Guilherme Ghisoni

Fotógrafo e Professor Doutor da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Goiás. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFG e coordenador do Laboratório de Pesquisa de Filosofia da Fotografia. Possui graduação e mestrado pela Universidade Federal do Paraná, doutorado pela Universidade Federal de São Carlos e pós-doutorado pela University of British Columbia.


Minha primeira formação foi como músico, ao longo da década de 90. Em 1996, fui para Inglaterra cursar a Escola de Música de Londres e estudar produção musical. Neste período descobri a fotografia. Desde o início, meu interesse na fotografia era destinado ao trabalho autoral. Meu impulso inicial foi buscar uma ponte de ligação entre a música e a fotografia. Ao ler as obras de Sontag e Barthes me dei conta de que seria necessário ao desenvolvimento de meu trabalho fotográfico o estudo da filosofia. Resolvi então retornar ao Brasil e em 2000 ingressei na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Paraná.

Desde o início, a minha pesquisa filosófica foi direcionada à filosofia contemporânea da linguagem - em especial, à obra de Ludwig Wittgenstein. Ao longo do doutorado, tive a oportunidade de descobrir os temas que determinariam a minha carreira acadêmica: tempo e memória. Ao ingressar como professor adjunto na Universidade Federal de Goiás, criei, em 2012, o Grupo de Estudos de Filosofia da Fotografia (que em 2017 foi transformado em um Laboratório de Pesquisa de Filosofia da Fotografia).

Ao longo de minha formação filosófica, a relação entre fotografia e filosofia constituiu uma via de mão dupla. Nos ensaios fotográficos exploro visualmente os temas de minha pesquisa filosófica e o interesse em determinadas propostas estéticas fotográficas nutre o questionamento acerca de suas bases filosóficas. Atualmente, a minha pesquisa acadêmica e minha produção fotográfica são indissociáveis. Busco explorar, principalmente, a relação entre tempo, linguagem e memória, tomando a fotografia como horizonte desta reflexão.

Site: www.ghisoni.com.br

Por que existe algo e não o nada?

No ensaio Por que existe algo e não o nada? faço o uso de exposições múltiplas, com pontos de luz no escuro e movimentação da câmera em longa exposição, que me permite fazer algumas figuras geométricas. Sobreponho essas figuras e pontos a imagens.

A minha preocupação é propor um distanciamento entre o espectador e o conteúdo pictórico, levando o espectador a um determinado estado de consciência frente aos objetos da cena retratada.

O recuo diante dos objetos do cotidiano é fundamental à filosofia e é o que nos permite a colocação da questão primordial “Por que existe algo e não o nada?”.


O desaparecimento do mundo

Neste ensaio busco expressar visualmente um sentimento recorrente hoje em dia: o desaparecimento do mundo. Creio que este sentimento tenha atualmente duas causas. Nos últimos anos o Brasil tem se tornando ininteligível, em face das mudanças políticas que levam a uma reescrita do passado. O que estamos presenciando é a luta para determinar qual narrativa terá o privilégio de fixar o significado das palavras. Quando a narrativa vencedora dá um novo significado a uma palavra, desaparecem o passado, o presente e o futuro, cujo conteúdo inteligível dependia do velho significado.

Este ensaio é dedicado ao Prof. Paulo Faria (UFRGS). A ideia de uma incomensurabilidade diacrônica, exposta no seu livro Time, thought, and vulnerability (prelo), serviu-me de pano de fundo para as reflexões filosóficas que motivaram este ensaio

Com a chegada da pandemia do Coronavírus, o sentimento de desparecimento do mundo se agigantou fortemente. Perdemos a nossa rotina e o contato presencial com amigos e familiares. Nossas ações não têm mais os significados que tinham antes. Um aperto de mão não é mais um simples aperto de mão. Um abraço pode colocar vidas em risco. Uma caminhada na rua passa a representar a diferença entre vida e morte.


O mundo é independente de minha vontade

Este ensaio tem como tema central a contemplação do acaso e da aleatoriedade. As imagens que compõem o ensaio são o resultado de determinações aleatórias, baseadas em sequências numéricas. Cada uma das imagens materializa determinações visuais que são independentes da minha vontade – assim como seriam os fatos do mundo, segundo Wittgenstein.

Concebi a ideia central deste ensaio em 1998, através do estudo da composição “Music of Changes” (1951), do músico americano John Cage. Nesta obra, Cage (inspirado por Marcel Duchamp) utiliza sequências aleatórias para determinar as notas, os silêncios, as durações e a intensidade das notas. Ao migrar da música para a fotografia, adaptei esse método de composição para a fotografia.

O título do ensaio é um aforismo do Tractatus Logico-Philosophicus de Ludwig Wittgenstein (publicado em 1921).

No Tractatus, Wittgenstein concebe a realidade como situada no interior de um espaço lógico, que fixa a totalidade das possibilidades do mundo. Os fatos que compõem o mundo são ocorrências contingentes, logicamente independentes entre si e que ocorrem na exata medida que poderiam não ocorrer. O sujeito é aquele que contempla os fatos do mundo, que independem da vontade desse sujeito.

O paralelo entre John Cage e o Tractatus se expressa no modo como as notas aleatórias de Cage podem ser tomadas como a representação da contingência dos fatos do mundo e o silêncio no qual essas notas ocorrem, o espaço lógico de possibilidades sonoras. É por esse viés wittgensteiniano que retomo este ensaio fotográfico. O espaço pictórico ocupa a posição do espaço lógico de Wittgenstein e os riscos e pontos são determinações aleatórias que expressam a contingência dos fatos do mundo.

Metodologia:

Aplicando uma grade numérica ao visor da câmera, a partir de um único ponto de luz, sequências aleatórias de números determinam quantas exposições serão feitas na mesma imagem, quantas cores serão utilizadas, qual a posição do ponto, a sua cor, se a exposição estará em foco ou fora de foco, a quantidade do desfoque, se haverá movimento e até onde será o movimento.

As sequências de números aleatórios determinam a seguinte série de perguntas:

1 – Quantas exposições serão realizadas na mesma imagem (de 3 até 100)?

2 – A exposição será ponto ou haverá movimento (par ou ímpar)?

• Caso ponto: eixo vertical (0 até 99) e eixo horizontal (0 até 99)

• Caso haja movimento: do eixo vertical (0 até 99) e eixo horizontal (0 até 99) até eixo vertical (0 até 99) e eixo horizontal (0 até 99)

3 – Estará em foco ou fora de foco (par ou ímpar)?

• Caso fora de foco: determinar grau de desfoque (de 0 até 99)

Repetir o processo até obter o número de exposições que serão realizadas na mesma imagem. (Em algumas das imagens, também foi determinado aleatoriamente qual seria o número de cores utilizadas e se haveria apenas pontos ou linhas.)