Aqui se trata de fofocas e tagarelice, Donald Trump, Alice no País das Maravilhas, um juiz nazista mentiroso e uma jovem incrivelmente corajosa e seus amigos, para os quais a difusão da verdade era ainda mais importante do que a própria vida.
O presidente americano pode também ter seus pontos positivos. Contudo, não podemos refletir a respeito do oitavo mandamento – “Não darás falso testemunho contra teu próximo!” – sem que nos deparemos com Donald Trump, com os “fatos alternativos” e com o “exagero verídico”.
No entanto, espalharíamos fake news se disséssemos que esses conceitos provêm dele mesmo. Foi a porta-voz do governo, Kellyanne Conway, que defendeu o presidente, quando foi condenado pela mentira, com o argumento de que Trump falava sobre “fatos alternativos”. Trump também não é o autor do “exagero verídico” que encontramos descrito no sucesso de livraria de Trump A arte da negociação, como “exagero inocente” e “forma muito eficaz de comercialização”. Na verdade, o livro foi escrito pelo ghost-writer Tony Schwartz, que apareceu arrependido em público, e na ocasião expressou a suspeita de que Trump não só jamais teria escrito um livro sequer, mas que também nunca teria lido um livro do começo ao fim. O presidente estaria interessado somente em si mesmo.
A verdade deve ser apresentada ao outro como um manto sob o qual ele possa deslizar – não como um pano molhado a ser colocado ao redor da cabeça.
Max Frisch (1911–1991)
Existe, já há muito tempo, uma tendência de lidar de modo “criativo” com a verdade. No livro Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, há o esquisito filósofo Humpty Dumpty, que exprime o tema em um conceito: “Quando utilizo uma palavra, ela tem exatamente o significado que lhe dou – nem mais nem menos”. Alice: “A questão, no entanto, é se o senhor pode atribuir tantos significados diferentes às palavras”. Humpty Dumpty sorri: “A questão é: quem é que manda? Isso é tudo”. Na filosofia clássica, a verdade é definida como adaequatio intellectus et rei – a verdade é a correspondência entre realidade e intelecto. Todo mundo sabe que isso está correto. Deve-se dizer o que ocorre. Do contrário, mente-se. Mas o ser humano é pecador, e já a criancinha compreende que é preciso gritar alto e durante muito tempo a fim de receber atenção e ser recompensada. E assim se desenvolve – se o oitavo dos Dez Mandamentos não intervier – uma relação com a verdade baseada no interesse.
O juiz nazista Freisler sabia exatamente que os estudantes da Rosa Branca que estavam diante dele falavam a verdade. Ele usava “fatos alternativos” para eliminá-los. Eles obstruíam o caminho do poder. O poder criava a própria verdade. A jovem Sophie Scholl, de 22 anos de idade, sabia que podia salvar-se com uma mentira, mas disse na cara do furioso esbirro nazista: “Em breve, o senhor estará aqui onde agora estamos”.
No mesmo dia, 22 de fevereiro de 1943, ela foi condenada à morte e decapitada pela guilhotina. Sophie Scholl era cristã; sua citação predileta era uma frase do filósofo Jacques Maritain: “É preciso ter um espírito duro e um coração brando”. Sim, é disso que a gente precisa, pois o nexo entre verdade e veracidade não é negociável no horizonte de Deus. Não se permitem truques. Deve-se dar testemunho da verdade; se necessário, até o martírio. Em nenhum lugar, a história dos seguidores de Cristo é mais deslumbrante do que na longa fileira dos mártires que não cederam ao poder. Eles preferiram dar a vida a servir à mentira e à traição.
Conhecereis a verdade, e a verdade vos tornará livres.
Jo 8,32
Seria de imaginar que a Segunda Guerra Mundial, com seus milhões de mortes, significaria uma ruptura com a cultura da mentira. Mas já em 1949, o autor George Orwell tinha motivos para um livro profético sobre a mentira e o poder: estou falando do romance 1984. É como se, naquele momento, Orwell já tivesse intuído o que nos estava por vir com o politicamente correto. Orwell projeta um Estado totalitário, no qual palavras ou são proibidas ou são redefinidas; ele chama isso de novilíngua. A agência governamental de espionagem torna-se o Ministério do Amor; os campos de concentração agora se chamam campos de prazer; quem reflete torna-se ideocriminoso.
Estamos assim tão distantes desse mundo fictício? No que diz respeito à redefinição das palavras, já temos bastante experiência, desde que a criança no ventre da mãe foi repentinamente chamada de “amontoado de células” e desde que o inconfundível aborto se tornou “interrupção da gravidez”, como se após o assassinato da criança fosse possível, de algum modo, continuar a gravidez. Ainda falta muito para desmascarar a novilíngua. Quando hoje escuto a expressão “direito das mulheres”, ela retine em meus ouvidos. O que se esconde por trás dessas belas palavras? Normalmente, o grupo de pressão dos partidários do aborto. “Crime de ódio” é também um conceito, no mínimo, elástico. Determinadas coisas que desagradam a uma obscura comunidade de pensadores corretos já não podem ser ditas abertamente no Facebook; do contrário, o usuário é excluído. O oitavo mandamento é mais atual do que nunca: para pessoas corajosas, honestas.
Oh, Deus, que maravilha: uma ou duas pessoas que dizem a verdade podem fazer mais do que diversas outras juntas! Mediante elas, os cegos redescobrem aos poucos o caminho, e nisso Deus lhes dá alegria e os encoraja.
Santa Teresa de Ávila (1515–1582)
O oitavo Mandamento ensina-nos a não mentir. Mentir significa falar ou agir consciente e voluntariamente contra a verdade. Quem mente engana-se a si mesmo e ilude os outros, os quais têm o direito a conhecer a verdade integral de um fato. [2464, 2467-2468, 2483, 2485-2486]
A mentira atenta contra a justiça e o amor. A mentira é uma forma de violência; ela coloca, numa comunhão, a semente da divisão e soterra a confiança, sobre a qual assenta a comunhão humana.
Qualquer falta contra a verdade e a justiça exige uma reparação, mesmo que tenha sido perdoada. [2487]
Quando uma pessoa não pode reparar publicamente uma mentira ou um testemunho falso, deve fazer o que puder, pelo menos discretamente. Não podendo reparar ao afetado os danos provocados, está por consciência obrigada a realizar uma reparação moral, isto é, a dar-lhe o seu melhor, para lhe proporcionar, no mínimo, uma simbólica compensação.
Ser verdadeiro significa agir seriamente e falar honestamente. Quem é verdadeiro protege-se da ambiguidade, do fingimento, da ilusão e da dissimulação manhosa. A pior forma de mentira é o juramento falso. [2468, 2476]
Um grande mal em todas as coletividades consiste em caluniar as outras pessoas e/ou difundir o que foi ouvido: A diz "confidencialmente" a B o nocivo que C disse sobre D.
Cada cristão deve dar testemunho da Verdade, seguindo Cristo, que disse a Pilatos: "Para isso nasci e vim ao mundo, a fim de dar testemunho da Verdade. (Jo 18,37) [2472-2474]
Isso pode até significar que um cristão dê a sua vida por fidelidade à verdade e por amor a Deus e aos outros. Chama-se "martírio" a esta valente forma de compromisso pela verdade.
Viver no respeito pela verdade não significa apenas ser fiel a si mesmo. Ser verdadeiro significa, numa consideração mais exata, ser fiel a Deus, pois Ele é a fonte de toda a Verdade. Em Jesus encontramos rapidamente a verdade sobre Deus e sobre toda a realidade, porque Ele é "o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6). [2465-2470, 2505]
Quem realmente segue Jesus traz à sua vida uma sinceridade cada vez maior. Ele extingue, das suas realizações, toda a mentira, falsidade, dissimulação e ambiguidade, e torna-se transparente à Verdade. Crer significa tornar-se testemunha da Verdade.