Aqui se trata dos sofrimentos dos pobres, das dores dos doentes e das lágrimas das crianças, sobre os quais nenhuma teologia pode passar desatenta sem que não seja desacreditada e se torne, literalmente, impossível.
Um casal jovem espera ansiosamente o bebê. A criança nasce. Sem os braços. Por que Deus permite isso? Certa vez, provoquei um velho sacerdote com uma série de catástrofes que haviam acontecido justamente perto de mim. Ele só meneava a cabeça e dizia, com voz tranquila, uma única frase: “Deus não comete erros”. Tive de engolir, mas não consegui acostumar-me com isso por muito tempo. Mais tarde, conheci a mãe de uma criança com síndrome de Down. Disse-me: “Não gostaríamos de trocar Félix por nenhuma outra criança no mundo. Ele é a alegria de nossa família…”.
Desde G. W. Leibniz (1646–1716), existe a palavra TEODICEIA (do grego: “justificação de Deus”) para a questão de como um Deus bom é compatível com o sofrimento no mundo. Todos devem haver-se com esse tipo de sofrimento, quer levem em conta a Deus, quer não. Quem não acredita considera a vida, possivelmente, como um jogo de sorte, no qual alguns – paciência! – levam azar. Não pode ser assim, dizem, pois, os cristãos. A lágrima de uma única criança pulverizaria o sentido do universo caso não viesse aquele que enxuga “toda lágrima dos olhos deles” (Ap 21,4). No entanto, os cristãos também não dispõem de nenhuma fórmula infalível no bolso com a qual possam afastar magicamente o mal e provar a bondade de Deus. Tal como as demais pessoas, também os cristãos ficam perplexos diante das incompreensíveis variantes da miséria inocente. Não apenas as pessoas sofrem, mas também os animais; em certo sentido, toda a criação padece. Contudo, os cristãos acreditam que a vida vale a pena, sim, que toda vida concedida por Deus vale a pena. Contudo, eles têm que aturar perguntas maliciosas: “Onde estava, pois, o Deus de vocês quando aconteceu isso e aquilo?”. O que eles fazem, então?
Eles reorientam a pergunta para Deus, às vezes entre lágrimas, outras vezes com um sussurro levemente rebelde, como o fez Romano Guardini (1885–1968): “Por que, Deus, para a salvação, precisas dos terríveis rodeios, o sofrimento dos inocentes, a culpa?”. De resto, Guardini também dizia que, no Juízo Final, ele não apenas se deixaria questionar, mas também ele faria perguntas.
Isso não é, absolutamente, blasfemo. Já a Bíblia não conserva o sofrimento asseadamente distante de Deus. As pessoas entram num diálogo muitas vezes bastante perturbador com seu Deus, até mesmo acusando-o: “Senhor, por que estás tão longe e te escondes no tempo da angústia?” (Sl 10,1). Aí está o pobre Jó, de quem tudo é completamente tirado: “Clamo por ti, e não me atendes; insisto, e nem olhas para mim” (Jó 30,20). O que diz Deus? “Meu pensamento não é o pensamento de vocês, e os caminhos de vocês não são os meus caminhos – oráculo de Javé” (Is 55,8). Somos indiferentes para ele? Deus realmente não comete erros?
No sofrimento, o ser humano experimenta a força de Deus; na ação, ele apoia-se demasiadamente em si mesmo e torna-se fraco. No sofrimento, ele é purificado e, consequentemente, torna-se sábio e prudente.
Beato John Henry Cardeal Newman (1801–1890)
A questão sobre Deus e sobre o sofrimento permanece um mistério que está reconhecidamente envolto em uma série de certezas. Sabemos: Deus é todo-poderoso, do contrário não seria Deus. Sabemos: Deus fez o mundo bom.
Para nós, justificadamente, o fato de existirem o mal e o sofrimento parece-nos como perturbação, ruptura, como algo que simplesmente não deve acontecer. A Sagrada Escritura vê o mundo basicamente envenenado pelo mal, cujo originador não é e não pode ser Deus. Deus é inimigo do mal; ele tem “projetos de paz e não de sofrimento” (Jr 29,11). Em Isaías, diz-se até mesmo: “Qual mãe que acaricia os filhos, assim vou dar-vos meu carinho” (Is 66,13).
Por fim, todos os fios se juntam unicamente em Jesus. Em seu Filho, o próprio Deus entra no sofrimento de sua criação até o ponto radical em que o Filho moribundo grita em direção ao Pai: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34). Aquilo que soa como a mais abissal acusação contra Deus, na verdade, é o incrível Sl 22, que apenas em parte é o grito de alguém que foi traído; a outra metade, porém, é um hino de louvor singular ao Deus salvador: “Porque ele não desprezou a aflição do pobre, nem escondeu dele a sua face. Quando o pobre pediu auxílio, ele escutou” (Sl 22,25). O Pai não abandona seu Filho à morte; ele o ressuscita para nova vida – e com ele, todos os que nele acreditam. Assim diz Paulo: “E nós sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8,28).
Acima de tudo, pense nisto: seu sofrimento seria tão pesado quanto montanhas, se você devesse suportá-lo sozinho. No entanto, é um fardo que o Senhor o ajuda a carregar, e ele carrega você mesmo, juntamente com seu fardo.
Francisco de Sales (1567–1622)
Certa vez, disse o teólogo evangélico Dietrich Bonhoeffer (1906–1945): “Creio que Deus pode e quer fazer brotar algo de bom de todas as coisas, mesmo das piores”. Escreveu essa frase na câmara da morte na qual os nazistas haviam colocado os resistentes. Ali, quatro meses antes de sua execução (e em face da morte), ele também escreveu um poema, o qual enviou à sua noiva: “Maravilhosamente protegidos por forças boas, confiantes aguardamos o que possa acontecer… E estendes o duro cálice, o amargo cálice do sofrimento, cheio até a borda; agradecidos, então, de tua boa e amada mão, tomamo-lo sem tremer”.
Deus não quer que o ser humano sofra nem morra. A ideia original de Deus para o ser humano era o Paraíso: vida eterna e paz entre Deus, o ser humano e o seu ambiente, entre homem e mulher. [374-379, 384, 400]
Por vezes, sentimos o modo como a vida deveria ser, como nós deveríamos ser; mas, de fato, vivemos em guerra com nós próprios, somos determinados pela angústia e por paixões descontroladas, e perdemos a harmonia original com o mundo e, por fim, com Deus. Na Sagrada Escritura, a experiência dessa alienação é expressa na história da "queda original". Porque o pecado se introduziu furtivamente, Adão e Eva tiveram de abandonar o Paraíso, no qual estavam em harmonia consigo e com Deus. A fadiga laboral, o sofrimento, a mortalidade e a inclinação para o pecado são indícios da perda do Paraíso.
Perdemos o Paraíso, mas recebemos o o Céu, pelo que o ganho é maior que a perda.
São João Crisóstomo (349/350-407, doutor da Igreja)
No Antigo Testamento, a doença foi frequentemente experienciada como uma dura prova, contra a qual se podia rebelar, mas em que se podia reconhecer a mão de Deus. Já com os profetas emergiu a ideia de que o sofrimento não é apenas uma maldição e nem sempre uma consequência de um pecado pessoal, e que uma pessoa também pode ser para os outros num sofrimento assumido com paciência. [1502]
Assim se cumpria o que o profeta Isaías anunciara, dizendo: "Tomou sobre Si as nossas enfermidades e suportou as nossas doenças."
Mt 8,17
Pai, tudo Te é possível.
(Oração de Jesus no jardim do Getsêmani) (Mc 14,36)
Para Deus "nada é impossível" (Lc 1,37). Ele é todo-poderoso. [268-278]
Quem, na sua necessidade, chama por Deus acredita na Sua onipotência. Deus criou o mundo do nada. Ele é o Senhor da História. Ele conduz todas as coisas e pode tudo. É um mistério como Ele exerce livremente a Sua onipotência. Não raramente se pergunta: "Então, onde está Deus?" Ele diz-nos através do profeta Isaías: "Os meus pensamentos não são os vossos, nem os vossos caminhos são os meus." (Is 55,8) A onipotência de Deus revela-se frequentemente quando as pessoas não esperam mais nada dela. A impotência da Sexta-Feira Santa foi o pressuposto para a ressurreição.
Porque eu sei que o Senhor é grande, o nosso Senhor é maior que todos os deuses. O Senhor fez tudo o que Ele quer, nos céus e na terra, nos mares e em todos os abismos.
Sl 135,5 ss.
Deus viu tudo o que tinha feito: era tudo muito bom.
Gn 1,31
"Deus só permite o mal para fazer surgir dele algo melhor." (São Tomás de Aquino) [309-314, 324]
O mal no mundo é um mistério sombrio e doloroso. O próprio Crucificado perguntou ao Seu Pai: "Meu Deus, Meu Deus, porque Me abandonaste?" (Mt 27,46) Muito dele é incompreensível. Mas de algo temos a certeza: Deus é cem por cento bom. Ele nunca pôde ter sido o autor de algo mau. Deus criou o mundo bom, embora ainda não aperfeiçoado. Com violentas falhas e penosos processos, ele desenvolve-se até à definitiva perfeição. Pode distinguir-se aquilo que a Igreja chama de mal físico, como uma deficiência ingênita ou uma catástrofe natural, do mal moral, que atinge o mundo pelo abuso da liberdade. O "inferno na terra" - crianças-soldado, atentados suicidas, campos de concentração... - é geralmente operado por seres humanos. A pergunta decisiva não é, portanto, "Como se pode crer num Deus bom, se há tanto mal?", mas "Como poderia o ser humano, com coração e inteligência, suportar a vida neste mundo se não existisse Deus?" A morte e a ressurreição de Cristo mostram-nos que o mal não tem a primeira nem a última palavra: do pior dos males Deus fez surgir o bem absoluto. Nós cremos que Deus, no Juízo Final, acabará com toda a injustiça. Na vida do mundo vindouro, o mal não terá mais lugar e o sofrimento acabará.
Nenhum sofrimento é absurdo. Está sempre alicerçado na Sabedoria de Deus.
São Tomás de Aquino
Jesus veio para revelar o amor de Deus. Frequentemente o fez onde nos sentimos especialmente ameaçados: na fragilidade da nossa vida, através da doença. Deus quer que nos tornemos saudáveis no corpo e na alma, reconhecendo nisso a vinda do Reino de Deus. [1503-1505]
Por vezes, só com a experiência da doença percebemos que, saudáveis ou doentes, precisamos de Deus, mais do que tudo. Não temos vida, a não ser n'Ele. Por isso é que os doentes e os pecadores têm um especial instinto para perceber o que é essencial. Já no Novo Testamento eram os doentes que procuravam a proximidade de Jesus; eles procuravam "tocá-l'O, pois d'Ele saía uma força que a todos curava" (Lc 6,19).
Os doentes conseguem sentir e pressentir mais que as outras pessoas.
Reinhold Schneider (1903-1958, escritor)
A confiança na Providência Divina é a fé firme e viva de que Deus nos pode ajudar e nos ajudará. Que Ele nos pode ajudar, é evidente, pois Ele é onipotente. Que Ele nos ajudará, é seguro, porque Ele, em muitas passagens da Sagrada Escritura, prometeu e foi fiel a todas as Suas promessas.
Santa Madre Teresa
Sim, mas de um modo misterioso. Deus conduz tudo ao seu aperfeiçoamento, por caminhos que só Ele conhece. O que Ele criou não cai um instante das Suas mãos. [302-305]
Deus atua tanto nos grandes fatos da História como nos mais pequenos acontecimentos da nossa vida pessoal; contudo, Ele não belisca a nossa liberdade, como se fôssemos marionetes dos Seus planos eternos. Em Deus "vivemos, movemo-nos e existimos" (At 17,28). Deus está presente em todas as vicissitudes da nossa vida, mesmo nas ocorrências dolorosas e nos supostos acasos, aparentemente sem sentido. Deus também escreve direito pelas linhas tortas da nossa vida. O que Ele nos tira e o que nos dá, as situações em que Ele nos fortalece e as circunstâncias em que nos põe à prova... tudo isto constitui ocasiões e sinais da Sua vontade.
Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados.
Mt 10,30
No texto disponibilizado, há um roteiro para a Leitura Orante da Palavra de Deus, sobre uma passagem que ilustra bem o que expusemos até aqui.