Transformações de Lorentz


O físico holandês Hendrik Lorentz ganhou o Nobel em 1902 junto com Pieter Zeeman pela descrição do Efeito Zeeman. Independentemente Lorentz deduziu as transformações que subjazem a Teoria Especial da Relatividade de Albert Einstein!


As leis da física nos permitem descrever uma grande variedade de fenômenos naturais com uma precisão cada vez maior. Contudo, o que garante que o resultado do experimento que eu realizo no meu laboratório seja compatível com a observação do mesmo fenômeno em um outro ponto qualquer do universo? 


A priori, nada. Entretanto, supondo que não existam diferenças significativas entre os pontos de observação com exceção de sua localização espaçotemporal, experimentos idênticos retornam resultados idênticos. Logo, as leis da física devem ser as mesmas nesses pontos. É exatamente essa aparente imutabilidade das leis da física, conforme mudamos o instante e o local, ou em fisiquês, o referencial, em que realizamos os nossos experimentos que motiva o chamado princípio da relatividade. De uma forma mais explícita, o princípio da relatividade afirma que existe uma coleção não enumerável de referenciais, denominados referenciais inerciais, para os quais as leis da física são as mesmas. Note, em particular, que é o próprio princípio da relatividade que define o que é um referencial inercial.


Mas, se os pontos e os instantes em que dois experimentos, idênticos em todos os outros aspectos, foram realizados são diferentes, como as equações que os descrevem não mudam? Tais equações não apenas podem, como devem mudar. Isso é fácil de se constatar, ao compararmos as trajetórias desenhadas por duas pessoas distintas que observam o mesmo corpo em movimento de pontos e, quiçá, em estados de movimento distintos. O importante é que elas mudam de uma forma muito específica, aquela que preserva as leis da física. É exatamente aqui que entram as famigeradas transformações de Lorentz, são elas que nos ensinam como essas equações devem mudar. 


Em outras palavras, as transformações de Lorentz são apenas uma mudança de perspectiva entre dois observadores inerciais. Contudo, para poderem preservar as leis da física, elas têm algumas peculiaridades, comprimentos e tempos medidos por observadores inerciais distintos diferem. Suponha que Becs e Gabi receberam cada uma um relógio e uma régua idênticos. Se Gabi se movimentar com uma velocidade constante com relação a Becs, Becs verá o comprimento da régua de Gabi (se essa estiver alinhada a sua direção de movimento) menor. Concomitantemente, o relógio de Gabi marcará a passagem do tempo mais vagarosamente do ponto de vista de Becs.

Figura 1: Diferença de trajetória entre o referencial da fonte radiativa (esquerda) e do observador no contexto do fenômeno de aberração estelar na astronomia.

Pode parecer estranho, mas essas mudanças, a contração espacial e a dilatação temporal, são de certa forma, uma a inversa da outra, de forma que observadores inerciais distintos concordem sobre os fenômenos que observam. 


Um excelente exemplo é a observação de múons, produzidos por raios cósmicos, na superfície terrestre. Em um experimento conduzido em 1962, Frisch e Smith comparam as contagens de múons no monte Washington a 1917 m de altitude e no nível do mar em Cambridge, Massachusetts. Viajando a aproximadamente 99,5% da velocidade da luz, os múons deveriam gastar 6,4 μs para percorrer essa distância de 1917 m. Consequentemente, com uma meia vida de cerca de 2,2 μs para o múon, apenas 27 múons dos 568 observados a 1917 m deveriam atingir o nível do mar. Contudo, eles observaram 412. Como explicar?

Figura 2: Contagem por minuto de múons em função da altitude. Mostrando evidência dos múons tanto em 12 mil m e em torno da superfície terrestre.

Usando as consequências das transformações de Lorentz. Do ponto de vista de Frisch e Smith, os múons estão em movimento e, por isso, seus relógios correm mais devagar, dando-lhes mais tempo para chegar à superfície antes de decaírem. Por outro lado, para os múons, é a superfície da terra que se aproxima, consequentemente, a distância de atmosfera que precisam percorrer é menor.


"Tudo é relativo"? Não, o que interessa é absoluto e o resto depende do referencial!

Referências


Texto por: Gabrielle Weber