Olinda: audiência pública debate respeito e tolerância a rituais de sacralização de animais por religiões de matriz africana 

 05/09/2019 - O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) realizou, na tarde de quarta-feira (4), na sede das Promotorias de Justiça de Olinda, localizada na Avenida Pan Nordestina, em Vila Popular, uma audiência pública para debater e esclarecer à sociedade e à comunidade jurídica sobre o respeito e a proteção legal às religiões de matriz africana e seus rituais de sacralização de animais.

O encontro foi resultado do Procedimento Administrativo de nº 080/2019, instaurado pela 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania com atuação na área da Saúde de Olinda, após receber ofício em que Juizado Criminal informava a realização de uma transação penal envolvendo a prática de cerimônia religiosa de matriz africana, incluindo rituais de sacralização de animais, requerendo por parte da autoridade ministerial a fiscalização de eventual agravo à saúde pública.

“Ficamos surpresos ao recebermos esse ofício. Afinal, já existe uma decisão unânime no Supremo Tribunal Federal que assegura a constitucionalidade dos rituais de sacralização de animais. Em face disso, com o apoio do Grupo de Trabalho de Enfrentamento à Discriminação Racial (GT Racismo), resolvemos marcar essa audiência pública para dar à população e aos órgãos públicos esclarecimentos quanto ao que é permitido. E, a partir daí, tentar formar um entendimento de que esses casos, quando cheguem à Justiça sejam recebidos com base na decisão do STF”, explicou a promotora de Justiça da Cidadania, Maísa Silva Melo de Oliveira.

Integrante do Grupo de Trabalho de Enfrentamento à Discriminação Racial do MPPE (GT Racismo), a promotora de Justiça Irene Cardoso Sousa ponderou a necessidade de se reafirmarem os direitos coletivos advindos da proteção aos cultos de matrizes africanas através desses locais de fala, de escuta e de encaminhamentos.

Irene Cardoso ressaltou ainda a importância de se estar nas audiências de transação penal com apoio coletivo e conhecimento de que a transação penal não é uma imposição e pode ser recusada, porém, a sua propositura é obrigatória e muitas vezes o demandado chega a essa audiência sem ciência das suas opções no momento da proposta de transação penal.

“Por que é que estamos aqui novamente para falar da sacralização dos animais? Porque além de ser cultural, também é cultural a não aceitação disso. Então, chamar uma audiência pública com a participação do GT Racismo, com a participação de uma Promotoria de Saúde, chamarmos essas pessoas para de novo as ouvirmos, de novo irmos tomar uma pauta coletiva, porque isso é coletivo. Isso não pode sair de vista de que é uma causa coletiva. E pautar de novo a posição que já é recomendação do Ministério Público em relação à questão do barulho ou não barulho, do sossego ou não sossego, da perturbação ou não perturbação, mas dessa liberdade de culto”, afirmou a promotora.

Representando o Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (Caop Saúde), a analista ministerial em Serviço Social do MPPE, Ana Lúcia Martins, fez referência à importância das questões relacionadas à saúde e ao apoio às Promotorias de Justiça da Saúde, principalmente em audiências públicas.

Mãe Elza de Yemanjá, coordenadora religiosa da Caminhada dos Terreiros de Pernambuco e membro do Fórum Interreligioso Diálogos, questionou aos presentes se as outras religiões em seus cultos também são denunciadas. Ela ressaltou que o grande problema do preconceito com as religiões de matriz africana está na generalização por atos que são tratados de forma particularizada em outras crenças. “Quando você percebe que existe uma desordem por parte de alguém, você generaliza. Ou seja, qualquer coisa que possa se acreditar diferente, ou ilegal, ou imoral, pertence a um único credo. A vertente de criminalizar é de um único credo. A vertente de criminalizar é de um único credo”, lamentou.

O conselheiro estadual de Direitos Humanos, Jean Pierre requereu ao Ministério Público de Pernambuco que a Instituição requisitasse da gestão municipal de Olinda o investimento na política pública de promoção de igualdade racial no município. Ele criticou ainda as ações que são feitas como promoção da saúde da população negra, conduzidas de forma equivocada, a exemplo da ação divulgada pelo município de “desratização do terreiro”.

José Carlos Cazumbá, da Vigilância Sanitária de Olinda, explicou que o papel da Visa está voltado para ações pautadas na prestação de serviços sanitários. E que a competência nessa discussão não seria da Vigilância Sanitária, mas da Vigilância Ambiental. Porém, seria necessário um estudo sobre o caso para se pensar de que forma poder-se-ia contribuir para uma discussão técnica.

"Por que é que estamos aqui novamente para falar da sacralização dos animais? Porque além de ser cultural, também é cultural a não aceitação disso"


 Irene Cardoso

promotora de Justiça

Já Lindinere Jane, da Vigilância Ambiental do município, disse que não é da competência dos órgãos de fiscalização sanitária a entrada em espaços não regulados, como é o caso dos terreiros. Ele informou que atualmente está em discussão dentro da Vigilância em Saúde o projeto de atualização do Código Sanitário do Município. Ele sugeriu a realização de uma reunião dos representantes de religiões de matriz africana, com os órgãos sanitários, a fim de construir um protocolo de forma coletiva.

Integrante da Rede de Mulheres de Terreiro de Pernambuco, a advogada Vera Baroni enfatizou que os terreiros são templos religiosos, não se devendo falar em estar ou não regulado. “O que necessitamos neste momento é o diálogo com os agentes públicos, ressaltando a importância de se dialogar também com os juízes, diante da situação posta neste Procedimento”, afirmou.

Por fim, a audiência teve como principal deliberação a proposta de articulação junto ao Tribunal de Justiça de Pernambuco e a Defensoria Pública Estadual a fim de reafirmar, para esses órgãos, o posicionamento do STF e da Constituição quanto ao respeito aos rituais. E teve ainda o compromisso dos órgãos de vigilância em saúde de uniformizar a atuação por meio de protocolos e notas técnicas que respeitem os ritos de sacralização de animais nos cultos de matriz africana.

Participaram representantes da Secretaria de Saúde de Pernambuco; da Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária (Apevisa); da Secretaria de Desenvolvimento Social, Cidadania e Direitos Humanos de Olinda; da Vigilância Sanitária Municipal; da Vigilância Ambiental do Município; do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (Caop Saúde) do MPPE; além de vários representantes de terreiros e povos de matriz africana.

Recomendação – Em abril de 2018, foi publicada no Diário Oficial a recomendação conjunta nº 001/2018 de autoria do procurador-geral de Justiça do MPPE e do corregedor-geral da Instituição à época, que trata entre outras recomendações de medidas de cunho institucional e preventivo no sentido de assegurar o direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos e dos terreiros tradicionais de matriz africana e afro-indígena, compatibilizando o seu exercício com o direito ao meio ambiente equilibrado, à proteção contra poluição sonora, a perturbação do trabalho ou sossego alheio.

A recomendação está disponível na edição do dia 27 de abril de 2018 do Diário Oficial.

"Qualquer coisa que possa se acreditar diferente, ou ilegal, ou imoral, pertence a um único credo. A vertente de criminalizar é de um único credo"


Mãe Elza de Yemanjá

coordenadora religiosa da Caminhada dos Terreiros de PE