"A Natureza do Destino"
Amanda Sanches, Letícia Waku, Letícia Luciano e Luiza Andrion
Amanda Sanches, Letícia Waku, Letícia Luciano e Luiza Andrion
Miguel Bakun nasceu no pequeno município de Marechal Mallet no ano de 1909, e faleceu na capital curitibana em 1963. Filho de imigrantes eslavos, ele ingressou na Escola de Aprendizes da Marinha de Paranaguá, em 1926. Quando foi transferido para a Escola de Grumetes do Rio de Janeiro em 1928, conheceu o artista José Pancetti, que foi importante na carreira de Bakun por instigá-lo inicialmente em sua produção artística.
(Enciclopédia Itaú Cultural)
Miguel Bakun jovem em seu ateliê (sem data).
Por volta de 1930, após sofrer um acidente em serviço caindo de um mastro, ficou impossibilitado de seguir a carreira na marinha, então, transferiu-se para Curitiba, local onde se casou com Teresa Veneri (assumindo também seus três filhos do primeiro casamento) e começou sua trajetória artística.
(PROLIK, 2009, p.73).
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Inicialmente, tentou buscar seu sustento por meio da fotografia ambulante e executou trabalhos para anúncios, letreiros e decoração de interiores. Nessa mesma época, ele começa a ensaiar sua carreira artística pictórica mesmo sem formação acadêmica na área, quando então conhece o artista Guido Viaro e o cineasta João Baptista Groff que o incentivaram ainda mais a pintar.
(PROLIK, 2009, p.73).
Miguel Bakun, Cena de mar, entre 1940 e 1960. 63,5 x 77 cm. Técnica: óleo sobre tela
Em 1950 ele foi convidado a pintar o Salão dos Papagaios (torre e salão superior) na mansão do governador Moisés Lupion, residência hoje conhecida como Castelo do Batel, patrimônio histórico tombado pelo Estado do Paraná. Durante cerca de seis meses, realiza exaustivo trabalho na produção de painéis murais pintados com tinta a óleo sobre compensado de madeira, com área aproximada de 517m². Alguns temas ecléticos são retratados como: cena de tourada e dançarinos espanhóis, mercado árabe e odaliscas, pirâmides do Egito, índios, pinturas rupestres, cena de casamento, etc.
[...] Na torre circular da mansão encontra-se uma pintura panorâmica de marinha organizada em três faixas horizontais: superior com céu, nuvens e gaivotas; central, com mar verde e amarelo na linha do horizonte; e inferior, com areia e mar vistos de dentro com peixes, corais, etc. (PROLIK, 2009, p. 76.)
Pintura Mural executada em 1950, no torreão da residência do governador Moysés Lupion, atual Castelo do Batel. Foto: Diego Pisante.
Pintura Mural executada em 1950, no torreão da residência do governador Moysés Lupion, atual Castelo do Batel. Foto: Diego Pisante.
Pintura Mural executada em 1950, no torreão da residência do governador Moysés Lupion, atual Castelo do Batel. Foto: Diego Pisante.
Localização do Castelo do Batel onde se encontra o Salão dos Papagaios.
Para a historiadora Katiucya Périgo, esse momento da carreira de Bakun foi bastante profícuo, ele participou de exposições individuais e de mostras coletivas como o Salão Paranaense e o Salão da Primavera do Clube Concórdia. A trajetória do artista pelo Salão Paranaense de Belas Artes mostra que de 1947 até 1960 o artista havia ganhado cinco prêmios em dinheiro, uma menção honrosa e duas medalhas, bronze e prata.
Périgo discute que, no Paraná, os elogios dos críticos dirigidos a Bakun não o beneficiaram em vida, apesar de na época ter recebido um bom retorno também de críticos do Rio de Janeiro e São Paulo, como Pietro Maria Bardi. Na mente dos acadêmicos ele era considerado um pintor ruim que queria ser acadêmico, e iria aprender a pintura correta com o tempo, ignorando os traços antiacadêmicos do artista.
Para a autora, arte de Bakun era considerada entre o limite da arte acadêmica e a arte moderna, expressionista por alguns e figurativa por outros. Fato que não o favoreceu dado a preferência dos críticos e júris paranaenses em seu tempo. Passou os últimos anos de sua vida se queixando e triste sobre as críticas que recebia de artistas contemporâneos e críticos que escreviam em jornais pois facilmente se deixava ofender.
(PÉRIGO, 2003. p. 2 e 62-63)
Já em 1960, que é um período artístico marcado pelo abstracionismo gradativamente adentrando aos salões de arte, Bakun começou a ficar isolado com suas pinturas figurativas, o que agravou sua situação econômica e culminou em uma depressão que o levou a suicidar-se em 1963, em um galpão atrás de sua residência, na cidade de Curitiba.
Em 1962, no XIX Salão ele é premiado com um prêmio de aquisição, porém como ele não era mais dono do quadro ele não pode receber o prêmio e recebeu então um estojo de tintas. Esse episódio somado aos comentários diminutivos que o seguiram são considerados por muitos a gota d’água para o artista, que cometeu suicídio alguns meses depois.
O trabalho pictórico de Bakun é conhecido por ter uma paleta reduzida de verde, azul e amarelo, cuja plasticidade é bastante característica. Ele foi um pintor autodidata, marcado por seu anti-academicismo, e justamente por ter traços tão marcantes e intuitivos ele é considerado hoje um artista pós-impressionista.
(PÉRIGO, 2003. p. 64)
Miguel Bakun. Galo de briga, Óleo sobre tela, 45,5 x 55 cm, Categoria: pintura
Documentário da vida e arte de Miguel Bakun feita pela TV Professor.
Link de acesso: https://www.youtube.com/watch?v=jRnIipuV2tQ
Este livro nasce da monografia de pós-graduação da artista Eliane Prolik (1960) apresentada ao Curso de Especialização em História da Arte da Escola de Música e Belas Artes do Paraná - EMBAP, tendo a participação também do crítico de arte Ronaldo Brito (quem orientou sua pesquisa acadêmica), do historiador Artur Freitas e do professor e artista Nelson Luz. O projeto de edição, tanto do livro quanto da exposição oriunda dele, foram desenvolvidos graças à Lei Municipal de Incentivo à Cultura. Editado pela própria Eliane Prolik, foi lançado em 2009.
A vida e a obra de Miguel Bakun são ilustradas pelas suas próprias pinturas em boa parte da publicação, que procura desvincular a aura mística do artista como sendo apenas sua assinatura. Ao invés disso, o livro traz uma análise conjunta dos autores (e principalmente da Eliane Prolik) baseada em sua pintura, suas características modernas e informais, as paisagens como ponto principal de exploração pictórica do artista, a gestualidade e empastamento de uma paleta reduzida de cores, e o resultado de uma personalidade excêntrica e uma realidade precária que mesmo mediante a diversas dificuldades, traz o retrato do antiacademicismo da pintura paranaense.
É presente no livro também uma cronologia com opiniões de diversos críticos de arte e artistas que conviveram com ele, ressaltando as características específicas de Bakun ao longo de sua trajetória de vida pessoal e artística. Além disso, ao final da publicação, ela conta também com uma cronologia pós mortem que descreve as premiações, exposições e projetos que tiveram a participação das obras do artista e celebração de sua vida.
No início dos anos 1940, se estabelece em um ateliê compartilhado, cedido pela prefeitura, onde conviveu com os pintores Alcy Xavier, Loio-Pérsio, Marcel Leite e Nilo Previdi, os quais também eram pintores antiacademicistas. É o momento em que mais tem contato com o meio cultural de Curitiba, que nunca o integrou completamente. Porém, é o período que mais produziu: dedicou-se à pintura de retratos, natureza-morta, marinhas, e também à pintura de paisagens. Com a alta produtividade, se superou em relação à sua complexa condição de trabalho, que incluía desde barreiras técnicas à precariedade dos materiais utilizados, como a reduzida paleta de cores e a tela preparada com estopa. O uso de amarelos, azuis e verdes vibrantes e com pinceladas grandes e intensas, tornaram Bakun um dos carros-chefes do modernismo paranaense, mesmo que seu reconhecimento apenas tenha sido válido após seu falecimento.
(Aprendendo com Miguel Bakun: Subtropical)
A arte no Brasil na época de Bakun caminhava mais devagar em comparação com a Europa, e as primeiras informações chegavam nas metrópoles mais movimentadas como São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1951, aconteceu a primeira Bienal de São Paulo e diversos artistas curitibanos foram em excursão para lá. Chegando no local se chocaram com a com a diferença artística entre as duas cidades. A partir daí, cada artista começou a seguir seu próprio caminho e sair da monotonia em que se encontravam.
(Entrevista com Fernando Velloso, Encontros com Arte- ECOA, 2020)
Viagem à Bienal de São Paulo, interior do ônibus: Bakun, Werner Hering, Renato Pedroso, Zezo Negrão, Fernando Velloso, Heroníades Trindade. Em pé, Francisco Bettega. Foto: Domício Pedroso.
Miguel Bakun se encontrava em meio a um campo artístico em conflito e em transformação caracterizado pela dicotomia entre o academicismo representado pelo legado de Alfredo Andersen e a presença de seus discípulos de um lado, e o modernismo representado por Guido Viaro do outro, além de uma arte abstrata feita por artistas jovens que estavam começando a crescer dentro do campo até ganhar reconhecimento na década de 1960 (FREITAS, 2011. p. 90-91 e 102).
O domínio das instituições de consagração por parte dos academicistas e a produção de discursos com o intuito de disseminar o modernismo e informar um grupo que ainda estava ligado à formas mais conservadores de arte principalmente através da revista Joaquim permeavam esse conflito (OSINSKI, 2015. p. 426-429).
E onde Bakun se situava no meio dessa luta pelo domínio do campo artístico? Apesar de ter uma pintura que não se enquadrava em nenhum dos movimentos em questão, ele conseguia se comunicar com os dois polos, sendo aceito pelos agentes de consagração por meio de salões e ganhando prêmios por manter uma obra ainda figurativa que tinha certa similitude com a paisagem, e também era aceito pelo modernismo que o adotou pelas características matéricas de sua obra. O que denota que o pintor não teve falta de reconhecimento em sua vida, mas sim um problema de entendimento, o que o historiador Artur Freitas caracterizou como "o problema – Bakun" (FREITAS, 2011. p. 89-92).
Da direita para a esquerda: Guilherme Matter, Nilo Previdi, Nelson Luz e Bakun em uma exposição
O artista com pincel, palheta e chapéu, no quintal da casa na rua Paraguassu
Dentro do campo artístico curitibano se formou todo um mito sobre Bakun baseado em suas estranhezas. Artistas e críticos que compunham o campo, redigiam textos que focavam nas características físicas e psicológicas de Bakun, deixando o seu trabalho em segundo plano e dificultando seu entendimento. Segundo Boudelaire, essa criação mítica em torno do artista vem em decorrência de reconhecê-lo pela falta de referências e assim se cria a imagem do artista apoiada em outros aspectos que não a sua obra para formar a imagem de um ser mítico e melancólico (PÉRIGO, 2003. p. 107). Dez anos após sua morte, sua obra começara a ganhar reconhecimento dentro do mercado de arte muito em decorrência desse mito criado em seu entorno. Enquanto em vida, mesmo sendo consagrado nos salões, Bakun não conseguia ter muitas vendas de seus trabalhos e tinha uma grande dificuldade financeira, ele dependia de sua aposentadoria provinda da marinha e poucos mecenas locais, entre eles o governador Moysés Lupion (FREITAS, 2011. p 88-89).
Sendo o que Bourdieu chama de artista ingênuo pela falta de referências, Miguel Bakun necessitava que houvesse um reconhecimento por parte dos agentes do campo artístico, e assim ele mesmo almejava este reconhecimento principalmente ao participar dos salões (PÉRIGO, 2003. p. 35).
Embora Bakun fosse um artista autodidata, qualidade que Guido Viaro interpretava como algo positivo (OSINSKI, 2015. p. 445-447), a convivência com outros artistas certamente influenciou sua obra, o que não tirou sua característica imagética livre dos cânones acadêmicos. Ele participou de um ateliê promovido pela prefeitura onde pode aperfeiçoar suas técnicas com o contato com outros artistas como Alcy Xavier, Loio-Pérsio, Marcel Leite e Nilo Previdi, além de também estar presente na Galeria Cocaco que possibilitava discussões entre os intelectuais modernistas (PROLIK, 2009. p. 74 e 78. e PÉRIGO, 2003. p. 75-76).
Outro aspecto que pode ter o influenciado, não somente em suas pinturas, mas também, gerado um processo de identificação, é a comparação feita pelos artistas contemporâneos dele com Van Gogh sobre suas características físicas, psicológicas e imagéticas, além da culminação em um fim trágico, comum aos dois artistas, caracterizando Bakun como o Van Gogh curitibano. Enquanto estava visitando a França, Fernando Velloso enviara um postal com uma das obras de Van Gogh para Miguel Bakun no qual escrevera: “Querido Bakun, visitando o lugar onde Van Gogh viveu lembramos muito de você que é o nosso Van Gogh. Um abraço, Fernando”. Ennio Marques Ferreira também emprestaria um livro sobre Van Gogh para Bakun que não conhecia bem sua história. Tanto Fernando Velloso, como Ênnio têm certo arrependimento dessas situações por um receio de ter ocorrido uma identificação de Bakun com a história do artista pós-impressionista, levando a seu suicídio. (PÉRIGO, 2003. p. 19-20)
Bakun, Werner Hering, Alcy Xavier, Paulo Gnecco, Domício Pedroso, Fernando Velloso e Guido Viaro em exposição de Domício, na Biblioteca Pública do Paraná
Depois de muito esforço para se incluir no campo artístico e ter reconhecimento, Miguel Bakun é deixado de lado com a ascensão do abstracionismo e sua presença nos salões, demarcando uma mudança no discurso que se afastava do academicismo e dificultava a inscrição de suas obras. Em 1962, o pintor recebe seu último prêmio, que seria um alto valor, porém ele havia doado a obra em questão para Oscar Martins Gomes, o que ia contra o regulamento e então recebeu como prêmio uma caixa de tintas, esse episódio foi fonte de grande frustração para Bakun que um tempo depois se suicidou. (PÉRIGO, 2003. p. 64-66)
FERREIRA, Ennio Marques. 40 anos de amistoso envolvimento com a arte, 2006. Curitiba: Fundação Cultural.
FREITAS, Artur. A natureza dispersa: Miguel Bakun. Revista Porto Arte. Porto Alegre. v.18, n. 31, novembro de 2011.
LOURENÇO, Cleidiane. Um olhar sobre Curitiba pelos quintais de Miguel Bakun. O Mosaico: Curitiba, n. 8, p. 17-29, jul./dez., 2012.
OSINSKI, Dulce Regina Baggio. O artista como crítico de arte: Guido Viaro e um olhar moderno sobre Miguel Bakun (1946). História e Perspectivas: Uberlândia, n. 53, p. 423-449, jan./jun. 2015.
PÉRIGO, Katiucya. Ser visto é estar morto: Miguel Bakun e o meio artístico paranaense (1940 - 1960). Dissertação (Mestrado em História) - Curso de Pós-Graduação em História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2003.
PROLIK, Eliane. Miguel Bakun: A natureza do destino, 2009. Curitiba: edição do autor.
VIARO, Guido. Bakun. Joaquim. Curitiba, ano I, n. 5, jul. 1946.
Idem. Bakun. Joaquim. Curitiba, ano III, no 19, jul. 1948.
Aprendendo com Miguel Bakun: Subtropical. Disponível em: https://www.institutotomieohtake.org.br/exposicoes/interna/aprendendo-com-miguel-bakun-subtropical Acesso em: 18/06/2021.
Entrevista com Fernando Velloso, Encontros com Arte- ECOA, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Rp_rNNoPpII
História Disponível em: https://www.castelodobatel.com.br/historia Acesso em: 25/06/2021
Miguel Bakun. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8681/miguel-bakun. Acesso em: 14/05/2021.
Miguel Bakun. Disponível em: https://www.tourvirtual360.com.br/mon/miguel-bakun.html Acesso em: 14/05/2021.
Miguel Bakun (1909 - 1963) Disponível em: http://www.arte.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=115 Acesso em: 14/05/2021.
Cena de mar - Miguel Bakun Disponível em: https://artsandculture.google.com/asset/cena-de-mar/NQGa58e0MT_klQ?hl=pt-BR Acesso em: 14/05/2021