MAMUCAST!

Episódio #S02E07 Há muito tempo atrás, numa Galáxia muito distante... com Stephane Werner!

Salve, salve Mamutada! Aqui é a Gabi, de novo. Mas desta vez, falo de uma galáxia muito, muito distante. E percorri toda essa distância para entrevistar a brilhante e, muito provavelmente conhecida por vocês, Stephane Werner. Famosa pelo seu trabalho de divulgação científica no youtube, twitter e instagram, ela é bacharel em Astronomia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2017), mestra em Astronomia pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (2019) e, atualmente, faz seu doutorado em Física pela universidade de Nottingham no Reino Unido. Além de fazer vídeos e fios bonitos, instrutivos e irreverentes, ela procura por galáxias e tenta entender como aglomerados de galáxias se formam e evoluem. Olá Stephane, é um enorme prazer ter você com a gente! Seja muito bem-vinda!


Perguntas


  1. Vamos começar com algumas perguntas básicas e complicando aos poucos. O que seriam exatamente as galáxias e os seus aglomerados? E qual é a relação desses objetos com a macroestrutura do universo?

Stephane: Essa pergunta, na verdade, é bem complicada no sentido que eu fui até em uma conferência recentemente. Minha orientadora foi uma das professoras dessa conferência e, ela levantou uma das questões, era uma discussão sobre o que é um aglomerado, qual a definição de um aglomerado, e isso cada um tem a sua resposta.

Na verdade, é uma questão em que cada um fala uma coisa, mas nós vamos chegar lá. Primeiro sobre Galáxias: geralmente a gente vê aquelas imagens bonitas de espirais e a nossa galáxia e tudo mais, mas as galáxias que eu trabalho, por exemplo, na imagem são pontinhos, alguns pixels, por causa da distância. Quanto mais distante a galáxia está, mais difícil é você captar dados dela. Mas o que seria uma galáxia?

Uma galáxia está num Halo de matéria escura, então ela é feita de matéria escura, de gás - que forma as estrelas, algumas tem mais outras tem menos gás -, estrelas e de remanescentes estrelares como, por exemplo, quando as estrelas evoluem, no fim elas podem virar uma Nebulosa Planetária com uma Anã Branca Central, elas podem virar um buraco negro ou uma estrela de nêutrons, então isso vai depender da massa da Estrela. Se a estrela for muito massiva, quando morrer ela vai acabar virando um buraco negro ou uma estrela de nêutrons.

Uma galáxia é basicamente isso: matéria escura, estrelas, gás remanescentes estrelares e, se ela for massiva o suficiente, vai ter um buraco negro supermassivo no seu centro. A gente não sabe hoje se todas as galáxias têm buraco negro supermassivo central, a gente sabe que as mais massivas como, por exemplo, a Via Láctea ou Andrômeda tem, mas as galáxias que a gente chama de Galáxias Anãs, não sabemos se têm porque é muito difícil ter dados, isso é uma questão em aberto ainda da área.

A galáxia é feita desses principais componentes e elas podem estar sozinhas no universo - não sozinhas, sozinhas, mas elas podem estar meio isoladas- ou, no caso da maioria delas, algumas estão em grupos - grupos são algumas dezenas de galáxias juntas -, ou elas podem estar em aglomerados - os aglomerados são milhares, centenas de milhares de galáxias juntas. A diferença principal de um grupo para um aglomerado é basicamente a massa, que está relacionada à quantidade de galáxias, mas a maior parte da massa desses aglomerados e desses grupos na verdade é matéria escura. Então, é basicamente um Halo enorme de matéria escura que tem essas galáxias, tem gás, tem um plasma que fica ali no meio entre o aglomerado, entre as galáxias - esse material ionizado.

Se você for pensar no que os aglomerados têm, é basicamente matéria escura, gás e galáxia, mas o que é um aglomerado em si existem diversas definições. Tem gente que define por massa, um aglomerado é uma estrutura do universo que tem mais que 10^14 massas do sol. Essa é uma das definições. Uma outra definição está relacionada à questão da distância do aglomerado, se o aglomerado está até uma determinada distância é um aglomerado, antes aquilo é um próto aglomerado. É nebuloso o que é de fato um aglomerado e a definição, então em diferentes literaturas e diferentes papers e estudos vão acabar definindo aglomerados de forma diferente.

Gabi: Você tem noção de desde quando estudam aglomerados de galáxia? Porque em geral essas definições que não estão não bem estabelecidas são definições razoavelmente novas.

Stephane: Eu sei que o estudo de aglomerados de galáxias começou assim… é muito recente, no sentido do tempo histórico, porque a gente só descobriu que existia outra galáxia além da nossa no começo do século passado. Então, tem 100 anos que a gente descobriu que Andrômeda era uma outra galáxia, não uma coisa dentro da nossa própria galáxia. O estudo de galáxia em si já é uma coisa muito recente, então o estudo de aglomerados, que é uma coisa ainda mais específica, é mais recente ainda, então eu acho que você está certa nesse sentido de… que é uma parada que é difícil também por ser recente.



  1. Vocês classificam os aglomerados de galáxias de acordo com o seu redshift, ou desvio para o vermelho, em português. Você pode explicar em poucas palavras o que é essa grandeza, seu significado para a classificação dos aglomerados e como podemos medí-la?

Stephane: O redshift está relacionado à distância da gente a um objeto e quando a gente fala em distância em astronomia, está relacionado à idade do universo, por exemplo, hoje a gente está em redshift 0 e daqui há bilhões de anos atrás pode ser redshift 2, até o redshift infinito que é o Big Bang. É uma forma de medir a idade do Universo, de quanto você está olhando para o passado. Na hora de medir redshift, por exemplo, isso já é uma coisa mais técnica, o redshift está relacionado ao desvio para o vermelho que o fóton, por exemplo, vai ter. Vamos supor que você tem espectro de uma galáxia, essa galáxia vai ter uma linha de emissão e essa linha de emissão vai estar redshiftada dependendo da distância que essa galáxia está em relação a gente.

Gabi: Só para fazer um adendo para quem não sabe que é um espectro de emissão: a cor que a gente enxerga o sol é resultado de um desses espectros de emissão que tem a ver com o tipo de elemento que tem nesse objeto astronômico. A gente sabe que conseguimos fazer medidas na Terra, que não sofrem o efeito do redshift, para saber onde deveriam estar essas linhas espectrais que estão relacionadas com os elementos que a gente já imagina por estudar, outros objetos dessas galáxias e aglomerados mais distantes.

Stephane: Perfeita a sua explicação, muito obrigada por isso!

Mas é isso aí! Então, a gente sabe onde aquela linha deveria estar, então a gente mede essa diferença do comprimento de onda para saber o redshift dessa galáxia, por exemplo. O redshift está relacionado à idade do universo e a parte interessante disso é que está ligada à pergunta anterior que você fez. Com relação ao que é um aglomerado. Uma das definições é, por exemplo, tudo que está a partir de redshift 2 ou redshift 1 é um proto aglomerado e depois um proto aglomerado, que no caso seria uma estrutura que virá a ser um aglomerado.

Gabi: Acho que deu para entender e ficar bem claro. Só para dar uma pincelada, apesar da gente estar falando de redshift, que é um desvio para o vermelho para ondas de luz, você ouvinte já está muito acostumade com esse tipo de fenômeno para ondas sonoras. É só você lembrar de quando passa uma ambulância do seu lado: você vê primeiro ela ficando bem aguda conforme ela vai se aproximando da gente e depois que ela se afasta vai ficando cada vez mais grave, este no final é exatamente um “nhioooom” e esse “ooom” do final é exatamente um análogo ao redshift.


  1. Em seu último trabalho, você discute a influência de alguns mecanismos na evolução das galáxias e seus aglomerados. Pode nos contar um pouco sobre esses mecanismos e o que você aprendeu a partir deles sobre a formação e evolução dos aglomerados?

Stephane: As galáxias não são sempre a mesma coisa, não é algo do tipo “nasceu a galáxia e ela vai ficar daquele jeito para sempre”. Conforme o tempo passa, as coisas no universo acontecem e, conforme as coisas vão acontecendo, as galáxias vão evoluindo. Tem uma discussão atual que é uma pergunta em aberto, até que ponto a galáxia evolui sozinha? Por exemplo, eu falei que as galáxias têm gás, se ele for frio o suficiente, ele vai formar estrelas. Então, vamos supor uma galáxia sozinha no universo, se ela tem gás, o que vai acontecer é que com o tempo ela vai consumir esse gás, porque esse gás vai se transformar estrelas e, conforme o tempo passa, as estrelas também evoluem, por exemplo, no final podem virar uma estrela de nêutrons, uma anã branca ou buraco negro.

Conforme o tempo passa, tudo no universo vai evoluindo, as galáxias vão mudando sua forma, mudando sua cor e, em geral, as galáxias que são mais azuis são as que formam bastante estrelas e conforme o tempo vai passando essas estrelas vão morrendo. Têm estrelas azuis que têm um tempo de vida mais curto do que as estrelas vermelhas, então conforme o tempo vai passando e as azuis vão morrendo, só sobram estrelas vermelhas. Uma galáxia que é principalmente Azul, vai se tornar mais vermelha, e isso só considerando a galáxia sozinha. Só que dependendo de onde Galáxia esteja essa evolução não não vai ser da galáxia sozinha, ela vai interagir com outras galáxias, por exemplo, como Andrômeda, que vai colidir com a nossa Via Láctea. É uma galáxia vizinha que é maior do que a nossa, e elas vão colidir e formar uma galáxia só. Então essa evolução depende do meio em que a galáxia está.

Uma das coisas é a colisão de galáxias, que a gente chama de Murtric, em que duas galáxias se encontram e acabam se tornando uma só. Pode acontecer também uma coisa - que acontece muito em aglomerados -: elas estão em velocidade muito alta (em grupos essa velocidade não é tão alta) e acabam colidindo formando uma só. Isso, que chamamos de burdger, é mais raro em aglomerados, já que as galáxias estão numa velocidade muito alta, o que acontece é que galáxias passam umas pelas outras e formam como se fossem “caudas” pois interagem mas não formam uma só.

Então, essas interações em que uma passa perto da outra é bastante relevante em aglomerados. Como eu tinha dito, os aglomerados também têm gás e esse gás vai acabar interagindo com a galáxia também. Imagina que tem uma Galáxia e ela tá passando no meio de um gás, ele vai interferir nessa galáxia porque ela tá passando por dentro de um meio. Essas são algumas coisas que se consideram: interação com gás, interação com a gravidade do aglomerado em si, das galáxias entre si. Outra coisa que pode ter é que o buraco negro supermassivo da galáxia pode acabar sendo ativo, e quando ele é ativo, muita coisa pode rolar também. Isso com certeza afeta a evolução da galáxia e do meio que a galáxia está. É muita treta!

Gabi: É um sistema bem complexo! Eu prefiro o meu sistema pequenininho que tem mais coisas controladas. Você nem entrou na “grande treta”, não colocou nessa equação uma coisa que você falou antes: a matéria escura, que a gente não faz ideia do que seja!


  1. No imaginário popular, influenciado pelas lindas imagens astronômicas diariamente publicadas na internet, a vida de ume astrônome se resume a olhar para o céu estrelado usando telescópios. Sabemos, por outro lado, que a realidade na academia é muito diferente dessa figura estereotipada e idealizada. Pode-nos contar um pouco sobre como é a sua rotina de pesquisa?

Stephane: Isso é uma coisa engraçada da astronomia, porque tem muita gente que entra na faculdade achando que vai ficar olhando o céu “Aí, vou ficar olhando pelo telescópio” e não é nada disso. Meu dia a dia é eu e meu computador rodando códigos…

Vou resumir o que aconteceu comigo hoje: eu acordei e fiz o que todo mundo faz quando acorda, aí beleza. Fui para Universidade, cheguei lá, sentei minha bunda em frente ao computador e fiquei escrevendo - porque eu estou escrevendo a discussão de um paper -, depois eu coloquei o código para rodar coisas que demoram para rodar - programação, que geralmente eu uso Python -,mas é basicamente eu, um computador e eu tentando entender o que está acontecendo com galáxias que estão há muitos milhões de unidades de distância.

Minha vida é basicamente eu no computador e lidar com dados - do hubble inclusive -, escrever e tentar entender e eu tenho lido muito também porque o projeto que estou trabalhando agora é de uma área de aglomerados mas é de uma área específica que não li muito sobre, então estou tendo que ler bastante para escrever discussão. Mas eu acho muito divertido! Para mim, não perdeu a graça apesar de eu não estar no telescópio todo dia.

Gabi: É importante você falar, né. Parte da nossa rotina é muita leitura! Porque as pessoas esquecem que a gente tem que ler, não somente coisas novas, para saber o que tá acontecendo na literatura, como também as novas descobertas, novas perguntas e saber o que está em alta. Às vezes a gente tem que sentar a bunda, ler um um texto de 300 ou 200 anos para entender as coisas que ainda são relevantes! É importante essa historicidade da ciência. Não é uma coisa que surge na nossa cabeça “Einstein estava errado!”, você vai lá e digita qualquer bobagem na frente do computador e tá tudo certo.

Acho que isso é muito importante, ficar bem claro que ciência é um processo lento! Quando a gente fala de coisa de 10 anos, foi ontem na ciência, quando falamos de coisas de 100 anos, também foi ontem se você pensar que a ciência surgiu há muito tempo - pelo menos o que a gente entende (como ciência), se a gente voltar pros gregos, principalmente no desenvolvimento da Matemática (eu estou falando da matemática porque estou lendo bastante história da matemática).

  1. Ainda falando sobre imagens tiradas do nosso universo, será que você poderia comentar um pouco sobre a importância de telescópios como o Hubble e o JWS para nos ajudar a realizar novas descobertas?

Stephane: Essa é uma coisa que eu acho muito linda, a beleza da gente estar vendo a ciência acontecer. Eu não sei nem por onde começar, mas vamos começar pelo Hubble. Eu, hoje, uso dados do Hubble para minha pesquisa e o Hubble é um telescópio espacial que observa a galáxias, quando você está olhando para o céu você está olhando de certa forma para o passado, você está olhando as galáxias que estavam há bilhões de anos atrás, porque a luz demora um tempo para sair da galáxia e chegar até a gente, então meio que a gente está olhando para o passado, que é luz que está chegando de uma galáxia, que possivelmente, hoje é de outra forma.

Gabi: Ou talvez nem exista mais…

Stephane: Ou talvez nem exista mais!

Gabi: Só para dar uma escala, o sol está a 8 minutos da gente na velocidade da luz e o sol está aqui do ladinho…

Stephane: Mas assim, é muito importante que exista essa evolução no sentido tecnológico, porque muita gente fala, por exemplo, que o James Webb vai substituir o Hubble, isso não é verdade! É uma coisa complementar, ele não foi criado para ser um substituto porque o Hubble ainda está em funcionamento e é ciência de ponta, é também telescópio espacial, são coisas complementares.

Na minha área, na área de Galáxias em geral, o grande ponto é que tempo é literalmente dinheiro e para você observar galáxias que estão muito longe, você precisa de muito tempo de observação no telescópio porque a quantidade de luz que chega é menor do que uma galáxia que está perto. Se eu olho para o sol, vejo aquele monte de luz vinda dele porque o sol está pertinho mas uma estrela parecida com o sol e que está bem distante, você vê como um pontinho. Quanto mais distante está, menos brilho a gente recebe - brilho não é a melhor palavra, mas, enfim, a gente recebe menos fótons, menos luz.

Para observar as galáxias que se formaram há milhões ou Bilhões de anos após o Big Bang, você precisa de muito tempo do que a gente chama de tempo de exposição, você precisa de muito tempo observando aquela galáxia e uma outra forma de você conseguir diminuir esse tempo e ter mais luz é aumentando o tamanho do espelho do telescópio, por isso que hoje se constrói telescópios com espelhos gigantescos, porque quanto maior o espelho mais luz ele está recebendo e menos tempo de exposição é necessário.

A grande coisa do James Webb é essa evolução tecnológica na questão do espelho e a questão de que vai ser mais um telescópio espacial de ponta olhando para milhões de anos após o Big Bang. A gente vai conseguir ter dados que até hoje a gente não tem sobre as primeiras galáxias, e a vantagem de ser um telescópio espacial é que não tem atmosfera para atrapalhar, se você tira o espectro de uma galáxia da Terra você vai ter a interferência da atmosfera. Existem maneiras de contornar isso, porque existem muitos telescópios espaciais no Chile, tem, por exemplo, o Very Large Telescope, que é um conjunto de telescópio de ponta do ezo - ciência de ponta -, que tem outros mecanismos, que são mais técnicos, para tentar tirar esse efeito da atmosfera.

Uma coisa que eu uso muita pessoal falar é “se o telescópio espacial é melhor, por que só não faz telescópio especial?” Isso acontece porque a galáxia emite vários comprimentos de onda e diferentes comprimentos de onda tem diferentes interações com a atmosfera, por exemplo, alguma coisa no rádio não tem interferência da atmosfera, então se você tiver radiotelescópio não tem tanta interferência da atmosfera e não é um problema.

Gabi: É como se a atmosfera não existisse para esse comprimento de onda, ela é invisível.

Stephane: É muito importante que exista essa evolução e que cada vez a gente consiga ver mais longe.

  1. O que lhe levou para a astronomia e, em particular, para o estudo de galáxias e seus aglomerados? Teve alguma pergunta que foi fundamental no direcionamento da sua carreira?

Stephane: A minha história com astronomia é um pouco, como vou dizer… eu fui indo, indo e parei onde eu estou, mas não foi um caminho reto. Quando eu entrei na graduação, eu gostava muito de matéria escura, buraco negro - é o que o pessoal gosta em geral na graduação -, e eu sempre fui a aluna que pergunta, sempre perguntei muito, eu era a Hermione que levantava a mão perguntava. Eu perguntava porque realmente queria saber, sempre fui uma pessoa muito curiosa.

Eu entrei nessa de buraco negro e matéria escura, só que o que aconteceu: eu também sempre tive perguntas fundamentais na minha cabeça, da onde a gente veio e para onde a gente vai e eu sempre fui muito interessada em filosofia da ciência, então, cosmologia, que é o estudo do universo em larga escala, era uma parada que sempre me chamou atenção. Até aí, tudo bem, guardei isso e meu primeiro projeto de iniciação científica foi com o Thiago, aquele professor que faz divulgação científica pelo Twitter, o Thiago Gonçalves. Ele foi meu orientador de iniciação científica, que a gente trabalhava com galáxia em alto redshift - galáxia muito distantes -, só que eu fiquei com essa coisa na cabeça de que eu gostava muito de cosmologia.

Então, fui procurar um professor do Instituto de Física, esse professor era muito interessado em filosofia da ciência e trabalhava com cosmologia. E aí, o que aconteceu, minha experiência foi a seguinte: eu cheguei nesse professor super animada e ele pegou um livro super grosso de cálculo tensorial, botou na minha frente e falou assim “primeiro você precisa aprender isso aqui”. Eu olhei e ele deu uma leve risada e eu não entendi na hora o porquê, mas conforme as semanas foram passando eu passei a entender e eu fiquei “é, realmente não era isso o que eu queria”. Eu sempre gostei muito de matemática e de física, inclusive no começo da minha graduação eu e ia melhor nas matérias de física e matemática do que na astronomia e todo mundo ia bem, pois é, todo mundo indo bem nas de astronomia e eu indo mal, não mal… mas eu ia melhor nas de cálculo e física.

Então eu falei “ah, vou conversar com esse professor e quero fazer essa ic em cosmologia”, acabei saindo da anterior e fui me aventurar nessa nova área, só que quando eu peguei esse livro para fazer as coisas era uma parada tão obscura.

Gabi: Que era você lembra que lembra o que era você lembra

Stephane: Eu não lembro, não é um livro muito conhecido, eu acho. Na época eu mostrei aquilo para várias pessoas e elas não conheciam. Então, tinha esse livro de cálculo tensorial e eu vi que não era muito aquilo que eu realmente gostava do estilo de trabalhar com dados, pode ser, por exemplo, dados provenientes de observações ou simulação. Eu gostava dessa questão da análise de dados e eu acabei saindo dessa e fui pegar uma IC com meu ex orientador, que trabalhava com aglomerados e nessa época a gente usava diferentes métodos para estimar massa de aglomerados de galáxias.

Aí eu falei “eu gosto disso aqui”, e no mestrado eu fiz justamente métodos de detecção de aglomerados de galáxia e a gente montou um catálogo de aglomerados e esse catálogo tem alguns aglomerados novos que a gente descobriu - algumas centenas. Esse foi meu trabalho de Mestrado, a gente usou simulações para testar o quanto o nosso método era bom, para detectar, por exemplo, pureza e completeza da técnica aplicada em simulação, porque na simulação a gente sabe o resultado e sabe o que existe realmente.

Meu mestrado foi isso e no doutorado eu continuei com aglomerados e até hoje estou trabalhando com aglomerado, foi uma coisa que eu fui indo.

Gabi: É legal ouvir isso, porque todo mundo chega achando que a gente sabe aonde a gente vai parar e a gente acaba se apaixonando no meio do caminho por alguma coisa e eu acho muito gostoso de ouvir essa história, como essa paixão surge, como a gente descobre que a gente gosta de alguma coisa.

Eu me correlacionei muito com a sua história sobre o livro porque no meu primeiro semestre de física eu fui procurar um cara, que eventualmente virou meu orientador de ic e doutorado, perguntando “qual é o caminho que eu tenho que fazer para trabalhar com cordas?” - Na época eu achava que ia trabalhar com cordas - e ele virou e falou assim “me procura aqui quando você terminar a matemática básica”. Por matemática básica era: terminar os 4 cálculos iniciais, fazer as cismatis, o seu livro de cálculo tensorial só que de uma maneira mais indireta.

  1. Você está fazendo o seu doutorado no Reino Unido, como está sendo essa experiência? Como você compara o ambiente acadêmico daí com o que você vivenciou na UFRJ e na USP?

Stephane: Sincera sendo sincera, é tudo muito parecido, não tem grandes diferenças. A principal diferença não é acadêmica, é muito frio e eu sinto falta um pouco da comida do Brasil, mas academicamente falando não tem grande diferença. A única coisa que eu vejo bastante diferença é a divulgação científica, o pessoal aqui de Nottingham é conhecido pelos canais do YouTube que eles tem - Sixty Symbols, Numberphile -, e tem uma diferença no linguajar muito grande. Eu tenho a sensação de que os professores aqui são muito mais ácidos na hora de fazer divulgação científica do quê os professores no Brasil e hoje eu interpreto isso como uma diferença das pessoas e o público ser diferente. Então, existem algumas questões que são um pouco tabu falar no Brasil e que aqui não é tanto, igual pseudociência e tudo mais.

Eu acho que o cientista que faz divulgação no Brasil, divulgador, comunicador de ciência no Brasil tem que ter um linguajar um pouco diferente do que um professor daqui tem. A diferença da cultura também é que você chega em algum lugar e fala que faz doutorado e as pessoas acham que você é super inteligente, elas têm uma noção diferente do que é um doutorando do que no Brasil, que você fala que está fazendo doutorado e falam que você só estuda. São perspectivas e públicos diferentes, hoje eu interpreto a divulgação que eles fazem para o público daqui muito boa, mas talvez essa linguagem não fosse agradar o pessoal do Brasil em alguns sentidos. Essa é a principal diferença que eu vejo: a forma de fazer divulgação científica.

  1. O que lhe motivou a fazer divulgação científica? Como você avalia a sua importância, em particular, no cenário de descrença sistemática da ciência em que nos encontramos?

Stephane: Meu primeiro contato com divulgação científica foi nos primeiros anos de graduação, quando eu fazia parte de projetos de extensão. Eu falava de astronomia para crianças, adolescentes, adultos, diferentes públicos em diferentes situações. A questão com internet foi uma coisa assim: quando você está apaixonado por alguma coisa, você quer mostrar para as pessoas aquilo, você quer falar “olha o meu aglomerado de galáxias”, que é um pouco dessa minha paixão por aquilo, por falar sobre aquilo, mas também a importância da gente levar a ciência a lugares em que ela não chega, no processo de democratizar a ciência. Isso é uma coisa que a gente consegue fazer, tem um limite, mas também é possível fazer pela internet, de você postar um vídeo no YouTube e qualquer pessoa poder ir lá e ver. É claro que existem pessoas que não tem internet, você está cortando essas pessoas quando você faz divulgação científica pela internet, por isso que a divulgação científica presencial é de extrema importância, mas conforme aconteceu essa questão da pandemia, eu fiquei mais focada na internet por causa disso.

Mas eu também acho que são várias coisas, eu gosto de falar sobre isso, eu acho importante democratizar o conhecimento, também acho importante que as pessoas tenham contato com o que é um pensar crítico para não serem enganadas, e muita gente não tem essa noção de que está sendo enganada por pessoas vendendo discurso que é científico mas no fundo não tem nada de ciência. Isso da questão da divulgação científica tem um papel muito importante na formação do senso crítico da sociedade, da pessoa olhar para aquilo e pensar por conta própria, de onde veio isso? Qual é a fonte? Será que isso faz sentido? Esse processo de questionar.

Gabi: Acho que essa coisa é a mais complicada, ensinar as pessoas a perguntar, porque o processo escolar acaba tirando muito dessa curiosidade e muito dessa vontade de questionar que toda criança tem, então é meio que um processo de realfabetização de uma certa maneira. E aí, tem todos os dogmas que tem que ser combatidos… Quem faz um trabalho muito bom nesse sentido é a Bibi, ela compra umas brigas que eu não sei se eu teria coragem para comprar.

Stephane: Eu não teria a cabeça, você pode ver que nas minhas redes sociais, recentemente, nos últimos um ano e meio por aí, eu evito ao máximo falar diretamente sobre pseudociência para me proteger. Há um ano e meio, eu tomei um hate muito grande na internet e eu tive que sumir completamente da internet por dois meses, eu não podia entrar no Instagram porque o negócio viralizou de uma forma que o pessoal tirava print e jogava em todas as redes sociais. Minha vida foi por alguns meses um inferno e eu não tenho cabeça, a Bibi vai de frente e ela tem uma força que hoje eu não tenho. Essa questão de eu estar no doutorado também já é uma parada que mexe com a saúde mental, então hoje eu evito para me proteger mas eu sei que no futuro quando eu tiver um emprego estável eu vou cutucar isso de novo, mas é importante a gente pensar na gente e que a gente esteja bem fazendo o que estamos fazendo.

  1. Acompanhando diversos divulgadories científicos nas redes sociais, é fácil perceber que o engajamento em conteúdos produzidos por mulheres é sempre menor e o mesmo é sempre mais severamente criticado, até mesmo desmerecido, do que o produzido por homens. Como você lida com tanta misoginia? E como podemos melhorar esse cenário?

Stephane: Essa é uma pergunta muito boa! É uma coisa que eu converso com a minha psicóloga na sessão de terapia, porque você tem que fazer terapia para lidar com o que as pessoas fazem com você, com o machismo do outro. É uma coisa horrível porque a gente tem que lidar com isso e você não escolhe.

Eu acho que com certeza tem essa questão de que quando é um homem falando a mesma coisa que uma mulher falou ele vai ter mais engajamento, as pessoas regiar elogiar, quando você fala alguma coisa e as pessoas vêem que é uma mulher, elas sentem a liberdade de criticar ou para explicar exatamente que você explicou - mansplaining - e tudo mais, as pessoas vão te ensinar seu próprio trabalho, é uma coisa que acontece muito é uma situação muito triste.

Essa situação da psicóloga que eu estava falando, ela fala assim “na vida, algumas coisas, algumas brigas você deixa passar mas algumas você tem que comprar” e essa é uma briga que eu vou comprar e que eu vou comprar até o final porque é uma coisa que me afetou, de gente me desmerecendo, inclusive estou pensando em fazer o agradecimento da minha tese para todas as pessoas que nunca acreditaram em mim, porque é muito triste mas eu tento fazer com que todas essas coisas ruins que acontece com a gente… transformar em força. Esse é o tipo de coisa que a gente tem que comprar briga porque isso tem que melhorar e a gente espera que para as novas gerações a situação melhore, mas para isso a gente tem que fazer alguma coisa.

Gabi: Felizmente, tem bastante gente começando a se tocar desses problemas em bastantes programas e iniciativas, infelizmente todas ainda são capitaneadas por mulheres. Eu acho que nesses últimos 10 anos, houve uma melhora muito grande, principalmente nesses últimos cinco anos, que a gente tem movimentos com a questão da parentalidade com as questões de permanência na universidade que estão voltadas para grupos minoritários.

Vai ter resistência, porque o homem cis, hétero e branco não quer largar o osso, que ele sempre achou que foi dele mas nunca foi, e a gente vai tomando. Acho muito legal essa postura que você tem que usar o hate, essa negação como força, não é uma coisa fácil de se fazer mas quando você consegue fazer combustível não falta.

Stephane: Exatamente! Transformar às vezes não dá… Depende do que acontece, até porque aqui a gente não está falando de uma coisa de internet, a gente está falando de mulheres sendo mortas todo dia simplesmente por serem mulheres, não só mulheres, mas também se você é LGBT ou outra minoria, você acaba sendo vítima de tudo isso que acontece a sociedade.


  1. Quais dicas você dá para quem quer iniciar carreira na sua área de formação? Alguma dica especial para meninas.

Stephane: Uma coisa que eu falaria para as meninas é: eles não vão querer que você esteja no lugar em que você quer estar, mas você tem que lutar contra isso e só ir. Vai ser difícil? Vai ser difícil, mas vem que dá.

O que eu falaria…? Eu fiz até um vídeo sobre isso no meu canal no YouTube, sobre o que eu falaria para Stephanie assim que ela entrou e antes de entrar na graduação. Eu diria assim: estuda inglês, porque vai ser muito importante em vários sentidos - eu tô morando na Inglaterra, ninguém aqui fala português -; assistir material de astronomia diverso, tipo Cosmos, tem uma série chamada O Universo também; leia livros do Carl Sagan. O Mundo Assombrado Pelos Demônios é um ótimo livro, foi um livro que teve um papel muito importante na minha construção do pensamento crítico e é isso… dê valor a conteúdos criados por mulheres.


Fontes:

[1] CV Lattes de Silvana: http://lattes.cnpq.br/0383359382532310 ou ID Lattes: 0383359382532310

[2] The Southern Photometric Local Universe Survey (S-PLUS): improved SEDs, morphologies and redshifts with 12 optical filters, C. Mendes de Oliveira et al. (2019). MNRAS, 489, 241. 2019

[3] Assessing the photometric redshift precision of the S-PLUS survey: the Stripe-82 as a test-case, Molino et al. (2019). MNRAS, 499, 3884. 2021

[4] Satellite quenching was not important at z~1: most quenching happened in the infall region, Werner et al. (2021). MNRAS, 510, 674


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