Aqui se trata de aviação, de aviões e de outros meios de transporte rápidos que lhe proporcionam uma sensação de liberdade. Mas aqui se trata também do sentido da liberdade, e de por que permitir-se todas as liberdades possíveis poderia ser o contrário da liberdade.
“Acima das nuvens”, cantou certa vez o compositor Reinhard Mey, “é provável que a liberdade não conheça fronteiras”. A canção versa sobre alguém que, do hangar, observa como um avião eleva-se no ar; assaltam-no a nostalgia e o melancólico pensamento de se, em algum lugar, existe mesmo essa liberdade na qual “todas as angústias, todas as preocupações” ficam para trás ou, pelo menos, tornam-se pequenas. Reinhard Mey viveu intensamente esse sonho da humanidade. A partir de 1972, ele obteve, aos poucos, brevês para pilotar aviões monomotores, bimotores, biplanos e helicópteros, para voos acrobáticos, voos por instrumento, além de habilitação para barco e motocicleta. A biografia de Reinhard Mey pode ser lida como uma sequência contínua de momentos de liberdade. Mey exerceu sua liberdade, definitivamente, não apenas para proporcionar a si mesmo, continuamente, experiências individuais de liberdade; ele empregou também sua liberdade para se engajar de maneira impressionante no campo social.
O que é a liberdade? Liberdade – e o desejo de liberdade – é algo profundamente humano. Deus fez-nos assim, de modo a que tenhamos gosto pela liberdade, que reflitamos, escolhamos, apresentemos algo espontaneamente. Na liberdade, o ser humano é altivo, dignificado, belo. A liberdade significa: agir inteiramente por si mesmo, criar um pedaço do mundo como nos agrada, não sermos determinados por outros. Isso é um ponto importante, também na Igreja. Por mais que os pais queiram que seus filhos creiam, é errado persuadir os filhos à fé ou colocá-los sob pressão. Deus quer que seja livre o sim do ser humano. Onde quer que uma pessoa não aja inteiramente por si, onde for forçada ou coagida, ali, ela não é completamente humana.
Em que medida o ser humano é livre? A primeira resposta soa assim: a pessoa é livre para fazer ou deixar de fazer o que quiser – ainda que, objetivamente, essa resposta seja falsa. Isso pertence à sua dignidade humana, mesmo que ideólogos das alavancas do poder, repetidamente, procurem podar as pessoas em seus direitos à liberdade (liberdade de religião, de opinião, de profissão, de reunião, de associação etc.), porque julgam saber melhor o que é bom para as pessoas.
Os mandamentos não são obrigações impostas de modo arbitrário… Eles preservam a pessoa da força destruidora do egoísmo, do ódio e da mentira. Eles mostram-lhe todos os falsos deuses que a tornam escrava: o amor-próprio que exclui a Deus, a sede de poder e a busca de prazer que subvertem a ordem justa e degradam nossa dignidade humana e a de nosso próximo.
Papa São João Paulo II (1920–2005)
O elogio da liberdade, porém, não ignorará que a opção da pessoa de poder escolher o mal – aquilo, portanto, que prejudica a si e aos outros – pode levá-la diretamente pela “estrada para o inferno”. Foi o satanista Aleister Crowley quem proferiu o presumível lema da liberdade: “Faça o que quiser! Isso há de ser toda a lei”. O conceito de liberdade que inclui a autodestruição e a destruição do outro (por exemplo, pelo aborto, suicídio e eutanásia) é um conceito que se baseia em uma blasfema substituição de Deus: eu sou o senhor. Eu sou a lei.
No vasto universo, não há ninguém, aliás, que se interesse pelo que me acontece. E também não há ninguém que se importe se o outro se torna vítima de minha liberdade.
O verdadeiro Deus, de fato, concede liberdade irrestrita. No entanto, ele instalou na liberdade uma orientação – uma tendência interior para o bem. Sou totalmente livre, mas o sentido de minha liberdade é o bem. O ser humano é livre para fazer o bem a partir de uma escolha pessoal e livre. Desse modo, as pessoas experimentam uma satisfação natural quando fazem algo de bom, e coram de vergonha quando são flagradas fazendo o mal. Que exista esta diferença é uma indicação de que o bem provém do Bem – dito de outra maneira: o fundamento primordial, Deus, é bom. Se Deus é bom, então o bem é bom, e o mal é, precisamente, mau. Em um mundo sensato, Deus quer que sejamos bons. C. S. Lewis: “Se não quisermos ser como Deus quer que sejamos, então, de fato, queremos algo que não nos pode fazer felizes”.
A propósito, Reinhard Mey experimentou, na própria pele, os limites da liberdade. Dois de seus instrutores de voo caíram e morreram. Um filho seu morreu depois de cinco anos em estado vegetativo, o que, segundo Reinhard Mey, “abala a família em seus fundamentos e, de um dia para o outro, põe a vida de ponta-cabeça”. Mey passou incontáveis noites ao lado do leito da criança, cantou canções, contou-lhe histórias. Será que ele cantou “Acima das nuvens” para ele? Provavelmente, devamos falar sobre o sonho humano de liberdade sob a condição de que a liberdade completa só existe onde “todos os medos, todas as preocupações” desapareceram porque existe alguém de quem se diz: “E ele vai enxugar toda lágrima dos olhos deles, e não existirá mais a morte, nem aflição, nem choro, nem dor” (Ap 21,4). Até lá, devemos simplesmente ser bons, mesmo que seja cansativo.
Não impomos nossa fé a ninguém. Esse tipo de proselitismo é contrário ao ser cristão. A fé só pode acontecer na liberdade. Mas é pela liberdade das pessoas que apelamos para que se abram a Deus, a fim de buscá-lo, de dar-lhe ouvidos.
Papa Bento XVI
A liberdade é a possibilidade, concedida por Deus, de poder agir totalmente por si próprio; quem é livre não age por determinação alheia. [1730-1733, 1743-1744]
Deus criou-nos como pessoas livres e quer a nossa liberdade para podermos optar, de todo o coração, pelo bem, pelo mais alto Bem, ou seja, por Deus. Quanto mais praticarmos o bem, mais livres nos tornamos.
Ser livre significa possuir-se a si mesmo.
Dominique Lacoroaire (1802-1861, famoso pregador dominicano)
Um dos direitos mais fundamentais da dignidade humana é o exercício da liberdade. A liberdade do indivíduo só deve ser reduzida quando o exercício da sua liberdade afetar a liberdade dos outros. [1738, 1740]
A liberdade não seria liberdade se não fosse liberdade de optar também por aquilo que está errado. Se a liberdade de uma pessoa não fosse respeitada, a sua dignidade ficaria ferida. Uma das tarefas centrais do Estado é proteger os direitos de liberdade de todos os seus cidadãos (liberdade de religião, de reunião, de associação, de pensamento, de profissão etc.). A liberdade de um é a fronteira para a liberdade de outro.
Não. Ninguém deve forçar os outros, mesmo os próprios filhos, a ter fé, como ninguém deve ser forçado a não crer. O ser humano só pode optar pela fé em total liberdade. Não obstante, os cristãos são chamados, pela palavra e pelo exemplo, a ajudarem as outras pessoas a encontrar o caminho da fé. [2104-2109, 2137]
O Papa João Paulo II dizia: "O anúncio e o testemunho de Cristo, quando feitos no respeito pelas consciências, não violam a liberdade. A fé exige a livre adesão do ser humano, mas tem de ser proposta." (Redemptoris missio, n.° 8)
O mal só aparentemente é vantajoso, pelo que optar pelo mal só liberta aparentemente. O mal não dá felicidade; ele furta-nos do verdadeiro bem; liga-nos ao nada e, por fim, destrói toda a nossa felicidade. [1730-1733, 1743-1744]
Conseguimos ver essa realidade no vício: nele o ser humano vende a sua liberdade a algo que lhe parece bom. Na verdade, porém, ele torna-se um escravo. Uma pessoa é livre quando diz "sim" ao bem, quando nenhum vício, pressão ou hábito a impede de escolher e praticar o que é correto e bom. A opção pelo bem é sempre uma opção por Deus.
Sim, mas de um modo misterioso. Deus conduz tudo ao seu aperfeiçoamento, por caminhos que só Ele conhece. O que Ele criou não cai um instante das Suas mãos. [302-305]
Deus atua tanto nos grandes fatos da História como nos mais pequenos acontecimentos da nossa vida pessoal; contudo, Ele não belisca a nossa liberdade, como se fôssemos marionetes dos Seus planos eternos. Em Deus "vivemos, movemo-nos e existimos" (At 17,28). Deus está presente em todas as vicissitudes da nossa vida, mesmo nas ocorrências dolorosas e nos supostos acasos, aparentemente sem sentido. Deus também escreve direito pelas linhas tortas da nossa vida. O que Ele nos tira e o que nos dá, as situações em que Ele nos fortalece e as circunstâncias em que nos põe à prova... tudo isto constitui ocasiões e sinais da Sua vontade.
Deus colocou no nosso coração uma ânsia tão infinita de felicidade, que só Ele a consegue satisfazer. As realizações terrenas apenas nos dão um antegozo da felicidade eterna. Superando-as, temos de nos virar para Deus. [1718-1719, 1725]
Deus quer que sejamos felizes. Mas onde está a nascente desta esperança? Está na comunhão com Deus, que vive no fundo da alma de cada pessoa.
Irmão Roger Schutz
Deus fez tudo para o ser humano. Deus criou o ser humano, "a única criatura a ser querida por Deus em si mesma" (Gaudium et spes, n.° 24), para ser feliz. Isso acontece à medida que ele conhece Deus, O ama, O serve e vive com gratidão diante do seu Criador. [358]
A gratidão é o amor reconhecido. Quem é grato volta-se, na liberdade, para o Autor do Bem e começa com Ele uma relação nova e mais profunda. Deus gostaria que conhecêssemos o Seu amor e vivêssemos desde já toda a nossa vida numa relação com Ele. Esta relação permanece eternamente.
A graça de Deus vem ao encontro do ser humano na liberdade, procurando-o e apoiando-o em toda a sua liberdade. A graça não força. O amor de Deus quer o nosso livre consentimento. [2001-2002, 2022]
A graça também pode ser recusada. A graça, porém, não é algo exterior ou estranho ao ser humano; ela é propriamente o que este deseja em profundíssima liberdade. À medida que Deus nos move pela Sua graça, antecipa-Se à livre resposta do ser humano.
No texto disponibilizado, há um roteiro para a Leitura Orante da Palavra de Deus, sobre uma passagem que ilustra bem o que expusemos até aqui.