1964 na capital do pinhão:
Arte e contexto político durante a
ditadura militar.
Construção do processo de mudança no campo artístico.
Caroline Dayane Batista - Vitória Arcega Simino - Ivan Bastos Mateus - Ana Paula Bouard do Rosário
Construção do processo de mudança no campo artístico.
Caroline Dayane Batista - Vitória Arcega Simino - Ivan Bastos Mateus - Ana Paula Bouard do Rosário
O Brasil dos anos 1960 passava por uma grande repressão política com a instauração da ditadura, que influenciou a sociedade e todas as suas diferentes instituições, agentes e ideais. No âmbito das artes, para além do momento político histórico, o território nacional (principalmente os principais eixos econômicos) estava passando por um momento de transformação e descobertas por conta das referências artísticas modernas do exterior.
A DÉCADA DE
1960
É MARCADA POR PROFUNDAS TRANSFORMAÇÕES POLÍTICAS E CULTURAIS NO BRASIL
Durante o período que precede a década de 1950, o Paraná era pouco industrializado, pois tratava se de um estado culturalmente provincial tendo a produção cafeeira como principal atividade econômica. As autoridades Paranaenses por sua vez tentava mudar a visão de estado agrícola através do incentivo as artes e a cultura local.
O Salão de Arte do Paraná e a Escola de Música e Belas Artes do Paraná na época eram ocupados por nomes não muito favoráveis à inserção da arte moderna no cenário local, os chamados discípulos de Alfredo Andersen. Em contrapartida, artistas como Guido Viaro e o escritor Dalton Trevisan traziam às claras uma ideia de arte moderna, inovadora e universal e principalmente uma produção artística engajada.
(FREITAS, 2003, p. 88-89)
Guido Viaro artista também muito importante para o circuito Curitibano, foi peça chave para a introdução da pintura moderna. Ele surge no meio artístico assim que se muda para Curitiba. Na época a imagem de Andersen ainda era muito presente e influenciava fortemente os artistas. A carreira de Viaro, assim como seu discípulo Nilo Previdi, teve foco no ensino da arte incentivando artistas de baixa renda, valorizando a liberdade e a expressão individual. Conheçamos então um pouco mais sobre a vida e atuação de Nilo Previdi:
"Eu sempre me preocupei com os esquecidos, principalmente os esquecidos da sociedade. Por isso comecei a recolher artistas e marginais que dormiam na Praça Osório no Centro de Gravura. Eu pergunto: por que a sociedade gera marginais? Por que não se evitar tal marginalização criando núcleos profissionais em cada bairro, não só com artesanato mas com oficinas de carpintaria, etc...!
Foi isso que tentei fazer: levar mendigos para o Centro de Gravura, tentar ensinar-lhes uma profissão.
Mas não me compreenderam. Eu era subversivo"
(PREVIDI, Nilo. Depoimento datil, s.d- Setor de Pesquisa do MAC/PR)
Nilo Previdi foi um artista regional ligado aos valores do Paraná, referenciando o Pinheiro Araucária de modo estilizado e com características do expressionismo. Também exaltou o trabalhador e o trabalho. Os temas mais recorrentes em suas obras são os de cunho social geralmente, com inspiração no realismo social do muralismo mexicano.
Nesse período a gravura Paranaense que tinha uma relação intrínseca com as revistas ilustradas ganha destaque assim como o trabalho artístico e social de Previdi, o comprometimento social nesse período conturbado foi o foco de muitos artistas. Os trabalhos de Nilo já tinham em si a temática social, a representação do mundo operário e a repetição das figuras das lavadeiras e trabalhadores braçais e também o simbolismo de instrumentos de trabalho e ferramentas. (Nascimento, 2013, p. 226-227)
Alguns imprevistos posteriores comprometem o projeto de Previdi, desentendimentos entre ele e a Escola de Música e Belas Artes do Paraná - EMBAP e até mesmo alguns agentes culturais que não concordavam com seus propósitos. Um dos motivos que o faz entrar em conflito com a instituição é o seu assistencialismo incômodo, característica que foi entendida como subversiva e associada a prática política contrária ao governo. Previdi sofre particularmente com a repressão militar por seus ideais comunistas e sua ideologia pautada na educação popular e acessível. (Nascimento, 2013, p. 191)
Previdi sofre particularmente com a repressão militar por seus ideais comunistas e sua ideologia pautada na educação popular e acessível. Fichado no Dops (Delegacia de Ordem Política e Social), em seu nome constam ocorrências entre os anos de 1956, 1964, 1966 e 1967. Em 1956, Previdi auxilia um grupo de pichadores que atuavam próximo ao centro, levado a delegacia ele é taxado como perigosamente subversivo sob a acusação de produzir escritos alusivos a política vermelha. Os dizeres pediam: “Anistia ampla e irrestrita.” (Nascimento, 2013, p. 194)
Natureza-Morta, 1966, Nilo Previdi. Óleo sobre tela 120,00 cm x 58,00 cm
PREVIDI, Nilo. Trabalhadores. Gravura, 1962. : Museu da Gravura/Solar do Barão, Curitiba.
Homem e a Natureza Nilo Previdi, Óleo sobre tela 61,00 cm x 71,00 cm
"Vítima do crescimento urbano, populacional e da incompreensão dos novos donos da cultura, no pós 64, foi praticamente expulso do porão da Escola de Belas Artes, onde funcionava o Centro de Gravura do Paraná. Transferiu alguma coisa para casa, mas um enorme acervo de obras de arte, entre as quais, centenas de matrizes de xilo, de metal, de livros, de documentos e depoimentos, recortes de jornal, enfim, um pedaço da história da arte paranaense, foi dali retirado e abandonado num barracão destruído no Parque São Lourenço, onde acabou servindo de fogueira para os moradores daquela região."
(MENDES, Jair. Catálogo VII Mostra da Gravura,1968)
Em 1966, ele é indiciado como integrante do instituto Cultural Brasil/Cuba; possuindo também uma indicação como membro da organização secreta de comunismo no Paraná. Em 8 de fevereiro de 1967, é registrado que foi encontrado no Centro de Gravura material subversivo denunciando o local como possível célula comunista. (Nascimento, 2013, p. 97)
Centro de Gravura, fundado com o objetivo social de instruir e direcionar jovens na técnica da gravura Previdi orientava por conta própria os alunos que passavam pelo centro. Artistas de renome como Juarez Machado, João Osório Brzezinski e Fernando Calderari também passaram por lá. Nesse período a gravura Paranaense que tinha uma relação intrínseca com as revistas ilustradas ganha destaque assim como o trabalho artístico e social de Previdi, o comprometimento social nesse período conturbado foi o foco de muitos artistas. Previdi se afasta dos salões de arte para escapar da perseguição política mas mantém sua atuação no Centro de Gravura até que entra em conflito direto com a instituição e é retirado dos porões pela diretoria da Embap. (NASCIMENTO, 2013, p. 114-115).
Muitos artistas da época se deixaram contaminar por esse estilo, as expressões exageradas nas gravuras, o realismo social, a influência expressionista mas diferente dos outros artistas que frequentavam seus círculos sociais, o que causou um distanciamento dos outros artistas filhos de nomes de influência no Estado em detrimento de sua classe e formação. (FREITAS, 2003, p. 99)
E em 1982, lê-se a manchete no jornal Estado do Paraná:
Pintura perde Nilo Previdi
“Uma nota triste para as artes plásticas do Paraná neste começo de 1982. Faleceu o pintor e gravador Nilo Previdi, morreu no domingo dia 7. Foi uma presença importante na implantação da pintura moderna em nosso Estado. Não propriamente no lado estético da mudança do acadêmico para o moderno. Mas sim no tocante a sua atuação como elemento de contestação aos valores duvidosos que tentavam impor sua liderança nas artes na década de 50, principalmente.”
(Estado do Paraná, Curitiba, 14 de março de 1982)
O espaço de liberdade que antecedeu ao golpe militar e que permitiu a muitos artistas se expressarem e divulgarem seus ideais:
REVISTA JOAQUIM
"Revista iconoclasta editada pelo jovem Dalton Trevisan entre 1946 e 1948, a Joaquim rompeu com o provincianismo local e colocou Curitiba no debate literário nacional"
(Daniel Zanella 2021 Cândido)
A revista foi palco das primeiras experiências de Dalton Trevisan, responsável por colocar Curitiba no mapa literário nacional nos anos 40 teve 21 edições entre os anos de 1946 e 1948.
Em uma Curitiba dominada pelo simbolismo francês Emiliano Perneta era seu poeta mais influente e também indiferente as mudanças propostas pelos modernistas, então a revista surge como proposta de modernização. Com as participações de Vinícius de morais, Temistócles Linhares, Carlos Drummond de Andrade, Wilson Martins, Otto Maria Carpeaux, Sérgio Millet, Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Ledo Ivo e Mario Pedrosa.
A sua primeira edição propunha uma literatura sem limites geográficos onde predominavam críticas a inspirações rasas de Emiliano Perneta considerado príncipe da poesia paranaense. A herança de Emiliano e seu movimento simbolista será fortemente negada em Joaquim.
A cultura paranaense estava fechada em si mesma e a Joaquim representava o desejo dos jovens de mudar e encontrar algo verdadeiramente paranaense. Com muitas críticas a Alfredo Andersen e o conservadorismo na pintura. “Entre Andersen e Viaro, nós, os moços, preferimos os vivos, que criam a arte dos novos tempos”, diz a crítica. Joaquim lança profundas discussões sobre as artes plásticas.
A revista era espaço significativo para ilustrações, principalmente feitas em zincogravura por vários artistas como Poty Lazaroto, Euro Brandão, o próprio Guido Viaro, Esmeraldo Blasi Jr. e Gianfranco Bonfanti, além de Cândido Portinari e Di Cavalcanti, este último ilustrador da capa da décima sétima edição. As ilustrações seguiam o estilo expressionista e com forte apelo visual.
(ZANELLA, 2021 Cândido)
Edição número #15. Revista Joaquim
Edição número #16. Revista Joaquim
João Osório Brzezinski
Através da produção de João Osório, seria elaborada uma das primeiras obras do país a se referir diretamente a esses problemas da ditadura:
A obra Quintal de parada, de 1967,que é um arranjo de estampados e estopa dobrados, colados e re-trabalhados, ao fazer uso da metáfora, conta com as seguintes inscrições ao longo de sua superfície:
Um grande imperativo: "DESCANSAR" – palavra de ordem das formações de soldados
Uma cantiga infantil : “marcha soldado / cabeça de papel / se não marchar direito / vai, preso, pro quartel”.
O Infinito e Mais um Pouco, 1963 João Osorio Brzezinski. Técnica mista
98,00 cm x 98,00 cm
Jóquei em Vermelho, 1973 João Osorio Brzezinski Pintura-colagem
Dimensão da Cor, 1963, João Osorio Brzezinski
João Urban
Fotógrafo Curitibano nascido em 1943 descendente de poloneses e autor de um ciclo de fotografias de imigrantes poloneses no estado do Paraná ("Tui i Tam - Memórias da Imigração Polonesa", Edições Mirabilia - Curitiba, 2004). Na década de sessenta, durante a ditadura no Brasil, estava envolvido em atividades políticas, participando do movimento de oposição contra os militares. Foi naquele período que ele foi intimado por ter tirado fotografias de militares durante as manifestações, em entrevista realizada em 2005 por Elza Oliveira Filha e Humberto Michaltchuk, João Urban lembra:
"Aí os caras foram atrás de mim no banco, me levaram pro Dops, me fizeram um interrogatório pesadíssimo. Não tinha começado a porrada ainda, então só interrogaram e ameaçaram, depois foram em casa pra revistar o meu quarto".
João Urban também ilustra o "Ensaio" da edição 273 de IMPRENSA [pág. 62], mostrando sua fotografia documental.
Relatos dos tempos de Resistência
"(...) E foi no Prisma que fui percebendo que a fotografia podia ser uma profissão, e então decidi montar um estúdio pra mim, com a intenção de fazer finanças para o movimento de resistência.
Em 1969, 1970, não lembro bem, ainda trabalhava em um banco, mas fui demitido por questões políticas e sindicais, por participar de greves. Em seguida, passei a me dedicar à fotografia. Fiz algumas coisas que achei que seriam vendáveis, como objetos decorativos, foto ampliadas de acontecimentos históricos e cheguei a colocar em algumas lojas, mas a coisa não era tão simples assim. Foi nessa mesma época que a repressão se intensificou e vários companheiros foram presos. Minha militância efetiva foi de mais ou menos 1966 a 1971, porque quando minha primeira filha nasceu, em 1969, passei a ter outros tipos de preocupação e, em 1971, quando nasceu meu filho, não dava mais. Fui me afastando aos poucos, mas ainda tinha algumas tarefas no movimento operário. A minha casa continuou sendo "aparelho", termo utilizado na época para lugares que abrigavam pessoas do movimento e possibilitava encontros, mas a minha militância efetiva, parei.
Certa vez, fotografei alguns policiais do DOPS [Departamento de Ordem Política e Social]. Foi uma espécie de retaliação ingênua por eles estarem nos fotografando. Eles perceberam e fizeram um movimento em minha direção. Escondi-me na multidão, retirei o filme rapidamente e entreguei a câmara para o Zaneti, que sumiu para um lado e eu para o outro. Deixei os filmes com o Motta, na Foto Paris da Rua XV, sem perceber que havia sido seguido. No final da tarde, ele foi até o banco me avisar que os "tiras" haviam estado lá, mas não encontraram os filmes, que ele havia escondido.
No dia seguinte, foram me buscar no trabalho, para o espanto do gerente, que não entendeu exatamente o que acontecia, mas avisou meu cunhado, que trabalhava na Agência Central. O resultado foi um interrogatório severo, mas sem porrada, apenas uma ameaça do Ozias Algauer: "você é esperto, mas a gente ainda te pega", disse, e fez uma revista em meu quarto. Fomos até minha casa a pé, pois não havia viatura disponível.(...)"
Série Boias Frias: Dona Maria, suas filhas e netas 1977 - João Urban
Arte Paranaense: As artes Visuais nos contextos histórico e cultural. 1960-1970
Os anos 60 foram marcados pela efervescência de ideais e atitudes no meio juvenil, no Paraná o apoio ao regime militar por parte de líderes políticos paranaenses (Ney Braga) dá a impressão de um ano muito tranquilo mas que não perdurará. Posteriormente os militares optam por retomar os projetos desenvolvimentistas de J.k que provocam a falência de várias empresas e o empobrecimento geral da população, empobrecimento esse tanto no âmbito econômico quanto no cultural. O milagre brasileiro em 1969 que durou até 1973 desafoga os cofres beneficiando apenas as classes mais altas; nesta época o surgimento da abstração gestual e nova figuração da espaço para o questionamento a cerca dos meios mais nobres da arte.
Muitos artistas e jornalistas são fichados pelo DOPS e colocados sob suspeita, uma parcela disso tem suas obras vigiadas, censuradas e confiscadas e quanto a outros a tortura a prisão e até mesmo o exílio.
Neste contexto teremos a criação do MAC e do MAM com a exibição da mostra” Opinião” marcado por temas políticos e propostas vanguardista. No Paraná destaca se a não figuração, reação crítica ao poder oficial e encontros de arte moderna.
(QUELUZ, OSINSKI, 2008, p 9-26)
Um marco importante na consolidação do moderno no Paraná viria a ser a fundação da Galeria Cocaco, antiga loja de molduras que seria ponto de encontro de muitos artistas e intelectuais como Alcy Xavier, Garfunkel, Fernando Velloso, Paulo Gnecco, Werner Jehring, Athos Velloso, Eduardo Rocha Virmond, Fernando Pessoa e até mesmo jornalistas como Benjamin Steiner. Cocaco também foi a primeira galeria particular de Curitiba a trabalhar com arte moderna tendo como primeiro evento a exposição do artista Loio-Pérsio.
(FREITAS, 2003, p. 95-96)
Loio-Pérsio. Sem título- 1957- Tinta metálica.
"O Salão de 57 que foi “assaltado por uma quadrilha de velhos imbecis, que fizeram da pintura um remédio para as suas enxaquecas e um artifício a mais para obter dinheiro fácil, não representa em absoluto a arte paranaense", uma vez que esses “fósseis”, mesmo "depois da bomba atômica e do satélite artificial, continuam perpetuando uma pinturinha que já era ruim e desonesta no século passado”. “Como explicar" – continua Loio – “na constituição do júri deste Salão, a presença unânime das honoráveis habilidades rançosas? Por que os dois membros da Comissão Julgadora (...) são ambos acadêmicos, bozos reconhecidos, avessos à arte moderna? (...) Seria preciso desentocar da sua obscuridade medíocre esses dois espécimes arqueológicos?”
LOIO-PÉRSIO. “O XIV Salão Paranaense de Belas Artes ou a burrice oficializada”
Em 1957 a exposição no Salão de Artes Paranaense acontece, alguns artistas participantes inconformados com o júri tiram suas obras do salão e organizam com a ajuda de Ubaldo Puppi sua própria exposição denominada " O Salão dos Pré-Julgados".
Com forte presença de uma poética abstrata e não geométrica que se infiltrou nas artes paranaenses graças ao realismo socialista e as ofensivas culturais norte americanas, as poéticas não figurativas se enraizaram em nosso estado fruto da geração inconformada de artistas modernos e da carência que tínhamos de um espaço que abrigasse esses artistas. O Paraná que ainda se sustentava pela produção de café nos governos que sucederam Lupion vão começar um projeto de industrialização completa que vai se refletir também nas artes.
(FREITAS, 2003, p. 98-99)
Com a conquista do espaço dessa nova geração, que buscava introduzir o abstracionismo, nos espaços de educação, exposições, salões e até mesmo na esfera política, propiciou um grande avanço e expansão do meio artístico, patrocinando até mesmo produções que protestavam contra a ditadura.
A nova geração buscava destrinchar o processo artístico, buscando a objetividade da obra, as suas intenções e o gesto, ademais integrar o público e o indivíduo neste. Aproveitando o gancho de toda essa inovação, houveram também claras e objetivas críticas em relação ao regime militar, apesar da censura sofrida. Na Curitiba dessa mesma época, nós temos um escasso acesso aos trabalhos do exterior e também um já consolidado cenário artístico, juntamente com as pretensões políticas locais. Com as restritas instituições de ensino referentes a artes plásticas que tínhamos na época, focava e propiciava uma formação ainda na representação acadêmica e conservadora, enfatizando a pintura, o desenho e a gravura baseada em Alfredo Andersen. A juventude, em contrapartida, tem contato com os livros de arte e com as Bienais de São Paulo, que traziam um pouco mais do abstracionismo americano e europeu, fomentou um movimento pela mudança e renovação do ambiente artístico, que, de fato e lentamente, foi se alterando. Os espaços para apresentação e exposição eram poucos, como o Salão Paranaense de Belas Artes, o Salão da Primavera e o Salão de Curitiba, que tinham parâmetros bem definidos para aceitar uma obra, criando uma validação de valor, do qual atraía um fluxo econômico também. A galeria Cocaco foi um meio para que os jovens artistas se inserissem neste meio.
(FREITAS, 2003, p. 104-106)
(GASSEN, 2007, p. 19-20 )
(SOARES, 2011)
Principais nomes da nova onda abstracionista:
Fernando Calderari
João Osório Bszerninski
Fernando Velloso.
Werner Jehring
Loio Pérsio
Tais artistas viveram em um ambiente onde não se tinha um mercado do qual eles pudessem viver, então restava apenas esperar pela aceitação dos salões de arte Paranaense. Essa ofensiva constante ao conservadorismo nos salões não passavam despercebida e como era de se esperar houve uma resposta por parte desse grupo. Com apoio de artistas contrários à não figuração e personagens da esquerda cujo argumento contra a abstração era propagar a alienação e o escapismo, eles respondem de forma violenta com respaldo da secretaria de arte e cultura do Paraná. O Projeto de consolidação da arte moderna no Paraná começa definitivamente com a promoção de Ennio Marques Ferreira a diretor da secretaria de educação e cultura que preenche as cadeiras do júri com diversos nomes da arte moderna incluindo pintores historiadores, críticos e teóricos dando início a o que podemos chamar de ditadura abstracionista que será fortemente criticada por Nilo Previdi, Paul Garfunkel e Miguel Bakun. As contendas entre abstracionistas e "figurativos" se tornam públicas e cada vez mais agressivas.
(FREITAS, 2003, p. 108-110)
"Não era tudo abstrato, era abstratizante, e o pessoal, a turma do Previdi foi à exposição dele e virou os quadros de cabeça para baixo. E eu denunciei isso como sendo um movimento reacionário, cafajeste, compreende? Que desprestigiava um avanço na pintura, e defendi Krajcberg. Quem ficou do meu lado, entre os pintores, foram pouquíssimos. (...) Acho que eles eram indignos de representarem qualquer coisa em relação à arte, por estarem fazendo justamente o que fizeram na França quando começarem a ver os impressionistas, em 1890. (...) Eles jogavam fora, cuspiam, faziam o diabo. E aqui eles fizeram a mesma coisa, se apresentando como arte moderna. Ele (Nilo Previdi), o Luiz Carlos de Andrade Lima, o René (Bittencourt), foram lá para destruir a exposição, fizeram protesto e tudo. E eu fui defensor do Krajcberg e até hoje ele menciona isso."
(VIRMOND, 2001)
O Salão Paranaense de Belas Artes deste ano representa o coroamento das atividades de um grupo de críticos e intelectuais que, através de suas vinculações com artistas e intelectuais de São Paulo e Guanabara, resolveram dividir, entre amigos, os prêmios instituídos pelo Governo do Paraná para aquela mostra. Reflete, como já dissemos ontem a tragédia cultural que sofre o Estado do Paraná. (...)Então, em determinado momento de nossa evolução social, os borradores e seus amigos, podemos situar nos anos de 1960-1961, apossam-se do comando cultural deste Estado, pondo e dispondo uma política cultural ao seu bel-prazer. Corre boca a boca o slogan oficial: “Quem não for abstrato não recebe prêmio e, o que é pior, nem entra no Salão de Belas Artes”. (...)
Vários artistas de valor vêm sendo sacrificados por esta política de rendas e alfaias, transformando ainda mais as artes plásticas em deleite de uma minoria pedante e de privilégio cultural daqueles que têm na arte motivo de “rendez-vous” cultural, a que não pode faltar o bom uísque escocês. (...) Para defenderem as suas posições, os intelectuais autores das deformações culturais recorrem às bienais de São Paulo, de Veneza e Paris. Esquecem-se de que as alienações dos artistas dos países desenvolvidos, ainda que não reflitam as dificuldades de grande parte das populações, pelo menos brotam de estágios mais avançados da sociedade humana; a presença de países subdesenvolvidos nesses certames se divide em duas partes: os “universais”, que vivem com Pangloss o melhor dos mundos e dedicam abstrações aos seus compradores privilegiados, e os conscientes, que refletem a vida e a alma de seu povo. Para exemplificar, logo depois de algumas requintadas exposições abstratas oficializadas, inaugurou-se em Curitiba amostra de artistas mexicanos: o povo mostrou suas preferências, apesar da pequena publicidade; o confronto ia do trágico ao ridículo. Sabemos que a arte é um meio de comunicação entre homens. O que podem comunicar os burros, cretinos e alienados? Nada, absolutamente nada! E aí vem o sr. Gotlieb (vencedor da última Bienal de São Paulo) e diz, enfático: “ pinto apenas para algumas pessoas que me entendem... "É de se perguntar ao cidadão: e por que não guarda para os seus amigos? E que têm que ver os governos com as suas personalíssimas produções, para oficializá-las? Acontece que vivemos num país em que o analfabetismo é uma tragédia (não uma preguiça ou uma incapacidade, senhores), em que a fome é uma desgraça, em que a mortalidade infantil é um horror; país em que falta pão e leite e frutas, e comida mesmo, na mesa de 70 por cento da população... O artista tem opção perante a vida e a realiza em qualquer parte do mundo; ninguém o impede de seguir seus caminhos, mas não se exija, sequer se admita que um governo transforme as preferências pessoais de qualquer alienado em arte patrocinada oficialmente, a não ser que os objetivos desse governo sejam exatamente fixar privilégios de grupos sociais "
MARCELINO, Walmor. “O Salão de Belas Artes”. O Esportivo, Curitiba,05/12/1963.
(FREITAS, 2003, p. 114-116)
A arte abstrata predominava no cenário artístico, segundo Marques essa predominância era justificada pela tentativa de mostrar aos curitibanos uma forma não acadêmica de se fazer arte. Mas de qualquer forma a diversidade estava prejudicada.
(FREITAS, 2003, p. 117)
A arte Paranaense daqui em diante vai tentar ao máximo ser independente das manifestações típicas americanas ou europeias, Também haverá a formulação de outras bases além da pintura e da escultura que até então eram quase que obrigatórias. A participação do espectador também é crucial, o que seria o princípio do que podemos chamar de proposições para a criação. "ANTIARTE"
(SOARES, 2011)
Essa frase do artista Hélio Oiticica ilustra perfeitamente o que seria a nova vanguarda vigente.
Características dessa nova vanguarda:
abertura de arte ao público/ tensões entre engajamento e experimentalismo.
Imagens do Urbano e suburbano surgem nos meios experimentais e não mais a imagem do camponês rural ou até mesmo do senhor de terras.
Os argumentos contra as manifestações dessa nova vanguarda eram as acusações de promiscuidade e contaminação por influências externas pondo em questão o suposto caráter nacional desse movimento.
Posteriormente incorpora-se a figura do trabalhador urbano que ainda remete ao passado camponês.
Colaboração da CPC/Une que tinha como objetivo o uso instrumental e ingênuo da arte como suporte para o conteúdo e agenciamento políticos.
(SOARES, 2011)
Contexto Histórico da neovanguarda nos anos 1960
Período de redemocratização do país - aumento da produção cultural, cenário artístico com forte conotação nacional de esquerda.
A Exigência de engajamento político na arte - A tentativa de repensar a arte de modo mais patriota leva muitos artistas intelectuais a assumirem uma orientação paternalista de arte popular.
Modernização e avanço em massa, surto de desenvolvimento e rápida urbanização.
Construção de Brasília
Surgimento da televisão o que facilita a expansão dos meios de comunicação em massa.
Crescimento da classe média; novos padrões de consumo.
Passagem da pintura para o objeto e sua desmaterialização.
"Caráter sociopolítico da abertura da arte ao público que implica em uma reflexão efetiva sobre a política das artes."
(SOARES, 2011)
-Doi- CODI^2- Sistema de inteligência e repressão do exército agindo como uma polícia política silenciando a oposição.
-Após o golpe, artistas e intelectuais protestavam usando como foco a resistência, universidades, museus , teatros, editoras, imprensas e as ruas.
⦁ Nascimento de um sentimento "romântico revolucionário". Onde se buscava no passado as bases para construção de uma revolução nacional.
⦁ O estado pós 64 buscava assumir uma identidade puramente nacional diretamente ligada a cultura popular.
⦁ Tentativa de reintegração nacional, tentando unir o popular e o nacional.
⦁ O estado fabrica uma identidade nacional conciliando a pluralidade da cultura popular, pretendia com isso estimular a cultura como meio de integrar mas tudo sob o controle do estado.
⦁ Mercado cultural estimulado, preservação da memória nacional e do patrimônio, estímulo a cultura popular genuinamente brasileira, propagação de uma cultura de massa.
GOVERNO ARTISTAS
-Estado promovendo um nacionalismo - Promoviam o nacionalismo crítico e
"embelezador" denunciavam o autoritarismo, expondo
-símbolo de uma democracia genuína. a condição de terceiro mundo.
Artes Visuais - Proponha retomada da visão crítica para com a realidade social, política e existencial.
1960/1970 - PROJETO VANGUARDA ENGAJADA/ reinterpretou a ideia de participação política que não se manifestava apenas nos trabalhos, mas na busca por renovação dos mecanismos do sistema nas artes plásticas e sua inserção na sociedade.
⦁ Mobilizar a participação do público;
⦁ Alterar o modo de aparição da arte;
⦁ Questionar o sistema das artes plásticas.
"Após a negociação das velhas estruturas, do caduco sistema das artes após a autodeterminação das individualidades, eis, o exército da liberdade."
FREDERICO MORAIS (1975)
1968 - Manifestações artísticas experimentais e críticas, de caráter esquerdistas.
1968 - Instaura-se AI-5 "golpe dentro do golpe".
"Os que tinham apenas vozes calaram-se, ou foram calados. Os conformados assistiram. Os que pretenderam falar com as armas fizeram-nas falas, mas por pouco tempo; foram destruídos. Suas vozes enterradas na terra, na prisão, no exílio.
( REIS FILHO, 2002)
Os militares acreditavam-se imbuídos de uma " missão civilizatória" que levaria o Brasil para uma nova realidade econômica, política e moral.
As propagandas políticas discursavam se apropriando ao conceito de nacionalidade - falavam de sociedade Brasileira, Cultura Brasileira, economia Brasileira, obrigando a arte a seguir tais padrões de nacionalidade, as novas regras de conduta
⦁ Revitalização das imagens idealizadas do passado x Rejeição da análise crítica e realista.
⦁ Aqueles que se afastavam da "leitura" oficial do Brasil ou tentavam uma reflexão crítica eram censurados.
⦁ As censuras as artes provocaram a reação de diversas artistas e críticos. (ABCA) Associação Brasileira de Críticos de Artes presidida por Mário Pedrosa emite uma nota de repúdio afirmando que isso atentava contra a criação da obra de arte e o livre exercício da arte.
⦁ Os associados da (ABCA) foram aconselhados a se recusarem a fazer parte do júri de concursos promovidos pelo governo. Isso foi decisivo para a efetivação de um protesto internacional contra X Bienal de São Paulo.
⦁ Boicote a X Bienal 1969.
⦁ O Estado Pós-64 não é capaz de impedir o desenvolvimento de uma arte vanguarda e com enfoque em acontecimentos sociais. /dotado de atitude ético-política.
(SCHROEDER, Anais do fórum de pesquisa em arte, 2013)
Muitos grupos buscam novos experimentos afrontando diretamente os meios mais conservadores da pintura e escultura. Com o contexto político em que viviam os artistas desse movimento viram que seria necessário uma retomada da posição crítica que haviam abandonado por hora.
(SOARES, 2011)
Os investimentos público e privado eram muito menores do que aqueles voltados para a publicidade, a televisão ou a música popular. A particularidade e consequente irreprodutibilidade das obras de arte, bem como a individualidade de cada artista plástica/o em contraposição à coletividade da televisão, da música, do cinema e do teatro, não facilitava a entrada do meio artístico aos demais universos da cultura. Além disso, o novo caráter de contestação social e político das artes plásticas fez com que o governo militar cortasse as poucas pontes que existiam entre o movimento cultural e as massas, a fim de evitar que a intelectualidade pudesse fomentar uma espécie de “contragolpe”. Segundo Marcelo Mari, a crise institucional advinda do golpe militar de 1964 deu fim às vanguardas construtivas, bem como não deu espaço para o surgimento de uma nova alternativa possível para a arte. (PESSÔA, 2015, p. 1-2)
A arte de vanguarda atuava publicamente como uma expressão crítica aos sistemas e circuitos que regiam as artes bem como à repressão coletiva das expressões artísticas imposta pela ditadura militar. Neste momento, vários artistas passaram a fazer sua arte ligada à crítica política, trazendo em cena muito fortemente o binômio arte política. Segundo Morais,
“ O artista de vanguarda não se restringe a produzir obras. Ele luta por impor suas ideias, que não se esgotam, evidentemente, no campo estético.”
O Artista, hoje, é uma espécie de guerrilheiro. Segundo o autor, a arte era “uma espécie de emboscada. Atuando de maneira imprevista, onde e quando é menos esperado, de maneira inusitada (...) o artista cria um estado permanente de tensão, uma expectativa constante. Tudo pode transformar-se em arte, mesmo o mais banal evento cotidiano”. Contudo, apesar de a base estética e ideológica para a construção de uma vanguarda brasileira parecer estabelecida, ainda haviam muitas contradições no meio artístico brasileiro de então, visto que o mesmo acabava sustentado um certo ar discriminatório frente às manifestações artísticas que não se adequassem. (PESSÔA, 2015, p. 3)
Como podemos perceber, a truculência e o controle da liberdade de expressão advindos da ditadura militar, desencadearam a revolta de artistas que se dispuseram a fazer uma arte contestatória, carregada de significados, forte e, de certa maneira, marginal. As/os artistas agiram como guerrilheiras/os e suas obras como armas contra um regime agressivo e intolerante. Contudo, para que essa arma fosse vista como tal, teve de sair dos museus e galerias e ir para as ruas, a fim de entrar em contato direto com o público para assim expandir e espalhar a sua mensagem de resistência. (PESSÔA, 2015, p. 8)
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