Ah-Luna

Multiartista

(Ah- Luna, pelo olhar bonito de Fabio Hora)

Nascida e criada entre os verdes montes de Tamanduá, na Zona Rural de Amargosa, Ah-Luna cresceu numa forte e direta conexão com o mato, com as águas, com a lua, com seu povo. Hoje, mulher feita, Ah-Luna expressa essas e outras tantas miudezas (termo que a própria costuma usar ao se referir às pequenas grandes coisas da vida) em seus trabalhos artísticos e no seu trabalho enquanto educadora.

Licenciada em Filosofia pela UFRB e em Artes Visuais pela FAVENI, essa sagitariana caminha por diversas linguagens: fotografia, pintura, colagens e experimentações digitais. Suas obras são sempre marcadas pelo olhar atento a simplicidade da vida cotidiana e ao resgate da ancestralidade tantas vezes apagada. Filha de agricultores familiares, Ah-Luna destaca a importância da formação campesina na sua trajetória e de prosseguir com a tradição familiar de cuidar e cultivar a terra junto a sua família e a sua comunidade. Suas maiores referências iniciais foram seus avós e sua mãe. Com o avô Manoel aprendeu as primeiras lições de astronomia, iniciando a paixão pelos astros que perdura até hoje. Com a mãe e a avó, aprendeu a arte de cultivar a mãe-terra, entendendo-se como parte da mesma.


CORPO TERRITÓRIO

Aquelas pessoas carregavam nas mãos calejadas as marcas ásperas dos seus próprios tempos. Eram múltiplas as mãos, porque múltiplos os corpos e múltiplos também os tempos. Tinham nos punhos as marcas da dor e ainda assim tocavam a vida com ternura. Dos corpos tocados brotavam galhos feitos de palavras-gestos que insinuavam voos. Era isso: os corpos-galhos, quando tocados, dançavam ao vento, como andorinhas. Os corpos-galhos estavam presos ao “tronco”, e mesmo não conseguindo falar eles gorjeavam com as mão, no compasso do vento. Foi assim, que corpos enramados, amordaçados, descascados... presos ao “tronco”, olhavam com afeto a sua seiva-sangue que escorria sob o chão e entendiam que era da sua natureza dizer-se ao mundo. E disseram, porque não há força capaz de calar as vozes dos corpos. Se lhe censuram a boca, os corpos falam pelos galhos-mãos, pela casca-pele, pelos olhos-firmamento. Os corpos abominam amordaças. E todo corpo tem algo a dizer a si mesmo, aos outros, ao mundo.

Aquelas pessoas tocaram minha casca com mãos de humos e derramou nos meus poros semente advindas das suas próprias entranhas. Suas partículas germinam no meu solo. Desde então, galhos fartos brotam de mim. Outros corpos alinham-se ao meu e juntos dançam na antiga música do vento. A mesma música que que embalava os movimentos dos meus antepassados. No agora somos corpos-povoado. Corpos-enramado. Corpos-constelação. Corpos-território.

Porque vivo, nossos corpos são feitos de vísceras, seiva, casca, ossos, reações químicas. Mas enquanto existência, eles são feitos de partículas cósmicas, memórias, afetos, vivências, histórias, palavras e gestos.

A proposta do presente trabalho é apresentar uma narrativa ensaística, emoldurada em frames de miudezas, na qual os corpos são tomados como territórios vivos, fecundos e históricos. Corpos que carregam em si marcas cosmológicas e políticas de onde afloram feridas, memórias, saberes, sonhos, desejos. Corpos individuais que compartilham solos comuns tornando-se povoados.

O meu Corpo-território é um lugar vivo que sente o mundo desde dentro e entende que os atravessamentos que marcam a minha existência me impulsionam a trocar de casca, fincar raízes e formar outras constelações.

E você? Quais as marcas do teu território?

CORPO TERRITÓRIO: lembrar

CORPO TERRITÓRIO: resistir

CORPO TERRITÓRIO: permanecer

CORPO TERRITÓRIO: continuar

"Ah, comigo o mundo vai modificar-se. Não gosto do mundo como ele é."

(Carolina Maria de Jesus)

Confira aqui os trabalhos de Ah-Luna na 1ª edição da Exposição

Instagram: @domundodahluna