Aqui se trata de responder se você gostaria de viver sua vida sozinho ou se você acredita que existe alguém que conhece todos os seus caminhos e que fica feliz quando você caminha em direção a ele.
O que é preciso para uma vida inteiramente normal? Muita fé. Não tenho nenhuma prova de que a Islândia realmente existe. No entanto, confio no portal de viagens. Se eu reservar uma passagem e for ao aeroporto, creio que aterrissarei em Reiquiavique. Pouquíssimas coisas na vida podemos provar. E quando alguém diz à namorada: “Prove-me seu amor!”, então se pode ter bastante certeza de que este amor já está no fim, antes mesmo de ter começado.
Sempre que a palavra “fé” aflora aos lábios de alguém, aparece outro e diz com desprezo: fé significa não saber. Ou seja: a fé é mais para ingênuos; pessoas inteligentes dispõem de conhecimento.
Quanto à Igreja, existe o boato de que toda a sua existência se baseia em suposições continuamente indemonstráveis. As pessoas devem crer. Por certo, já não se põe alguém na fogueira por saber melhor, mas ainda existe sempre algo de herético quando alguém diz: “Deus?… Bem, para mim, trata-se muito mais de uma ‘fórmula original’”. Isso também não tem sua justificativa? Se “Deus” é, de fato, algo tão importante como sempre afirmam as religiões, então seus intelectuais devem expressar com precisão este nebuloso conceito. Assim, gostaríamos de ouvir: a fórmula original para Deus é e^iπ + 1 = Deus. Algo assim, nesta direção. Então, teríamos uma prova evidente ao alcance da mão e já não teríamos de perder tempo com “crer”, pois já saberíamos!
Suponhamos que a fórmula estivesse correta. Nós saberíamos! O que aconteceria depois de sua publicação na Physical Review? As pessoas iriam converter-se, cairiam de joelhos e adorariam a maravilhosa fórmula? Aposto que não! As pessoas diriam: Aham! E guardariam a coisa naquela remota região cerebral na qual já se encontra armazenada a lei da gravidade. Nenhuma pessoa faria algo parecido ao que fizeram os 49 cristãos no ano 304, quando arrastados diante do imperador Diocleciano. Foram interrogados em Cartago porque haviam sido pegos durante a santa missa. Foi-lhes dada uma última oportunidade: podiam abjurar seu Deus e, formalmente, homenagear um pouco o imperador. Eles não fizeram isso, mas disseram: “Não podemos viver sem o Domingo”. Isso custou-lhes a vida.
Quanto à fé, parece ser algo incomparavelmente mais precioso do que estar informado sobre determinados fatos. Vamos formular assim: não se trata de saber a respeito de Deus, mas do relacionamento com Deus. Tomemos um exemplo grosseiro. Alguém chega e afirma na minha cara: “Sua mãe é uma vadia!”.
Isso desgosta-me profundamente, embora eu não tenha acompanhado minha mãe sempre e por toda parte nos últimos cinquenta anos e, portanto, não possa provar, efetivamente, que minha mãe seja a pessoa mais amável e confiável em toda a terra. Entre mim e minha mãe, reina uma profunda relação de confiança, e jamais deixaria que manchassem a memória de minha mãe. Mesmo em se tratando de Deus, o relacionamento de confiança é o elemento principal. Aliás, a palavra alemã GLAUBE [fé] provém da raiz indo-germânica leubh – que significa, mais ou menos, “querer bem a”, “expressar o bem-querer”, “dizer que algo é bom”, “louvar”.
Crer como cristão é confiar no sentido que sustenta a mim e ao mundo; assumi-lo como o fundamento sólido sobre o qual posso ficar sem ter medo.
Papa Bento XVI
Eis que chegamos ao ponto. A fé significa querer bem a Deus, expressar o bem-querer a Deus, dizer que Deus é bom, louvar a Deus. Hoje em dia, se um número cada vez maior de jovens descobre o louvor, é porque estão no ardente coração da fé. Em todo caso, estão mais próximos dela do que os arrogantes que andam à busca do Absoluto nas bibliotecas.
A fé não é uma invenção da Igreja. Se é uma invenção, então é de Jesus. No Evangelho de João, diz-se mais de uma vez: “Quem acredita em mim” – Sim, o que acontece? – “tem a vida eterna” (Jo 6,47), “ainda que morra, viverá” (Jo 11,25), “fará as obras que faço, e fará obras maiores do que estas” (Jo 14,12).
Seres humanos e coisas humanas, é preciso conhecê-los para amá-los. Deus e as coisas divinas, é preciso amá-los para conhecê-los.
Blaise Pascal (1623–1662), filósofo e matemático
Isso é demais! Com a maior naturalidade, Jesus relaciona o acreditar a si mesmo! Sempre me espantou o fato de que ninguém protesta quando Jesus diz: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). Eu! Não é que ele diga: eu conheço um caminho, eu conheço a verdade, tenho um pouco de experiência com a vida. Não – eu sou! No fundo, Jesus deixa-nos apenas duas possibilidades: ou creio nele e aposto tudo nesta carta, ou considero-o o Donald Trump da religião. Diz o papa Bento: “Acreditar significa abandonar-se a Deus”.
Se os santos que estão no céu pudessem voltar à terra mais uma vez, inflamados de amor, eles estariam incansavelmente atentos em promover a difusão da fé em todo o mundo, com o propósito de anunciar ao mundo o infinito amor de Deus pelas pessoas. Com efeito, mais do que qualquer habitante da terra, os santos sabem quanto o Pai, o Filho e o Espírito Santo são dignos de ser reconhecidos. No entanto, ficam extasiados quando veem com que glória é recompensado no céu todo gesto, até mesmo o menor, em prol da difusão da fé.
São Vicente Pallotti (1795–1850)
É urgente e necessário que surja uma nova geração de apóstolos que estejam enraizados na Palavra de Cristo, em condições de dar uma resposta aos desafios do nosso tempo e preparados para anunciar o Evangelho em toda a parte.
Bento XVI, 22.02.2006
Encontramos a verdadeira fé na Sagrada Escritura e na Tradição viva da Igreja. [76, 80-82, 85-87, 97, 100]
O Novo Testamento surgiu da fé da Igreja. Escritura e Tradição pertencem-se mutuamente. A transmissão da fé não ocorre primordialmente através de textos.
Santo Hilário de Poitiers, bispo da Igreja antiga, dizia: "A Sagrada Escritura está escrita no coração da Igreja, mais que em pergaminho." Já os discípulos e os Apóstolos tiveram a experiência da Vida Nova antes de mais através da comunhão viva com Jesus.
A jovem Igreja convidou outras pessoas a esta comunhão, que continuou de outra maneira após a ressurreição. Os primeiros cristãos eram "assíduos ao ensino dos Apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações" (At 2,42). Eles eram unidos entre si, mas tinham espaço para os outros.
É isto que constitui a fé até hoje: os cristãos convidam outras pessoas para descobrirem a comunhão com Deus, a qual, desde os tempos dos Apóstolos, se manteve genuína na Igreja Católica.
Portanto, a sagrada Tradição e a Sagrada Escritura estão intimamente unidas e compenetradas entre si. Com efeito, derivando ambas da mesma fonte divina, fazem como que uma coisa só e tendem ao mesmo fim.
Concilio Vaticano II, Dei verbum, n.° 9
Crer significa sustentar, durante toda a vida, a incompreensibilidade de Deus.
Karl Rahner (1904-1984, teólogo alemão)
Fé é conhecimento e confiança. Tem sete características:
• A fé é uma pura dádiva de Deus, que nós obtemos se intensamente a pedirmos.
• A fé é a força sobrenatural de que necessariamente precisamos para alcançar a salvação.
• A fé requer a vontade livre e a lucidez do ser humano quando ele se abandona ao convite divino.
• A fé é absolutamente segura porque Jesus o garante.
• A fé é incompleta enquanto não se tornar operante no amor.
• A fé cresce na medida em que escutamos cada vez melhor a Palavra de Deus e permanecemos com Ele, na oração, em vivo intercâmbio.
• A fé permite-nos já a experiência do alegre antegozo do Céu. [153-165, 179-180, 183-184]
Muitos afirmam que "crer" é demasiado pouco; eles querem é "saber". A palavra "crer" tem, no entanto, dois sentidos completamente distintos. Se um paraquedista, no aeroporto, pergunta ao empregado: "o paraquedas está corretamente acondicionado?", e este casualmente responder: "Hum, creio que sim...", isso então não lhe bastará; ele quer mesmo saber. Se, todavia, ele tiver pedido a um amigo para acondicionar o paraquedas, e este lhe responder à mesma pergunta: "Sim, eu pessoalmente encarreguei-me de o fazer. Podes confiar em mim!", o paraquedista responder-lhe-á então: "Está bem, acredito em ti!" Esta fé é muito mais que "conhecimento", ela significa "certeza". E esta é a fé que fez Abraão mudar-se para a Terra Prometida, esta é a fé que fez os Mártires perseverarem até à morte, esta é a fé que ainda hoje mantém de pé os cristãos perseguidos. Uma fé que compreende todo o ser humano...
Não gostaria de crer se não pudesse perceber que é sensato crer.
São Tomás de Aquino
"Deus é Luz e n'Ele não há trevas." (1Jo 1,5) A Sua Palavra é a Verdade (Pr 8,7; 2Sm 7,28), e a Sua Lei é a Verdade (Sl 119,142). O próprio Jesus responde pela Verdade de Deus quando, diante de Pilatos, confessa: "Para isso nascí e vim ao mundo, a fim de dar testemunho da Verdade." (Jo 18,37) [214-217]
Deus não pode ser submetido a um processo de demonstração, a ciência não pode fazer d'Ele um objeto comensurável. E, no entanto, Deus deixa-Se submeter a um tipo especial de demonstração: que Deus é a Verdade sabemo-lo por via da absoluta credibilidade de Jesus. Ele é "o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6). Isso pode descobrir e experimentar quem a Ele se abandona. Se Deus não fosse "verdadeiro", a fé e a razão não poderiam entrar em diálogo. É possível, porém, um entendimento entre elas, porque Deus é a Verdade e a Verdade é divina.
Jesus Cristo é a Verdade tornada pessoa, que atrai o mundo a Si. A Luz que irradia de Jesus é o esplendor da Verdade. Cada outra verdade é um fragmento da Verdade que é Ele e para Ele aponta.
Bento XVI, 10.02.2006
MÁRTIR (gr. martyria = testemunho)
Um mártir cristão é uma pessoa disposta a sofrer a violência, ou mesmo a deixar-se matar, por causa de Cristo, que é a Verdade, ou por causa de uma decisão de consciência tomada a partir da fé.Isso é precisamente o oposto dos muçulmanos que cometem atentados suicidas: eles exercem violência em si e nos outros a partir de convicções de fé erroneamente inferidas, sendo por essa razão venerados como "mártires" por alguns islamitas.
Cada cristão deve dar testemunho da Verdade, seguindo Cristo, que disse a Pilatos: "Para isso nasci e vim ao mundo, a fim de dar testemunho da Verdade. (Jo 18,37) [2472-2474]
Isso pode até significar que um cristão dê a sua vida por fidelidade à verdade e por amor a Deus e aos outros. Chama-se "martírio" (-> Mártir) a esta valente forma de compromisso pela verdade.
É necessário abandonar a vida de outrora e pôr de parte o homem velho, corrompido por desejos enganadores. [...] Por isso, deixai a mentira e falai cada um a verdade ao seu próximo.
Ef 4,22.25
Crer é essencialmente o acolhimento de uma Verdade que a nossa razão não consegue atingir, um acolhimento simples e incondicional, como se se tratasse de uma prova.
Beato John Henry Newman (1801-1890, filósofo e teólogo inglês convertido, mais tarde cardeal da Igreja Católica)
Responder a Deus significa crer n'Ele. [142-149]
Quem deseja crer precisa de um "coração que escuta" (1Rs 3,9). Deus procura o contato conosco de múltiplas formas. Em cada encontro humano, em cada experiência da Natureza que nos toca, em cada aparente acaso, em cada desafio, em cada sofrimento... Deus deixa-nos uma mensagem escondida. Ele fala-nos ainda mais claramente quando Se dirige a nós pela Sua Palavra ou pela voz da consciência. Ele trata-nos como amigos. Por isso, também nós, como amigos, devemos corresponder-Lhe, crendo e confiando totalmente n'Ele, aprendendo a conhecê-l'O cada vez melhor e a aceitar sem reservas a Sua vontade.
Se tiverdes uma fé comparável a um grão de mostarda, direis a este monte: "Muda-te daqui para acolá", e ele há de mudar-se. E nada vos será impossível.
Mt 17,20
Crer num Deus significa compreender que não bastam os fatos do mundo. Crer num Deus significa que a vida tem um sentido.
Ludwig Wittgenstein (1889-1951, filósofo austríaco)
Quem crê procura uma ligação pessoal com Deus e está pronto a crer em tudo o que Ele revelou acerca de Si mesmo. [150-152]
Quando a fé nasce, ocorre com frequência uma perturbação ou um desassossego. O ser humano apercebe-se de que o mundo visível e o decurso normal das coisas não correspondem a tudo o que existe. Sente-se tocado por um mistério. Persegue as pistas que o remetem para a existência de Deus e encontra-se cada vez mais confiante em abordar Deus e, por fim, ligar-se a Ele livremente. Diz-se no Evangelho segundo São João: "A Deus, nunca ninguém O viu. O Filho Unigênito, que está no seio do Pai, é que O deu a conhecer." (Jo 1,18) Portanto, temos de crer em Jesus, o Filho de Deus, se queremos saber o que Deus nos quer comunicar. Assim, crer significa aderir a Jesus e entregar a nossa vida inteira nas Suas mãos.
É importante aquilo em que cremos, mas mais importante ainda é Aquele em quem cremos.
Bento XVI, 28.5.2006
E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós. Nós vimos a Sua glória, glória que Lhe vem do Pai como Filho Unigênito, cheio de graça e de verdade.
Jo 1,14
Sem os evangelhos, não saberíamos que Deus, por amor infinito, nos enviou o Seu Filho, para que nós, apesar dos nossos pecados, encontrássemos o caminho de regresso à eterna comunhão com Deus. [422-429]
As narrativas sobre a vida, a morte e a ressurreição de Jesus são a melhor notícia do mundo. Elas testemunham que Jesus de Nazaré, um israelita nascido em Belém, é o "Filho do Deus Vivo" (Mt 16,16) feito homem. Ele foi enviado pelo Pai, para que todos se salvassem e chegassem ao conhecimento da verdade (cf. 1Tm 2,4).
Se a vida e a morte de Sócrates são a vida e a morte de um sábio, a vida e a morte de Cristo são a vida e a morte de um Deus.
Jean-Jacoues Rousseau (1712-1778, iluminista francês)
No texto disponibilizado, há um roteiro para a Leitura Orante da Palavra de Deus, sobre uma passagem que ilustra bem o que expusemos até aqui.