Aqui se trata da otimização de minha biografia. Os cristãos não são projetados em uma prancheta, mas na escuta de Deus. O que Deus quer de mim? Para que existo?
Nas antigas religiões, os “deuses” geralmente são figuras silenciosas, caprichosas. Quando o tempo atmosférico não vai bem, a colheita não vem e os planos de guerra fracassam, sabe-se que os deuses estão zangados. Deve-se invocá-los, conjurá-los, acrescentar um pouco mais aos sacrifícios, então o mundo volta a funcionar. Mesmo entre os cristãos ainda se encontram resquícios dessa imagem primitiva de Deus.
Que Deus é diferente, totalmente diferente do que as pessoas gostam de imaginar, já o vislumbrava a humanidade há alguns milhares de anos no Oriente Próximo. No caso de Abraão, surge de repente um Deus audível, um Deus que deseja algo… que não é relacionado a incenso, holocausto ou até mesmo vítimas humanas: “Saia da sua terra, do meio de seus parentes, da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei” (Gn 12,1). O que Deus quer é inteiramente do interesse deste príncipe dos nômades. “Seja uma bênção!” (Gn 12,2). Com Abraão, começa a história sem fim de um Deus que intervém abençoando; na medida em que chama e vocaciona, sempre mais nitidamente, também chama da miséria. Indivíduos experimentam isso, depois o povo de Israel e, por fim, o mundo inteiro. Isso se torna completamente claro com Jesus Cristo, que não chama apenas pescadores para ser pescadores de homens (Mc 1,17) – portanto, para um serviço especial –, mas que tem em mente uma vocação para cada pessoa humana: “Ele quer que todos sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4).
O interesse fundamental de Jesus é levar as pessoas a um relacionamento de comunicação, de amor e de amizade com Deus. E ele mesmo se envolve, de maneira divina: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e carregados de fardos!” (Mt 11,28).
Madre Teresa (1910–1997) refletiu intensamente sobre o Deus que se aproxima para chamar, chamando: “Para Deus, você é único. Ele quer dignificá-lo na medida em que o preenche com sua presença. Ele chamou-o, você lhe pertence. Se você reconhecer isso, pode superar toda falha, toda humilhação, todo sofrimento – se você reconhecer o amor pessoal de Jesus por você e o seu amor por ele”.
A propósito, cada vocação tem um rosto. Frequentemente, não escolhemos a que Deus nos chama e onde ele nos coloca. Conheço uma senhora que é chamada de um moribundo a outro porque ela é formidável em ajudar as pessoas a passar para a Pátria Eterna. Hoje ela sabe: “É minha vocação!”.
Se você foi chamado a varrer ruas, então varra-as como Michelangelo pintava quadros, ou Beethoven compunha música, ou Shakespeare escrevia poemas. Varra tão bem as ruas, que todos no céu e na terra digam: “Aqui viveu um brilhante varredor de ruas que fez bem o seu trabalho!”.
Martin Luther King (1929–1968)
Ora, na Igreja, não existem apenas vocações gerais. Em que consiste a vocação especial de um bispo, de um padre? A resposta mais breve é: ele é um sucessor dos apóstolos. Ele faz o que os apóstolos fizeram. No Novo Testamento, encontramos um tipo de estrutura antiga da Igreja. O Senhor da Igreja é Jesus Cristo para toda a eternidade. Ele é quem age. Ele perdoa os pecados. Ele ensina. Ele cura. Ele oferece a si mesmo em sacrifício. Ao redor de Jesus estão os discípulos. Jesus manteve-os próximos a si e admitiu-os em um tipo de escola. Eles olham para a mão de Jesus, falam com ele. Eles assumem suas intenções. São enviados dois a dois “a toda cidade e lugar para onde ele mesmo devia ir” (Lc 10,1). A esses discípulos, Jesus “já não chama de servos”, mas “amigos” (Jo 15,15). Os discípulos são o motor da Igreja – e esta é, quiçá, a chave para a crise da Igreja de nossos dias: faltam discípulos e círculos de discípulos, ou seja, pessoas que, a partir de um relacionamento pessoal com Cristo, estejam empenhadas por Jesus em seu ambiente completamente normal. Quando se fala de discípulos, pode-se pensar nos cristãos das ordens religiosas, mas estes apenas vivem emblematicamente aquilo que todos os discípulos devem realizar.
O sacerdote é um ostensório: sua missão é mostrar Jesus. Ele deve retrair-se e permitir que somente Jesus seja visto.
Charles de Foucauld (1858–1916)
Dentre os discípulos, Jesus escolhe alguns – os apóstolos. De certa maneira, ele os faz girar – na direção da Igreja e para um serviço insubstituível nela. Eles fazem de maneira substitutiva aquilo que apenas Jesus pode fazer: edificar a Igreja com base nos sacramentos, principalmente no partir do pão (1Cor 11,23.24) e no perdoar pecados – “Os pecados daqueles que vocês perdoarem estarão perdoados” (Jo 20,23) – , mas também anunciar [a Palavra] “em tempo oportuno e inoportuno” (2Tm 4,2), e guiá-la em nome de Jesus. Hoje em dia, a opinião pública questiona frequentemente os padres, e não apenas por causa do celibato. Alguns opinam também que se poderia organizar muito bem uma Igreja sem padres.
No entanto, isso é falso. Enquanto se pode falar a respeito do celibato porque é um sinal “altamente adequado”, exigido pela Igreja – a vida celibatária é, mesmo assim, a forma de vida de Jesus –, uma Igreja sem padres é impensável; seria destruir sua fonte interior. Aliás, onde uma Igreja produz discípulos, aparecem também vocações para o sacerdócio.
No Novo Testamento consuma-se a Revelação de Deus. Os quatro evangelhos - segundo São Mateus, São Marcos, São Lucas e São João - são o coração da Sagrada Escritura e o mais precioso tesouro da Igreja. Neles mostra-Se o Filho de Deus como Ele é e como vem ao nosso encontro. Nos Atos dos Apóstolos conhecemos os primórdios da Igreja e a ação do Espírito Santo. Nas cartas apostólicas a vida do ser humano é iluminada, em todas as suas dimensões, pela Luz de Cristo. No Apocalipse de São João antevemos o fim dos tempos. [124-130,140]
Jesus é tudo o que Deus nos queria dizer. Todo o Antigo Testamento prepara a encarnação do Filho de Deus. Todas as promessas de Deus encontram em Jesus o seu cumprimento. Ser cristão significa unir-se cada vez mais profundamente à vida de Cristo. Para isso é preciso ler e viver os evangelhos. Madeleine Delbrêl diz: "Através da Sua Palavra, Deus diz-nos quem Ele é e o que quer; Ele di-lo definitivamente e para cada dia. Quando temos o nosso Evangelho nas mãos, devemos considerar que aí habita a Palavra que Se tornou carne para nós e nos quer atingir para recomeçarmos a Sua vida num novo lugar, num novo tempo, num novo ambiente humano."
Deus mostra-Se, no Antigo Testamento, como Aquele que criou o mundo por amor e permanece fiel ao ser humano, mesmo que este, pelo pecado, O renegue. [54-64, 70-72]
Deus deixa-Se experimentar na história. Com Noé faz uma Aliança para salvar todos os seres vivos. Chama Abraão para fazer dele o "pai de um grande número de nações" (Gn 17,5) e nele abençoar "todas as nações da Terra" (Gn 12,3). O povo de Israel, descendente de Abraão, torna-se Sua especial propriedade. A Moisés apresenta-Se nominalmente: O Seu nome misterioso, יהוה, muitas vezes pronunciado como "Iahweh", significa "Eu sou Aquele que sou" (Ex 3,14). Ele liberta Israel da escravidão no Egito, faz uma Aliança no Sinai e, através de Moisés, entrega-lhe a Lei. Repetidas vezes. Deus envia profetas ao Seu povo, para o chamar à conversão e à renovação da Aliança. Os profetas anunciam que Deus fará uma nova e eterna Aliança, que realizará uma radical renovação e uma definitiva redenção. Esta Aliança estará aberta a toda a humanidade.
Estamos no mundo para conhecer e amar Deus, para fazer o bem segundo a Sua vontade e um dia ir para o Céu. [1-3, 358]
Ser pessoa humana significa vir de Deus e ir para Deus. Nós vimos de mais Longe que dos nossos pais. Nós vimos de Deus, do qual provém toda a felicidade do Céu e da Terra, e somos esperados na Sua eterna e ilimitada bem-aventurança. Entretanto, vivemos neste mundo. De vez em quando, sentimos a proximidade do nosso Criador; frequentemente, não sentimos mesmo nada. Para encontrarmos o caminho para casa, Deus enviou-nos o Seu filho, que nos libertou do pecado, nos salvou de todo o mal e nos conduz infalivelmente à verdadeira Vida. Ele é "o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6).
Temos de conhecer as pessoas e as coisas humanas para as amar. Temos de amar Deus e as coisas divinas para as conhecer.
Blaise Pascal (1623-1662, matemático e filósofo francês)
Sim. O sentido da nossa vida está em unirmo-nos a Deus em amor, em corresponder aos sonhos de Deus. Devemos permitir a Deus "viver a Sua vida em nós" (Madre Teresa). Isto significa ser "santo". [2012-2016, 2028-2029]
Qualquer pessoa pergunta: Quem sou eu e para que estou aqui, como me realizo? A fé responde: Só na Santidade o ser humano se torna aquilo para que Deus o criou. Só na santidade o ser humano chega à verdadeira harmonia consigo mesmo e com o Criador. A santidade não é, todavia, uma perfeição de "fabrico caseiro"; ela atinge-se por união com o Amor encarnado, que é Cristo. Quem, deste modo, atinge uma Vida nova, torna-se e descobre-se santo.
Uma pessoa não escolhe sozinha uma vocação, mas recebe-a; e deve esforçar-se por conhecê-la. Deve entregar o seu ouvido à voz de Deus, para divisar os sinais da Sua vontade. E, uma vez conhecida a Sua vontade, deve realizá-la, tal como é, custe o que custar.
Beato Charles de Foucauld
A Igreja chama-se "apostólica" porque ela, fundada pelos Apóstolos, baseia-se na sua Tradição e é guiada pelos seus sucessores. [857-860, 869, 877]
Jesus chamou os Apóstolos como Seus colaboradores mais próximos. Eles eram as Suas testemunhas oculares. Após a Sua ressurreição, apareceu-lhes reiteradas vezes, deu-lhes o Espírito Santo e enviou-os ao mundo como Seus mensageiros plenipotenciários. Na Igreja jovem, eram a garantia da unidade. Através da imposição das mãos, transmitiram aos seus sucessores, os bispos, o seu envio e os seus plenos poderes. E assim foi até hoje. Este processo é designado por Sucessão Apostólica.
Transmitimos a fé porque Jesus ordenou-nos: "Ide, fazei discípulos de todas as nações!" (Mt 28,19) [91]
Nenhum cristão autêntico deixa a transmissão da fé apenas ao cuidado dos especialistas (catequistas, párocos, missionários). Somos cristãos para os outros. Isto significa que cada cristão autêntico deseja que Deus chegue também aos outros. Ele diz para si: "O Senhor precisa de mim! Sou batizado, confirmado e responsável para que as pessoas à minha volta façam a experiência de Deus e cheguem ao conhecimento da Verdade." (1Tm 2,4) Madre Teresa utilizou uma boa metáfora: "É frequente observares fios elétricos ao longo da estrada. Se a corrente não passa por eles, não há luz. O fio é o que somos tu e eu. A corrente elétrica é Deus. Temos o poder de a deixar passar através de nós e, assim, fornecer ao mundo a Luz, que é Jesus, ou de recusarmos que Ele Se sirva de nós, permitindo, com isso, que a escuridão se alastre."
É urgente e necessário que surja uma nova geração de apóstolos que estejam enraizados na Palavra de Cristo, em condições de dar uma resposta aos desafios do nosso tempo e preparados para anunciar o Evangelho em toda a parte.
Bento XVI, 22.02.2006
Os Leigos são enviados para se comprometerem na sociedade, para que o Reino de Deus possa crescer no mundo. [897-913, 940-943]
Um Leigo não é um cristão de segunda classe, porque ele participa do ministério sacerdotal de Cristo (sacerdócio comum dos fiéis). Ele empenha-se para que as pessoas do seu meio (escola, faculdade, família e profissão) aprendam a conhecer e a amar Cristo. Ele cunha com a sua fé a sociedade, a economia e a política. Ele promove a vida eclesial assumindo ministérios, como o acolitado e o leitorado, disponibilizando-se para dirigir grupos e aderindo aos movimentos e conselhos eclesiais (por exemplo, os conselhos paroquiais, pastoral ou econômico). Também os jovens devem refletir seriamente sobre o lugar em que Deus os quer.
Sou chamado a fazer ou ser algo para o qual mais ninguém é chamado; no plano de Deus e nesta terra de Deus, ocupo um espaço que mais ninguém pode ocupar.
Beato John Henry Newman
Pelo Batismo, Cristo fez de nós um Reino de "sacerdotes para Deus Seu Pai" (Ar 1,6). Pelo sacerdócio comum, cada qual é chamado por Cristo a agir no mundo em nome de Deus, servindo-Lhe de mediador da Bênção e da graça. Na Última Ceia e no envio dos Apóstolos, porém, Cristo dotou alguns com um poder sagrado para o serviço dos crentes; estes Ministros ordenados representam Cristo como pastores do Seu Povo e cabeça do Seu "corpo", a Igreja. [1546-1553, 1592]
A mesma palavra Sacerdote, aplicada a duas coisas análogas, mas distintas "no ser e não simplesmente no grau" (Lumen gentium, n.° 10), tem provocado ambiguidades. Por um lado, temos de compreender com grande alegria que nós, batizados, somos "sacerdotes", porque vivemos em Cristo e participamos em tudo do que Ele é e faz; por que motivo, portanto, não invocamos permanentemente a bênção sobre este mundo? Por outro lado, temos de redescobrir o dom de Deus à Sua Igreja, os sacerdotes, que representam o próprio Senhor.
Vós sois raça eleita, sacerdócio régio, nação santa, povo adquirido por Deus, para proclamar as obras maravilhosas d'Aquele que vos chamou das trevas para a Sua luz maravilhosa.
1Pd 2,9
No texto disponibilizado, há um roteiro para a Leitura Orante da Palavra de Deus, sobre uma passagem que ilustra bem o que expusemos até aqui.