Aqui se trata da questão de por que até mesmo o papa se confessa e por que ninguém pode ser cristão se faz tudo apenas sozinho.
Parece que vivemos na época das desculpas universais. O que quer que aconteça – foram os pais, as circunstâncias, a política ou o vizinho. Gostamos de ocupar-nos com pecado e culpa, mas somente quando dizem respeito aos outros.
Os psicólogos advertem, com razão, que uma pessoa não pode formar uma personalidade forte quando continuamente se dilacera e até mesmo não está em condições de assumir-se e de sentir-se bem. Desse modo, sabe-se hoje como é importante, desde o início, demonstrar reconhecimento às crianças. Contudo, deve-se, por isso, excluir o tema do pecado? Em todo caso, diz-se no Novo Testamento que Cristo “morreu por nossos pecados” (1Cor 15,3). Nas salas de aula e nos tribunais, ainda pendem crucifixos. Trata-se apenas de uma relíquia de uma época obscura?
A despedida do pecado teve início no século XIX. Friedrich Nietzsche, filósofo radical, tinha algo contra o “pecado”; ele considerava-o um “sentimento judaico e uma invenção judaica” mórbidos – típicos de uma “religião de escravos”. O pecado teria sido usado para gerar “remorso, degradação, revolver-se no pó” e, com isso, humilhar as pessoas. “Deus só lhe será propício se você se arrepender” jamais teria passado pela mente de um “grego sadio”. Nietzsche recomendava “despreocupação em torno das consequências naturais do pecado”; ele sonhava com a beleza e a força vitais da inescrupulosa besta loura: “O animal precisa vir de novo para fora, precisa voltar à selva; nobreza romana, árabe, germânica, japonesa, heróis homéricos, vikings escandinavos: nesta necessidade, todos se assemelham”.
O que os nazistas fizeram disso, todo o mundo sabe. No nacional-socialismo, o pecado só existia como “pecado contra o sangue e a raça”. Ideólogos nacionalistas cuidavam para que as pessoas perdessem sua consciência e se tornassem cegas para os reais fatores da desumanização. Eis que, então, logo se achavam “super-homens” louros na plataforma, com um sorriso diabólico nos lábios, assistindo a como “sub-homens” eram colocados em vagões de animais para serem levados para as câmaras de gás. Já deveria estar claro: esvaziar o pecado de seu conteúdo, não levá-lo suficientemente a sério, ridicularizá-lo, excluí-lo da existência humana é uma mentira, com bastante frequência, uma mentira da vida. “Se dissermos que não temos pecado, estamos enganando a nós mesmos, e a verdade não está em nós” (1Jo 1,8). As consequências são dramáticas. Aliás, a mentira foi/é o pecado original, como se pode ler no livro do Gênesis. O Evangelho de João conhece o “pai da mentira” (Jo 8,44) e considera-o “assassino desde o começo”. É o diabo. Não há nenhuma razão para subestimá-lo e brincar de “diabinho”.
O ardil mais esperto do diabo é convencer-nos de que ele não existe.
Charles Baudelaire (1821–1867)
Até aí, muitas pessoas concordam. Contudo, elas não compreendem o que o pecado tem a ver com Deus. Recorramos à ajuda de uma pequena estrutura. Substituamos a palavra “Deus” pela palavra “o Absoluto” – e acrescentemos ainda algumas características: o absolutamente belo, o absolutamente verdadeiro, o absolutamente bom. Não se pode definir Deus, mas apenas quanto ele está acima de tudo o que no mundo é bom, verdadeiro e belo, assim como, ademais, tudo o que não é bom, verdadeiro e belo, de algum modo, parece ser absolutamente impossível junto de Deus. Ora, nós, seres humanos, somos inclinados a concessões. Imaginemos, por exemplo, que existe um mundo no qual, em última instância, Harvey Weinstein devesse dizer: “Eu acho isso belo!”, Donald Trump devesse dizer: “Eu acho isso verdadeiro!”, e a empresa Monsanto devesse dizer: “Nós achamos isso bom!”.
Não haja irmão no mundo, mesmo que tenha pecado a não poder mais, que, após ver os teus olhos, sinta-se talvez obrigado a sair de tua presença sem obter misericórdia, se misericórdia buscou.
Francisco de Assis (1181–1226)
Ainda bem que existe Deus. Ele não é absolutamente estranho a nós. Ele é tão pouco estranho a nós que tudo que aqui dá humanamente errado afeta-o absolutamente – sim, toca-lhe de tal maneira o coração que ele dá tudo, até mesmo seu próprio Filho, a fim de consertar o mundo, para restabelecer o bem, o verdadeiro, o belo, a fim de reconciliar-nos consigo e entre nós. Deus, porém, não está apenas entre as vítimas do pecado quando elas são carregadas nos vagões rumo a Auschwitz. Deus também tem uma solução para os pecadores. Para pecadores pequenos, medianos e grandes, e até mesmo os que usam bota alta, que provocam um tipo de miséria que supera infinitamente suas possibilidades de reparação. Deus mesmo é quem nos reconcilia consigo por meio de Jesus Cristo, “estabelecendo a paz mediante o sangue de sua cruz” (Cl 1,20).
Deus é maior do que nossa culpa.
Papa Francisco
Nós devíamos pagar. Ele paga. De nós, exige-se apenas uma coisa: a confissão de nossos pecados. Nele, “temos… o perdão dos pecados” (Ef 1,7).
Que nós “alcançamos o perdão dos pecados em seu nome” é a confissão que os apóstolos exigiam como confissão do batismo. Se este perdão de Jesus tivesse sido anunciado apenas como verdade geral, ele nada teria a ver com a confissão de seu nome. Quando tivéssemos aprendido a lição, poderíamos esquecer-nos do professor. Jesus diria, como Sócrates: não se importem com Jesus, importem-se com a verdade. O Apóstolo, porém, escreve: “Nele temos o perdão dos pecados”.
Robert Spaemann (1927–2019), doutor em filosofia
Afastar-se de Ti, Deus, significa cair.
Virar-se para Ti significa levantar-se.
Permanecer em Ti significa ter apoio seguro.
Santo Agostinho
O cerne do pecado é a rejeição de Deus e a recusa de aceitar o Seu amor. Isto revela-se no desdém pelos Seus Mandamentos. [385-390]
O pecado é mais do que um comportamento errôneo; é também uma fraqueza física. Na sua natureza mais profunda, essa rejeição ou destruição de algo bom é a recusa do Bem por excelência, isto é, a recusa de Deus.
O pecado, a sua mais profunda e terrível dimensão, é a separação de Deus e, com isso, a separação da fonte da Vida, daí que a morte seja também a consequência do pecado: Jesus sofreu a rejeição de Deus no Seu próprio corpo. Ele tomou sobre Si a violência mortal do pecado, para ele não nos atingir. É neste sentido que usamos a palavra "redenção".
Um pecado é uma palavra, um ato ou uma intenção com que uma pessoa atenta consciente e intencionalmente contra a verdadeira ordem das coisas tal como a projetou o amor de Deus. [1849-1851, 1871-1872]
Pecar significa mais que atentar contra regras instituídas pelas pessoas e pelas instituições. O pecador volve-se livre e conscientemente contra o amor de Deus, ignorando-o. O pecado é, no fim de contas, "o egoísmo elevado ao desprezo de Deus" (Santo Agostinho); em caso extremo, a criatura pecadora profere: "Quero ser como Deus!" (Cf. Gn 3,5) Como o pecado me carrega com a respectiva culpa, ferindo-me e destruindo-me com as consequências, ele também envenena e prejudica o meu mundo. O pecado e o seu peso tornam-se reconhecíveis na proximidade com Deus.
Fora da misericórdia de Deus não há para o ser humano mais nenhuma fonte de esperança.
João Paulo II
Cristo quer "libertar-nos para a liberdade" (Gl 5,1) e tornar-nos capazes do amor fraterno. Para isso, Ele concede-nos o Espírito Santo, que nos torna livres e independentes das forças mundanas, fortalecendo--nos para uma vida de amor e responsabilidade. [1739-1742, 1748]
Quanto mais pecamos, mais pensamos apenas em nós e mais dificilmente nos podemos desenvolver como pessoas livres. No pecado, tornamo-nos também inaptos para fazer o bem e viver o amor. O Espírito Santo, que mergulhou no nosso coração, concede-nos um coração cheio de amor a Deus e a todas as pessoas.
Compreendemos o Espírito Santo como uma força que nos leva à liberdade interior, abrindo-nos ao amor e fazendo de nós instrumentos cada vez melhores do bem e do amor.
Vós não recebestes um espirito de escravidão para recair no temor, mas o Espírito de adoção filial, peto qual exclamamos: "Abbá, Pai!"
Rm 8,15-16
Violentar a consciência humana significa feri-la profundamente, desferir o mais doloroso golpe à sua dignidade. Em certa medida é mais grave que matá-la.
Beato João XXIII (1881-1963, o Papa do Concílio Vaticano II)
Sim, deve inclusivamente fazê-lo. A consciência, inata a todo o ser humano, dotado de razão, pode ser mal orientada e anestesiada. Deve ser por isso formada, a fim de se tornar um instrumento cada vez mais fino de comportamento reto. [1783-1788, 1799-1800]
A primeira escola da consciência é a autocrítica; nós, seres humanos, temos de fato a tendência para julgar de acordo com o nosso interesse. A segunda escola da consciência é a orientação para agir bem com os outros. A correta formação da consciência conduz o ser humano à liberdade de fazer o bem, corretamente discernido. A Igreja, ao longo da sua longa história e com a ajuda do Espírito Santo, colecionou muita sabedoria sobre comportamento correto; pertence à sua missão educar a humanidade e dar-lhe também orientações.
Uma pessoa sabe que pecou pela consciência, que a acusa e a move a reconhecer os seus erros perante Deus. [1797, 1848]
Viver no respeito pela verdade não significa apenas ser fiel a si mesmo. Ser verdadeiro significa, numa consideração mais exata, ser fiel a Deus, pois Ele é a fonte de toda a Verdade. Em Jesus encontramos rapidamente a verdade sobre Deus e sobre toda a realidade, porque Ele é "o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6). [2465-2470, 2505]
Quem realmente segue Jesus traz à sua vida uma sinceridade cada vez maior. Ele extingue, das suas realizações, toda a mentira, falsidade, dissimulação e ambiguidade, e torna-se transparente à Verdade. Crer significa tornar-se testemunha da Verdade.
Se dissermos que estamos em comunhão com Ele e andarmos nas trevas, mentimos e não praticamos a Verdade.
1Jo 1,6
A cada Confissão pertencem o exame de consciência, o arrependimento, o propósito, a confissão e a penitência. [1450-1460,1490-1492,1494]
O exame de consciência deve existir fundamentalmente, mas não tem de ser exaustivo. Sem um real arrependimento, isto é, apenas com uma confissão de lábios, ninguém pode ser absolvido do seu pecado.
Igualmente imprescindível é o propósito de, no futuro, não mais cometer esse pecado. O penitente tem de expressar o seu pecado diante do confessor incondicionalmente; portanto, tem de se confessar disso. Pertence à Confissão, finalmente, a reparação ou penitência, que o confessor ordena ao penitente, para reparar o dano causado.
O amor cobre uma multidão de pecados.
1Pd 4, 8
Sim. O próprio Jesus não apenas perdoou pecados, como também deu à Igreja o encargo e o poder de libertar as pessoas dos seus pecados. [981-983, 986-987]
Através do serviço do sacerdote, é concedido o perdão de Deus, pelo que a culpa é perfeitamente apagada, como se nunca tivesse existido. O Sacerdote só o pode fazer porque Jesus o fez participar no Seu próprio poder divino de perdoar pecados.
Àqueles a quem perdoardes, os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos.
Jo 20,23
No texto disponibilizado, há um roteiro para a Leitura Orante da Palavra de Deus, sobre uma passagem que ilustra bem o que expusemos até aqui.