de apenas um pavimento, com 3 m de altura, para edificações mais altas ou com mais pavimentos seriam exigidas dimensões maiores para garantir a iluminação e a ventilação naturais, este acréscimo deveria possuir a mesmas proporções estabelecidas para área de edifícios de até 3 m de altura. Não eram fornecidas maiores explicações de como obter, ou calcular, tanto a área como a largura mínima da área aberta.
Também em 1916, foi publicado o Acto no. 900, com o intuito de esclarecer e viabilizar a execução destas áreas. Neste Acto foi determinado como as dimensões da área aberta e as suas respectivas proporções deveriam ser obtidas.
Conforme este mesmo Acto, tanto a área mínima da superfície aberta, como a sua largura mínima também poderiam ser obtidas graficamente. Mas, o que vale ressaltar é que havia novamente indicações de que a área mínima da superfície aberta não fosse menor do que 10 m2, e que houvesse uma distância de, pelo menos, 2 m entre as janelas e parede fronteira, exceções eram permitidas se a área era destinada a iluminar ou ventilar caixas de escada, vestíbulos de acesso, corredores ou latrinas.
Bibliografia
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SÃO PAULO (Estado). Decreto no. 2.141, de 14 de novembro de 1911. Reorganiza o Serviço Sanitario do Estado. Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Estado). Decreto no. 2.918, de 9 de abril de 1918. Dá execução ao Codigo Sanitario do Estado de São Paulo. Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Município). 6 de outubro de 1886. Código de Posturas do Município de São Paulo. Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Município). 11 de agosto de 1886. Padrão Municipal de São Paulo. Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Município). Acto no. 849, de 27 de janeiro de 1916. Regulamenta a lei n. 1.874, de 12 maio de 1915, e as disposições legaes referentes a construcções por essa lei não revogadas. Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Município). Acto no. 900, de 17 de maio de 1916. Expede instrucções para bôa execução do § unico do art. 75 do Acto no. 849, de 27 de janeiro de 1916. Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Município). Lei no. 38, de 24 de maio de 1893. Estabelece a approvação de plantas para as novas edificações. Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Município). Lei no. 498, de 14 de dezembro de 1900. Estabelece prescripções para construcção de casas de habitação operaria. Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Município). Lei no. 1.585, de 3 de setembro de 1912. Dispõe sobre alinhamento de construções. Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Município). Lei no. 1.011, de 6 de julho de 1907. Estabelece diversos favores aos proprietários que construírem prédios com mais de dois pavimentos sobre o sólo, adoptando fachadas aprovadas pela Prefeitura, em determinadas ruas. Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Município). Lei no. 1.874, de 12 de maio de 1915. Divide o Municipio em quatro perímetros e dá outras providencias. Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, SP.
SÃO PAULO (Município). Lei no. 2.332, de 9 de novembro de 1920. Estabelece o “PADRÃO MUNICIPAL”, para as construções particulares no Municipio. Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, SP.
[1] A altura mínima para as casas térreas, 5 m, foi reiterada no Acto no. 849, de 1916.
[2] Eram aceitos pés direitos de, no mínimo, 2,70 m, para as sobrelojas.
[3] No Acto no. 849, de 1916, havia esta mesma indicação para todas as paredes que fossem construídas abaixo do solo.
[4] E, posteriormente no perímetro central, conforme definido na Lei no. 1874, de 1915.
[5] Porta-cocheira, era o nome que se dava à porta mais larga de uma edificação.