MAMUCAST!

Episódio Mamucast! S3E07 - O dia em que (o centro d)a Terra parou! 

Salve Mamutinhes! Aqui é a Rebeca e hoje vamos falar sobre o dia que o centro da Terra parou! Os pássaros vão ficar doidos? Os golfinhos vão nos abandonar? As bússolas vão parar de funcionar? Ou não passa de mais sensacionalismo barato? Como sabemos qual é a composição do centro da Terra e o que isso tem a ver com o campo magnético terrestre? O que, de fato, vai acontecer se o “centro da Terra” parar?

Pra gente falar sobre isso temos que lembrar das nossas aulas de geografia e da estrutura do nosso planeta!

Estrutura da Terra

Figura 1: estrutura da Terra.
Estudos recentes indicam uma quinta camada referente ao núcleo!

Podemos imaginar o nosso planeta como uma grande cebola cujas camadas são divididas da seguinte forma. A camada mais superficial, com espessura entre 40 e 70 quilômetros, é chamada de Crosta Terrestre, sendo formada majoritariamente por rocha sólida. A seguir temos o Manto, uma casca aproximadamente esférica com cerca de 2900 quilômetros de espessura. Ele é formado por diversos tipos de rochas silicosas ricas em ferro e magnésio que se encontram em uma complexa mistura de materiais fundidos e sólidos. Finalmente, no centro do planeta, encontramos o Núcleo, formado por metais como o ferro e o níquel em altíssimas temperaturas e pressão. Ele é dividido em duas partes principais. A externa é líquida e está localizada entre 2900 e 5151 quilômetros de profundidade. Já a parte interna, cuja profundidade chega a 6371 quilômetros, é sólida devido à alta pressão a que está submetida (temperaturas acima de 5000 ºC). Pesquisas mais recentes apontam que essa parte mais interna apresenta ainda subestruturas.

Como sabemos o que tem no núcleo da Terra se não tem como colocar um detector lá dentro?

Podemos empregar vários métodos distintos para estudar o núcleo da Terra! Partindo da caracterização da composição da própria crosta terrestre e de meteoritos, passando pelo entendimento dos processos de formação dos planetas  e chegando no comportamento de ligas metálicas, em condições de alta pressão e temperatura!

Além disso, os terremotos são de extrema importância! Sim, é através das ondas sísmicas que conseguimos obter informações sobre o que há debaixo da crosta terrestre! Podemos fazer experimentos e simulações de como a propagação das vibrações ocorre nos materiais e, a partir do tempo de emissão do sinal e localização de sismógrafos, mapeamos a estrutura por debaixo da superfície. Os métodos sísmicos se baseiam na geração de ondas elásticas por meio de explosões, ar comprimido, quedas ou vibrações.

Dessa forma sabemos, atualmente, que o núcleo da Terra é um pouco maior que o planeta Marte, tendo cerca de 3486 km de raio. É constituído por metais, principalmente, ferro e níquel, submetidos a altíssimas pressões, correspondentes a mais de três milhões de vezes a pressão atmosférica e, portanto, muito densos. As temperaturas no núcleo provavelmente excedem os 4000-5000 °C. A parte externa do núcleo, uma casca esférica com aproximadamente 2270 km de raio, encontra-se em estado líquido, enquanto que a parte interna, uma esfera com aproximadamente 1216 km, em estado sólido. Na primeira a temperatura predomina sobre a pressão; já na segunda, é a pressão que ganha essa queda de braço, daí as diferenças de estados físicos no núcleo.

Sabemos, pela análise da formação das rochas, que essa diferenciação de estrutura no núcleo ocorreu há pelo menos 3,5 bilhões de anos, durante a formação da Terra. O núcleo da Terra vem crescendo desde então, à medida que o planeta “esfria”. Não, isso não significa que haverá uma nova idade do gelo amanhã! Contudo, o calor do núcleo aquece o manto via convecção térmica, de forma que, eventualmente, a Terra vai, aos poucos, numa escala de bilhões de anos perdendo o calor.

A convecção térmica é uma das formas de como o calor ou a energia térmica flui de maneira espontânea em gases e líquidos. É esse processo que justifica colocarmos os aquecedores no chão e os aparelhos de ar-condicionado no “alto”.  Já que a massa de fluido quente, por ser menos densa, sobe, ao passo que, conforme troca calor com o seu entorno, resfria-se, tornando-se mais densa e, por isso, desce, criando, assim, um ciclo.. É como o que acontece com um forno quente que acabou de ser desligado. Eventualmente, ele vai entrar em equilíbrio térmico com o ambiente. O quanto ele demora para atingir esse estado, depende de vários fatores, mas, principalmente, dos materiais com que o forno é feito, ou seja, de sua capacidade térmica. No caso do núcleo da Terra acontece basicamente a mesma coisa. Eventualmente, a parte mais interna do núcleo se cristalizou e à medida que a temperatura diminui, esse cristal aumenta. Quais as consequências imediatas para nossa vida no planeta? Ainda nenhuma, são processos que duram bilhões de anos…

Sabemos que Ferro e Níquel são magnéticos, mas é só isso que gera o campo magnético terrestre?

Para podermos entender um pouco sobre a origem e o funcionamento do campo magnético terrestre, precisamos estudar um pouquinho de magnetismo. Certamente, você já deve ter ouvido falar que o ferro e o níquel são dois metais magnéticos. Talvez, já tenha até brincado de magnetizar a ponta de uma chave de fenda com um imã para facilitar na hora de colocar alguns parafusos. O que talvez você não saiba é que essa propriedade é uma consequência macroscópica da estrutura eletrônica desses materiais. Mas, para explicá-la, teremos que nos aventurar no mundo da mecânica quântica e, para piorar, falar sobre uma quantidade física que não tem um análogo clássico: o famigerado spin.

Todas as partículas elementares, como, por exemplo, os elétrons, apresentam uma propriedade intrínseca chamada spin, que, por um acaso da natureza, comporta-se como momento angular. E, apesar de o momento angular ser uma quantidade que, normalmente, associamos a corpos em rotação, isso não significa que o elétron esteja girando. Certamente é a origem dessa grande confusão, mas deixemos essa discussão para outro episódio. Voltando aos elétrons, o seu spin apresenta dois estados possíveis de polarização que, no auge de nossa criatividade, resolvemos denominar spin para cima e spin para baixo. Lembra das aulas de química em que a gente tinha que colocar umas setinhas para cima e pra baixo nas linhas que representavam os orbitais atômicos? Pois bem, elas representavam o spin do elétron. E você podia colocar no máximo duas dessas setinhas, uma para cima e outra para baixo, em cada uma dessas linhas. Trata-se de uma manifestação do princípio da exclusão de Pauli, que afirma que dois férmions não podem ocupar o mesmo estado quântico.

Acontece que alguns átomos possuem uma distribuição eletrônica que, ao somarmos os spins de seus elétrons, sobra um momento magnético diferente de zero. Não, não se preocupe, não vamos entrar nos detalhes de como se soma momento angular. Basta apenas você saber que toda carga com momento angular não nulo, seja ele oriundo do spin da partícula ou de sua rotação tridimensional, como no caso de cargas elétricas percorrendo um circuito fechado, possui um momento magnético diferente de zero. Mas, da mesma forma que a carga de um elétron é pequena, o campo magnético gerado por apenas um desses átomos com momento magnético diferente de zero também é muito pequeno. Esse campo magnético só vai ser percebido macroscopicamente se tivermos muitos desses átomos juntos, todos com o seu momento magnético apontando na mesma direção. É exatamente essa a situação dos chamados ímãs permanentes. Daí, quando aproximamos um desses ímãs   permanentes de, digamos, uma superfície cheia de limalha de ferro, o campo magnético do ímã permanente alinha os momentos magnéticos dos átomos de ferro da limalha, que estavam até então desordenados, fazendo com que a limalha se organize ao longo das chamadas linhas de campo.

Tá, então se o ferro e o níquel são magnéticos então tá claro de onde vem o campo magnético terrestre, não?

A resposta é não!

Num material com magnetismo permanente ou induzido, como a ponta da chave de fenda que comentamos anteriormente ou a agulha de uma bússola caseira, temos regiões grandes em que praticamente todos os momentos magnéticos dos átomos estão alinhados na mesma direção. É exatamente esse alinhamento em escala macroscópica que gera os efeitos magnéticos que observamos. Mas, esse efeito ocorre sempre?

Não. Determinar as condições para que essa magnetização ocorra foi o trabalho mais importante de Pierre Curie! Ele descobriu que, a partir de uma certa temperatura, denominada temperatura de Curie, os materiais magnéticos perdiam suas propriedades magnéticas. Por exemplo, se pegarmos um ímã permanente de ferro e o aquecermos a temperaturas superiores a 770 ºC, ele deixará de atrair outros metais magnéticos. Vale lembrar, contudo, que a essa temperatura, o ferro ainda está no estado sólido, visto que sua temperatura de fusão é de 1538 °C. Isso significa que a partir da temperatura de Curie, os átomos têm tanta energia cinética que seus momentos magnéticos passam a apontar em direções aleatórias, perdendo, assim, o ordenamento que propicia suas propriedades magnéticas. Por isso, o núcleo da Terra sozinho não pode ser o responsável pelo campo magnético terrestre!

Mas, como vocês devem ter ouvido no episódio de Natal do Faraday, cargas elétricas em movimento geram campos magnéticos! A intensidade do campo depende da velocidade e da direção do movimento dessas cargas. No caso da Terra, a convecção térmica na fronteira entre a parte sólida e a parte líquida do núcleo gera a movimentação do Ferro e Níquel em alta pressão e temperatura que é responsável pelo campo magnético terrestre! Esse efeito é chamado de Geodínamo!

Registros minerais presentes na crosta terrestre indicam que o campo magnético terrestre existe há pelo menos 3,5 bilhões de anos. Contudo, a solidificação da parte mais interna do núcleo, provavelmente, só ocorreu há cerca de 1 bilhão de anos. Sabemos disso através da paleogeologia e do paleomagnetismo! Assim como analisamos fósseis de animais e plantas via datação de carbono 14, procedemos de uma maneira bem parecida com as rochas! Nesse caso, não usamos o carbono, mas sim outros átomos, como, por exemplo, o Argônio. A idade do nosso campo magnético também pode ser estimada a partir da medida da magnetização remanescente de rochas ígneas, é como se esses minerais guardassem uma memória dos primórdios do campo magnético terrestre. A partir desses dados, podemos entender mais sobre o passado do nosso planeta, incluindo a origem da própria vida. De fato, algumas hipóteses relacionam a sua origem com o surgimento do campo magnético terrestre, já que o nosso campo magnético atua como um nosso escudo natural das partículas que vêm do Sol e do espaço.

Figura 2: Cinturão de Van Allen e como o campo magnético da Terra é responsável pelas Auroras Boreais e Austrais!

Figura 3: Direção toroidal (flecha azul) em torno do toro. Direção poloidal (flecha vermelha), longitudinal ao toro.

Em meados da década de 1940, o físico alemão Walter M. Elsasser propôs, a partir do estudo do magnetismo remanescente das rochas, que um dínamo auto sustentado atuaria como fonte do campo magnético terrestre. Esse dínamo seria alimentado pela convecção térmica das camadas mais externas do núcleo da Terra, sugerindo um mecanismo de feedback através do gradiente de movimentação do núcleo em direções diferentes de um toro.


A velocidade dos metais líquidos no núcleo é cerca de alguns quilômetros por ano, muito maior, por exemplo, do que do movimento das placas tectônicas. Mas a convecção não é só um movimento de sobe e desce, pois devido à rotação da Terra, qualquer movimento de translação é sobreposto pelo movimento de rotação, cuja velocidade no equador é algumas ordens de grandeza maior, aproximadamente 1.674,4 km/h. Assim, forma-se uma corrente que se move em forma de parafuso.

Figura 4:Diagrama de formação do campo magnético terrestre através do geodínamo (vídeo).

Embora não conheçamos todos os detalhes, a rotação da Terra também desempenha um papel na geração das correntes que atuariam como fonte do campo magnético. A primeira sonda que enviamos a Vênus nos anos 1960, a Mariner 2, descobriu que o planeta não possui campo magnético. Embora o conteúdo de ferro no núcleo deveria ser semelhante ao da Terra, a velocidade de rotação de Vênus, cujo enorme dia equivale a 243 dias terrestres, é, provavelmente, muito pequena para produzir o efeito dínamo!

A intensidade do campo magnético!

Apesar de já observarmos os efeitos do campo magnético da Terra desde séculos antes da era comum, sua intensidade foi medida pela primeira vez apenas em 1832, por Carl Friedrich Gauss. Seu valor médio medido na superfície da Terra é de cerca de 0,5 Gauss e diminui na direção do hemisfério norte. No início do século 19, o próprio Gauss, juntamente com Weber,  cunharam as unidades relacionadas com o campo magnético ao fazerem essas medidas!  A sua magnitude varia sobre a superfície da Terra na faixa de 0,3 a 0,6 Gauss. Atualmente, usamos com maior frequência outra unidade para a intensidade do campo magnético, o Tesla, cuja unidade equivale a 10,000 Gauss. Assim, um campo de de 1,0 T é extremamente alto e você muito provavelmente veria uma placa alertando para para evitar o local em caso de usar um marcapasso. Portanto, o campo geomagnético tem uma intensidade relativamente baixa, uma vez que o ferro e o níquel líquidos têm sua condutividade elétrica significativamente reduzida, de forma que as correntes de convecção do geodínamo não geram campos com alta intensidade.

E, combinando as leis do eletromagnetismo e da hidrodinâmica conseguimos levantar algumas hipóteses de como o campo magnético da Terra se formou, através da comparação de simulações com dados experimentais. Além disso, a partir de medidas de satélites, conseguimos observar mudanças na Terra inteira com facilidade. Em 1996, por exemplo, cientistas chineses analisaram dados, coletados ao longo de três décadas, de terremotos que se originaram de uma mesma região, cuja energia foi detectada pela mesma estação de monitoramento, a milhares de quilômetros de distância. Desde a década de 1960, o tempo de viagem das ondas sísmicas emanadas por esses terremotos mudou, indicando que o núcleo interno gira mais rápido que o manto do planeta.

Figura 5: A mudança da energia das ondas sísmicas em função do tempo está relacionada com a velocidade de rotação do núcleo terrestre.

Ou seja, o campo magnético terrestre não é uma “entidade” estática, ele vai se modificando à medida que o núcleo se move em relação ao manto e à rotação da Terra. Ele pode até reverter sua polaridade! Sim, a última vez que isso aconteceu foi há cerca de 20 mil anos atrás!

Figura 6: As medidas da intensidade do campo magnético observado (azul) no fundo do oceano ao longo da elevação do Pacífico Leste são bem descritas pelo perfil calculado (vermelho) com base nas inversões magnéticas da Terra nos últimos 4 milhões de anos, supondo uma taxa constante de movimento do fundo do oceano para longe de um centro hipotético de propagação (abaixo). O padrão de reversões usado pela USGS (United States Geological Survey) até cerca de 4 milhóes de anos foi determinado pela datação de potássio-argônio.

Figura 7: Campo magnético radial no limite núcleo-manto (em milliteslas) entre as épocas 1590 e 2020 dos modelos de campo geomagnético.

O pólo sul magnético, que fica perto do pólo norte terrestre, vagueia de maneiras imprevisíveis que fascinam exploradores e cientistas desde a década de 1830. Em meados da década de 1990, ganhou velocidade, passando de cerca de 15 quilômetros por ano para cerca de 55 quilômetros por ano! Em 2001, ele havia entrado no Oceano Ártico – onde, em 2007, uma equipe pousou um avião no gelo marinho na tentativa de localizar o pólo.

Em 2018, o polo cruzou a Linha Internacional de Data, uma linha imaginária na superfície terrestre que implica uma mudança de data obrigatória ao cruzá-la, para o Hemisfério Oriental. Atualmente, está indo direto para a Sibéria.

Tá e o que isso tudo significa?

As primeiras notícias de janeiro de 2023 indicam que o núcleo interno parou de girar em relação ao manto. Os dados dos terremotos, principalmente daqueles entre 1995 e 2021, sugeriram que uma alta velocidade de rotação do núcleo interno havia diminuído por volta de 2009. Eles observaram a mudança em vários pontos ao redor do globo. Os pesquisadores afirmam que se trata, possivelmente, de um fenômeno planetário geral relacionado à rotação do núcleo, e não apenas uma mudança local na superfície do núcleo interno. Entretanto, não há consenso sobre as teorias do movimento desse núcleo interno. Por outro lado, muitos pesquisadores afirmaram anteriormente que a camada geológica mais interna do planeta gira junto do resto do planeta a uma taxa ligeiramente mais rápida do que a da superfície. Para piorar, a própria natureza do fenômeno não é uniforme para que todos os cientistas obtenham exatamente os mesmos resultados em partes diferentes do planeta!

Esses dados sugerem que o núcleo interno pode até estar no processo de voltar à sub-rotação, isto é, apresentar uma velocidade mais lenta em relação à rotação da Terra. Nesse caso, algo provavelmente está acontecendo com as forças magnéticas e gravitacionais que impulsionam a rotação do núcleo interno. Tais mudanças podem ligar o núcleo interno a fenômenos geofísicos mais amplos, como aumento ou diminuição da duração do dia na Terra. Mas, se essas mudanças ocorrerem, serão da ordem de alguns milisegundos. Segundo Yang e Song, da Universidade de Beijing: “A longa história de registro contínuo de dados sísmicos é fundamental para monitorar o movimento do coração do planeta”. Ou seja, por mais terrível que possa parecer, precisamos de mais eventos sísmicos para continuar a entender o que acontece no núcleo da Terra!

Fontes:

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Produção:

Música: Gabi

Pauta: Rebeca e Gabi

Arte/edição: Produção