MPPE e sociedade caruaruense discutem sobre o racismo e o papel das instituições no enfrentamento à discriminação

22/11/2019 - Um dos aspectos mais perversos do racismo é a negação do direito básico de todo cidadão a ter igualdade de oportunidades. Na tarde desta quinta-feira (21), o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) recebeu a população de Caruaru para debater como o poder público deve agir para colocar em prática ações de enfrentamento ao racismo estrutural e institucional.

O simpósio 17 anos do GT Racismo: análise, perspectivas e desafios foi aberto pelo promotor de Justiça Marcus Tieppo. Ele destacou que, no âmbito da Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos de Caruaru, a maior parte das denúncias é sobre intolerância religiosa contra terreiros.

“Uma das prioridades do MPPE é atuar para garantir a liberdade de crença. A gente percebe que, embora diversas religiões utilizem música e instrumentos sonoros nas suas celebrações, as pessoas só se incomodam com as religiões de matriz africana. Isso não é por acaso: o racismo ainda é muito presente na nossa sociedade e aflora nesse tipo de situação. Por isso o Ministério Público, e o Estado de forma mais ampla, deve estar preparado para trabalhar na defesa dos direitos fundamentais. Quando o poder público se omite ou pior, quando pratica o racismo institucional, ele macula a imagem e a credibilidade do Estado perante a população”, ressaltou Tieppo.

Já o coordenador de Promoção de Igualdade Étnico Racial da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos de Caruaru, Ivan Moreira, defendeu a necessidade de mais diálogo sobre os casos de discriminação. “O racismo acontece todo dia, quando nossos terreiros são invadidos, depredados. Todo dia nós negros somos vítimas de preconceito e precisamos de união para denunciar o que estiver errado”, ressaltou.

Em seguida, a advogada e ativista Lucimere Passos convidou duas mulheres para relatar experiências pessoais de discriminação. A primeira delas contou que foi intimidada por um segurança de uma loja e, ao pedir explicações sobre a prática ao gerente do estabelecimento, teve sua queixa relativizada e até sofreu hostilidades verbais de outros clientes da loja. A segunda narrou o caso de uma amiga, que foi selecionada para uma vaga de emprego por meio da análise do currículo. Ao se dirigir à sede da empresa, a recrutadora, que até o momento não a conhecia, teria dito que houve um engano ao notar que a candidata selecionada é negra. “Essa discriminação deixa marcas profundas. Ela disse que ficou tão ressentida que, quase um mês após o ocorrido, ela ainda não quer enviar currículo para outras empresas por medo de passar por isso novamente”, declarou.

Para Lucimere Passos, o racismo continua no cotidiano das relações sociais do Brasil. Segundo ela, uma pesquisa realizada na cidade de Caruaru entre os anos de 1999 e 2000 aponta que, já naquela época, as pessoas tinham a compreensão do que é o racismo e suas consequências para a população negra. “Mas o racismo é bem maior do que a gente pensa; ele está impregnado e nós precisamos agir, de forma transversal, para combater a discriminação”, complementou.

A procuradora de Justiça aposentada Maria Bernadete Azevedo Figueiroa, que foi coordenadora do GT Racismo do MPPE por 16 anos, apresentou os principais conceitos em torno do racismo como construção social com fins de dominação que se estabeleceu desde a época do Brasil colônia e que permanece até hoje.

“O racismo é a combinação do preconceito com o poder, que transpõe essa relação para toda a vida cultural e social. Ele se revela na diferença de acesso a recursos socialmente valorizados, como representação política, espaço na mídia, educação, saúde, empregabilidade. E pior ainda é o racismo institucional, que opera os mecanismos para dificultar a ascensão de grupos marginalizados. Não podemos esquecer que as instituições brasileiras são profundamente racistas e nossa trajetória para desconstruir o racismo está só começando”, pontuou.

Ela também apresentou toda a legislação vigente para promoção de políticas de igualdade e inclusão, como o Estatuto de Igualdade Racial, as leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08, que instituem a inclusão da história e cultura africana e indígena nos currículos escolares, e as políticas afirmativas, como cotas em universidades e concursos públicos.

Para concluir o evento, a coordenadora em exercício do GT Racismo, promotora de Justiça Helena Capela, apresentou um histórico do grupo de trabalho e como ele atua para promover o enfrentamento à discriminação racial dentro e fora do MPPE. “O GT teve um primeiro desafio de fazer o MPPE se compreender como uma instituição racista, saber onde nós erramos e construir as soluções. Ao longo do tempo, consolidamos nossa articulação com os movimentos sociais e a sociedade como um todo”, afirmou.

Homenagem — ao final do debate, o evento contou com uma homenagem à trajetória da procuradoria Maria Bernadete Azevedo como uma das criadoras do GT Racismo e uma das lideranças nesse debate no Ministério Público brasileiro.

“Embora eu tenha deixado a coordenação, sei que o GT Racismo conta com um grupo valoroso de membros e servidores do MPPE, que vai dar continuidade ao trabalho. Temos que nos fortalecer, porque vivemos um momento de desconstrução de direitos, e eventos como esse servem justamente para esse exercício da cidadania. Não podemos deixar de falar sobre o racismo”, resumiu.